CGJ/SP: REGISTRO CIVIL DE PESSOAS NATURAIS – Retificação administrativa de assento de óbito lavrado na forma da Lei nº 9.140/95 – Declaração, pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, de que o falecimento decorreu de morte causada pelo Estado brasileiro – Anterior submissão da matéria à Eg. Corregedoria Nacional de Justiça que reconheceu a regularidade das retificações promovidas com base em atestado emitido na forma da Resolução nº 02/2017 da referida Comissão – Recurso provido.

PROCESSO Nº 1045782-43.2019.8.26.0100

Espécie: PROCESSO
Número: 1045782-43.2019.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PROCESSO Nº 1045782-43.2019.8.26.0100 (Processo Digital) – SÃO PAULO. – Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

(549/2019-E)

REGISTRO CIVIL DE PESSOAS NATURAIS – Retificação administrativa de assento de óbito lavrado na forma da Lei nº 9.140/95 – Declaração, pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, de que o falecimento decorreu de morte causada pelo Estado brasileiro – Anterior submissão da matéria à Eg. Corregedoria Nacional de Justiça que reconheceu a regularidade das retificações promovidas com base em atestado emitido na forma da Resolução nº 02/2017 da referida Comissão – Recurso provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de recurso interposto por ****** e pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos – CEMDP contra r. decisão que manteve a recusa, pela Sra. Oficial ******, em promover a retificação administrativa do assento de óbito para constar que o ******. “…faleceu em ******, em São Paulo (SP), em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985” (fls. 13).

Alegaram, em suma, que a retificação do assento de óbito em procedimento administrativo tem base legal suficiente e amparo em precedente da Corregedoria Permanente e da Corregedoria Geral da Justiça. Afirmaram que o art. 1º da Lei nº 9.140/95 reconheceu a morte, para todos os efeitos legais, das pessoas que foram detidas em razão da participação em atividades políticas e estão desaparecidas. Asseveraram que a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos – CEMDP tem atribuição legal para apurar as circunstâncias das mortes e desaparecimentos e reconhecer, oficialmente, que ocorreram por causas não naturais, em dependências e diligências policiais, ao passo que os titulares dos pedidos de reconhecimento das mortes têm legitimidade para requerer a lavratura do assento de óbito. Em razão disso, o reconhecimento das mortes e de suas causas não dependem de outras diligências, ao passo que a Lei nº 9.140/95 é especial e prevalece em relação à Lei de Registros Públicos. Aduziram que, neste caso concreto, o assento de óbito não indica a causa da morte e pode ser retificado na esfera administrativa porque a comprovação do erro não exige qualquer indagação ou constatação, na forma do art. 110, inciso I, da Lei nº 6.015/73. Por essa razão, não é necessário o recurso à esfera jurisdicional para a retificação. Citou, em amparo, o posicionamento adotado pelo Ministério Público em procedimento semelhante e a existência de norma editada pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado da Bahia. Ademais, a retificação tem fundamento na Recomendação nº 07 da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos – CEMDP e somente diz respeito à causa da morte, sem imputar a autoria à pessoa determinada. Requereram a reforma da r. decisão para que a retificação seja promovida com fundamento no art. 110 da Lei nº 6.015/73.

A douta Procuradoria Geral da Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 112/115).

Opino.

A Lei nº 9.140/95 reconheceu a morte, para todos os efeitos legais, das pessoas que foram detidas por agentes públicos e desapareceram em razão de participação, ou de acusação de participação, em atividades políticas no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988.

A referida Lei criou Comissão Especial com atribuições para promover o reconhecimento de pessoas desaparecidas: em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas e que faleceram de causas não-naturais, em dependências policiais ou assemelhadas; em virtude de repressão policial sofrida em manifestações públicas, ou em conflitos armados com agentes públicos; ou por suicídio praticado na iminência de prisão ou em decorrência de sequelas psicológicas resultantes de tortura por agentes do poder público:

Art. 1o São reconhecidos como mortas, para todos os efeitos legais, as pessoas que tenham participado, ou tenham sido acusadas de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, e que, por este motivo, tenham sido detidas por agentes públicos, achando-se, deste então, desaparecidas, sem que delas haja notícias.

