CSM/SP: Registro de Imóveis – Alienação fiduciária em garantia – Cláusulas contratuais ajustadas em desacordo com normas imperativas – Ofensa ao arts. 24 e 27, §§ 2º, 5º e 6º, da Lei n.º 9.514/1997 – Inaceitável e contraditória previsão contratual admitindo a venda em segundo leilão por preço inferior ao valor da dívida – Convenção prevendo inadmissivelmente a possibilidade de subsistência do débito em caso de venda em segundo leilão – Inobservância de legítimas limitações impostas ao princípio da autonomia privada – Sopesamento entre princípios realizado com precedência pelo legislador ordinário – Juízo de desqualificação registral confirmado – Violação dos princípios da legalidade e da segurança jurídica – Dúvida procedente – Recurso desprovido.

ACÓRDÃOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1002050-35.2015.8.26.0073

Registro: 2016.0000386212

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1002050-35.2015.8.26.0073, da Comarca de Avaré, em que são partes é apelante ICARO DEMARCHI ARAÚJO LEITE, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE AVARÉ.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:“Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 2 de junho de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1002050-35.2015.8.26.0073

Apelante: ICARO DEMARCHI ARAÚJO LEITE

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Avaré

VOTO Nº 29.232

Registro de Imóveis – Alienação fiduciária em garantia – Cláusulas contratuais ajustadas em desacordo com normas imperativas – Ofensa ao arts. 24 e 27, §§ 2º, 5º e 6º, da Lei n.º 9.514/1997 – Inaceitável e contraditória previsão contratual admitindo a venda em segundo leilão por preço inferior ao valor da dívida – Convenção prevendo inadmissivelmente a possibilidade de subsistência do débito em caso de venda em segundo leilão – Inobservância de legítimas limitações impostas ao princípio da autonomia privada – Sopesamento entre princípios realizado com precedência pelo legislador ordinário – Juízo de desqualificação registral confirmado – Violação dos princípios da legalidade e da segurança jurídica – Dúvida procedente – Recurso desprovido.

Ao expor as razões determinantes da desqualificação registral do contrato de alienação fiduciária de imóvel em garantia de dívida de terceiro, o Oficial de Registro esclareceu que condicionou a inscrição pretendida à adequação de duas das cláusulas contratuais à Lei n.º 9.514/1997.

Primeiro, argumentou que a cláusula 3.2.1, além de contraditória com a cláusula 3.4, está em desconformidade com o art. 27, § 2º, da Lei n.º 9.514/1997, pois o valor previsto para venda do bem em segundo leilão toma por parâmetro o valor do imóvel, e não o da dívida.

Depois, afirmou: a cláusula 3.6 viola os §§ 5º e 6º do art. 27 da Lei n.º 9.514/1997, seja ao permitir a alienação do bem imóvel por valor inferior ao da dívida, com subsistência do débito, seja ao não prever a extinção do débito garantido, se o leilão não alcançar o mínimo legalmente previsto, caso no qual o bem imóvel, ao contrário do estabelecido, deve ficar com o credor fiduciário, e não ser vendido. [1]

O interessado, ao requerer a suscitação de dúvida e na impugnação, ponderou: é livre o ajuste sobre o preço mínimo para alienação do imóvel em segundo leilão; a intenção foi impedir a venda por preço vil; a dívida sempre será inferior a 60% do valor do imóvel; as cláusulas questionadas estão de acordo com os princípios do equilíbrio contratual, da função social do contrato, da boa-fé e da proibição do enriquecimento sem justa causa; e há relação de complementariedade, e não de contradição, entre as cláusulas 3.2.1 e 3.4. [2]

Inconformado com a sentença que julgou a dúvida procedente [3], o interessado, após o não conhecimento dos embargos de declaração [4], e reiterando suas manifestações anteriores, acrescidas com alegações relativas à autonomia privada e à força obrigatória do contrato, interpôs apelação [5], recebida no duplo efeito [6]. No mais, com o envio dos autos ao C. CSM, abriu-se vista à Procuradoria Geral da Justiça, que propôs o desprovimento da apelação [7].

