2VRP/SP: Declaração acerca da situação jurídica de pobreza não tem caráter absoluto, portanto, observado o respeito à intimidade, deve a Serventia Extrajudicial solicitar maiores esclarecimentos acerca dos rendimentos dos requerentes.

Processo 0061263-24.2023.8.26.0100

Pedido de Providências – Reclamação do extrajudicial (formulada por usuários do serviço) – E.L.R. – Juiz(a) de Direito: LETICIA DE ASSIS BRUNING VISTOS, Cuida-se de representação formulada por E. L. R., que se insurge quanto à negativa de concessão do benefício da gratuidade para a expedição de Carta de Sentença relativa a Formal de Partilha (a fls. 01 e 04/10). O Senhor Notário prestou esclarecimentos, fundamentando os termos de sua negativa (fls. 18/23). A parte Representante retornou aos autos para reiterar os termos de seu protesto inicial (fls. 26). O Ministério Público ofertou parecer pelo arquivamento dos autos, ante a legalidade da atuação do Senhor Tabelião (fls. 30/31). É o breve relatório. Decido. Trata-se de pedido de providências instaurado a partir de representação relativa à negativa de concessão do benefício da gratuidade para a expedição de carta de sentença. O Senhor Titular veio aos autos para esclarecer que a negativa da concessão do benefício da gratuidade se fundou no fato de que não há norma legal que enseje o deferimento da gratuidade, no presente caso – expedição de carta de sentença. Nesse sentido, explanou o Sr. Delegatário que no bojo do processo judicial, inclusive, foi determinado pelo MM. Juiz o recolhimento de custas judiciais (conf. R. Sentença, copiada às fls. 22/23). A seu turno, a parte Representante, instada a se manifestar quanto aos esclarecimentos prestados, reiterou os termos de sua insurgência inicial, deduzindo que a serventia descumpre a Resolução CNJ 35/2007 e 326/2020. Pois bem. De início, destaco que a Ata Notarial de Carta de Sentença não resta contemplada pelas Resoluções CNJ 35/2007 e 326/2020. Tratando-se de norma administrativa, a analogia não pode ser realizada de modo extensivo, certo que os Titulares de Delegação e essa Corregedoria Permanente estão adstritos à legalidade em sentido estrito. Não há dúvidas da previsão legal de gratuidade aos reconhecidamente pobres, nos termos da mencionada CNJ 35/2007 e Resolução CNJ 326/2020. Por outro lado, sabidamente, não há uma norma jurídica objetiva que fixe um teto de rendas para concessão do benefício da gratuidade, competindo ao serviço extrajudicial o exame de caso a caso de molde a estabelecer um critério igualitário. Com efeito, é devidamente assentado na doutrina e nas normas administrativas que regem a matéria, bem como em firmes precedentes deste Juízo Corregedor Permanente (p. ex.: 0045661-95.2020.8.26.0100; 0013594-43.2021.8.26.0100 e 1024142-76.2022.8.26.0100) que a declaração de pobreza não pode ser aceita por si só, devendo ser contextualizada mediante a apresentação de documentos comprobatórios da alegada miserabilidade, nos termos do item 80.2, do Capítulo XVI, das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça. Nesse sentido, a declaração acerca da situação jurídica de pobreza não tem caráter absoluto, portanto, observado o respeito à intimidade, deve a Serventia Extrajudicial solicitar maiores esclarecimentos acerca dos rendimentos dos requerentes. Do contrário, a afirmação seria absoluta. No mais, o deferimento do benefício da gratuidade, de maneira indiscriminada, contemplando aqueles que não são, de fato, pobres, na acepção jurídica do termo, traz prejuízos aos cofres públicos, afetando negativamente o cidadão que realmente necessita do amparo do poder estatal. Nesse sentido, o item 80.2, do Capítulo XVI, das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça, é claro ao afirmar a possibilidade de questionamento da declaração efetuada, ao deduzir que se o Tabelião de Notas, motivadamente, suspeitar da veracidade da declaração de miserabilidade, deverá comunicar o fato ao Juiz Corregedor Permanente, por escrito, com exposição de suas razões, para as providências pertinentes. Ademais, em situação análoga, o disposto no item 3.1, Capítulo XVII, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, ao referir o procedimento de habilitação para o casamento, indica a possibilidade de se averiguar o status de pobreza declarado, destacando-se, assim, o caráter não-absoluto de tal declaração. 