1VRP/SP: Registro de Imóveis. Desapropriação. Regularização Fundiária. Custas e emolumentos. Ausência de isenção específica de todos os valores.

Processo Digital nº: 1167802-94.2023.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Requerente: PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO
Requerido: 9º Oficial de Registro de Imóveis
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de dúvida inversa suscitada pelo Município de São Paulo em face do Oficial do 9º Registro de Imóveis de São Paulo, em virtude de exigência de custas e emolumentos que considera indevidos, para registro de carta de adjudicação extraída dos autos do processo nº 0047200-79.1979.8.26.0053, que diz respeito à desapropriação do imóvel descrito na matrícula nº 269.708 daquela serventia (prenotação nº 774.782).
A parte suscitante alega que apresentou para registro a carta de adjudicação dos autos de desapropriação nº 0047200-79.1979.8.26.0053, e que o Oficial Registrador, ao qualificar o título, exigiu o pagamento da quantia de R$501.566,39, a título de emolumentos, por entender que corresponde ao valor dos emolumentos devidos para registro do título em cada uma das 3.119 matrículas, as quais foram abertas na serventia quando a Municipalidade anteriormente solicitou os registros da imissão na posse e da regularização fundiária na matrícula nº 269.708 (referente ao imóvel expropriado), o que ensejou o encerramento da aludida matrícula 269.708 e a abertura de 3.119 novas matrículas para os lotes resultantes do processo de regularização fundiária. Aduz que a desapropriação foi ajuizada nos idos de 1.979, com área de 1.763.856 metros quadrados, e que ao longo da tramitação do processo houve mudança fática na situação da gleba. Relata que em 2015, foi feito o registro da regularização fundiária do loteamento denominado “Conjunto Habitacional São Francisco 5B” na matrícula do imóvel expropriado. Posteriormente, foi editada a Lei nº 13.465/17 que, ao tratar da regularização fundiária e da isenção de emolumentos, estabeleceu, no §1º do art. 13, um rol enumerativo, e não exaustivo, de atos sujeitos à isenção de emolumentos. Sustenta que o registro ora pleiteado é necessário para que a Municipalidade possa conferir o direito real de propriedade aos beneficiários da regularização fundiária, fazendo jus à mesma isenção de emolumentos concedida ao beneficiário final.
Documentos vieram às fls. 08/20.
Por decisão, o feito foi recebido como dúvida (fls. 21/22).
O Oficial manifestou-se, informando que o caso ganhou repercussão porque a área desapropriada foi objeto de regularização fundiária de interesse social com suporte no título de imissão provisória na posse e parcelada em 3.119 novos imóveis, causando a necessidade do ato expropriatório ser, agora, inscrito nas matrículas dos imóveis regularizados; que os Municípios, em regra, têm isenção parcial dos emolumentos incidentes sobre os atos de seu interesse, nos termos do art. 8º, caput, da Lei Estadual nº 11.331/2002, e que o pagamento deve alcançar apenas a parcela destinada ao oficial registrador, o que foi observado no cálculo do caso em comento; que o título em análise instrumentaliza uma expropriação proposta em 1979, e que o Decreto 15.411/78, que deu origem ao ato expropriatório, destinava o imóvel à execução de um aterro sanitário, de modo que, afastando-se o contexto da regularização fundiária, não haveria nenhuma discussão sobre a necessidade de cobrança do registro pretendido; que a regularização fundiária do Conjunto Habitacional São Francisco 5B foi registrada na matrícula 269.708 em 05/10/15, ainda na vigência da Lei nº 11.977/09, quando não era obrigatória a listagem de beneficiários, motivo pelo qual não foi possível aproveitar o registro da regularização para solucionar a titulação dos beneficiários; que dentre as demais hipóteses previstas no §1º do art. 13, da Lei 13.465/17, a que mais se aproxima do título em questão é a do inciso VI, que beneficia apenas o primeiro registro e que se for consumida pela Municipalidade, não haverá como conceder uma segunda isenção para os beneficiários finais, quando estes encaminharem seus títulos a registro, de modo que não se aplica ao caso; que a regularização fundiária com suporte exclusivo na imissão provisória da posse foi opção da Municipalidade, inclusive para atender a um comando judicial oriundo da ação civil pública nº 053.94.405090-9, que havia determinado a regularização da gleba; que a área está regularizada, as matrículas dos lotes estão abertas e diversas edificações já estão averbadas; que a legislação tributária que outorga isenção deve ser interpretada literalmente, nos termos do art. 111, do Código Tributário Nacional; que, para fins de Reurb, a expropriante deveria ter invocado a desapropriação por interesse social do inciso IV do art. 2º da Lei nº 4.132/62, como previsto no inciso VI do art. 15 da Lei nº 13.465/17, o que não ocorreu no caso concreto, já que o registro envolve uma desapropriação, cuja finalidade era a implantação de um aterro sanitário; uma vez justificada a escolha pela cobrança, explicou o método pelo qual foram calculados os emolumentos; que, na tentativa de solucionar o caso, analisou a possibilidade de utilizar, como alternativa, a metodologia de registro prevista no art. 237-A, da Lei 6015/73, mas concluiu que tecnicamente não é a mais adequada, vez que a regularização fundiária do Conjunto Habitacional São Francisco 5B está consolidada há muito tempo, inclusive com milhares de edificações regularizadas e averbadas gratuitamente nas matrículas das unidades habitacionais, e a matrícula da área maior está, inclusive, encerrada, conforme Av.3/269.708 (fls. 36/157).