É o relatório.

O instrumento particular encaminhado para registro documenta, no que interessa, ajuste sobre a transferência da propriedade resolúvel do bem imóvel identificado na mat. n.º 57.777 do RI de Avaré, pertencente à fiduciante LMX Realty Ltda., acordada, com escopo de garantia de obrigação alheia, em favor do fiduciário Maurício Antonio Quadrado. [8]

A contratação (alienação fiduciária como negócio jurídico) objetiva garantir o cumprimento de obrigação assumida pelaPaulista Fitness Empreendimentos Ltda., que se comprometeu a pagar R$2.847.740,00, parceladamente, a Maurício Antonio Quadrado, credor fiduciário, por força de sua retirada do quadro societário da devedora. [9]

O registro do título é indispensável para constituição da propriedade fiduciária. Nada obstante, a recusa exteriorizada pelo Oficial de Registro se revelou acertada. [10] O instrumento particular em testilha é, com efeito, desprovido de potência registral, considerada a amplitude do juízo de qualificação confiado ao Registrador. Contraria, enfim, elementos essenciais à estrutura normativa da categoria contratual em exame.

De acordo com a regra do § 2º do art. 27 da Lei n.º 9.514/1997, por ocasião da alienação do bem imóvel dado em garantia, então após a consolidação da propriedade em nome do fiduciário, será aceito, no segundo leilão, “o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais.” (grifei)

Ou seja, se, no primeiro leilão, a referência, para a venda do imóvel, é o valor indicado em contrato, o segundo leilão toma por parâmetro, necessariamente, a dívida contratual em aberto, com os acréscimos textualmente previstos nos §§ 2º e 3º do art. 27 da Lei n.º 9.514/1997.

Entretanto, nos termos convencionados, admitir-se-á, em segundo leilão, lanço inferior à dívida, desde que igual ou superior a 60% do valor do bem imóvel, sempre incluindo despesas, prêmios de seguro, encargos legais, inclusive tributos. É o que se extrai da análise conjunta das cláusulas 3.2.1 e 3.6 [11], que, assim, estão em desacordo com a disciplina legal.

De mais a mais, há clara contradição com a cláusula contratual 3.4, que, expressando inaceitável ambivalência contratual, a semear desaconselhável insegurança jurídica, estabelece embora, aí sim, em harmonia com a Lei n.º 9.532/1997 , que, se não houver, em segundo leilão, lanço correspondente, no mínimo, ao valor da dívida, o fiduciário ficará com o imóvel. [12]

Sem dúvida, a cláusula contratual 3.2.1, com sentido melhor inferido à luz do constante na cláusula 3.6, é inconciliável com a cláusula 3.4, que, a gerar manifesta perplexidade, quando em confronto com aquelas, indica a impossibilidade de lance inferior ao valor da dívida garantida.

Sob outro prisma, a cláusula 3.6, antes referida, ao permitir a subsistência da dívida, após (também admitir) a alienação em segundo leilão por preço inferior ao valor do débito garantido, ofende, independentemente da contradição antes desvelada, a diretriz fixada no § 5º do art. 27 da Lei n.º 9.514/1997.

Ora, nesse caso, e conforme expresso regramento legal, é vedada a alienação, por inexistência ou insuficiência do lanço, se inferior ao valor da dívida, e o bem imóvel transferido em garantia deve permanecer com o credor fiduciário, livre das restrições características da resolubilidade, considerando-se, em contrapartida, a dívida extinta, outorgando-se ao devedor quitação do débito, mediante termo próprio, consoante o § 6º do art. 27 da Lei n.º 9.514/1997.

Dentro desse contexto, o conteúdo do título levado a registro ofende normas imperativas, insuscetíveis de derrogação pela vontade dos particulares e que legitimamente, por conseguinte, limitando a autonomia privada dos contratantes, inspiradas por razões de utilidade social e equilíbrio contratual, e com o respaldo no art. 24, VII, da Lei n.º 9.514/1997, estabeleceram regulamentação mínima, estrutura mínima, com cláusulas vinculantes, a serem obrigatoriamente observadas pelas partes.

