CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida arrecadação de imóvel abandonado qualificação negativa cópia simples de procedimento administrativo desenvolvido perante o município, com observância dos requisitos do Artigo 64 da Lei n. 13.465/2017 e do Artigo 1.276 do Código Civil modo derivado de aquisição de propriedade – Bloqueio da matrícula impossibilidade de novo ato registral sem expressa autorização da autoridade judicial que o determinou prenotações anteriores – Apelação não provida.

Apelação Cível nº 1002918-88.2023.8.26.0604

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1002918-88.2023.8.26.0604
Comarca: SUMARÉ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1002918-88.2023.8.26.0604

Registro: 2024.0000497816

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1002918-88.2023.8.26.0604, da Comarca de Sumaré, em que é apelante MUNICÍPIO DE HORTOLÂNDIA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SUMARÉ.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 29 de maio de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1002918-88.2023.8.26.0604

Apelante: Município de Hortolândia

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Sumaré

VOTO Nº 43.367

Registro de imóveis – Dúvida arrecadação de imóvel abandonado qualificação negativa cópia simples de procedimento administrativo desenvolvido perante o município, com observância dos requisitos do Artigo 64 da Lei n. 13.465/2017 e do Artigo 1.276 do Código Civil modo derivado de aquisição de propriedade – Bloqueio da matrícula impossibilidade de novo ato registral sem expressa autorização da autoridade judicial que o determinou prenotações anteriores – Apelação não provida.

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Município de Hortolândia contra a r. sentença de fls. 317/318, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Sumaré, que julgou procedente dúvida registral para manter a recusa de registro de título de arrecadação do imóvel da matrícula n. 137.980 daquela serventia (prenotação n. 427.805 fl. 279). Fê-lo a r. sentença sob o argumento de que, embora não se discuta a configuração dos requisitos legais para a arrecadação municipal do bem, não é possível registro enquanto perdurar o bloqueio de sua matrícula, tal como determinado pelo juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública de Campinas. Cabe ao município interessado diligenciar junto ao juízo competente para o devido cancelamento nos termos do art. 214, § 4º, da Lei de Registros Públicos (fls. 317/318).

O Município de Hortolândia apela, argumentando que o título trata-se de processo administrativo, de n. 9.115/2019 (fls. 07/278), por meio do qual se comprovou não só o abandono efetivo do imóvel, como seu abandono presumido, já que não adimplidos os ônus fiscais sobre a propriedade por cinco anos (artigo 64, § 1º, da Lei n. 13.465/2017), sem que tenha havido apresentação de manifestação pelos proprietários ou eventuais terceiros interessados pelo prazo legal após notificação por edital (artigo 64, § 2º, inciso III, da Lei n. 13.465/2017, e artigo 1.276 do Código Civil).

A parte apelante argumenta, ainda, que a Lei n. 13.465/2017 não prevê necessidade de “decisão final fundamentada” no processo administrativo de arrecadação, mas prova do abandono e oportunidade para apresentação de impugnação; que a Lei n. 13.726/2018 dispensa o cidadão de autenticar cópia de documento (artigo 3º, inciso II) e não há motivo para se exigir cópia autenticada do processo administrativo, notadamente porque não há previsão na Lei n. 13.465/2017 sobre apresentação de “capa, termos de abertura e encerramento”; que o bloqueio previsto nos §§ 3º e 4º do artigo 214 da Lei n. 6.015/73 refere-se às nulidades do registro e não às ordens de indisponibilidade de bens averbadas na matrícula, as quais decorrem de penhora em sua maioria; que a arrecadação do bem, na forma dos artigos 1.276 do CC e 64 da Lei n. 13.465/2017, é espécie de aquisição originária, de modo que seu registro, que não depende da vontade do proprietário, deve prevalecer sobre a ordem de indisponibilidade; que não se nega registro de usucapião ou de desapropriação em razão da existência de averbação de indisponibilidade, o que também deve ser observado em relação à arrecadação; que o Código Civil (artigos 1.275 e 1.276) e a Medida Provisória n. 759/2016, convertida na Lei n. 13.465/2017 (artigo 64), estabeleceram o instituto da arrecadação de bens, consistente na perda da propriedade imobiliária por abandono, que visa justamente efetivar a função social da propriedade e da cidade, em consonância com o que estabelece a Lei n. 10.257/2001 (fls. 324/332).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 353/354).

É o relatório.

De início, vale ressaltar que o Oficial titular ou interino dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

Esta conclusão se reforça pelo disposto no item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

No mérito, o recurso não comporta provimento.

Vejamos os motivos.

O Município de Hortolândia pretende o registro de processo administrativo por meio do qual arrecadou o imóvel da matrícula n. 137.980 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Sumaré (fls. 07/278).

O título em questão foi prenotado em 17 de fevereiro de 2023 sob o n. 427.805, mas qualificado negativamente nos seguintes termos (fl. 279):

1. Cabe primeiramente informar que trata-se de apresentação de cópias simples, portanto, não encontram-se no rol restrito do artigo 221 da Lei nº 6.015/73.

2. Tendo em vista que a legislação não dispõe sobre a forma de transmissão dos imóveis objetos de arrecadação pelo Municípios, faz-se necessária a apresentação de Carta de Sentença Judicial de Adjudicação, autorizando o registro da transmissão do imóvel arrecadado ao Município de Hortolândia-SP.