Art. 2º A aplicação das disposições desta Lei e todos os seus efeitos orientar-se-ão pelo princípio de reconciliação e de pacificação nacional, expresso na Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979 – Lei de Anistia.

Art. 3º O cônjuge, o companheiro ou a companheira, descendente, ascendente, ou colateral até quarto grau, das pessoas nominadas na lista referida no art. 1º, comprovando essa condição, poderão requerer a oficial de registro civil das pessoas naturais de seu domicílio a lavratura do assento de óbito, instruindo o pedido com original ou cópia da publicação desta Lei e de seus anexos.

Parágrafo único. Em caso de dúvida, será admitida justificação judicial.

Art. 4º Fica criada Comissão Especial que, face às circunstâncias descritas no art. 1º desta Lei, assim como diante da situação política nacional compreendida no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, tem as seguintes atribuições:

I – proceder ao reconhecimento de pessoas:

a) desaparecidas, não relacionadas no Anexo I desta Lei;

b) que, por terem participado, ou por terem sido acusadas de participação, em atividades políticas, tenham falecido por causas não-naturais, em dependências policiais ou assemelhadas;

c) que tenham falecido em virtude de repressão policial sofrida em manifestações públicas ou em conflitos armados com agentes do poder público;

d) que tenham falecido em decorrência de suicídio praticado na iminência de serem presas ou em decorrência de seqüelas psicológicas resultantes de atos de tortura praticados por agentes do poder público;

II – envidar esforços para a localização dos corpos de pessoas desaparecidas no caso de existência de indícios quanto ao local em que possam estar depositados;

III – emitir parecer sobre os requerimentos relativos a indenização que venham a ser formulados pelas pessoas mencionadas no art. 10 desta Lei”.

Além disso, o art. 7º da Lei nº 9.140/95 conferiu à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos – CEMDP competência para receber e decidir requerimentos visando o reconhecimento de pessoas desaparecidas nas circunstâncias previstas em seu art. 4º, inciso I:

Art. 7º Para fins de reconhecimento de pessoas desaparecidas não relacionadas no Anexo I desta Lei, os requerimentos, por qualquer das pessoas mencionadas no art. 3º, serão apresentados perante a Comissão Especial, no prazo de cento e vinte dias, contado a partir da data da publicação desta Lei, e serão instruídos com informações e documentos que possam comprovar a pretensão.

§ 1º Idêntico procedimento deverá ser observado nos casos baseados na alínea b do inciso I do art. 4º.

§ 2º Os deferimentos, pela Comissão Especial, dos pedidos de reconhecimento de pessoas não mencionadas no

Anexo I desta Lei instruirão os pedidos de assento de óbito de que trata o art. 3º, contado o prazo de cento e vinte dias, a partir da ciência da decisão deferitória”.

A par dessas atribuições, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos – CEMDP, constituída em conformidade com a Lei nº 9.140/95, editou resolução e recomendação para a retificação da causa da morte no assento de óbito de pessoa falecida em razão de violações de direitos humanos (Resolução nº 02/2017 e Recomendação nº 07).

Neste caso concreto, o assento de óbito foi lavrado em ******, às fls. *** do Livro ***, Termo nº ***, com anotação de que a morte foi reconhecida com fundamento no art. 3º da Lei nº 9.140/95 por estar o ******. desaparecido desde o ano de ***, com último domicílio em ******, Estado de São Paulo (fls. 11).

Não se diverge quanto à possibilidade de lavratura de assento de óbito mediante reconhecimento de que se cuida de pessoa desaparecida nas circunstâncias previstas na Lei nº 9.140/95, nem sobre a anotação de que o falecimento ocorreu por causas não naturais em razão das circunstâncias relacionadas nas alíneas “a” a “d” do inciso III de seu art. 4º.