3.1. Os reconhecidamente pobres, cujo estado de pobreza será comprovado por declaração do próprio interessado ou a rogo, sob pena de responsabilidade civil e criminal, estão isentos de pagamento de emolumentos pela habilitação de casamento, pelo registro e pela primeira certidão, assim como pelas demais certidões extraídas pelos Registros Civis das Pessoas Naturais, podendo o Oficial solicitar documentos comprobatórios em caso de dúvida quanto à declaração prestada. Sem menos, Alberto Gentil aponta pela possibilidade e necessidade de verificação minuciosa da declaração de miserabilidade, nos seguintes termos: “(…) entendemos que a melhor compreensão do termo “insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas e os honorários (…)” [CPC, art. 98] ainda é exigir da parte interessada na benesse legal a demonstração de insuficiência econômica para o custeio das despesas do processo e emolumentos. Desse modo, prestigiado o acesso efetivo à justiça na busca da concretização de direitos dos necessitados, ainda manteremos um sistema pautado na boa-fé objetiva e razoabilidade. Boa-fé objetiva, pois trata-se de comportamento leal da parte arcar com as despesas judiciais e extrajudiciais se possui patrimônio suficiente para tanto, ainda que tenha que se desfazer de parte dele. Afinal, prestado um serviço público que exige contrapartida, não se mostra razoável a concessão da gratuidade apenas pela falta de liquidez patrimonial do beneficiado. [Gentil, Alberto. Registros Públicos. – 2º ed. – Rio de Janeiro: Forense; MÉTODO, 2021. P. 53]. Na mesma senda direciona a jurisprudência dominante, a exemplo: (…) Com efeito, a gratuidade da justiça é devida apenas àqueles com comprovada insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios, conforme vigente regramento do NCPC, art. 98. Mesmo na plena vigência da Lei 1.060/50, os requisitos ali estabelecidos eram avaliados à luz do que dispõe a CF – art. 5°, LXXIV, que determina que a assistência jurídica integral e gratuita é devida aos que efetivamente comprovarem insuficiência de recursos. Assim, é lícito ao Juízo tanto exigir a apresentação de documentos comprobatórios quanto denegar o beneficio se os elementos dos autos desde logo indicarem a ausência dos requisitos para a concessão do beneficio. No caso concreto, o que se verifica é que um dos agravantes tem valores expressivos em aplicações financeiras (fls. 155), marcadas pela fácil liquidez, situação a elidir a declaração de pobreza apresentada. Disso tudo decorre que os agravantes não são pobres na acepção jurídica do termo, de modo que foi bem o juízo monocrático ao indeferir os benefícios da justiça gratuita. (…) (TJSP, Agravo de Instrumento 2118797- 42.2016.8.26.0000, 1ª C. de Direito Privado, Rel. Durval Augusto Rezende, j. 09.09.2016). Em adição, sublinhe-se o caráter tributário dos emolumentos extrajudiciais. Sabidamente, as custas extrajudiciais são cobradas em razão do serviço prestado, de modo individualizado, com clara natureza tributária de taxa, não havendo compensação entre usuários ou partes. É por isso que a complementação do valor, conforme pretendido pelos nubentes, é inviável, haja vista a completa falta de previsão legal para tanto. Nesse sentido, o