3. Conforme, AV. 9 de 14 de outubro de 2016, o imóvel objeto da matrícula nº 137.980 encontra-se BLOQUEADO, tendo em vista o ofício extraído dos autos da ação do processo nº 1024529-59.2016.8.26.0114, da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Campinas- SP.

Sendo assim, nos termos do artigo 214, § 4º, da Lei de Registros Públicos Lei nº 6.015/73, fica este oficial impedido de praticar qualquer ato na referida matrícula, salvo com autorização judicial, permitindo-se, todavia, aos interessados a prenotação dos seus títulos, que ficarão com prazo prorrogado até a solução do bloqueio, o que se aplica ao presente caso”.

Ao encaminhar o caso para análise pela Corregedoria Permanente, o Oficial Registrador esclareceu que, com a regulamentação do instituto da arrecadação de imóvel abandonado, artigo 64 da Lei n. 13.465/2017, a formação de título neste sentido na via administrativa passou a ser viável, de modo que, em reanálise das exigências feitas, o processo administrativo apresentado pela parte apelante comporta registro desde que “dele restem inequivocamente comprovados todos os requisitos procedimentais previstos nos incisos, I, II, e III do art. 64 da Lei n. 13.465/2017, culminando com decisão final fundamentada, que aborde todos os itens previstos, inclusive a presunção absoluta prevista no parágrafo segundo do artigo 1.276 do Código Civil, bem como notificações às proprietárias, à credora hipotecária”, com apresentação “por folhas numeradas e autenticadas, com capa, termos de abertura e encerramento” (fl. 02).

Esclareceu, ainda, que a negativa se mantém diante do bloqueio da matrícula (Av. 9 fls. 293/294 e artigo 214 da Lei n. 6.015/73), de modo que necessária ordem judicial de cancelamento pela própria autoridade que o determinou, bem como que referida matrícula possui prenotações anteriores vigentes, que aguardam a solução do bloqueio para qualificação e possível acesso à tábua registral, com prioridade em relação ao presente protocolo, a saber (fl. 03):

1º) Protocolo n. 337.371, de 13 de abril de 2018 certidão de penhora expedida pelo 2º Oficial Cível da Comarca de Jundiaí SP, Processo n. 1018957-22.2016.8.26.0309;

2º) Protocolo n. 407.417, de 07 de dezembro de 2021 ordem de indisponibilidade cadastrada na Central Nacional de Indisponibilidade de Bens, proveniente da Vara do Trabalho de Hortolândia-SP, Processo n. certidão de penhora expedida pelo 2º Ofício Cível da Comarca de Jundiaí SP, Processo n. 0011596-80.2014.5.15.0152;

3º) Protocolo n. 415.000, de 05 de julho de 2022 nova ordem de bloqueio e de averbação de existência de ação, expedida pela 1ª Vara Cível da Comarca de Hortolândia SP, Processo n. 0005227-65.2020.8.26.0229”.

Assim, somente após análise e qualificação dos protocolos acima (princípio da prioridade) e caso seu acesso não exclua a prenotação apresentada pelo Município (se incompatíveis entre si), serão possíveis análise e qualificação da prenotação n. 427.805 (fls. 01/04).

A Lei n. 13.465/2017, que dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, alterou de modo significativo o instituto do abandono do Direito Civil.

O Código Civil Brasileiro, em seus artigos 1.275 e 1.276, prevê a figura do abandono como hipótese de perda da propriedade:

Art. 1.275. Além das causas consideradas neste Código, perde-se a propriedade: (…)

III por abandono; (…)

“Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.

§ 1 o O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.

§ 2 o Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais”.

Embora preservados os requisitos tradicionais do abandono, a arrecadação de imóvel abandonado por município passou a ser autorizada pela nova lei de regularização fundiária mediante a prévia abertura de processo administrativo, com notificação dos proprietários e interessados para, querendo, impugnar o ato no prazo de trinta dias, contado da data de recebimento da notificação (artigo 64, § 2º, inciso III, da Lei n. 13.465/2017).

O processo de formação do título, portanto, não precisa mais ser feito na via judicial, o que foi confirmado pelo próprio Oficial à fl. 02, com superação da exigência contida no item 2 da nota devolutiva (fl. 279).

Note-se que, após a arrecadação, o imóvel ainda não integra o patrimônio público: nos termos do artigo 1.276, caput, do Código Civil, a perda da propriedade somente se dará decorridos três anos da lavratura do auto de arrecadação, período no qual o proprietário poderá evitar a perda por meio de comportamento incompatível com o abandono.

No caso concreto, após a abertura do processo administrativo (artigo 64, inciso I, da Lei n. 13.465/2017) e comprovado o tempo de abandono e de inadimplência fiscal (artigo 64, inciso II, da Lei n. 13.465/2017), houve tentativa de notificação dos proprietários tabulares (fls. 232, 236/237) e demais interessados (fls. 233, 234, 237/238), nos termos do artigo 64, inciso III, da Lei n. 13.465/2017. Pela falta de sucesso, expediu-se edital de notificação (fls. 239/240), que foi publicado por três vezes no Diário Oficial Eletrônico do Município de Hortolândia (fls. 243/245), na imprensa oficial (fls. 247/249) e em jornal de grande circulação local (fls. 250/252).