Pertinente, portanto, o juízo desqualificador emitido pelo Oficial, escorado no princípio da legalidade e, igualmente, aqui em atenção, especialmente, à contradição apurada, no princípio da segurança jurídica. Restou, em resumo, plenamente caracterizada a existência de restrições de ordem normativa, inerentes ao direito posto, a obstaculizar a inscrição intencionada.

Convém sublinhar, a propósito, que o regramento legal referente à alienação fiduciária de bens imóveis não é exclusivo de entidades que operam no sistema financeiro imobiliário; não se limita às instituições financeiras e equiparadas. Ao reverso, pode ser contratada, em garantia de obrigações em geral, por qualquer credor, pessoa física ou jurídica, consoante emerge dos arts. 22, § 1º, da Lei n.º 9.514/1997, e 51, da Lei n.º 10.931/2004.

Em arremate, inoportuna, para fins de fundamentar o registro pretendido, qualquer consideração a respeito do princípio do equilíbrio substancial do contrato ou sobre a vedação do locupletamento injusto, invocado como meio de purgar/evitar situações de iniquidade. E isso porque o legislador ordinário, com inegável precedência, ao limitar a liberdade contratual dos particulares e regulamentar a implementação da garantia, realizou o sopesamento, balanceamento entre os princípios contratuais em jogo, concretizando, em regras, a solução escolhida.

No justo escólio de Melhim Namem Chalhub, a Lei n.º 9.514/1997 “cuidou de harmonizar os interesses do credor fiduciário e do devedor fiduciante, afastando riscos de locupletamento do credor-fiduciário” e, nessa linha, ao tratar da apropriação do bem imóvel pelo credor, resolveu, entre outras medidas, exonerar “o devedor da obrigação de pagamento do saldo remanescente, caso não se alcance, no leilão, lance que cubra o valor da dívida, encargos e despesas …”. [13]

Adiante, malgrado com crítica ao perdão amplo e irrestrito positivado no § 5º do art. 27 da Lei n.º 9.514/1997 (a demandar correção, então em sua compreensão, mas, ressalva, por via legislativa), Chalhub assinala que sua aplicação se estende às obrigações em geral, sejam habitacionais ou empresariais. [14] Isto é, por enquanto, não há espaço legal para limitá-lo, segundo idealizado pelos contratantes, ainda mais na seara administrativa do procedimento de dúvida registral.

Isto posto, nego provimento ao recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Fls. 1-3 e 119-120.

[2] Fls. 121-122 e 130-133.

[3] Fls. 139-141.

[4] Fls. 148-151 e 152.

[5] Fls. 157-164.

[6] Fls. 165.

[7] Fls. 177-180.

[8] Fls. 5-19 e 123-125.

[9] Fls. 20-30, 31-35, 36-53 e 54-72.

[10] Fls. 119-120.

[11] Fls. 12.

[12] Fls. 12.

[13] Negócio fiduciário. 4.ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 260.

[14] Op. cit., p. 265-266. (DJe de 20.06.2016 – SP)

Fonte: INR Publicações | 21/06/2016.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Escritura pública de desapropriação amigável – Modo originário de aquisição da propriedade – Desnecessidade de prévia apuração da área remanescente do registro atingido – Abertura de matrícula para a área desapropriada, com a averbação do desfalque no registro originário – Recurso a que se nega provimento

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1014257-77.2015.8.26.0037

Registro: 2016.0000386213

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1014257-77.2015.8.26.0037, da Comarca de Araraquara, em que são partes é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado PREFEITURA MUNICIPAL DE NOVA EUROPA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:“Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 2 de junho de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1014257-77.2015.8.26.0037

Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo

Apelado: Prefeitura Municipal de Nova Europa

VOTO Nº 29.222

Registro de imóveis – Escritura pública de desapropriação amigável – Modo originário de aquisição da propriedade – Desnecessidade de prévia apuração da área remanescente do registro atingido – Abertura de matrícula para a área desapropriada, com a averbação do desfalque no registro originário – Recurso a que se nega provimento.

