A necessidade da prestação de assistência afetiva aos filhos é tema do Projeto de Lei 3012/2023, apresentado na Câmara dos Deputados, em 13 de junho, pela deputada federal Juliana Cardoso (PT-SP). O texto propõe medidas preventivas e compensatórias para os casos de abandono afetivo.
A proposta altera o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990) e o Código Civil (Lei 10.406/2002), inserindo entre os deveres decorrentes do poder familiar a prestação de assistência afetiva, deixando explícito que o dever decorre da relação entre pais e filhos, não sendo uma consequência da guarda.
O PL propõe ainda o acréscimo de artigo que trata especificamente do abandono afetivo, de modo a caracterizá-lo como ato ilícito, o que sujeita o ofensor à responsabilização civil.
“É importante constarem da lei instrumentos preventivos e punitivos do abandono afetivo, de modo a evitar que a negligência na manutenção de vínculos afetivos com os filhos redunde em prejuízos à integridade psíquica e à sua dignidade”, justifica a deputada na proposta apresentada à Câmara.
Redução das obrigações
O projeto chama a atenção para o fato de que, atualmente, a “punição” para o descumprimento de obrigações estabelecidas em acordo de guarda é a redução das prerrogativas atribuídas ao ofensor.
“Essa solução causa prejuízo ao melhor interesse da criança, que a lei deveria proteger. Com o escopo de ajustar a norma para que ela se converta em instrumento preventivo do abandono afetivo, propomos como preceito secundário o estabelecimento de multa, a modificação das obrigações inerentes à guarda ou a sua inversão”, diz um trecho da proposta.
Além disso, está previsto um amparo administrativo às mães que lidam com o abandono afetivo do pai em relação ao filho. E reconhece que processos de cunho indenizatório não são incomuns para o caso de abandono na Justiça brasileira. “Embora a indenização tenha indubitavelmente caráter dissuasório, não parece suficiente para que a situação de abandono não se verifique ou que seja interrompida”, explica.
“Nesse intuito, pretendemos dotar o Conselho Tutelar de atribuição específica de auxílio às mães que pretendem ver seus filhos psicologicamente amparados pela convivência com os pais, assim como deixar claro que o não cumprimento desse dever parental autoriza o referido órgão a adotar providências previstas na lei em face do pai ausente, evitando-se que o problema se concentre unicamente na seara judicial, com viés punitivo após a ocorrência dos danos à criança ou adolescente”, diz outro trecho.
Necessidade efetiva
O advogado Ricardo Calderón, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, avalia o PL positivamente, na medida em que aborda a questão da necessidade efetiva de um relacionamento afetivo entre pais e filhos, dever já presente no sistema jurídico.
“A proposta legislativa tem o mérito de abordar a necessidade de uma efetiva convivência, ou seja, que se estabeleça um relacionamento concreto, condizente com a relação e a necessidade inerente a tais crianças e adolescentes em formação da sua personalidade”, explica.
“Esta proposição, portanto, é mais um exemplo da força do princípio da afetividade no Direito de Família brasileiro, projeção desta peculiar necessidade de relação efetiva dos pais e mães com seus filhos”, afirma.
Ele destaca que as proposições previstas reforçam a necessidade de um caráter preventivo de forma a evitar o abandono, além de ressaltar que a Justiça não trata o assunto como novidade, embora sejam voltadas para a reparação.
“Desde 2012 há precedentes jurisprudenciais acolhendo a tese de reparação por abandono afetivo. Desse modo, o Direito de Família traz esta possibilidade de uma reparação a eventuais casos de abandono afetivo. O projeto procura destacar um incentivo a medidas preventivas, o que realmente é interessante e é possível de ter uma certa projeção na realidade brasileira”, observa.
O advogado atenta para o fato de que, ainda que o sistema jurídico esteja prevendo a possibilidade de uma reparação financeira em caso de dano afetivo, o que seria mais importante é prevenir os casos.
“A prevenção e a precaução são efetivamente duas grandes diretrizes que orientam a responsabilidade civil no Direito brasileiro”, afirma.
Incrementar a temática
Ricardo Calderón lembra que muitas vezes medidas judiciais preveem penalidades para casos de abandono afetivo, em geral de natureza indenizatória. No entanto, a inclusão de um dispositivo específico sobre o assunto na legislação seria bem-vindo.
“Pode ser interessante e pode incrementar esta relevante temática, aclarando que o descumprimento de obrigações inerentes à guarda e à convivência podem vir a gerar penalidades”, afirma.
O PL 3012/2023 propõe a inclusão de um dispositivo no artigo 1.634 do Código Civil que diz, de modo expresso, que o abandono afetivo constitui ato ilícito praticado pelos pais e mães perante seus filhos.
“Se aprovado, esse dispositivo consagrará toda a construção doutrinária jurisprudencial da última década, que entende que o abandono afetivo caracteriza ato ilícito, ou seja, trata-se do descumprimento de disposições expressas na nossa legislação. O fato desse dispositivo ser incluído na legislação civil codificada certamente reforçará tal comando e consolidará este percurso construtivo de edificações da temática do abandono afetivo”, afirma.
Sendo assim, a proposta seria uma forma de consolidar o abandono afetivo como prejudicial para crianças e adolescentes, reforçando a viabilidade de disposições reparatórias, o que, consequentemente, oferece segurança jurídica.
Fonte: Instituto Brasileiro de Direito de Família.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.
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