artigo 1º da Lei Estadual nº 11.331/2002 indica exatamente que o fato gerador do tributo é o serviço notarial ou registral prestado, individualizando-o: Artigo 1º – Os emolumentos relativos aos serviços notariais e de registro têm por fato gerador a prestação de serviços públicos notariais e de registro previstos no artigo 236 da Constituição Federal e serão cobrados e recolhidos de acordo com a presente lei e as tabelas anexas. Na mesma toada, leciona Paulo de Barros Carvalho: Anuncio, desde logo, que perante a realidade instituída pelo direito positivo atual, parece-me indiscutível a tese segundo a qual a remuneração dos serviços notariais e de registro, também denominada “emolumentos”, apresenta natureza específica de taxa. O presente tributo se caracteriza por apresentar, na hipótese da norma, a descrição de um fato revelador de atividade estatal (prestação de serviços notariais e de registros públicos), direta e especificamente dirigida ao contribuinte; além disso, a análise de sua base de cálculo exibe a medida da intensidade da participação do Estado, confirmando tratar-se da espécie taxa. (CARVALHO, Paulo de Barros. Natureza jurídica e constitucionalidade dos valores exigidos a título de remuneração dos serviços notariais e de registro. Parecer exarado na data de 05/06/2007, a pedido do Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo – SINOREG/SP. Disponível pelo site: https://www.Anoregsp.Org.Br/pdf/Parecer_PaulodeBarrosCarvalho.Pdf.). Outro não, senão, é o entendimento jurisprudencial a respeito: “DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CUSTAS E EMOLUMENTOS: SERVENTIAS JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO Nº 7, DE 30 DE JUNHO DE 1995, DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ: ATO NORMATIVO. (…) 4. O art. 145 admite a cobrança de “taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”. Tal conceito abrange não só as custas judiciais, mas, também, as extrajudiciais (emolumentos), pois estas resultam, igualmente, de serviço público, ainda que prestado em caráter particular (art. 236). Mas sempre fixadas por lei. No caso presente, a majoração de custas judiciais e extrajudiciais resultou de Resolução – do Tribunal de Justiça – e não de Lei formal, como exigido pela Constituição Federal. (…)” (ADI 1444, Relator Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 12/02/2003, DJ 11-04-2003). Dessa maneira, ante ao caráter tributário dos emolumentos, não é permitido aos Delegatários Extrajudiciais, ou a esta Corregedoria Permanente, conceder qualquer desconto, isenção ou alteração de valores sem suporte em lei, conforme disposição expressa do artigo 150, § 6º, da Constituição Federal: Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. Diante disso, no caso concreto, correto o Sr. Titular, de modo que não há que se falar em ilícito funcional ou falha na prestação do serviço extrajudicial ante a acertada negativa, que visa coibir concessões indevidas do benefício e garantir a manutenção da gratuidade para aqueles que efetivamente não tem condições de arcar com as custas e emolumentos dos atos extrajudiciais. Não havendo outras medidas de cunho administrativo a serem adotadas, determino o arquivamento dos autos. Ciência ao Senhor Titular e ao Ministério Público. P.I.C. – ADV: ELIAS LEAL RAMOS (OAB 109522/SP) (DJe de 19.03.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Registro de Escritura Pública de venda e compra – Qualificação negativa do título – Alienação fiduciária em garantia – Consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário – Venda do bem diretamente a terceiro com a anuência do devedor fiduciante – Não configuração do pacto comissório – Anuência do devedor fiduciante que é suficiente para afastar os óbices ao registro – Apelação provida.