A questão a ser apreciada, in casu, consiste em verificar se para a retificação do assento, visando constar que o óbito ocorreu: “… em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985” conforme consignado em atestado de óbito” expedido pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos – CEMDP (fls. 13), é necessário o recurso ao procedimento previsto no art. 109 da Lei nº 6.015/73, de jurisdição voluntária, ou se pode ser promovida na forma do art. 110 da referida Lei, diretamente na esfera administrativa.

Essa matéria foi objeto de análise pela Eg. Corregedoria Nacional de Justiça no Pedido de Providências nº 0005326- 38.2018.2.00.0000, que foi arquivado porque se considerou que as Corregedorias Gerais e Permanentes observam a Resolução nº 02/2017 da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos – CEMDP. Nesse sentido, consta na r. decisão prolatada pelo Exmo. Ministro Corregedor Nacional de Justiça:

“Diante da informação de que as Corregedorias locais estão observando a Resolução 02/2017 para correção das certidões de óbito, nada mais a prover nos presentes autos”.

A r. decisão da Eg. Corregedoria Nacional de Justiça, ao determinar o arquivamento do Pedido de Providências, abrangeu o reconhecimento de que os atestados emitidos pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos – CEMDP são títulos hábeis para a retificação administrativa dos assentos de óbito que se referem os arts. 5º e 6º de sua Resolução nº 2/2017, assim redigidos:

Art. 5º Cada pedido de retificação será autuado como procedimento administrativo no sistema SEI do Ministério dos Direitos Humanos (MDH) no âmbito do qual será emitida uma minuta de atestado, que, por sua vez, será submetida ao(s) familiar(es) interessado(s), em resposta pelo mesmo endereço eletrônico.

§1º Os atestados emitidos para fins de retificação de assentos de óbito devem indicar as circunstâncias da morte ou desaparecimento de mortos ou desaparecidos políticos, com base nos procedimentos administrativos da CEMDP e no Volume III do Relatório da CNV.

§2º Em caso de versões conflitantes entre as fontes acima citadas, prevalecerá a constante do Relatório da CNV, a menos que as circunstâncias apontadas pela CEMDP constituam fato novo apurado após o encerramento dos trabalhos da CNV, em dezembro de 2014.

§3º O atestado será assinado pela presidência da CEMDP e conterá, nos termos do art. 81, da Lei nº 6.015, de 1973 (LRP), com a maior especificidade possível, as circunstâncias da morte, tais como hora, data, local, e que a morte não foi natural, mas violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial de 1964 a 1985.

§4º Como nome dos atestantes, conforme exigido pelo mesmo artigo da Lei nº 6.015, de 1973 (LRP), deverá constar dos assentos respectivos: “Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos”, com a indicação das páginas do Relatório da CNV ou do procedimento administrativo da CEMDP, de onde as afirmações foram extraídas.

Art. 6º Após a definição do texto final de cada atestado em conjunto com o(s) familiar(es) respectivo(s), este(s) deverá(ão) assinar a petição de que trata o art. 111, da Lei nº 6.015, de 1973 (LRP), e a CEMDP providenciará a retificação administrativa junto ao cartório e juízo de registros públicos onde a certidão original tiver sido emitida”.

Uma vez que já lavrado o assento de óbito com anotação de que a morte foi reconhecida com fundamento no art. 3º da Lei nº 9.140/95, e diante do que foi decidido pela Eg. Corregedoria Nacional de Justiça no Pedido de Providências nº 0005326- 38.2018.2.00.0000, deve o recurso ser provido.

Ante o exposto, o parecer que submeto ao elevado critério de Vossa Excelência é no sentido de que seja dado provimento ao recurso para afastar a recusa da retificação administrativa do assento de óbito, a ser promovida conforme o ****** de fls. ***.

Sub censura.

São Paulo, 03 de outubro de 2019.

