Processo Digital nº: 1167802-94.2023.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Requerente: PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO
Requerido: 9º Oficial de Registro de Imóveis
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de dúvida inversa suscitada pelo Município de São Paulo em face do Oficial do 9º Registro de Imóveis de São Paulo, em virtude de exigência de custas e emolumentos que considera indevidos, para registro de carta de adjudicação extraída dos autos do processo nº 0047200-79.1979.8.26.0053, que diz respeito à desapropriação do imóvel descrito na matrícula nº 269.708 daquela serventia (prenotação nº 774.782).
A parte suscitante alega que apresentou para registro a carta de adjudicação dos autos de desapropriação nº 0047200-79.1979.8.26.0053, e que o Oficial Registrador, ao qualificar o título, exigiu o pagamento da quantia de R$501.566,39, a título de emolumentos, por entender que corresponde ao valor dos emolumentos devidos para registro do título em cada uma das 3.119 matrículas, as quais foram abertas na serventia quando a Municipalidade anteriormente solicitou os registros da imissão na posse e da regularização fundiária na matrícula nº 269.708 (referente ao imóvel expropriado), o que ensejou o encerramento da aludida matrícula 269.708 e a abertura de 3.119 novas matrículas para os lotes resultantes do processo de regularização fundiária. Aduz que a desapropriação foi ajuizada nos idos de 1.979, com área de 1.763.856 metros quadrados, e que ao longo da tramitação do processo houve mudança fática na situação da gleba. Relata que em 2015, foi feito o registro da regularização fundiária do loteamento denominado “Conjunto Habitacional São Francisco 5B” na matrícula do imóvel expropriado. Posteriormente, foi editada a Lei nº 13.465/17 que, ao tratar da regularização fundiária e da isenção de emolumentos, estabeleceu, no §1º do art. 13, um rol enumerativo, e não exaustivo, de atos sujeitos à isenção de emolumentos. Sustenta que o registro ora pleiteado é necessário para que a Municipalidade possa conferir o direito real de propriedade aos beneficiários da regularização fundiária, fazendo jus à mesma isenção de emolumentos concedida ao beneficiário final.
Documentos vieram às fls. 08/20.
Por decisão, o feito foi recebido como dúvida (fls. 21/22).
O Oficial manifestou-se, informando que o caso ganhou repercussão porque a área desapropriada foi objeto de regularização fundiária de interesse social com suporte no título de imissão provisória na posse e parcelada em 3.119 novos imóveis, causando a necessidade do ato expropriatório ser, agora, inscrito nas matrículas dos imóveis regularizados; que os Municípios, em regra, têm isenção parcial dos emolumentos incidentes sobre os atos de seu interesse, nos termos do art. 8º, caput, da Lei Estadual nº 11.331/2002, e que o pagamento deve alcançar apenas a parcela destinada ao oficial registrador, o que foi observado no cálculo do caso em comento; que o título em análise instrumentaliza uma expropriação proposta em 1979, e que o Decreto 15.411/78, que deu origem ao ato expropriatório, destinava o imóvel à execução de um aterro sanitário, de modo que, afastando-se o contexto da regularização fundiária, não haveria nenhuma discussão sobre a necessidade de cobrança do registro pretendido; que a regularização fundiária do Conjunto Habitacional São Francisco 5B foi registrada na matrícula 269.708 em 05/10/15, ainda na vigência da Lei nº 11.977/09, quando não era obrigatória a listagem de beneficiários, motivo pelo qual não foi possível aproveitar o registro da regularização para solucionar a titulação dos beneficiários; que dentre as demais hipóteses previstas no §1º do art. 13, da Lei 13.465/17, a que mais se aproxima do título em questão é a do inciso VI, que beneficia apenas o primeiro registro e que se for consumida pela Municipalidade, não haverá como conceder uma segunda isenção para os