CSM/SP: Registro de Imóveis – Carta de Arrematação – Título judicial sujeito à qualificação registral – Forma derivada de aquisição de propriedade – Desqualificação por ofensa ao princípio da continuidade – Necessidade de registro do instrumento anterior a fim de viabilizar o encadeamento dos títulos – Dúvida julgada procedente – Recurso não provido


  
 

Apelação nº 1004329-04.2017.8.26.0047

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1004329-04.2017.8.26.0047
Comarca: ASSIS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1004329-04.2017.8.26.0047

Registro: 2018.0000600332

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1004329-04.2017.8.26.0047, da Comarca de Assis, em que são partes é apelante/requerido ANDERSON CARLOS DE BRITO e Apelante/Requerente OFICIAL DE REGISTRO DE TITULOS E DOCUMENTOS DE ASSIS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U. Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 19 de julho de 2018.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1004329-04.2017.8.26.0047

Apelante/Requerente: Oficial de Registro de Títulos e Documentos de Assis

Apelante/Requerido: Anderson Carlos de Brito

VOTO Nº 37.505

Registro de Imóveis – Carta de Arrematação – Título judicial sujeito à qualificação registral – Forma derivada de aquisição de propriedade – Desqualificação por ofensa ao princípio da continuidade – Necessidade de registro do instrumento anterior a fim de viabilizar o encadeamento dos títulos – Dúvida julgada procedente – Recurso não provido.

Inconformado com a r. sentença que confirmou o juízo negativo de qualificação registral [1], ANDERSON CARLOS DE BRITO interpôs apelação [2] objetivando o registro da carta de arrematação expedida em seu favor nos autos do processo nº 0016083-72.2008.8.26.0047, que tramitou perante o SEF – Setor de Execuções Fiscais da Comarca de Assis/SP, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 62.303 junto ao Cartório de Registro de Imóveis daquela cidade. Alega, em síntese, que não há que se falar em ofensa ao princípio da continuidade, eis que a arrematação judicial é forma originária de aquisição de propriedade.

O Oficial do Registro de Imóveis manifestou-se nos autos, pugnando pela manutenção da sentença proferida [3].

A Procuradoria Geral da Justiça, em seu parecer, opinou pelo não provimento da apelação [4].

É o relatório.

No caso concreto, a nota de devolução expedida pelo registrador está assim redigida: “Consta da Carta de Arrematação que a ação foi proposta em face de Neuza Aparecida Viana Miranda.

Porém, o imóvel ora arrematado, objeto da matrícula n.º 62.303, deste Serviço Registral, é de propriedade da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo- CDHU, sendo que o mesmo não é parte na ação de Execução Fiscal que originou a arrematação.

Assim, primeiramente, é necessário apresentar para registro o título aquisitivo de Neuza Aparecida Viana Miranda, em obediência ao Princípio da Continuidade Registral” [5].

Entende a apelante que o óbice apresentado pelo registrador deve ser afastado, na medida em que a Carta de Arrematação foi expedida nos autos ação de execução fiscal movida contra Neusa Aparecida Viana Miranda, ajuizada em virtude de débitos de IPTU.  Aduz que a executada era mutuária do imóvel e que a mutuante ainda figura como proprietária junto ao fólio real, de forma que ambas são solidariamente responsáveis pelo débito tributário, independentemente do registro do contrato de mútuo. Acrescenta que a CDHU foi intimada a respeito da realização do leilão judicial e que, no entanto, não se manifestou nos autos. Assim, entende que a Carta de Arrematação foi regularmente expedida, ressaltando que aquisição do imóvel em hasta pública é forma originária de aquisição de propriedade, por romper a cadeia de transmissão pretérita.

Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme o disposto no item 119, do Capítulo XX, das NSCGJ [6]. Este C. Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial [7].

Da análise da documentação trazida aos autos, é possível constatar que imóvel objeto da Matrícula nº 62.303 [8], registrado em nome da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo – CDHU, foi arrematado pela parte apelante no bojo de ação de execução fiscal movida contra Neuza Aparecida Viana Miranda. Como se vê, a devedora, na ação de execução em que havida a arrematação, é pessoa diversa daquela que ainda figura, perante o fólio real, como titular de domínio do imóvel arrematado.

Nesse cenário, não há como se afastar o óbice apresentado pelo registrador, sob pena de se configurar injustificado rompimento na cadeia de sucessão dos titulares do bem. Trata-se de obedecer ao princípio da continuidade registrária, previsto no art. 195 da Lei de Registros Públicos:

“Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.”

De seu turno, dispõe o art. 237 do mesmo diploma legal:

“Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.”