Seguiu-se, então, com a lavratura de “Auto de Constatação de Abandono” (fl. 255), com determinação de publicação no Diário Oficial Eletrônico do Município de Hortolândia, o que se deu em 02 de dezembro de 2019 (fls. 266/267).

Verificado o decurso do triênio previsto no caput do artigo 1.276 do Código Civil (fl. 277), determinou-se à Procuradoria Geral do Município de Hortolândia que adotasse as providências necessárias à regularização da propriedade do imóvel junto à serventia imobiliária, conforme preceitua o artigo 8º do Decreto Municipal n. 4.294/2019, que regulamenta o procedimento administrativo para arrecadação de bens imóveis vagos no âmbito daquele município (copiado à fl. 262).

Constata-se, portanto, como preenchidos todos os requisitos legais necessários à formação de título de arrecadação de imóvel abandonado em favor do Município, que foi o apresentante, de modo que não se justifica a exigência de apresentação de folhas numeradas e autenticadas do procedimento administrativo, com capa e termos de abertura e encerramento, além de decisão final fundamentada (item 1 da nota devolutiva fl. 279).

Além de inexistir exigência expressa neste sentido na lei de regência, o apresentante, como já dito, é o próprio Município interessado, sendo o título formado por cópia de seus documentos em qualidade suficiente à devida análise.

Dessa maneira, e uma vez que não foram especificadas efetivas irregularidades, a exigência de complemento é formalismo excessivo, que pode ser dispensado.

No que diz respeito ao óbice decorrente do bloqueio averbado na matrícula n. 137.980 (fls. 282/294), a conclusão é outra.

Nota-se que, quando da instauração do procedimento administrativo para arrecadação do imóvel, em 05 de agosto de 2019 (fls. 07/14), já vigia ordem de bloqueio (1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Campinas, conforme AV.9/137980, de 14 de outubro de 2016 – fls. 293/294).

Nos termos do § 4º, do artigo 214, da Lei n. 6.015/73:

Art. 214 (…).

§ 4º Bloqueada a matrícula, o oficial não poderá mais nela praticar qualquer ato, salvo com autorização judicial, permitindo-se, todavia, aos interessados a prenotação de seus títulos, que ficarão com o prazo prorrogado até a solução do bloqueio”.

O bloqueio, portanto, é providência cautelar que impede, a partir de sua averbação, a prática de qualquer ato registral na matrícula, ressalvadas exceções expressamente autorizadas pela própria autoridade que o impôs.

Em outros termos, a partir de tal medida, título não poderá ter ingresso sem autorização prévia do juízo que a determinou ou após seu cancelamento.

Vale observar que não cabe, neste âmbito administrativo, qualquer juízo de valor sobre as medidas restritivas, as quais devem ser debatidas nos autos em que determinadas.

A via administrativa, como se sabe, não se presta a rever decisões proferidas em sede judicial.

A matéria não é nova e já foi objeto de análise por este C. Conselho Superior da Magistratura (destaques nossos):

REGISTRO DE IMÓVEIS. CARTA DE ADJUDICAÇÃO. INDISPONIBILIDADE DE BENS DESPROVIDA DE FORÇA PARA OBSTACULIZAR O SEU REGISTRO, O QUAL, CONTUDO, ESTÁ OBSTADO DEVIDO AO BLOQUEIO JUDICIAL DA MATRÍCULA DO IMÓVEL. DÚVIDA PROCEDENTE. APELO NÃO PROVIDO” (TJSP; Ap. Cível n. 1072860-07.2022.8.26.0100; Rel. Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Data do Julgamento: 13/12/2022; Data de Registro: 10/01/2023).

REGISTRO DE IMÓVEIS. ADITAMENTO A CONTRATO PARTICULAR. NECESSIDADE DA APRESENTAÇÃO DA TOTALIDADE DOS INSTRUMENTOS CONTRATUAIS POR FORMAREM UM ÚNICO NEGÓCIO JURÍDICO. NÃO SUBSTITUIÇÃO DO CONTRATO PRELIMINAR POR OUTRO ANTE A DIVERSIDADE DE PARTES. ESPECIALIDADE OBJETIVA. NECESSIDADE DA DESCRIÇÃO DO IMÓVEL NO TÍTULO CONFORME OS REGISTROS EXISTENTES. BLOQUEIO JUDICIAL QUE NÃO PERMITE O INGRESSO DE CONTRATO SEM EXPRESSA AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE JUDICIÁRIA. IMPOSSIBILIDADE DA NÃO APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS SOB ALEGAÇAO DE SUA RETENÇÃO POR TERCEIROS. RECURSO NÃO PROVIDO” (TJSP; Ap. Cível n. 1046099-39.2017.8.26.0576; Rel. Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Data do Julgamento: 24/01/2019; Data de Registro: 29/01/2019).