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público contra a sentença de fls. 134, que afastou o óbice apresentado pelo Oficial e determinou o registro de escritura pública de desapropriação amigável, com a abertura da respectiva matrícula.

Sustenta o apelante, em síntese, que o registro do título afronta os princípios da especialidade e da continuidade (fls. 138/140).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 160/162).

É o relatório.

De acordo com a suscitação de dúvida de fls. 10/14, as exigências de nº 2 e 3 da nota devolutiva de fls. 17 foram devidamente cumpridas. Após isso, a escritura de desapropriação amigável foi novamente prenotada, acompanhada do pedido de suscitação de dúvida.

A exigência cujo cabimento se discute (item 1 de fls. 17) diz respeito à necessidade de, antes do registro da escritura de desapropriação, ser realizada a apuração do remanescente do imóvel atingido pela expropriação.

Com o intuito de justificar a exigência, o Oficial citou a Apelação Cível nº 3000623-74.2013.8.26.0481, julgada por este Conselho em 21 de julho de 2015, relatada pelo Desembargador Elliot Akel, que foi assim ementada:

Registro de imóveis – Dúvida – Recusa de ingresso de mandado translativo do domínio extraído dos autos da ação de desapropriação – Deficiente descrição do imóvel, em desconformidade com o registro anterior e que apresenta área maior – Imóvel integrante de loteamento irregular – Risco de sobreposição de área – Ofensa aos princípios da especialidade objetiva e da disponibilidade – Necessidade de prévia retificação da área – Recurso não provido.

O Juiz Corregedor Permanente, por meio da decisão de fls. 134, afastou o óbice e determinou o ingresso do título.

Agora, recorre o Ministério Público, sustentando que o registro da escritura de desapropriação afronta os princípios registrários.

De início, cabe esclarecer que a desapropriação, ainda que amigável, é modo originário de aquisição da propriedade.

Embora esse entendimento tenha sido modificado por breve período (cf. Apelação nº 83.034-0/2 (Rel. Des. Luís de Macedo, j. em 27/12/2001), com o novo reexame da questão, por ocasião do julgamento da Apelação nº 990.10.415.058-2, julgada em 7 de julho de 2011 e relatada pelo Desembargador Maurício Vidigal, retomou-se a tese de que a desapropriação amigável, inclusive, é modo originário de aquisição da propriedade.

Feita a observação, passa-se à análise da exigência formulada.

O registro da escritura, por força do traço distintivo da originariedade da aquisição, independe da prévia apuração do remanescente do registro atingido pela desapropriação.

O caminho a trilhar é o inverso. Isto é, aberta a matrícula e registrado o título, averbar-se-á o destaque na matrícula de origem, inscrição indispensável em atenção à eficácia extintiva da desapropriação; para que se dê conhecimento do término dos direitos reais incompatíveis com a desapropriação.

No caso, competirá ao registrador simplesmente abrir a matrícula relativa à área desapropriada e comunicar no registro originário o desfalque ocorrido.

Vale aqui o que se afirmou no julgamento da Apelação Cível n.º 092270-0/0, rel. Des. Luiz Tâmbara, j. 22.8.2002, onde se entendeu que a usucapião, por ser modo originário de aquisição da propriedade (como a desapropriação), independe da observância do princípio da continuidade para o registro do título correspondente, “sendo de exclusiva responsabilidade do Registrador identificar nos assentos registrários quais o que foram atingidos pelo título originário. Atendidos os requisitoslegais, contendo o título original as características e as confrontações, ou seja, perfeita descrição do imóvel, não pode ser negado o seu registro, mormente se o mandado for instruído com cópia da planta elaborada pelo perito que atuou no processo de usucapião.” (grifei)

A impertinência do obstáculo amparado na exigência de prévia apuração do remanescente é avalizada por precedentes deste CSM envolvendo a aquisição por desapropriação: Apelação Cível n.º 20.330-0/2, rel. Des. Antônio Carlos Alves Braga, j. 7.7.1994; Apelação Cível n.º 058456-0/0, rel. Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição, j. 29.11.1999; Apelação Cível n.º 067912-0/2, rel. Des. Luís de Macedo, j. 1.8.2000; e Apelação Cível n.º 789-6/1, rel. Des. Ruy Camilo, j. 27.5.2008.