José Marcelo Tossi Silva

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria, por seus fundamentos que adoto, e dou provimento ao recurso para afastar a recusa da retificação administrativa do assento de óbito, a ser promovida conforme ****** de fls. ***. Oportunamente, restituam-se os autos à Vara de origem. Intimem-se. São Paulo, 08 de outubro de 2019. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça.

Fonte: INR Publicações

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COMUNICADO CG Nº 2300/2019

COMUNICADO CG Nº 2300/2019

Espécie: COMUNICADO
Número: 2300/2019
Comarca: CAPITAL

COMUNICADO CG Nº 2300/2019 – Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

PROCESSO Nº 2019/177727 – SÃO PAULO – CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

A Corregedoria Geral da Justiça divulga para conhecimento geral, a r. decisão proferida pela E. Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Ceará, nos autos nº 8503088-63.2019.8.06.0026, Ofício nº 6793/2019/CGJCE, acerca da utilização obrigatória do selo digital, pelas serventias extrajudiciais da Comarca de Fortaleza, em todos os atos praticados, com exceção do Reconhecimento de Firma e Autenticação de cópia.

 

Fonte: INR Publicações

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Doação – Descumprimento de encargo – Terreno público doado pela Prefeitura de Votuporanga – Hipótese em que o não cumprimento do encargo pela beneficiada torna sem efeito a doação, revertendo-se, automaticamente, o imóvel doado para a Municipalidade, inclusive, com as benfeitorias eventualmente edificadas – Pedido de indenização pelo uso indevido da área afastado – Procedência da ação mantida – Recurso não provido.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1010130-24.2016.8.26.0664, da Comarca de Votuporanga, em que é apelante CONSTRUTORA JGO LTDA EPP, é apelado PREFEITURA MUNICIPAL DE VOTUPORANGA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores ANTONIO CELSO FARIA (Presidente) e JOSÉ MARIA CÂMARA JUNIOR.

São Paulo, 15 de agosto de 2019.

BANDEIRA LINS

Relator

Assinatura Eletrônica

Voto nº 11.998

Apelação nº 1010130-24.2016.8.26.0664 VOTUPORANGA

Apelante: CONSTRUTORA JGO LTDA.

Apelada: PREFEITURA MUNICIPAL DE VOTUPORANGA

Juiz de 1ª Instância: Dr. Reinaldo Moura de Souza

DOAÇÃO. Descumprimento de encargo. Terreno público doado pela Prefeitura de Votuporanga. Hipótese em que o não cumprimento do encargo pela beneficiada torna sem efeito a doação, revertendo-se, automaticamente, o imóvel doado para a Municipalidade, inclusive, com as benfeitorias eventu almente edificadas. Pedido de indenização pelo uso indevido da área afastado. Procedência da ação mantida. Recurso não provido.

Trata-se de ação de revogação de doação c/c reversão de imóvel ajuizada pela PREFEITURA MUNICIPAL DE VOTUPORANGA em face de CONSTRUTORA JGO LTDA. alegando, em síntese, que a autora no intuito de incentivar a produção industrial, aumentar a quantidade de empresas e o número de empregos, lançou o Plano de Desenvolvimento Econômico de Votuporanga, nos termos da Lei 3.781/04, com redação dada pela Lei 4.637/2009, Decreto 8.042/2009 e Lei 5.003/2011. Sustenta que com base na referida legislação, em 14/05/2012, a Municipalidade doou à requerida, conforme escritura pública de doação e encargos, um terreno, objeto da matrícula n. 49.626. Contudo, passados quase cinco anos da doação, afirma que a requerida deixou de cumprir os encargos contidos nos itens “d” e “e” previstos naquele instrumento contratual, quais sejam: d) proibição de paralisação de suas atividades empresariais no período de cinco anos, salvo autorizado pela Prefeitura Municipal, a contar do início daquelas atividades, por prazo superior a 30 (trinta) dias, contínuos ou intermitentes; e) proibição de diminuição do número de empregos iniciais, nos cinco primeiros anos de atividade na área cuja doação ora é autorizada, em mais de 20% (vinte por cento), sem motivo de força maior, devidamente justificado junto à Prefeitura Municipal. Pugna pela procedência da ação, revogando-se a doação.