beneficiários finais, quando estes encaminharem seus títulos a registro, de modo que não se aplica ao caso; que a regularização fundiária com suporte exclusivo na imissão provisória da posse foi opção da Municipalidade, inclusive para atender a um comando judicial oriundo da ação civil pública nº 053.94.405090-9, que havia determinado a regularização da gleba; que a área está regularizada, as matrículas dos lotes estão abertas e diversas edificações já estão averbadas; que a legislação tributária que outorga isenção deve ser interpretada literalmente, nos termos do art. 111, do Código Tributário Nacional; que, para fins de Reurb, a expropriante deveria ter invocado a desapropriação por interesse social do inciso IV do art. 2º da Lei nº 4.132/62, como previsto no inciso VI do art. 15 da Lei nº 13.465/17, o que não ocorreu no caso concreto, já que o registro envolve uma desapropriação, cuja finalidade era a implantação de um aterro sanitário; uma vez justificada a escolha pela cobrança, explicou o método pelo qual foram calculados os emolumentos; que, na tentativa de solucionar o caso, analisou a possibilidade de utilizar, como alternativa, a metodologia de registro prevista no art. 237-A, da Lei 6015/73, mas concluiu que tecnicamente não é a mais adequada, vez que a regularização fundiária do Conjunto Habitacional São Francisco 5B está consolidada há muito tempo, inclusive com milhares de edificações regularizadas e averbadas gratuitamente nas matrículas das unidades habitacionais, e a matrícula da área maior está, inclusive, encerrada, conforme Av.3/269.708 (fls. 36/157).
O Ministério Público ofertou parecer, opinando pela improcedência do pedido (fls. 161/163).
É o breve relatório.
FUNDAMENTO E DECIDO.
A dúvida é improcedente.
De partida, cumpre salientar que o Oficial dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
Em termos diversos, o Oficial, quando da qualificação, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
Esta conclusão se reforça pelo fato de que vigora, para os registradores, ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/73; artigo 134, VI, do CTN e artigo 30, XI, da Lei 8.935/1994), bem como pelo disposto pelo item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:
“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
No caso dos autos, a Municipalidade de São Paulo insurge-se contra a exigência de pagamento de emolumentos, para registro de carta de adjudicação extraída dos autos do processo nº 0047200-79.1979.8.26.0053, que diz respeito à desapropriação do imóvel descrito na matrícula nº 269.708 do 9º Registro de Imóveis de São Paulo.
O Oficial Registrador, ao qualificar o título, exigiu o pagamento da quantia de R$501.566,39, a título de emolumentos, por entender que corresponde ao valor dos emolumentos devidos para registro do título em cada uma das 3.119 matrículas, as quais foram abertas na serventia quando a Municipalidade, anteriormente, solicitou os registros da imissão na posse e da regularização fundiária na matrícula nº 269.708 (referente ao imóvel expropriado), o que ensejou o encerramento da aludida matrícula 269.708 e a abertura de 3.119 novas matrículas para os lotes resultantes do processo de regularização fundiária.
Consta que a carta de adjudicação instrumentaliza expropriação proposta pela Municipalidade em 07/06/1979 (processo nº 0047200-79.1979.8.26.0053), julgada por sentença transitada em julgado aos 17/11/1983. O Decreto 15.411/78, que deflagrou o ato desapropriatório, destinava o imóvel à execução de um aterro sanitário.
Consta, ainda, que a regularização fundiária de interesse social do Conjunto Habitacional São Francisco 5B foi registrada na matrícula 269.708 em 05/10/2015 (fls. 47/153), na vigência da Lei nº 11.977/09, com suporte no título de imissão provisória na posse e parcelada em novos 3.119 imóveis, tornando necessária a inscrição do ato expropriatório nas matrículas dos imóveis regularizados.