Aliás, a desvinculação do título em relação aos registros anteriores conforta essa solução: ora, com a abertura da matrícula, inaugurar-se-á nova cadeia dominial.

Pela expressividade de seus fundamentos e semelhança com o caso vertente, convém transcrever trechos do v. acórdão proferido pelo CSM, na Apelação n.º 075444-0/0, rel. Des. Luís de Macedo, j. 10.4.2001, no qual se discutiu a necessidade de prévia apuração do remanescente, tendo em vista não se saber com precisão, em virtude de destaques pretéritos, se a área desapropriada estava situada dentro do perímetro de uma ou outra ou de ambas ou de nenhuma das matrículas oriundas dos desmembramentos anteriores:

… Sendo a desapropriação forma originária de aquisição da propriedade imobiliária, o registro da carta de adjudicação independe da prévia apuração de remanescentes, e de se saber se a área desapropriada equivale total ou parcialmente a esta ou àquela matrícula.

(…)

Assim, uma vez presente a correta e exaustiva identificação da área alcançada pela ação expropriatória, cumprindo o princípio da especialidade, pode ser praticado o ato registral da carta de adjudicação

(…)

O registrador deve se acautelar para que o desfalque decorrente da desapropriação seja anotado nos registros atingidos, com o fim de conservar o controle de disponibilidade do imóvel; porém, este encargo não pode ser transferido para a recorrente sob o argumento de ofensa à continuidade, porquanto não incidente tal princípio à forma originária de aquisição do imóvel.”

Com essa inteligência, e acrescentando a importância do registro da desapropriação para a segurança jurídica e tutela dos interesses de terceiros de boa-fé, lembro lição de Francisco Eduardo Loureiro:

Nas desapropriações, os registros das cartas marcam não propriamente o ingresso do imóvel no domínio público, que pode se dar por destinação, mas, sobretudo, a perda do domínio pelo particular, para efeito de controle da disponibilidade para evitar nova alienação do expropriado a terceiro de boa-fé. Dispensam-se o registro anterior e a observância ao princípio da continuidade, por se entender ser um modo originário de aquisição de propriedade, em virtude do qual o Estado chama a si o imóvel diretamente, livre de qualquer ônus.” [1]

De mais a mais, a compreensão a que se acede afina-se com o princípio da eficiência, a teleologia e a instrumentalidade registral. A exigência de prévia apuração do remanescente, nessas situações, obstaria, com tendência dissuasória, a regularização e a publicidade de uma situação fática e jurídica consolidada, que seriam obtidas, em benefício da segurança jurídica, por meio do registro, que, in concreto, é meramente declaratório.

Fica claro, portanto, que com a solução aqui adotada, supera-se o entendimento esposado na apelação nº 3000623-74.2013.8.26.0481, que exigiu a prévia retificação do registro originário para o ingresso de título translativo do domínio extraído dos autos da ação de desapropriação. Retoma-se, assim, o entendimento anterior, segundo o qual, em se tratando de aquisição originária, o ingresso do título independe de prévia apuração do remanescente do registro originário, no qual será lançada averbação para noticiar o desfalque.

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Lei de Registros Públicos comentada. José Manuel de Arruda Alvim Neto; Alexandre Laizo Clápis; Everaldo Augusto Cambler (coords.). Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 1.220. (DJe de 20.06.2016 – SP)

Fonte: INR Publicações | 21/06/2016.

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Regime de bens – Conviventes com mais de 70 anos – No marco inicial da união os conviventes não contavam com mais de 70 anos

2ª VRP|SP: Registro Civil das Pessoas Naturais – Registro – Escritura Pública de União Estável 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

COMARCA DE SÃO PAULO

FORO CENTRAL CÍVEL

2ª VARA DE REGISTROS PÚBLICOS

PRAÇA JOÃO MENDES S/Nº, São Paulo – SP – CEP 01501-000

1000633-29.2016.8.26.0100 – lauda 1

CONCLUSÃO

Em 13/05/2016, faço estes autos conclusos ao(à) MM. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Marcelo Benacchio. Eu, Karina Yumi Ishikawa, Estagiária Nível Superior, subscrevi.