A r. sentença de fls. 251/252 julgou procedente a ação, para o fim de revogar a doação feita pela Prefeitura Municipal de Votuporanga em favor da empresa ré, referente ao terreno discriminado na escritura pública de doação, revertendo-se o bem ao patrimônio da autora, bem assim determinou o cancelamento do registro constante na matrícula 49.626. A ré ficou condenada ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% do valor da causa, nos termos do art. 85, § 4, inciso III, do CPC.

Inconformada, apela a ré aduzindo que sempre observou os encargos impostos na escritura de doação. Diz que até dezembro de 2013, gerou empregos e renda ao município, porém, de forma inevitável, no ano de 2014, ocorreu uma redução do número de funcionários, diante da grave crise econômica que assolou o país, assim como nunca agiu de forma clandestina ou ilegal. Subsidiariamente, entende que deve ser reconhecido o direito ao ressarcimento das benfeitorias realizadas (fls. 257/269).

Foram apresentadas as contrarrazões (fls. 275/282).

É o relatório.

A demanda versa sobre revogação de doação firmada pela Municipalidade de Votuporanga em favor da empresa ré, em razão de descumprimento de cláusulas contratuais.

Considera-se doação como o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra, que os aceita, nos termos do art. 538, do CC. Dentre as espécies de doação, tem-se a doação com encargo ou modal, ou seja, aquela em que o doador exige do donatário o cumprimento de um gravame como condição de entrega.

Segundo lição de Sílvio de Salvo Venosa, doação modal, onerosa ou com encargo é “aquela na qual a liberalidade vem acompanhada de incumbência atribuída ao donatário, em favor do doador ou de terceiro, ou no interesse geral (art. 553; antigo, art. 1180). Será doação onerosa, por exemplo, aquela na qual se doa prédio para instalação de escola, nela colocando-se o nome do doador; doa-se terreno à Municipalidade, para construção de espaço esportivo ou área de lazer etc”.[1]

A aposição de encargo torna-se inerente ao negócio, de forma que seu descumprimento pode acarretar a resolução da liberalidade, nos termos do art. 555, do novo Código Civil.

No caso dos autos, a Lei Municipal 4.637/2009, com redação dada pela Lei 5.003/2011, autorizou ao Poder Executivo adquirir áreas destinadas à implantação de Distritos ou Polos Empresariais no Município e aliená-las no todo ou em partes por doação com os encargos a terceiros, cuja finalidade era o desenvolvimento industrial da área e o consequente aumento do número de empregos.

Assim, em 14/05/2014, a Municipalidade de Votuporanga doou à empresa ré, conforme escritura pública de doação com encargos, o terreno descrito na vestibular (fls. 9/17).

Consoante se depreende da escritura de doação com encargo, competia à Construtora JGO Ltda., sob pena de nulidade do ato e retrocessão do imóvel ao patrimônio público, inclusive com eventuais benfeitorias nele erigidas ou implantadas, dentre o cumprimento dos encargos: “d) proibição de paralisação de suas atividades empresariais no período de cinco anos, salvo autorizado pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico, a contar do início daquelas atividades, por prazo superior a 30 (trinta) dias, contínuos ou intermitentes; e) proibição de diminuição do número de empregos iniciais, nos cinco primeiros anos de atividade na área cuja doação ora é autorizada, em mais de 20% (vinte por cento), sem motivo de força maior, devidamente justificado junto à Prefeitura Municipal”.

No caso dos autos, a doação se deu em 14/05/2012 e, pelos documentos juntados aos autos, não se verifica qualquer registro de atividade empresarial após julho de 2014 (fls. 226), o que demonstra que houve o descumprimento à clausula “d” , que proíbe a paralisação das atividades.