Não há nem mesmo como se sustentar que se trata de aquisição de natureza originária, como a usucapião, na medida em que a arrecadação se aproxima muito mais da arrematação judicial, enquanto alienação forçada, sendo pacífico o entendimento atual de que a arrematação é modo derivado de aquisição da propriedade:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de Arrematação Título judicial sujeito à qualificação registral Forma derivada de aquisição de propriedade – Desqualificação por ofensa ao princípio da continuidade – Dúvida julgada procedente Recurso não provido, com determinação” (TJSP; Apelação Cível 0005176-34.2019.8.26.0344; Relator: Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 10/12/2019; Data de Registro: 12/12/2019).

REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de Arrematação Executado que é titular de direitos sobre o imóvel Forma derivada de aquisição de direitos Arrematação que não pode ir além dos direitos do executado Princípio da continuidade – Dúvida procedente Apelação não provida” (TJSP; Apelação Cível 1125920-02.2016.8.26.0100; Relator: Pereira Calças (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 02/12/2017; DJe: 15/03/2018).

Nesse mesmo sentido, as Apelações n. 1001015-36.2019.8.26.0223, n. 1061979-44.2017.8.26.0100, n. 0018338-33.2011.8.26.0100 e n. 0035805-59.2010.8.26.0100, dentre outras.

O que se discute, em última análise, é se a arrecadação de imóvel abandonado é modo derivado ou originário de propriedade imóvel pelo Poder Público.

A par da similitude da arrecadação com a alienação judicial forçada e embora omisso o artigo 1.276 do Código Civil, não há dúvida de que a situação se assemelha aos casos de herança jacente e herança vacante, em que o Poder Público adquire a propriedade com as qualidades e os vícios do proprietário original.

Não se inaugura, portanto, uma nova cadeia dominial nem existe negócio jurídico para fins de transmissão, mas alienação forçada: o imóvel abandonado tem, portanto, causa e aquisição derivada e não originária.

Neste sentido:

REGISTRO DE IMÓVEIS. HERANÇA VACANTE. CARTA DE ADJUDICAÇÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE – AQUISIÇÃO DERIVADA – RECURSO NÃO PROVIDO” (CSM, Apelação Cível n. 3005724-43.2013.8.26.0562, Rel. Des. Hamilton Elliot Akel, j. em 22 de setembro de 2014).

HERANÇA VACANTE. Inaplicabilidade das regras gerais pertinentes aos herdeiros, porque o Município não ostenta esta condição, recebendo o bem situado na sua jurisdição no estado em que se encontra, com suas dívidas e direitos. Assim, configura-se descabida a pretensão de que o bem situado em outro município e por ele adjudicado responda pelas dívidas do bem adjudicado ao recorrente. RECURSO DESPROVIDO” (TJSP; Agravo de Instrumento 0132451-72.2012.8.26.0000; Relator (a): Paulo Alcides; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 6ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 25/04/2013; Data de Registro: 29/04/2013).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. LOCAÇÃO DE IMÓVEL. AÇÃO DE COBRANÇA C.C. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ORDENS DE PENHORA E TERMOS LAVRADOS ANTES DA DECLARAÇÃO DE VACÂNCIA DOS BENS DEIXADOS PELO DEVEDOR. MUNICIPALIDADE QUE POSSUI CONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DO TÍTULO JUDICIAL. TÍTULO EXECUTIVO NÃO SATISFEITO. INOBSERVÂNCIA DO ART. 1821 DO CC E DA ORDEM DE PREFERÊNCIA, PREVISTA NO ART. 651, DO CPC/15. PREVALECIMENTO DAS PENHORAS PARA A SATISFAÇÃO DO TÍTULO JUDICIAL. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. Agravo de instrumento improvido” (TJSP; Agravo de Instrumento 2174293-17.2020.8.26.0000; Relator (a): Cristina Zucchi; Órgão Julgador: 34ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/09/2020; Data de Registro: 16/09/2020).

Em verdade, o próprio texto do artigo 1.276 do Código Civil também reforça a conclusão exposta acima na medida em que dispõe expressamente que o imóvel será arrecadado como “bem vago”.

A vacância, por sua vez, vem tratada nos artigos 1.819 a 1.823 do Código Civil, os quais fazem referência à herança jacente, assegurando aos credores o direito de pedir o pagamento de dívidas reconhecidas (artigo 1.821).

Não bastasse tudo isso, há notícia, ainda, de prenotações anteriores à ora em análise, de modo que, pelo princípio da prioridade, o título em questão somente poderá ser avaliado após o encerramento das prenotações anteriores.

A averbação de penhora não impede, de fato, registro de nova transmissão.

Já no que diz respeito às ordens de indisponibilidade, há que se observar o disposto no item 413, do Cap. XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

413. As indisponibilidades averbadas nos termos do Provimento CG. 13/2012 e CNJ nº 39/2014 e na forma do § 1º, do art. 53, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, não impedem a inscrição de constrições judiciais, assim como não impedem o registro da alienação judicial do imóvel desde que a alienação seja oriunda do juízo que determinou a indisponibilidade, ou a que distribuído o inquérito civil público e a posterior ação desse decorrente, ou que consignado no título judicial a prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo ou autoridade administrativa a que foi dada ciência da execução”.

Por fim, vale consignar que não se vislumbra falha funcional na hipótese: todas as exigências formuladas na nota devolutiva permitiram a correta compreensão do que estava a obstar o registro colimado, tanto que o Município se insurgiu contra todas elas.