A parte suscitante pretende o reconhecimento de isenção do recolhimento dos emolumentos ao Oficial, sob o fundamento de que o registro pretendido é ato necessário, intrínseco e prévia para que a Municipalidade possa conferir o direito real de propriedade aos beneficiários da regularização fundiária, fazendo jus à isenção de emolumentos concedida ao destinatário final, por interpretação sistemática da isenção prevista no §1º do artigo 13 da Lei nº 13.465/17.
Os emolumentos, como se sabe, têm por fato gerador a prestação de serviços públicos notariais e de registro previstos no artigo 236 da Constituição Federal e são regulados pela Lei Estadual nº 11.331/02, a qual estipula tabela própria para cobrança.
Em regra, os Municípios têm isenção parcial dos emolumentos incidentes sobre os atos de seu interesse, nos termos do artigo 8º, da sobredita Lei, devendo o pagamento alcançar apenas a parcela destinada ao oficial registrador, como remuneração da efetiva prestação do serviço. Veja-se:
Artigo 8º – A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, e as respectivas autarquias, são isentos do pagamento das parcelas dos emolumentos destinadas ao Estado, à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, ao custeio dos atos gratuitos de registro civil e ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça.
Parágrafo único – O Estado de São Paulo e suas respectivas autarquias são isentos do pagamento de emolumentos.
De fato, embora a regularização fundiária do Conjunto Habitacional São Francisco 5B tenha sido registrada na matrícula nº 269.708 em 05/10/2015, ainda na vigência da Lei 11.977/09, a qualificação do título apresentado (carta de adjudicação) deve observar o regramento vigente na data da prenotação em atenção ao princípio tempus regit actum.
É cediço que com o crescente adensamento populacional nas cidades, as questões urbanísticas ganharam relevo, o que originou a Lei nº 6.766/1979, cujo principal objetivo foi o de iniciar a organização do uso do solo urbano, traçando diretrizes para o parcelamento, instituindo disposições penais para coibir o parcelamento irregular e disciplinando a regularização dos parcelamentos não autorizados, com o intuito de evitar lesão ao padrão de desenvolvimento urbano e garantir os direitos dos adquirentes de lotes (art. 40).
Posteriormente, a Lei nº 10.931/04 incluiu disposição específica no artigo 213 da Lei de Registros Públicos, instituindo hipótese de isenção de custas e emolumentos notariais ou de registro decorrentes de regularização fundiária de interesse social, in verbis:
“Art.213. (…)
§15. Não são devidos custas ou emolumentos notariais ou de registro decorrentes de regularização fundiária de interesse social a cargo da administração pública”.
Em 2009, com a edição da Lei nº 11.977, a regularização fundiária de assentamentos urbanos foi aperfeiçoada, introduzindo-se a distinção entre a regularização fundiária de interesse social e a regularização fundiária de interesse específico:
“Art. 47. Para a regularização fundiária de assentamentos urbanos consideram-se:
(…)
III – demarcação urbanística: procedimento administrativo pelo qual o poder público, no âmbito da regularização fundiária de interesse social, demarca imóvel de domínio público ou privado, definindo seus limites, área, localização e confrontantes, com a finalidade de identificar seus ocupantes e qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses
IV – legitimação de posse: ato do poder público destinado a conferir título de reconhecimento de posse de imóvel objeto de demarcação urbanística, com a identificação do ocupante e do tempo e natureza da posse;
(…)
VII – regularização fundiária de interesse social: regularização fundiária de assentamentos irregulares ocupados, predominantemente, por população de baixa renda, nos casos:
(…)
VIII – regularização fundiária de interesse específico: regularização fundiária quando não caracterizado o interesse social nos termos do inciso VII;
1º A demarcação urbanística e a legitimação de posse de que tratam os incisos III e IV deste artigo não implicam a alteração de domínio dos bens imóveis sobre os quais incidirem, o que somente se processará com a conversão da legitimação de posse em propriedade, nos termos do art. 60 desta Lei”.