Apelação Cível nº 1020643-83.2022.8.26.0068

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1020643-83.2022.8.26.0068
Comarca: BARUERI

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1020643-83.2022.8.26.0068

Registro: 2023.0001072422

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1020643-83.2022.8.26.0068, da Comarca de Barueri, em que são apelantes RZK EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO LTDA. e BANCO SAFRA S/A, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BARUERI.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 5 de dezembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1020643-83.2022.8.26.0068

APELANTES: RZK Empreendimento Imobiliário Ltda. e Banco Safra S/A

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Barueri

VOTO Nº 39.165

Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Registro de Escritura Pública de venda e compra – Qualificação negativa do título – Alienação fiduciária em garantia – Consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário – Venda do bem diretamente a terceiro com a anuência do devedor fiduciante – Não configuração do pacto comissório – Anuência do devedor fiduciante que é suficiente para afastar os óbices ao registro – Apelação provida.

Trata-se de apelação interposta por RZK Empreendimentos Imobiliários Ltda. e Banco Safra S/A contra a r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Barueri, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a negativa de registro de escritura pública de venda e compra, cujo objeto é o imóvel da matrícula nº 134.643, daquela serventia (fls. 222/223).

Alegam as apelantes, em síntese, (i) que a escritura de venda e compra do imóvel em apreço, formalizada por partes capazes, é válida e eficaz, e contou com o comparecimento espontâneo e a anuência da devedora fiduciante à venda direta do bem a RZK Empreendimentos Imobiliários Ltda., uma vez consolidada a propriedade ao Banco Safra, com a dispensa dos leilões e renúncia ao direito de preferência de que trata o artigo 27, “caput” e §2º-B, da Lei 9.514/97; (ii) que mesmo se o negócio fosse considerado nulo, haveria de ser preservado em sua essência, em prestígio ao princípio da instrumentalidade das formas, já que, no caso, o efeito obtido é o mesmo da dação em pagamento prevista no artigo 26, §8º, da lei 9.514/97. Requerem, portanto, a reforma da sentença, julgando-se a dúvida improcedente (fls. 235/258).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 299/300).

É o relatório.

A dúvida foi suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Barueri, em virtude de recusa do registro de escritura pública de venda e compra, cujo objeto é o imóvel da matrícula nº 134.643 daquela serventia.

Na nota devolutiva expedida, o registrador exigiu a realização de leilões públicos pelo credor fiduciário para alienação do imóvel, na forma prevista no artigo 27, da Lei n. 9.514/97, conforme segue:

“Primeiramente, cumpre destacar que na matrícula nº 134.643 deste Registro de Imóveis, e objeto da transação do título sob exame, consta em sua Av.20 a averbação da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, BANCO SAFRA S/A. Pela escritura sob exame, consta em seu item 1.4 o seguinte: ‘1.4) DA DESISTÊNCIA PELA ANUENTE DOS LEILÕES PÚBLICOS DA LEI 9.514/97: Pelo presente instrumento, a fim de viabilizar a transferência da propriedade do IMÓVEL pelo VENDEDOR ao COMPRADOR na forma da presente Escritura em razão de entendimentos extrajudiciais havidos entre as PARTES e, sendo os leilões do artigo 27 e parágrafos da Lei 9.514/97 realizados em benefício do devedor fiduciante, a ANUENTE renuncia expressamente ao direito de preferência do artigo 27, §2º, B da mesma lei e, neste ato, desiste e nada tem a opor quanto a não realização dos leilões e por consequência, dá quitação ao VENDEDOR na forma do parágrafo 4º do artigo 27 da Lei 9.514/97, declarando que não há importância a sobejar e autoriza, desde já, o Sr. Oficial Registrador averbar na matrícula do IMÓVEL sua concordância com a não realização do leilões (sic).

Sustentam as apelantes que todas as exigências formuladas pelo registrador merecem ser afastadas e estão com razão.

Na espécie, houve a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário (AV. 20 da Matrícula nº 134.643), o Banco Safra S/A, após o que realizou a venda a RZK Empreendimentos Imobiliários Ltda., com a anuência do devedor fiduciante, Goincorp Incorporações e Empreendimentos Imobiliários Ltda.

Muito embora não tenham sido realizados os leilões de que trata o artigo 27 da Lei 9.514/97, como a regra aí inserida é disposta em benefício dos devedores fiduciantes e, no presente caso, o devedor fiduciante manifestou expressa anuência com a venda e compra realizada entre o credor fiduciário e o comprador RZK Empreendimentos Imobiliários Ltda., não se vislumbra razão bastante para negar o ingresso da escritura de venda e compra no registro imobiliário.

Veja-se que o credor fiduciário não realizou a definitiva incorporação do bem ao seu patrimônio em pagamento da dívida, de modo que não se configurou o pacto comissório.

E a expressa concordância do devedor fiduciante quanto à venda a terceiro afasta a objeção ao registro do negócio no fólio real.

Em suma, os óbices apresentados pelo Oficial ao registro pretendido pelos apelantes devem ser afastados, autorizando o ingresso do título no registro imobiliário.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 04.03.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Dúvida – Registro de imóveis – Partilha extrajudicial – Existência de credores do espólio não impede a realização do inventário e partilha por escritura pública, nos termos do item 125, Cap. XVI, das NSCGJ – Impossibilidade de se exigir reserva de bens para registro do título – Partilha já ultimada – herdeiros respondem pelas dívidas da falecida na proporção dos seus quinhões – inteligência do artigo 1.997 do código civil e artigos 642 e 796 do Código de Processo Civil – Recurso provido.