Diante do exposto e apenas em virtude do bloqueio da matrícula, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 07.06.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de imóveis – Mandado de registro de citação de ação de constituição de servidão administrativa – Desqualificação – Exigência de prévia apuração do remanescente da transcrição objeto do registro – Inscrição que encontra fundamento no art. 167, I, 21, da Lei nº 6.015/73 – Registro que visa dar ciência a terceiros de que há em curso ação real – Hipótese que não se confunde com o registro da servidão administrativa – Apuração do remanescente da área maior inexigível mesmo em caso de registro de desapropriação – Área ainda objeto de transcrição – Necessidade de abertura de nova matrícula (art. 176, § 1º, I e 236 ambos da Lei nº 6.015/73), repetindo a descrição original, com averbação dos destaques noticiados na transcrição – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Dúvida julgada improcedente – Recurso provido.

Apelação Cível nº 1003424-93.2022.8.26.0347

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1003424-93.2022.8.26.0347
Comarca: MATÃO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1003424-93.2022.8.26.0347

Registro: 2024.0000497813

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003424-93.2022.8.26.0347, da Comarca de Matão, em que é apelante ÁGUAS DE MATÃO S/A, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MATÃO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 4 de junho de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1003424-93.2022.8.26.0347

Apelante: Águas de Matão S/A

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Matão

VOTO Nº 43.390

Registro de imóveis – Mandado de registro de citação de ação de constituição de servidão administrativa – Desqualificação – Exigência de prévia apuração do remanescente da transcrição objeto do registro – Inscrição que encontra fundamento no art. 167, I, 21, da Lei nº 6.015/73 – Registro que visa dar ciência a terceiros de que há em curso ação real – Hipótese que não se confunde com o registro da servidão administrativa – Apuração do remanescente da área maior inexigível mesmo em caso de registro de desapropriação – Área ainda objeto de transcrição – Necessidade de abertura de nova matrícula (art. 176, § 1º, I e 236 ambos da Lei nº 6.015/73), repetindo a descrição original, com averbação dos destaques noticiados na transcrição – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Dúvida julgada improcedente – Recurso provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Águas de Matão S/A contra a r. sentença de fls. 135/136, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Registro de Imóveis de Matão, que, mantendo a exigência feita pelo Oficial, negou o registro na transcrição nº 2.246 daquela serventia de mandado de registro de citação extraído do processo nº 1003374-48.2014.8.26.0347, cujo objeto é a constituição de servidão administrativa.

Alega a apelante, em síntese, que o pedido se refere apenas ao registro da citação da ação; que a inscrição pretendida não altera a figura geodésica do imóvel; que a servidão administrativa está devidamente localizada no espaço; e que a publicidade que deve emanar dos registros públicos justifica a inscrição (fls. 146/155).

Após a decisão de fls. 173, a representação processual da apelante foi regularizada (fls. 176/308).

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 316/318).

É o relatório.

Preceitua o art. 167, I, 21, da Lei nº 6.015/73:

Art. 167 – No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos

I – o registro:

(…)

21) das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis;

Trata-se de previsão que visa dar conhecimento a terceiros da citação dos proprietários do bem para responder ação cujo julgamento pode trazer consequências para o registro imobiliário. No caso, o processo em andamento tem por objetivo o reconhecimento de servidão administrativa, que se carateriza como direito real sobre coisa alheia.

O que se busca aqui não é o registro da servidão administrativa, mas apenas o registro da citação dos titulares de domínio da área atingida para responder à ação judicial.

O Oficial negou o registro do título judicial, sustentando que “em virtude de vários destaques constante da transcrição nº 2246 de ordem, o interessado deverá primeiramente providenciar a retificação do remanescente a fim de possibilitar a abertura de matrícula para o remanescente e o registro da citação mencionada na sentença” (fls. 35).

O óbice, entretanto, não se sustenta, uma vez que o mero registro da citação dos proprietários do imóvel não exige prévia apuração do remanescente de toda a área. A inscrição dará publicidade à existência da ação a eventuais compradores do bem. Negar o registro porque outras áreas também podem ser eventualmente atingidas pela servidão terminaria por não dar publicidade acerca da ação nem mesmo às pessoas que consultam o registro original.

E como bem destacado pela apelante, há precedente deste Conselho Superior no sentido de que a apuração do remanescente não é exigível nem mesmo no caso do registro de desapropriação:

Em razão da transmissão da propriedade por meio de desapropriação, da interpretação teleológica efetuada, bem como o destaque de área menor, faço observação da necessidade do georreferenciamento apenas da área desapropriada sem necessidade de sua efetivação para fins de apuração do remanescente da matrícula da qual será destacada” (CSM/SP – Apelação nº 1006361-02.2018.8.26.0320, Rel. Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, j. em 1º/4/2019).

O caso dos autos, porém, traz uma peculiaridade que deve ser considerada. Com efeito, o imóvel objeto do pedido ainda está transcrito, de modo que a realização do registro depende da abertura de matrícula[1].