O Ministério Público ofertou parecer, opinando pela improcedência do pedido (fls. 161/163).
É o breve relatório.
FUNDAMENTO E DECIDO.
A dúvida é improcedente.
De partida, cumpre salientar que o Oficial dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
Em termos diversos, o Oficial, quando da qualificação, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
Esta conclusão se reforça pelo fato de que vigora, para os registradores, ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/73; artigo 134, VI, do CTN e artigo 30, XI, da Lei 8.935/1994), bem como pelo disposto pelo item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:
“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
No caso dos autos, a Municipalidade de São Paulo insurge-se contra a exigência de pagamento de emolumentos, para registro de carta de adjudicação extraída dos autos do processo nº 0047200-79.1979.8.26.0053, que diz respeito à desapropriação do imóvel descrito na matrícula nº 269.708 do 9º Registro de Imóveis de São Paulo.
O Oficial Registrador, ao qualificar o título, exigiu o pagamento da quantia de R$501.566,39, a título de emolumentos, por entender que corresponde ao valor dos emolumentos devidos para registro do título em cada uma das 3.119 matrículas, as quais foram abertas na serventia quando a Municipalidade, anteriormente, solicitou os registros da imissão na posse e da regularização fundiária na matrícula nº 269.708 (referente ao imóvel expropriado), o que ensejou o encerramento da aludida matrícula 269.708 e a abertura de 3.119 novas matrículas para os lotes resultantes do processo de regularização fundiária.
Consta que a carta de adjudicação instrumentaliza expropriação proposta pela Municipalidade em 07/06/1979 (processo nº 0047200-79.1979.8.26.0053), julgada por sentença transitada em julgado aos 17/11/1983. O Decreto 15.411/78, que deflagrou o ato desapropriatório, destinava o imóvel à execução de um aterro sanitário.
Consta, ainda, que a regularização fundiária de interesse social do Conjunto Habitacional São Francisco 5B foi registrada na matrícula 269.708 em 05/10/2015 (fls. 47/153), na vigência da Lei nº 11.977/09, com suporte no título de imissão provisória na posse e parcelada em novos 3.119 imóveis, tornando necessária a inscrição do ato expropriatório nas matrículas dos imóveis regularizados.
A parte suscitante pretende o reconhecimento de isenção do recolhimento dos emolumentos ao Oficial, sob o fundamento de que o registro pretendido é ato necessário, intrínseco e prévia para que a Municipalidade possa conferir o direito real de propriedade aos beneficiários da regularização fundiária, fazendo jus à isenção de emolumentos concedida ao destinatário final, por interpretação sistemática da isenção prevista no §1º do artigo 13 da Lei nº 13.465/17.
Os emolumentos, como se sabe, têm por fato gerador a prestação de serviços públicos notariais e de registro previstos no artigo 236 da Constituição Federal e são regulados pela Lei Estadual nº 11.331/02, a qual estipula tabela própria para cobrança.
Em regra, os Municípios têm isenção parcial dos emolumentos incidentes sobre os atos de seu interesse, nos termos do artigo 8º, da sobredita Lei, devendo o pagamento alcançar apenas a parcela destinada ao oficial registrador, como remuneração da efetiva prestação do serviço. Veja-se:
Artigo 8º – A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, e as respectivas autarquias, são isentos do pagamento das parcelas dos emolumentos destinadas ao Estado, à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, ao custeio dos atos gratuitos de registro civil e ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça.
Parágrafo único – O Estado de São Paulo e suas respectivas autarquias são isentos do pagamento de emolumentos.
De fato, embora a regularização fundiária do Conjunto Habitacional São Francisco 5B tenha sido registrada na matrícula nº 269.708 em 05/10/2015, ainda na vigência da Lei 11.977/09, a qualificação do título apresentado (carta de adjudicação) deve observar o regramento vigente na data da prenotação em atenção ao princípio tempus regit actum.
É cediço que com o crescente adensamento populacional nas cidades, as questões urbanísticas ganharam relevo, o que originou a Lei nº 6.766/1979, cujo principal objetivo foi o de iniciar a organização do uso do solo urbano, traçando diretrizes para o parcelamento, instituindo disposições penais para coibir o parcelamento irregular e disciplinando a regularização dos parcelamentos não autorizados, com o intuito de evitar lesão ao padrão de desenvolvimento urbano e garantir os direitos dos adquirentes de lotes (art. 40).
Posteriormente, a Lei nº 10.931/04 incluiu disposição específica no artigo 213 da Lei de Registros Públicos, instituindo hipótese de isenção de custas e emolumentos notariais ou de registro decorrentes de regularização fundiária de interesse social, in verbis:
“Art.213. (…)
§15. Não são devidos custas ou emolumentos notariais ou de registro decorrentes de regularização fundiária de interesse social a cargo da administração pública”.
Em 2009, com a edição da Lei nº 11.977, a regularização fundiária de assentamentos urbanos foi aperfeiçoada, introduzindo-se a distinção entre a regularização fundiária de interesse social e a regularização fundiária de interesse específico:
“Art. 47. Para a regularização fundiária de assentamentos urbanos consideram-se:
(…)
III – demarcação urbanística: procedimento administrativo pelo qual o poder público, no âmbito da regularização fundiária de interesse social, demarca imóvel de domínio público ou privado, definindo seus limites, área, localização e confrontantes, com a finalidade de identificar seus ocupantes e qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses
IV – legitimação de posse: ato do poder público destinado a conferir título de reconhecimento de posse de imóvel objeto de demarcação urbanística, com a identificação do ocupante e do tempo e natureza da posse;
(…)
VII – regularização fundiária de interesse social: regularização fundiária de assentamentos irregulares ocupados, predominantemente, por população de baixa renda, nos casos:
(…)
VIII – regularização fundiária de interesse específico: regularização fundiária quando não caracterizado o interesse social nos termos do inciso VII;
1º A demarcação urbanística e a legitimação de posse de que tratam os incisos III e IV deste artigo não implicam a alteração de domínio dos bens imóveis sobre os quais incidirem, o que somente se processará com a conversão da legitimação de posse em propriedade, nos termos do art. 60 desta Lei”.
Finalmente, o procedimento de regularização fundiária foi aprimorado pela Lei nº 13.465/17, que manteve as duas modalidades de regularização (Reurb-S e Reurb-E), ampliando as hipóteses de isenção de custas e emolumentos, nos seguintes termos:
“Art. 13. A Reurb compreende duas modalidades:
I – Reurb de Interesse Social (Reurb-S) – regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda, assim declarados em ato do Poder Executivo municipal; e
II – Reurb de Interesse Específico (Reurb-E) – regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados por população não qualificada na hipótese de que trata o inciso I deste artigo.
§ 1º Serão isentos de custas e emolumentos, entre outros, os seguintes atos registrais relacionados à Reurb-S:
I – o primeiro registro da Reurb-S, o qual confere direitos reais aos seus beneficiários;
II – o registro da legitimação fundiária;
III – o registro do título de legitimação de posse e a sua conversão em título de propriedade;
IV – o registro da CRF e do projeto de regularização fundiária, com abertura de matrícula para cada unidade imobiliária urbana regularizada;
V – a primeira averbação de construção residencial, desde que respeitado o limite de até setenta metros quadrados;
VI – a aquisição do primeiro direito real sobre unidade imobiliária derivada da Reurb-S;
VII – o primeiro registro do direito real de laje no âmbito da Reurb-S; e
VIII – o fornecimento de certidões de registro para os atos previstos neste artigo.
§ 2º – Os atos de que trata este artigo independem da comprovação do pagamento de tributos ou penalidades tributárias, sendo vedado ao oficial de registro de imóveis exigir sua comprovação”.
Da leitura das hipóteses de isenção acima transcritas, conclui-se que nenhuma delas se aproxima minimamente da situação dos autos. Especificamente com relação ao inciso VI, não se aplica concretamente, pois se a isenção da primariedade registral for consumida pela Municipalidade, não haverá como conceder uma segunda isenção para os beneficiários finais, quando este apresentarem seus títulos a registro.
Não se pode perder de vista que a remuneração dos serviços notariais e de registro tem natureza tributária, configurando taxa remuneratória de serviço público, de competência estadual. Bem por isso, somente o ente político competente para a imposição do tributo – no caso, o Estado de São Paulo – tem competência para estabelecer isenções.
Outrossim, valer ressaltar que, nos termos do artigo 111, do Código Tributário Nacional, interpreta-se literalmente a legislação que disponha sobre outorga de isenção, circunstância apta a afastar a interpretação sistemática da isenção prevista no §1º do artigo 13 da Lei nº 13.465/17, conforme pretendido pela suscitante.
Ensina José Souto Maior Borges: “O princípio da legalidade da tributação (nullum tributum sine lege) não tem eficácia apenas sob o aspecto positivo do estabelecimento de tributos, mas também sob o prisma negativo da exoneração fiscal, porque se inexiste tributo sem que a lei institua, tampouco existe isenção tributária sem lei que a determine.(…) O poder de isentar, portanto, somente se manifesta através de lei. Assim como a relação jurídica de isenção tributária é relação obrigacional ex lege, a relação jurídica de isenção submete-se, por seu turno, ao princípio da reserva de lei.” (Teoria Geral da Isenção Tributária – 3ª edição – Editora Malheiros, p. 38/39).
Dessa forma, pode-se dizer que o poder de tributar é simétrico ao poder de isentar, de forma que a disciplina das isenções está igualmente vinculada ao princípio da legalidade.
Por essas razões, ante a interpretação literal do §1º do artigo 13 da Lei nº 13.465/17, mostra-se correta se mostra a exigência formulada pelo Oficial, a quem compete fiscalizar e exigir o pagamento dos emolumentos devidos.
A qualificação negativa, portanto, não merece reparo
Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE a dúvida inversa suscitada para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 19 de janeiro de 2024.
Renata Pinto Lima Zanetta
Juíza de Direito (DJe de 29.01.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.