Apelação Cível nº 1002083-97.2022.8.26.0584

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1002083-97.2022.8.26.0584
Comarca: SÃO PEDRO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1002083-97.2022.8.26.0584

Registro: 2024.0000161397

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1002083-97.2022.8.26.0584, da Comarca de São Pedro, em que é apelante SÍLVIA HELENA RIBEIRO FELÍCIO BOIAGO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO PEDRO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 26 de fevereiro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1002083-97.2022.8.26.0584

Apelante: Sílvia Helena Ribeiro Felício Boiago

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Pedro

VOTO Nº 43.095

Dúvida – Registro de imóveis – Partilha extrajudicial – Existência de credores do espólio não impede a realização do inventário e partilha por escritura pública, nos termos do item 125, Cap. XVI, das NSCGJ – Impossibilidade de se exigir reserva de bens para registro do título – Partilha já ultimada – herdeiros respondem pelas dívidas da falecida na proporção dos seus quinhões – inteligência do artigo 1.997 do código civil e artigos 642 e 796 do Código de Processo Civil – Recurso provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Sílvia Helena Ribeiro Felício Boiago contra a r. sentença de fls. 70/71, que julgou “improcedente” dúvida suscitada em virtude de recusa de registro de escritura de inventário, adjudicação e partilha extrajudicial dos bens deixados por Emirene Felicio (fls. 04/09), a qual envolve o imóvel da matrícula n. 2.694 do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Pedro/SP (fls. 04/09 e 55/58), mantendo a exigência da nota de devolução de fl. 35 (prenotação n. 129.628).

Fê-lo a r. sentença, basicamente, sob o argumento de que deve ser realizada a reserva de bens para pagamento das dívidas da de cujus, cuja exigibilidade restou incontroversa. A exigência estaria expressa no artigo 663 do Código de Processo Civil, com previsão correlata no artigo 1.997 do Código Civil, a fixar a responsabilidade da herança pelo pagamento das dívidas da falecida, sendo que a natureza extrajudicial da partilha não exclui a incidência dos dispositivos legais referidos, de natureza cogente.

A parte apelante sustenta, em síntese, que as dívidas da falecida referem-se a execuções fiscais de tributos municipais (ISS fls. 25/31), o que faz incidir o item 117.1, do Cap. XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça; que não se pode exigir a quitação de débitos para com a Fazenda Pública, tampouco a reserva de bens ou a apresentação de certidão negativa para tributos que não guardam relação com o ato registral perseguido, conforme jurisprudência que colaciona.

A parte alega, ainda, que o Supremo Tribunal Federal já se posicionou pela inconstitucionalidade de atos do Poder Público que se traduzam em exercício abusivo e coercitivo de exigência de obrigações tributárias, conforme as súmulas n. 70, 323 e 547 e jurisprudência; que a exigência representa indevida restrição ao acesso do título à tábua registral, imposta de forma oblíqua e ao arrepio do devido processo legal para forçar o contribuinte ao pagamento indireto de tributos, o que caracteriza limitação a interesses privados em desacordo com orientação do Supremo Tribunal Federal.

Aduz, por fim, que os débitos existentes estão sendo discutidos nas respectivas execuções fiscais, ainda pendentes de julgamento, com garantia de contraditório e ampla defesa, bem como que demais providências devem ser tomadas exclusivamente pelo órgão municipal ou federal que detém o crédito e não pelo notário ou registrador (fls. 76/84).

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 100/102).

É o relatório.

De início, vale observar que, embora a dúvida tenha sido julgada improcedente, o comando judicial foi pela manutenção do óbice.

Há que se observar, ainda, que o Oficial dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional. Esta conclusão se reforça pelo disposto no item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais“.

No mérito, porém, o recurso comporta provimento. Vejamos os motivos.

No caso concreto, o Oficial entendeu pela manutenção da recusa de registro de escritura de inventário, adjudicação e partilha extrajudicial dos bens deixados por Emirene Felicio tendo em vista a indicação de dívidas, de modo que necessária reserva de bens para pagamento de tais obrigações.