SENTENÇA

Processo nº: 1000633-29.2016.8.26.0100 – Pedido de Providências

Requerente: 1º RCPN Sé

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Marcelo Benacchio

VISTOS,

Trata-se de expediente encaminhado pela Sra. Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas do 1º Subdistrito Sé, Capital, referente a pedido de providências deduzido pelo convivente no tocante à recusa do registro de escritura pública declaratória de união estável, lavrada perante o Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas do 32º Subdistrito Capela do Socorro, Capital, ante o regime adotado pelos conviventes, qual seja, comunhão parcial de bens, em que pese o outorgante contar com mais de 70 (setenta) anos na realização do ato notarial.

A Sra. Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabeliã do Tabelionato de Notas do 32º Subdistrito Capela do Socorro, Capital, manifestou-se às fls. 41/42.

Vieram aos autos manifestação do presidente do Colégio Notarial do Brasil Seção São Paulo às fls. 50/57.

Posteriormente, vieram aos autos manifestação do presidente da ARPEN/SP (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo) às fls. 60/62.

A representante do Ministério Público manifestou-se às fl. 66, reiterando o parecer pela recusa do registro da respectiva escritura.

É o breve relatório.

DECIDO.

Compulsando os autos, verifica-se que, aos 10 de outubro de 2015, foi lavrada escritura pública de declaração de união estável de L. F. da C. e C. C. R., sob o regime de comunhão parcial de bens (fls. 31/32).

Cumpre ressaltar que a convivente nasceu aos 23 de outubro de 1973, ao passo que o convivente nasceu aos 19 de maio de 1944.

O objeto do presente expediente envolve a possibilidade de registro da escritura supramencionada ante a idade do convivente quando da realização do ato notarial, porquanto contava com mais de 70 (setenta) anos de idade, ferindo o disposto no artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, aplicado por analogia na hipótese.

Nessa linha, a Sra. Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabeliã do Tabelionato de Notas do 32º Subdistrito Capela do Socorro, Capital, manifestou-se às fls. 41/42, aduzindo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca da imposição do regime de separação obrigatória de bens somente se um dos conviventes contar com 70 (setenta) anos à época do início da convivência. No caso em tela, a união teve início aos 15 de outubro de 2012, ou seja, antes do convivente completar 70 (setenta) anos, consoante declarado pelas partes.

No mais, não se deve perder de vista que escritura pública é ato notarial que reflete a vontade das partes na realização de negócio jurídico, reproduzindo, portanto, exatamente aquilo que as partes declararam perante o preposto da serventia.

Nesta senda, consoante manifestações da ARPEN/SP (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo) e do Colégio Notarial do Brasil Seção São Paulo, depreende-se a correção da conduta da Sra. Oficial e Tabeliã ao lavrar a referida escritura pública, eis a observância da legislação e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Ainda que a compreensão doutrinária e jurisprudencial majoritária seja no sentido da aplicação à união estável o regime da separação obrigatória de bens, por analogia às disposições do casamento (Código Civil, artigo 1.641, inciso II), para pessoa maior de setenta anos, também é corrente a existência de entendimentos doutrinários acerca da não aplicação deste dispositivo legal do casamento à união estável; destarte, igualmente, haveria essa possibilidade no âmbito da qualificação notarial.

Nessa ordem de ideias, modifico o precedente anterior desta Corregedoria Permanente, no que pese o respeito pela compreensão da Sra. Oficial e do Ministério Público, para admitir o registro da Escritura Pública de União Estável objeto do presente pedido de providências, após certificado o trânsito em julgado desta decisão.

Ciência à Sra. Oficial, à Sra. Oficial e Tabeliã, ao Ministério Público e ao interessado.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 06 de junho de 2016.

Marcelo Benacchio

Juiz de Direito

Fonte: Anoreg/SP – DJE/SP | 20/06/2016.

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