CSM/SP: Registro de imóveis – Negativa de registro de carta de adjudicação – Desapropriação – Exigência de descrição georreferenciada do imóvel desapropriado e sua certificação pelo INCRA em cumprimento à lei de registros públicos – Dúvida procedente – Apelação não provida.

Apelação Cível nº 1002795-53.2022.8.26.0272

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1002795-53.2022.8.26.0272
Comarca: ITAPIRA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1002795-53.2022.8.26.0272

Registro: 2023.0000956652

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1002795-53.2022.8.26.0272, da Comarca de Itapira, em que é apelante AES BRASIL OPERAÇÕES S.A., é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ITAPIRA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 27 de outubro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1002795-53.2022.8.26.0272

APELANTE: AES Brasil Operações S.A.

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Itapira

VOTO Nº 39.167

Registro de imóveis – Negativa de registro de carta de adjudicação – Desapropriação – Exigência de descrição georreferenciada do imóvel desapropriado e sua certificação pelo INCRA em cumprimento à lei de registros públicos – Dúvida procedente – Apelação não provida.

Trata-se de apelação interposta por AES BRASIL OPERAÇÕES S.A. (sucessora por incorporação da empresa AES TIETÊ ENERGIA S.A.) contra a r. sentença que julgou procedente a dúvida do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Itapira/SP, mantendo a recusa ao ingresso de Carta de Adjudicação extraída do processo de desapropriação nº 272.01.1996.001649-0, que tramitou perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Itapira, cuja pretensão é a transferência de propriedade do imóvel objeto da matrícula nº 1.554, daquela serventia imobiliária (fls. 519/521).

Aduz a apelante, inicialmente, que outrora já havia apresentado a carta de adjudicação extraída da ação de desapropriação retro mencionada, tendo, inclusive, quitado os emolumentos (fls. 476), sem que houvesse sido comunicada da negativa de registro mediante apresentação de esclarecimento ou nota devolutiva, daí porque alega preclusão quanto às exigências ora apresentadas pelo delegatário, a teor dos artigos 188 e 198 da Lei nº 6.015/1973. Ao buscar informações a respeito, o Oficial respondeu dando a entender que o registro havia sido concluído, o que, todavia, não se verificou, ensejando novo pedido de registro em 23/09/2022 (protocolo nº AC001953504), que culminou com a Nota de Exigência nº 5762, relatando a necessidade do georreferenciamento da área desapropriada, com certificação pelo INCRA, com o que não concorda, insistindo em que a matrícula do imóvel desapropriado seja aberta com base em planta e memorial utilizados na instrução do procedimento judicial, estando o imóvel perfeitamente descrito. Alega, ainda, que o georreferenciamento do imóvel com menos de 25 hectares somente será exigível a partir de 20/11/2025 para os casos de transferência de área total, tendo o imóvel objeto da lide, a área de 15,12 hectares; que a desapropriação como forma originária de aquisição não se confunde com qualquer um dos atos registrais taxativamente descritos no § 2° do art. 10 do Decreto 4.449/2002; que o imóvel é bem público de uso especial, declarado de utilidade pública, não se enquadrando na classificação de imóvel rural; que o INCRA dispensa CCIR em casos do gênero através do Ofício INCRA SR 08JN 11897 (fls. 138/147).