O posicionamento foi respaldado por precedente deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, no âmbito da Apelação Cível n. 1005161-58.2016.8.26.0019 (fl. 35).

Tal entendimento, no entanto, deve ser revisto.

Veja-se, por primeiro, que não se trata de exigência formulada por ordem de controle rigoroso do recolhimento dos impostos devidos por ocasião do registro do título, a que estão submetidos os Registradores, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art.134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei n. 8.935/1994).

In casu, a exigência é formulada pela necessidade da reserva de bens do espólio em razão de débitos da falecida.

O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de se manifestar sobre a natureza da habilitação de crédito em ação de arrolamento de bens, bem como sobre a necessidade de reserva de bens do espólio no julgamento do REsp. n. 703.884/SC, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi:

“[…] o juiz pode determinar que sejam reservados bens em poder do inventariante para pagar o credor, desde que a dívida esteja consubstanciada em documento que comprove suficientemente a obrigação e a impugnação não se fundar em quitação.

Há aqui verdadeira natureza cautelar, pois, havendo prova suficiente do crédito, o juiz pode determinar a reserva de bens para garantia do pagamento após a solução do litígio que foi remetida às vias ordinárias. Nessas circunstâncias a habilitação apresenta feição de arresto, que, como é cediço, garante a solvência até que se resolva em penhora (art. 818, CPC). Dessa forma, se ao final da disputa o crédito se revelar inexistente ou extinto, extingue-se a reserva de bens e se realiza a sobrepartilha. Se, por outro lado, o crédito for efetivamente devido, a reserva dos bens persiste até que, nas vias ordinárias, sobrevenha a penhora.

Vê-se, dessa forma, que a habilitação é procedimento incidental de natureza híbrida. Inicialmente, forma-se como procedimento de jurisdição voluntária ou não contenciosa, mas pode assumir feições de verdadeira cautelar incidental.

Porque ressalta essa particularidade da habilitação, deve ser lembrado o escólio de Humberto Theodoro Júnior:

“É indispensável o acordo unânime, por que a habilitação, in casu, é não contenciosa. Por isso, não havendo concordância de todas as partes sobre o pagamento, será o credor remetido para os meios ordinários (art. 1.018), ou seja, terá ele de propor a ação contenciosa contra o espólio, que for compatível ao título de seu crédito (execução ou ordinária de cobrança, conforme o caso).

Há, porém, uma medida cautelar que o juiz toma, ex officio, em defesa do interesse do credor que não obtém sucesso na habilitação: se o crédito estiver suficientemente comprovado por documento e a impugnação não se fundar em quitação, o magistrado mandará reservar, em poder do inventariante, bens suficientes para pagar o credor, enquanto se aguarda a solução da cobrança contenciosa (art. 1.018, parág. único)” (Curso de Direito Processual Civil. Vol. III. Procedimentos Especiais. Rio de Janeiro: Forense, p. 2005, p. 267).

A correta percepção da natureza do instituto processual é importante porque daí extraem-se conclusões relevantes. O credor requerente da habilitação pleiteia o pagamento ou, sucessivamente, caso não haja concordância do espólio, a reserva de bens que garantam o pagamento.

Ora, não sendo um procedimento obrigatório, pois, na falta de habilitação, o credor pode, desde logo, buscar a satisfação de seu crédito por meio de ação de cobrança ou de execução movida contra o espólio ou contra os sucessores, há de se concluir que a principal utilidade prática do instituto reside, em última instância, na possibilidade de reserva de bens.

Por isso, caso não seja possível declarar habilitado o crédito, porque a controvérsia entre as partes não o permite, o juiz deve remeter as partes às vias ordinárias de solução de controvérsia, lançando as razões pelas quais entende não ser cabível a providência cautelar de reserva de bens. Nessa perspectiva, deixar de apreciar qualquer dos pedidos subsidiários é fato que significa negar jurisdição, ou melhor dizendo, escusar-se no non liquet.

À princípio, duas podem ser as causas que justificam o indeferimento da reserva de bens: a) a impugnação do espólio se funda em quitação; b) a dívida não está consubstanciada em documento que comprove suficientemente a obrigação. A iliquidez do crédito é irrelevante.