Sobre o tema, de rigor lembrar que a arrematação judicial constitui forma de alienação forçada, que, segundo Araken de Assis, revela negócio jurídico entre o Estado, que detém o poder de dispor e aceita a declaração de vontade do adquirente (“Manual da Execução”. Editora Revista dos Tribunais; 14ª edição; São Paulo. 2012. p. 819). É ato expropriatório por meio do qual “o órgão judiciário transfere coativamente os bens penhorados do patrimônio do executado para o credor ou para outra pessoa”.

Não se desconhece que, em data relativamente recente, este C. Conselho Superior da Magistratura chegou a reconhecer que a arrematação constituía modo originário de aquisição da propriedade [9]. Contudo, tal entendimento acabou não prevalecendo, pois o fato de inexistir relação jurídica ou negocial entre o antigo proprietário e o adquirente (arrematante ou adjudicante) não é o quanto basta para afastar o reconhecimento de que há aquisição derivada da propriedade.

E se assim é, tratando-se a arrematação judicial de modo derivado de aquisição de propriedade, mantido o vínculo com a situação pretérita do bem, há que ser respeitado o princípio da continuidade. Consoante ensina o magistrado Josué Modesto Passos:

“Diz-se originária a aquisição que, em seu suporte fático, é independente da existência de um outro direito; derivada, a que pressupõe, em seu suporte fático, a existência do direito por adquirir. A inexistência de relação entre titulares, a distinção entre o conteúdo do direito anterior e o do direito adquirido originariamente, a extinção de restrições e limitações, tudo isso pode se passar, mas nada disso é da essência da aquisição originária” [10].

E, então, enfatiza:

“A arrematação não pode ser considerada um fundamento autônomo do direito que o arrematante adquire. A arrematação é ato que se dá entre o Estado (o juízo) e o maior lançador (arrematante), e não entre o maior lançador (arrematante) e o executado; isso, porém, não exclui que se exija – como de fato se exige –, no suporte fático da arrematação (e, logo, no suporte fático da aquisição imobiliária fundada na arrematação), a existência do direito que, perdido para o executado, é então objeto de disposição em favor do arrematante. Ora, se essa existência do direito anterior está pressuposta e é exigida, então – quod erat demonstrandum – a aquisição é derivada (e não originária)” [11].

No mesmo sentido, é pacífica a atual jurisprudência deste C. Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – CARTA DE ARREMATAÇÃO – FORMA DERIVADA DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE – EXECUTADA QUE NÃO FIGURA COMO PROPRIETÁRIA DO IMÓVEL NA RESPECTIVA MATRÍCULA – AFRONTA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE – RECURSO DESPROVIDO. [12]

REGISTRO DE IMÓVEIS – ARREMATAÇÃO EM HASTA PÚBLICA – FORMA DERIVADA DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE– EXECUTADA QUE NÃO FIGURA COMO PROPRIETÁRIA DO IMÓVEL NA RESPECTIVA MATRÍCULA – AFRONTA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE – CARTA DE ADJUDICAÇÃO DO IMÓVEL PREVIAMENTE EXPEDIDA EM FAVOR DA EXECUTADA, MAS NÃO LEVADA A REGISTRO, QUE NÃO BASTA PARA PERMITIR EXCEÇÃO À CONTINUIDADE – RECURSO DESPROVIDO [13].

Veja-se que o apelante tinha meios de verificar, antes da arrematação, que o imóvel não era de propriedade da executada. Por conseguinte, imprescindível o prévio registro do título por meio do qual Neuza Aparecida Viana Miranda adquiriu a propriedade para, então, ser possível o registro da Carta de Arrematação expedida na ação de execução que lhe foi movida.

Nesse cenário, justifica-se a confirmação da r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente e, portanto, do juízo negativo de qualificação, em atenção ao princípio da continuidade registral.

Diante do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Fls. 156/159.

[2] Fls. 176/190.

[3] Fls. 206/209.

[4] Fls. 218/221.

[5] Fls. 13.

[6] 119. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.

[7] Apelação Cível n° 413-6/7; Apelação Cível n° 0003968-52.2014.8.26.0453.

[8] Fls. 34.

[9] Apelação Cível n.° 0007969-54.2010.8.26.0604.

[10] PASSOS, Josué Modesto. A arrematação no registro de imóveis: continuidade do registro e natureza da aquisição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, pp. 111/112.

[11] Op. cit., p. 118.

[12] TJSP; Apelação 1047731-10.2016.8.26.0100; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 29/09/2017; Data de Registro: 16/10/2017.

[13] TJSP; Apelação 1009832-65.2014.8.26.0223; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Guarujá – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/09/2016; Data de Registro: 06/10/2016.

Fonte: DJe/SP de 18/03/2019

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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