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 586/589).

É o relatório.

A apelante, empresa concessionária de serviços públicos, por sentença proferida em ação judicial, obteve a desapropriação, por utilidade pública, de parte do imóvel rural objeto da matrícula nº 1.554 (fls. 456/458) do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Itapira/SP.

Contudo, a Carta de Adjudicação expedida nos autos da Ação de Desapropriação proposta em face de Romualdo Maniezzo, feito nº 272.01.1996.001649-0, tramitada na 1ª Vara Cível da Comarca de Itapira/SP, apresentada a registro pela apelante, foi negativamente qualificada pelo Oficial Registrador, mediante a Nota de Exigência nº 5762 (fls. 448/449):

“Foi apresentado o requerimento por parte da AES TIETÊ S/A solicitando o registro da Carta de Adjudicação expedida nos autos do processo nº 272.01.1996.001649-0 da 1ª Vara Cível da Comarca de Itapira.

Todavia, vale informar que a Carta de Adjudicação expedida nos autos do processo nº 272.01.1996.001649-0 – ordem nº 285/1996, refere-se ao imóvel objeto da matrícula nº 1.554 e não da matrícula nº 1.555, como indicado no requerimento.

E, para o registro na matrícula nº 1.554, o processo acima já foi objeto de qualificação por esse cartório através do protocolo nº 131.080, e teve a seguinte nota de devolução:

Foi apresentada a Carta de Adjudicação expedido no processo nº 272.01.1996.001649-, ordem nº 285/1996 em favor de AES TIETÊ S/A, sobre o imóvel objeto da matrícula nº 1.554 desta serventia.

Todavia, conforme disposto no art. 225 § 3º da Lei 6.015/73: Art. 225. § 3º – Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA.

Posicionamento esse constante na apelação cível nº 0000002- 95.2011.8.26.0450 do Conselho Superior de Magistratura do Estado de São Paulo; e item 12.1, Cap. XX, NSCGJSP; c/c Lei nº 6.015/73, arts. 176, §§ 3º e 4º, e 225, § 3º. Lei nº 10.267/01. Dec. nº 4.449/02, arts. 9º, caput e § 1º, e 10, caput e I a IV; e portaria do INCRA nº 1.032/02; portaria MDA nº 1.101/03.

A sentença judicial em ação de desapropriação não está isenta da incidência das demais determinações legais para o ingresso do título no registro imobiliário. Desse modo, é mesmo necessário o georreferenciamento para o ingresso do título judicial atinente à desapropriação de imóvel com certificação pelo INCRA relativa ao georreferenciamento.

Vale lembrar que, a descrição georreferenciada apresentada em documento apartado ao referido mandado é inadmissível por ser peça estranha ao presente processo.

Sendo assim, primeiramente, deverá cumprir as exigências acima, para que a carta de sentença possa ser registrada”.

Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme o disposto no item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível nº 413-6/7; Apelação Cível nº 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível nº 0005176-34.2019.8.26.0344 e Apelação Cível nº 1001015-36.2019.8.26.0223).

Bem por isso é que nenhum desatendimento ao disposto no artigo 29 do Decreto-lei 3.365/1941 (Lei Geral de Desapropriação) ocorreu na hipótese vertente. A sentença vale como título hábil à inscrição no registro de imóveis, mas isso não a exime de submissão à qualificação registral.

De outra sorte, não prospera a alegação de que ocorreu preclusão do dever de qualificar o título, sob alegação de que, em anterior apresentação da carta de adjudicação ao registro, não foi, a interessada, informada dos motivos da devolução.

Eventual omissão num primeiro exame não justifica registro que contrarie disposição legal.

Assim já decidiu esta Corregedoria Geral da Justiça, no parecer de lavra do então Juiz Auxiliar da Corregedoria, Dr. Álvaro Luiz Valery Mirra, nos autos do Processo CG nº 2008/11319, aprovado pelo D. Corregedor Geral da Justiça em exercício, à época, Desembargador Reis Kuntz:

“(…)

A propósito, impõe-se mencionar que, mesmo não tendo sido formulada na primeira oportunidade em que se deu a recusa, a exigência em questão, como bem lembrado pela Douta Procuradoria Geral de Justiça, deve, ainda assim, prevalecer, conforme vem sendo decidido nesta esfera administrativa e, em especial, no âmbito do Colendo Conselho Superior da Magistratura (Ap. Cív. n. 735-6/6), não se podendo falar em preclusão de óbices ao registro, dada a natureza da matéria discutida, como sabido de ordem pública.