Pontes de Miranda, com acuidade, assevera que “sentença passado em julgado, embora sujeita a liquidação (3ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação de São Paulo, 4 de março de 1942, R. dos T., 140, 145), ou declaratória (art. 4º), é título bastante para a reserva. Mesmo, aí, apenas se reserva. Só se exige prova bastante da obrigação; não, o ser dívida líquida” (Pontes de Miranda. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo XIV. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 141).

Mais que declinar as causas porque não é possível a separação e tampouco a reserva de bens, deve-se ressaltar que a habilitação deve ser ajuizada e julgada antes da partilha integral dos bens. Após, o resultado buscado pelo credor passa a ser inútil, pois aí o credor já não terá nenhuma garantia especial, mas apenas, como a própria lei lhe assegura, as forças da herança tal como transmitidas aos herdeiros”.

No caso concreto, porém, não se vislumbra qualquer oposição por parte dos credores ao registro, notadamente porque há notícia de que os débitos ainda estão sendo discutidos judicialmente (fls. 25/31).

A partilha dos bens do espólio, ademais, já foi realizada extrajudicialmente, com indicação da existência de dívidas fiscais pendentes em nome da falecida e sem reserva para pagamento (fls. 04/09).

Note-se que não havia qualquer obstáculo para a partilha por escritura pública (item 125, do Capítulo XVI, das NSCGJ):

125. A existência de credores do espólio não impede a realização do inventário e partilha, ou adjudicação, por escritura pública“.

Assim, se a partilha é possível mesmo quando existem débitos não quitados do falecido, não se pode impor óbice para o seu registro.

Em verdade, uma vez feita a partilha, ainda que extrajudicialmente, não há mais como se falar em espólio.

E deixando de existir a universalidade de bens (espólio) justamente porque operada a divisão patrimonial do acervo hereditário entre os herdeiros (partilha), não há como se exigir reserva de bens.

Serão os herdeiros, na proporção dos quinhões recebidos, que deverão ser acionados para responder pelas dívidas deixadas pela falecida.

Neste sentido, os artigos 1.997 do Código Civil e 642 e 796 do Código de Processo Civil:

Art. 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube“.

Art. 642. Antes da partilha, poderão os credores do espólio requerer ao juízo do inventário o pagamento das dívidas vencidas e exigíveis. (…)

Art. 796. O espólio responde pelas dívidas do falecido, mas, feita a partilha, cada herdeiro responde por elas dentro das forças da herança e na proporção da parte que lhe coube“.

E, ainda, a jurisprudência (destaques nossos):

“PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTOS FISCAIS DEVIDOS – PRECEDENTE HOMOLOGAÇÃO DE PARTILHA DOS BENS INVENTARIADOS – TRÂNSITO EM JULGADO DE RECURSO FORMULADO CONTRA A PARTILHA – ARTIGO 1796, CODIGO CIVIL – ARTIGO 1026, CPC. 1. ACERTADA E HOMOLOGADA JUDICIALMENTE A PARTILHA DOS BENS INVENTARIADOS, SEM A PRECEDENTE QUITAÇÃO DAS DIVIDAS FISCAIS DO ESPOLIO (ART. 1026, CPC), COM AS LOAS DA INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO, A SOLUÇÃO APROPRIADA E FAVORECER A EXECUÇÃO, NÃO MAIS CONTRA O ESPOLIO E SIM RESPONSABILIZANDO OS SUCESSORES CONTEMPLADOS NA DIVISÃO DOS BENS (ART. 1796, CODIGO CIVIL). PRECEDENTES. 2. POREM, NO CASO, ESSA SOLUÇÃO NÃO PODE SER ADOTADA POR TER SE CONSTITUIDO, COM PROVIMENTO JUDICIAL ANTECEDENTE, A COISA JULGADA, A RESPEITO DA APLICAÇÃO DO ART. 1026, CPC. 3. RECURSO PROVIDO” (REsp n. 27.831/RJ, relator Ministro Milton Luiz Pereira, Primeira Turma, julgado em 31/8/1994, DJ de 19/9/1994).

A exigência formulada na nota de devolução de fl. 35 não pode, portanto, subsistir.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 04.03.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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