Embora a descrição constante da transcrição não seja precisa e destaques tenham sido realizados (fls. 105/107), não ofende o princípio da especialidade a abertura de matrícula cuja descrição corresponda à contida em assento anterior. Nesse sentido:

Registro de Imóveis. Carta de sentença que visa a partilhar imóveis entre os cônjuges, em virtude de separação judicial. Descrição precária dos imóveis. Desqualificação do título. Exigência de prévia retificação dos registros imobiliários. Dúvida julgada procedente. Título que repete as descrições constantes nas matrículas, que já estão descerradas. Precedentes do Conselho Superior da Magistratura permitindo, nessa situação, o ingresso do título. Inscrições que, ademais, não alterarão a titularidade dominial dos bens. Descrições que, embora imperfeitas, definem as medidas perimetrais dos bens e indicam pontos que permitem a localização deles. Recurso provido” (CSM/SP – apelação nº 0002907-66.2015.8.26.0116, Rel. Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j. em 6/6/2017).

REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de inventário e partilha – Dúvida prejudicada – Irresignação parcial configurada – Exibição tardia da certidão atualizada da matrícula do bem imóvel – Inadmissibilidade – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva inocorrente – Coincidência entre as descrições do título e da matrícula a informar a abertura de uma nova (artigo 229 da Lei nº 6.015/1973) – Recurso não conhecido” (CSM/SP – apelação nº 90000002-16.2011.8.26.0296, Rel. Des. José Renato Nalini, j. Em 23/5/2013).

E embora este Conselho já tenha decidido que descrições precárias a ponto de impossibilitar a localização do imóvel não podem servir como base para a abertura de matrícula[2]não há, no caso em análise, em que pesem os destaques, informação de que a descrição seja de tal modo imprecisa.

Nota-se, desse modo, que o óbice não se sustenta, devendo o Oficial abrir nova matrícula, utilizando a descrição original (fls. 105/107) e averbando os destaques noticiados na transcrição.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título judicial.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] De acordo com a Lei nº 6.105/73:

Art. 176 – O Livro nº 2 – Registro Geral – será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro nº 3.

§ 1º A escrituração do Livro nº 2 obedecerá às seguintes normas:

I – cada imóvel terá matrícula própria, que será aberta por ocasião do primeiro ato de registro ou de averbação caso a transcrição possua todos os requisitos elencados para a abertura de matrícula; (grifei).

Art. 236 – Nenhum registro poderá ser feito sem que o imóvel a que se referir esteja matriculado.

[2] “Registro de Imóveis – Recusa de ingresso de formal de partilha que repete descrição que já consta em transcrição anterior – Dúvida procedente – Descrição que impede a própria localização do imóvel – Precedentes que permitem o ingresso de título que repete descrição lacunosa e cujo objeto é a integralidade do bem – Inaplicabilidade – Localização mínima do imóvel que se faz necessária – Impossibilidade de ingresso do título – Necessidade de prévia retificação – Apelação a que se nega provimento“(CSM/SP – apelação nº 1006360-55.2015.8.26.0309, Rel. Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j. em 24/7/2017). (DJe de 07.06.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Tutela de urgência – Não cabimento – Título judicial – Carta de arrematação – Exigência de georreferenciamento afastada – Partes ideais dos imóveis arrematados que se encontram registradas em nome de casal divorciado – Partilha não registrada – Mancomunhão – Ausência, no caso concreto, de prova da intimação da ex-cônjuge quanto à constrição e alienação judicial dos imóveis arrematados – Óbice mantido – Apelação não provida.

Apelação Cível nº 1012273-77.2023.8.26.0037

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1012273-77.2023.8.26.0037
Comarca: ARARAQUARA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1012273-77.2023.8.26.0037

Registro: 2024.0000497814

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1012273-77.2023.8.26.0037, da Comarca de Araraquara, em que é apelante PELICOLA ENGENHARIA LTDA., é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ARARAQUARA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 29 de maio de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1012273-77.2023.8.26.0037

APELANTE: Pelicola Engenharia Ltda.

APELADO: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Araraquara

VOTO Nº 43.424

Registro de imóveis – Dúvida – Tutela de urgência – Não cabimento – Título judicial – Carta de arrematação – Exigência de georreferenciamento afastada – Partes ideais dos imóveis arrematados que se encontram registradas em nome de casal divorciado – Partilha não registrada – Mancomunhão – Ausência, no caso concreto, de prova da intimação da ex-cônjuge quanto à constrição e alienação judicial dos imóveis arrematados – Óbice mantido – Apelação não provida.

Trata-se de apelação interposta por Pelícola Engenharia Ltda. contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Araraquara/SP, que, afastando um dos óbices apresentados pelo registrador, manteve a recusa de registro da carta de arrematação extraída dos autos da ação de execução fiscal que tramitou perante a 6ª Vara Federal de Execução Fiscal do Rio de Janeiro/RJ (Processo nº 0039295-46.1998.4.02.5101), tendo por objeto parte ideal dos imóveis matriculados sob nos 650, 4.084 e 17.536 junto à referida serventia extrajudicial, por entender ser necessária a prévia partilha dos bens pertencentes ao executado e sua ex-esposa (fls. 230/232).