(…)”.

Por oportuno, embora a apelante alegue que não foi informada da qualificação do título nos idos de 2011/2012, o Oficial menciona que expediu a nota devolutiva de nº 131.080, em que fez as mesmas exigências ora levantadas e impugnadas pela interessada.

E quanto à alegação de que houve pagamento de emolumentos, vê-se que o recibo se refere a imóvel diverso, de matrícula nº 1.555.

Descuidou-se, a ora apelante, de buscar informações a respeito da qualificação do título nos idos de 2011/2012, e só agora teve notícia de que houve sua desqualificação.

De todo modo, desqualificado que foi o referido título, apenas com nova reapresentação é que se obteria nova análise, como acabou ocorrendo.

Superada esta questão, indiscutível que a aquisição da propriedade imobiliária por meio da desapropriação judicial encerra forma originária.

E, a despeito de dito caráter originário, a partir da redação dos artigos 176, § 3º e 225, § 3º, da Lei nº 6.015/73, infere-se que, na hipótese em que há destaque de parcela de imóvel rural, observados, por certo, os prazos constantes do artigo 10, do Decreto nº 4.449/2002, existe a necessidade de regular apresentação da planta e do memorial descritivo georreferenciado, contendo as coordenadas georreferenciadas, notadamente pela repercussão no imóvel objeto da desapropriação parcial no aspecto da especialidade objetiva.

“Art. 176, § 3º – Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1º será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.” (g.n.)

“Art. 225, § 3º – Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais”.

Na expressão consagrada de Afrânio de Carvalho[1]:

“o requisito registral da especialidade do imóvel, vertido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto heterogêneo em relação a qualquer outro”.

E a necessidade de sua certificação pelo INCRA consta do art. 9º do Decreto nº 4.449/2002:

“Art. 9º – A identificação do imóvel rural, na forma do §3º do art. 176 e do §3º do art. 225 da Lei nº 6015, de 1973, será obtida a partir de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo, inclusive em manual técnico, expedido pelo INCRA.

§ 1º – Caberá ao INCRA certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio”.

Não se olvida dos prazos de carência estabelecidos no mencionado art. 10 de referido Decreto que, na hipótese, ocorreria em vinte e dois anos.

“Art.10 – A identificação da área do imóvel rural, prevista nos §§ 3º e 4º do art. 176 da Lei nº 6.015, de 1973, será exigida nos casos de desmembramento, parcelamento, remembramento e em qualquer situação de transferência de imóvel rural, na forma do art. 9º, somente após transcorridos os seguintes prazos:

VII – vinte e dois anos, para os imóveis com área inferior a vinte e cinco hectares”.

Contudo, georreferenciada a descrição perimétrica da área desapropriada, como ocorre in casu, ainda que não expirado o prazo de carência, afigura-se imprescindível a apresentação, no Registro de Imóveis competente, da certificação expedida pelo INCRA, confirmando a inexistência de sobreposição com outro imóvel rural, tudo a fim de se evitar o ingresso de identificação incompleta no fólio real.

Nestes moldes foi o parecer de lavra do então Juiz Auxiliar da Corregedoria, Dr. José Antônio de Paula Santos Neto, nos autos do Processo nº 24066/2005, aprovado pelo D. Corregedor Geral da Justiça, à época, Desembargador José Mário Antonio Cardinale:

“Foi questionado, outrossim, se ‘aqueles que optarem pelo georreferenciamento já, deverão atender de imediato a certificação de que trata o § 1º do artigo 9º do Decreto 4.449/02, ou poderão fazêlo dentro do prazo que for entendido como aplicável’. Obviamente, a providência deverá ser imediata. A obtenção do certificado de não sobreposição emitido pelo INCRA é parte integrante e relevante do sistema de individualização imobiliária disciplinado no dito decreto. Logo, não é de se admitir o ingresso, no fólio real, de identificação truncada; incompleta. Nem parceladamente, a prestações. Configura a certificação verdadeiro requisito a ser observado. Aliás, sua exigência é um dos aspectos essenciais do mapeamento cadastral que se almeja erigir. Destarte, a bem da própria higidez do Registro Imobiliário, deverá ser desqualificado o ingresso da nova descrição quando o memorial não vier devidamente certificado. Do contrário, ferir-se-ia a lógica da estrutura concebida e se correria o risco, até, de permitir a vulneração da tábua por modificação aventureira das características da área rural, uma vez que sem a chancela de segurança do órgão oficial responsável. Além disso, a certificação diferida para o futuro poderia nunca chegar, criando-se perplexidade acerca do destino a ser dado àquela descrição precipitadamente abrigada”.