Finalmente, o procedimento de regularização fundiária foi aprimorado pela Lei nº 13.465/17, que manteve as duas modalidades de regularização (Reurb-S e Reurb-E), ampliando as hipóteses de isenção de custas e emolumentos, nos seguintes termos:
“Art. 13. A Reurb compreende duas modalidades:
I – Reurb de Interesse Social (Reurb-S) – regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda, assim declarados em ato do Poder Executivo municipal; e
II – Reurb de Interesse Específico (Reurb-E) – regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados por população não qualificada na hipótese de que trata o inciso I deste artigo.
§ 1º Serão isentos de custas e emolumentos, entre outros, os seguintes atos registrais relacionados à Reurb-S:
I – o primeiro registro da Reurb-S, o qual confere direitos reais aos seus beneficiários;
II – o registro da legitimação fundiária;
III – o registro do título de legitimação de posse e a sua conversão em título de propriedade;
IV – o registro da CRF e do projeto de regularização fundiária, com abertura de matrícula para cada unidade imobiliária urbana regularizada;
V – a primeira averbação de construção residencial, desde que respeitado o limite de até setenta metros quadrados;
VI – a aquisição do primeiro direito real sobre unidade imobiliária derivada da Reurb-S;
VII – o primeiro registro do direito real de laje no âmbito da Reurb-S; e
VIII – o fornecimento de certidões de registro para os atos previstos neste artigo.
§ 2º – Os atos de que trata este artigo independem da comprovação do pagamento de tributos ou penalidades tributárias, sendo vedado ao oficial de registro de imóveis exigir sua comprovação”.
Da leitura das hipóteses de isenção acima transcritas, conclui-se que nenhuma delas se aproxima minimamente da situação dos autos. Especificamente com relação ao inciso VI, não se aplica concretamente, pois se a isenção da primariedade registral for consumida pela Municipalidade, não haverá como conceder uma segunda isenção para os beneficiários finais, quando este apresentarem seus títulos a registro.
Não se pode perder de vista que a remuneração dos serviços notariais e de registro tem natureza tributária, configurando taxa remuneratória de serviço público, de competência estadual. Bem por isso, somente o ente político competente para a imposição do tributo – no caso, o Estado de São Paulo – tem competência para estabelecer isenções.
Outrossim, valer ressaltar que, nos termos do artigo 111, do Código Tributário Nacional, interpreta-se literalmente a legislação que disponha sobre outorga de isenção, circunstância apta a afastar a interpretação sistemática da isenção prevista no §1º do artigo 13 da Lei nº 13.465/17, conforme pretendido pela suscitante.
Ensina José Souto Maior Borges: “O princípio da legalidade da tributação (nullum tributum sine lege) não tem eficácia apenas sob o aspecto positivo do estabelecimento de tributos, mas também sob o prisma negativo da exoneração fiscal, porque se inexiste tributo sem que a lei institua, tampouco existe isenção tributária sem lei que a determine.(…) O poder de isentar, portanto, somente se manifesta através de lei. Assim como a relação jurídica de isenção tributária é relação obrigacional ex lege, a relação jurídica de isenção submete-se, por seu turno, ao princípio da reserva de lei.” (Teoria Geral da Isenção Tributária – 3ª edição – Editora Malheiros, p. 38/39).
Dessa forma, pode-se dizer que o poder de tributar é simétrico ao poder de isentar, de forma que a disciplina das isenções está igualmente vinculada ao princípio da legalidade.
Por essas razões, ante a interpretação literal do §1º do artigo 13 da Lei nº 13.465/17, mostra-se correta se mostra a exigência formulada pelo Oficial, a quem compete fiscalizar e exigir o pagamento dos emolumentos devidos.
A qualificação negativa, portanto, não merece reparo
Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE a dúvida inversa suscitada para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 19 de janeiro de 2024.
Renata Pinto Lima Zanetta
Juíza de Direito (DJe de 29.01.2024 – SP)
Fonte: DJE/SP
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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