Em síntese, alega a apelante que as frações ideais correspondentes a 7,9% dos imóveis matriculados sob nos 650, 4.084 e 17.536 junto ao 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Araraquara/SP, pertencentes ao executado Ricardo Mansur, foram arrematadas em hasta pública, o que faz presumir a regularidade do ato, sobretudo porque não houve nenhum questionamento por parte do devedor ou da ex-esposa. Entende que não pode ser responsabilizado pelo registro de eventual partilha dos bens do casal, afirmando que o divórcio pode ser concedido independentemente de tal providência. Acrescenta que, se não efetivada a partilha dos bens do casal, após o fim do casamento prevalece entre os ex-cônjuges o estado de condomínio e não, de mancomunhão. Ainda, afirma que, independentemente da natureza da dívida e da existência, ou não, de solidariedade entre o casal, o direito de propriedade do cônjuge alheio à execução sub-roga-se no produto da arrematação, nos termos do art. 843 do Código de Processo Civil. Acrescenta que, no caso concreto, embora a ação de execução tenha sido ajuizada apenas contra o devedor Ricardo Mansur, a dívida executada foi contraída na constância do casamento e em benefício do casal, motivo pelo qual a penhora recaiu sobre a parte ideal dos imóveis pertencentes aos cônjuges. Por fim, anota que o percentual de 7,9% dos bens levados a leilão foram adquiridos pelo executado Ricardo Mansur e sua esposa por conta do falecimento do genitor desta última, sendo posteriormente decretada a indisponibilidade de tais bens. Requer, então, seja deferida tutela de urgência para averbação de protesto contra alienação de bens nas matrículas dos imóveis em questão, relativamente às partes ideais arrematadas, pugnando, ao final, pelo provimento da apelação (fls. 235/247).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 272/274).

É o relatório.

Pretende a apelante, em síntese, o registro da carta de arrematação expedida nos autos da ação de execução fiscal que tramitou perante a 6ª Vara Federal de Execução Fiscal do Rio de Janeiro/RJ (Processo nº 0039295-46.1998.4.02.5101), em que figuram como executados Ricardo Mansur, Mesbla Motos Ltda, M-Automotiva Ltda., Mesbla S/A, Mesbla Distribuidora de Veículos Ltda., Eduardo Rodrigues Neto e Anibal Faria Afonso, tendo por objeto os imóveis matriculados sob nºs 650, 4.084 e 17.536, junto ao 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Araraquara/SP (fls. 119/120).

Inicialmente, há que ser indeferida a pretendida tutela de urgência para averbação de protesto contra alienação de bens nas matrículas dos imóveis em questão, relativamente às partes ideais arrematadas. Como é sabido, instaurada a dúvida registrária, o prazo da prenotação é prorrogado até solução final do procedimento, sendo inadmissível a concessão de tutela provisória, na forma pretendida pela apelante, em razão do disposto no art. 203 da Lei nº 6.015/73 que condiciona o registro do título ao trânsito em julgado da decisão:

“Art. 203 – Transitada em julgado a decisão da dúvida, proceder-se-á do seguinte modo:

I – se for julgada procedente, os documentos serão restituídos à parte, independentemente de translado, dando-se ciência da decisão ao oficial, para que a consigne no Protocolo e cancele a prenotação;

II – se for julgada improcedente, o interessado apresentará, de novo, os seus documentos, com o respectivo mandado, ou certidão da sentença, que ficarão arquivados, para que, desde logo, se proceda ao registro, declarando o oficial o fato na coluna de anotações do Protocolo”.

Destarte, há manifesta incompatibilidade da antecipação da tutela recursal e o procedimento (processo em fase recursal) de dúvida, o que justifica o indeferimento da medida postulada. Superada essa questão, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme disposto no item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência, tampouco descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível nº 413-6/7; Apelação Cível nº 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível nº 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível nº 1001015-36.2019.8.26.0223).

No exercício desse dever, o Oficial encontrou óbices ao registro da carta de arrematação apresentada pela apelante, emitindo Nota de Devolução (fls. 39/41) em que exigidos: “a) os registros naquelas matrículas do título que tenha atribuído com exclusividade citadas as partes ideais ao executado RICARDO MANSUR, uma vez que até o momento perdura referidas frações como de sua titularidade e de PATRÍCIA MONTEIRO DA SILVA ROLLO, em estado de mancomunhão, conforme divórcio objeto da AV-24 da matrícula 650 (princípio da continuidade e da disponibilidade); e b) os georreferenciamentos dos imóveis objeto das matrículas 650, 4.084 (apuração de remanescente, em virtude do destaque constante da AV – 12) e 17.536 (apuração do remanescente, em virtude do destaque constante da AV-08), por expedientes próprios, devidamente instruídos nos termos do artigo 213, inciso II e parágrafos da Lei Federal nº 6.015/1973″. Exigiu o Oficial, ainda: “2) (…) prova da quitação do ITBI relacionado às partes ideais arrematadas (…). 3) (…) originais ou fotocópias autenticadas das DITR’s/2022, inclusive DIAC’s/DIAT’s, com relação às áreas totais dos imóveis objeto das matrículas 650, 4.084 e 17.536 (…) para fins de correto cálculo de emolumentos (artigo 7º da Lei Estadual nº 11.331/2002). 4) (…) certidões atualizadas de avaliação fiscal e valor venal de referência com relação às áreas totais dos imóveis objeto das matrículas 650, 4.084 e 17.536 (…) para fins de correto cálculo de emolumentos (artigo 7º da Lei Estadual nº 11.331/2002)”.