Não vinga, ademais, a alegação da apelante, no sentido de que o imóvel em questão não deve ser considerado rural porque é “bem público de uso especial”, declarado de utilidade pública pelo Decreto de Desapropriação de 15 de agosto de 1994.

Com efeito, nos termos do artigo 53 da Lei nº 6.766/79, a alteração de uso do solo rural para fins urbanos depende de aprovação do Município, bem como de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA.

Nos autos, contudo, não há demonstração de manifestação do INCRA e tampouco comprovação de aprovação por parte do Município da mudança de destinação do imóvel, razão pela qual não há como ser afastada a exigência.

Sobre o tema, já se manifestou este Colendo Conselho Superior da Magistratura:

“Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. Escritura de venda e compra. Descrição sucinta do imóvel constante da matrícula e reproduzida no título que, porém, dadas as circunstâncias do caso concreto, não chega a ofender o princípio da especialidade objetiva. Alegada destinação urbana de imóvel originalmente rural. Necessária apresentação de certidão de descadastramento pelo INCRA. Recurso não provido”. (Apelação nº 790-6/6, Rel. Des. Ruy Camilo, j. em 27/5/2008).

E mais recentemente, em hipótese bastante semelhante, ficou decidido que:

“REGISTRO DE IMÓVEIS  Desapropriação de imóvel rural  Aquisição originária da propriedade  Rodovia em área rural – Áreas desapropriadas georreferenciadas  Necessidade de certificação pelo INCRA e de registro no Cadastro Ambiental Rural – CAR  Nega-se provimento à apelação”. (TJSP; Apelação Cível 1000288-86.2021.8.26.0553; Relator RICARDO ANAFE (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Santo Anastácio – Vara Única; Data do Julgamento: 02/12/2021; Data de Registro: 15/12/2021).

Frise-se que a natureza originária da aquisição pela desapropriação não descaracteriza a submissão dessa situação jurídica à hipótese de desmembramento de imóvel rural, porquanto a área desapropriada foi destacada de imóvel rural com área maior, o que confirma a necessidade do cumprimento das exigências.

A propósito, também há decisões recentes deste Colendo Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. DESAPROPRIAÇÃO PARCIAL DE ÁREA RURAL. Carta de Adjudicação. Qualificação registral. Aquisição originária da propriedade. Rodovia em área rural. Cabimento do georreferenciamento, em cumprimento à Lei de Registros Públicos (artigos 176, § 1º, 3 “a”, 176, §§ 3º e 5º e 225, § 3º) e ao Princípio da Especialidade Objetiva. Cabimento do registro no CAR. Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR). Recurso não provido, com observação“. (TJSP; Apelação Cível 1001639-44.2018.8.26.0539; Relator PINHEIRO FRANCO (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Santa Cruz do Rio Pardo – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/06/2019; Data de Registro: 12/07/2019).

“REGISTRO DE IMÓVEIS  Desapropriação de imóvel rural  Aquisição originária da propriedade  Rodovia em área rural  Descrição georreferenciada do imóvel desapropriado e sua certificação pelo INCRA  Cadastro Ambiental Rural – CAR  Certificado de Cadastro de Imóvel Rural – CCIR – Exigências mantidas, em observância aos princípios da legalidade e da especialidade objetiva  Dúvida procedente  Apelação a que se nega provimento”. (TJSP; Apelação Cível 1000463-37.2021.8.26.0341; Relator RICARDO ANAFE (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Maracaí – Vara Única; Data do Julgamento: 14/12/2021; Data de Registro: 16/12/2021).

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

Registro de Imóveis, pág. 206. (DJe de 30.01.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.