Da mesma forma, não houve o devido cumprimento à cláusula “e”, que proíbe a diminuição do número de empregos iniciais, nos cinco primeiros anos de atividade na área cuja doação fora autorizada. Os documentos de fls. 201/220 demonstram a redução de vinte por cento do número de funcionários incialmente contratados (5 para 4 funcionários no período de junho de 2012 a janeiro de 2014), sem, contudo, haver qualquer justificativa junto à Municipalidade nesse sentido.

Observa-se que, conforme consta da reunião do Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico COMDE, a parte apelante, entre outras empresas, foi notificada pela municipalidade acerca do não cumprimento da legislação vigente referente ao desenvolvimento econômico do município, tendo ela apenas requerido a realização de avaliação do imóvel para o caso de eventual reembolso da obra feita.

Desse modo, restou perfeitamente demonstrado que as condições impostas à apelante não foram devidamente por ela atendidas.

O imóvel doado não atendeu à finalidade da lei. O fato de o país atravessar recessão econômica não justifica a inversão do julgado postulada pela apelante. E isso porque houve desvio das diretrizes da doação, uma vez que não se concretizou o interesse público que motivou o ato liberatório em questão. Com a reversão do imóvel ao poder público municipal, este poderá doar a área a outra empresa para que ali instale unidade industrial, com vistas ao desenvolvimento da economia local e a geração de empregos na região.

Em se tratando de doação com encargo, destinada à construção e instalação de unidade industrial, em determinado prazo, o descumprimento por parte da ré, que aceitou o encargo sem quaisquer restrições, ensejava mesmo a revogação da doação em tela. Em outro dizer, o não cumprimento da obrigação pela empresa, torna sem efeito a doação, revertendo-se, automaticamente, o imóvel doado para a Prefeitura Municipal de Votuporanga.

Cumpre salientar, nesse exato diapasão, que o pedido referente à obtenção de indenização das benfeitorias realizadas na área não havia mesmo de prosperar, pois inexistente, quer na Lei Municipal 4.637/2009, quer da escritura de doação, cláusula agasalhando tal pretensão.

Há de se lembrar que a Administração é regida pelo princípio da legalidade; e que assim se encontra autorizada a fazer apenas o que a lei permite (cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 42ª ed., São Paulo: Malheiros, 2016, p. 93; José dos Santos Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, 30ª ed., São Paulo: Atlas, 2016, p. 20).

Sem que a lei haja previsto o pagamento de indenização por benfeitorias para o donatário que dá causa à revogação da doação, a leitura de seus termos autorizada pelo princípio da legalidade impõe concluir que o beneficiário da doação assume, ao aceitála, o risco de perder o que tenha agregado ao imóvel, em caso de descumprimento dos deveres que aceitou visando a obter vantagem.[2]

Logo, correta a r. sentença ao julgar procedente o pedido objeto do presente.

Consideram-se prequestionados, para fins de possibilitar a interposição de recurso especial e de recurso extraordinário, todos os dispositivos de lei federal e as normas da Constituição Federal mencionadas pelas partes.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso. Por força da sucumbência recursal, majora-se a verba honorária para 11% do valor da causa, nos termos do art. 85, § 11, do CPC.

BANDEIRA LINS

Relator

Notas:

[1] Direito Civil: Contratos em espécie. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 122.

[2] Art. 12. Após a doação da área, o beneficiado terá o prazo de 120 (cento e vinte) dias para a aprovação do projeto e o início às obras. O não cumprimento desta determinação implica na reversão do imóvel ao patrimônio público da municipalidade, sem direito a qualquer ressarcimento, independentemente de notificação.

Art. 13. As obras das empresas implantadas ou transferidas para a Zona ou Distrito Empresarial deverão estar concluídas no prazo máximo de 18 (dezoito) meses da data da doação da área, sob pena de perda dos incentivos concedidos por esta Lei. – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1010130-24.2016.8.26.0664 – Votuporanga – 8ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Bandeira Lins – DJ 22.10.2019

Fonte: INR Publicações

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