Ao que consta dos autos, a apelante juntou os documentos exigidos pelo registrador, insurgindo-se, no entanto, em relação à necessidade de prévia partilha de bens e consequente encerramento do estado de mancomunhão dos imóveis registrados em nome do executado e sua esposa, assim como de georreferenciamento dos imóveis cujas partes ideais foram arrematadas.

O MM. Juiz Corregedor Permanente, com fulcro em precedentes deste Egrégio Conselho Superior da Magistratura, acertadamente afastou a necessidade de prévio georreferenciamento dos imóveis. A propósito, já ficou decidido que:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – TÍTULO JUDICIAL – ARREMATAÇÃO EM EXECUÇÃO FORÇADA – FRAÇÃO IDEAL – GEORREFERENCIAMENTO QUE JÁ ERA OBRIGATÓRIO PARA O TODO DO IMÓVEL – REGISTRO DA TRANSMISSÃO COATIVA PARCIAL QUE, TODAVIA, NÃO DEPENDE DA INSERÇÃO DE DESCRIÇÃO GEORREFERENCIADA – INTELIGÊNCIA DOS §§ 3º-5º DO ARTIGO 176 DA LEI Nº 6.015/1973, DO INCISO II DO § 2º DO DECRETO Nº 4.449/2002, E DO ITEM 10.1 DO CAP. XX DO TOMO II DAS NSCGJ – APELAÇÃO A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARA REFORMAR A R. SENTENÇA E AFASTAR O ÓBICE.” (TJSP; Apelação Cível 1001285- 94.2019.8.26.0438; Relator (a): Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Penápolis – Vara do Juizado Especial Cível e Criminal; Data do Julgamento: 25/08/2022; Data de Registro: 02/09/2022).

“Registro de Imóveis – Dúvida – Título judicial – Arrematação – Execução forçada – Fração ideal – Falta de georreferenciamento, que já é obrigatório para imóvel em questão – Alienação coativa parcial para cujo registro não se pode exigir, entretanto, a inserção das coordenadas georreferenciadas – Inteligência dos §§ 3º-5º da Lei n. 6.015/1973, do inciso II do § 2º do Decreto n. 4.449/2002, e do item 10.1 do Cap. XX do Tomo II das NSCGJ – Apelação a que se dá provimento para reformar a r. sentença e afastar o óbice.” (TJSP; Apelação Cível 1002000-92.2021.8.26.0624; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Tatuí – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 02/12/2021; Data de Registro: 15/12/2021).

Quanto ao segundo óbice apresentado pelo registrador, importa anotar que, da análise das matrículas nos 650, 4.084 e 17.536 do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Araraquara/SP, depreende-se que as frações ideais adquiridas pela apelante por meio da arrematação havida nos autos da ação de execução encontram-se registradas em nome de Patrícia Rollo Mansur, casada sob o regime da comunhão universal de bens com Ricardo Mansur (R.10/605 e R.22, fls. 42/62; R.06/4.084 – fls. 63/78 e R.01/17.536 – fls. 79/92).

Da matrícula nº 605 consta, ainda, o divórcio do casal (AV.24/605), sem que, no entanto, tenha ingressado no fólio real título referente a eventual partilha de bens.

A mera averbação do divórcio noticia a mutação do estado civil dos proprietários, mas não é o quanto basta para alterar o regime jurídico peculiar da mancomunhão para condomínio simples.

Em outras palavras, inexistindo na matrícula o registro da partilha e, por consequência, da atribuição da propriedade a cada um dos ex-cônjuges, persiste a propriedade em comunhão em relação à totalidade das parcelas dos bens que lhes cabem.

Não se desconhece o teor do art. 843 do Código de Processo Civil e tampouco o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que: “Os bens indivisíveis, de propriedade comum decorrente do regime de comunhão no casamento, na execução podem ser levados à hasta pública por inteiro, reservando-se à esposa a metade do preço alcançado” (REsp 200251/SP, Julgado em 06/08/2001, DJ 29/04/2002 p. 152, Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira).

Contudo, no caso concreto, não ficou demonstrado que a comunheira tenha sido intimada, na ação de execução, para conhecer e acompanhar a constrição da parte que lhe cabe nos imóveis arrematados pela apelante, o que poderia, em tese, suprir o encadeamento subjetivo necessário para ingresso do título no fólio real sem quebra da continuidade.

E se assim é, bem como porque no título consta que foi objeto de alienação judicial “a parte ideal pertencente ao executado Ricardo Mansur, correspondente a 7,9%” dos imóveis matriculados sob nos 650, 4.084 e 17.536 junto ao 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Araraquara/SP, não há como aferir se as frações arrematadas pela apelante atendem, de fato, à continuidade e, mais, à disponibilidade registral, de maneira que o óbice apresentado pelo registrador é mesmo intransponível.

Por fim, a questão referente ao cumprimento da ordem de levantamento das indisponibilidades averbadas nas matrículas deverá ser apreciada oportunamente, se o caso, considerando que o título anteriormente prenotado foi objeto da nota devolutiva copiada a fls. 156/157, sem que haja notícias de seu reingresso na serventia imobiliária.

Diante do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 07.06.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

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