 


CSM/SP: Registro de Imóveis – Usucapião na via extrajudicial – Dúvida – Apelação – Falta de prova da posse própria (“com animus domini”) de antecessora – Impossibilidade de afirmar-se neste caso, na via administrativa, a sucessão na posse nos termos dos arts. 1.207 e 1.243 do Código Civil – Sentença bem lançada – Apelação a que se nega provimento

Apelação Cível nº 0001035-05.2021.8.26.0278

Espécie: APELAÇÃO
Número: 0001035-05.2021.8.26.0278
Comarca: ITAQUAQUECETUBAPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 0001035-05.2021.8.26.0278

Registro: 2023.0000976476

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0001035-05.2021.8.26.0278, da Comarca de Itaquaquecetuba, em que é apelante VICTOR HUGO FABOTTI DELGADO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ITAQUAQUECETUBA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 6 de novembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 0001035-05.2021.8.26.0278

APELANTE: Victor Hugo Fabotti Delgado

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Itaquaquecetuba

VOTO Nº 39.185

Registro de Imóveis – Usucapião na via extrajudicial – Dúvida – Apelação – Falta de prova da posse própria (“com animus domini”) de antecessora – Impossibilidade de afirmar-se neste caso, na via administrativa, a sucessão na posse nos termos dos arts. 1.207 e 1.243 do Código Civil – Sentença bem lançada – Apelação a que se nega provimento

Cuida-se de apelação interposta por Victor Hugo Fabotti Delgado contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Itaquaquecetuba, Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoa Jurídica e Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas da Sede da Comarca de Itaquaquecetuba, que julgou procedente a dúvida e impediu o prosseguimento de processo extrajudicial de usucapião.

Segundo a r. sentença (fls. 274/276), o requerente Victor Hugo Fabotti Delgado não conseguiu provar o exercício de posse pelo tempo suficiente para a usucapião extraordinária, pois os documentos que trouxe não deixam claro a que título e de que forma a pessoa jurídica antecessora ocupava o imóvel.

Na apelação (fls. 280/285) está dito que o imóvel foi inicialmente ocupado em 10.10.2001 por Recimax Comércio de Metais, em área maior, e sua posse foi sucessivamente transmitida mediante contratos escritos (de Recimax para Carlos Peres Delgado e Marcelo Silva, em 02.06.2009; de Carlos e Marcelo para apenas Carlos, em 03.07.2017), até que, em 22.01.2018, o apelante, por contrato de cessão gratuita, celebrado com seu pai Carlos Peres Delgado, adquiriu a posse na área menor usucapienda, com exclusividade; contudo, o cartório afirmou que não é possível determinar se a pessoa jurídica Recimax exercia ou não posse própria (“com animus domini”), o que não está correto; a prova da posse própria (“com animus domini”) verifica-se independentemente de prova escrita ou contrato, mas tira-se das circunstâncias do caso, as quais, de modo efetivo, indicam que o poder fático da empresa realmente existiu, mediante contrato social registrado na Junta Comercial, notas fiscais de entrada e saída de mercadorias, cópias de mandados de intimação e de citação no endereço etc.; é incoerente a afirmação de que Carlos e Marcelo tinham posse própria, mas a sua antecessora a sociedade Recimax não a havia, valendo notar que não existem notícias de demandas judiciais contra essa pessoa jurídica, acerca de sua posse; pede, assim, o apelante, que se reforme a r. sentença e lhe seja reconhecida a usucapião almejada.

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento da apelação (fls. 542/544).

É o relatório.

Como diz o Cód. Civil, art. 1.207, 2ª parte, “ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais” (successio possessionis) dentre esses efeitos, a contagem de prazo para a usucapião (Cód. Civil, art. 1.243).

Para que seja possível admitir-se essa sucessão na posse, é preciso que os poderes fáticos exercidos pelos interessados sejam contínuos e tenham a mesma natureza (= sejam sempre posse ad usucapionem).

A constatação dessa homogeneidade dos poderes fáticos, entretanto, não pode ser feita retroativamente, como se o poder fático hoje exercido demonstrasse de modo cabal, de trás para frente, que os possuidores antecedentes também mantinham posse própria (“com animus domini”), especialmente na via extrajudicial, onde as limitações instrutórias e a ausência de coisa julgada tornam ainda mais necessária a firme cautela na apreciação dos requisitos para a usucapião.

Na hipótese dos autos, os documentos que supostamente indicam a presença da pessoa jurídica Recimax no local (fls. 19/20 e 48/74) não dão prova contundente da forma pela qual essa sociedade iniciou e conservou o poder fático sobre o imóvel: o só fato de a empresa estar lá não indica, com efeito, que ela tenha exercido a posse como se dona fosse, e sem segurança sobre isso (= sem certeza sobre a posse própria de Recimax) não há como cogitar da soma desse tempo anterior com os períodos subsequentes, para a consumação do prazo de usucapião extraordinária. Nesse contexto, andaram bem o Oficial de Registro de Imóveis (fls. 05/06, em especial) e a r. sentença (fls. 274/276), quando afirmaram a ausência do requisito temporal para a declaração da prescrição aquisitiva na via extrajudicial como também fez notar o Ministério Público (fls. 542/544).

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 01.02.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.