CSM/SP: Dúvida – Apelação – Recusa de registro por conta de hipoteca cedular, penhoras e indisponibilidade judicial sobre os bens – Sentença que julga procedente a dúvida impedindo o registro da venda da parte ideal de imóveis rurais por um dos condôminos, fundada na impossibilidade de extinção de condomínio por significar disposição de parte certa do imóvel indisponível – Venda de parte ideal da propriedade por um dos condôminos que não gera extinção do condomínio, mas apenas a alteração parcial da titularidade sobre o bem – Fixação de futura extinção do condomínio como condição para pagamento de parte do preço não desnatura o negócio como compra e venda, preservando-se a existência e a natureza do condomínio simples – Cessionário do crédito garantido por hipoteca cedular que figura como exequente que anui com a venda de parte ideal dos bens garantidores, afastando qualquer impedimento por conta da existência da hipoteca e das penhoras inscritas na matrícula – Ordens judiciais de indisponibilidade dirigidas ao coproprietário não alienante – Efeitos pessoais – Inexistência de limitação ao exercício do direito de dispor pelo coproprietário que não tem contra si qualquer restrição – Existência de ordens de indisponibilidade judicial sobre os bens sem indicação de sujeito determinado – Eficácia sobre a integralidade do bem, impedindo qualquer alienação, até seu levantamento ou decisão judicial de ineficácia da indisponibilidade em relação ao condômino alienante – Dúvida procedente para manter a negativa de registro até o levantamento das ordens de indisponibilidade genéricas – Recurso não provido.

Apelação n° 0000619-44.2019.8.26.0169

Espécie: APELAÇÃO

Número: 0000619-44.2019.8.26.0169

Comarca: DUARTINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 0000619-44.2019.8.26.0169

Registro: 2020.0000722640

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0000619-44.2019.8.26.0169, da Comarca de Duartina, em que é apelante ALFREDO DOS SANTOS, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE DUARTINA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, mantendo a exigência quanto à necessidade de cancelamento das ordens de indisponibilidade dos processos 0166900-78.2009.5.15.0142 e 0000790-21.2011.5.15.0142, averbadas nas matrículas nºs 13.260, 13.261, 13.262 e 13.263, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 1º de setembro de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 0000619-44.2019.8.26.0169

Apelante: Alfredo dos Santos

Promotor (Ativo): Justiça Pública

Apelado: ARNALDO RODRIGUES FERNANDES

VOTO N.º 31.171

Dúvida – Apelação – Recusa de registro por conta de hipoteca cedular, penhoras e indisponibilidade judicial sobre os bens – Sentença que julga procedente a dúvida impedindo o registro da venda da parte ideal de imóveis rurais por um dos condôminos, fundada na impossibilidade de extinção de condomínio por significar disposição de parte certa do imóvel indisponível – Venda de parte ideal da propriedade por um dos condôminos que não gera extinção do condomínio, mas apenas a alteração parcial da titularidade sobre o bem – Fixação de futura extinção do condomínio como condição para pagamento de parte do preço não desnatura o negócio como compra e venda, preservando-se a existência e a natureza do condomínio simples – Cessionário do crédito garantido por hipoteca cedular que figura como exequente que anui com a venda de parte ideal dos bens garantidores, afastando qualquer impedimento por conta da existência da hipoteca e das penhoras inscritas na matrícula – Ordens judiciais de indisponibilidade dirigidas ao coproprietário não alienante – Efeitos pessoais – Inexistência de limitação ao exercício do direito de dispor pelo coproprietário que não tem contra si qualquer restrição – Existência de ordens de indisponibilidade judicial sobre os bens sem indicação de sujeito determinado – Eficácia sobre a integralidade do bem, impedindo qualquer alienação, até seu levantamento ou decisão judicial de ineficácia da indisponibilidade em relação ao condômino alienante – Dúvida procedente para manter a negativa de registro até o levantamento das ordens de indisponibilidade genéricas – Recurso não provido.

1. Trata-se de apelação interposta por Alfredo dos Santos visando a reforma da sentença de fl. 99/101, que julgou procedente dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis de Duartina, mantendo a exigência de cancelamento das indisponibilidades lançadas nas matrículas antes do registro de escritura de extinção de condomínio.

A Nota de Devolução do título apresentou as seguintes exigências (fl. 4): “ Os imóveis objetos da presente Escritura Pública, estão gravados com a restrição de indisponibilidade‘ hipoteca. A indisponibilidade tem o objetivo de prevenir eventual fraude e impedir a transferência da propriedade por meio voluntário. Portanto, não se enquadram em transmissão forçada. O interessado deverá providenciar o cancelamento dos gravames, em cumprimento ao disposto no parágrafo 2º do artigo 2º do Provimento nº 39, do Conselho Nacional de Justiça”.

O recurso sustenta, em resumo, que o caso concreto não diz respeito a uma extinção de condomínio, mas apenas de alienação de fração ideal de 50% da propriedade, sem pedido de divisão do imóvel. Que o negócio jurídico significa apenas substituição de um dos condôminos, sendo que o alienante não tem sobre si qualquer ordem de indisponibilidade. Que somente após o registro pretende efetuar a divisão do bem, o que não interfere no registro da alienação da parte ideal de condômino não submetido à ordem judicial de indisponibilidade. Ainda, que as hipotecas gravadas sobre os bens não impedem a alienação, visto haver anuência dos credores com o ato (fl. 108/114).

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 128/131 e 158).

O feito foi inicialmente distribuído como recurso administrativo ao Corregedor Geral da Justiça, sendo reconhecida a existência de discussão a respeito de recurso em sentido estrito e determinada a redistribuição dos autos ao Conselho Superior da Magistratura (fl. 133/135).

É o relatório.

2. Trata-se de recurso de apelação interposto por Alfredo dos Santos, pretendendo afastar os óbices apontados pelo Oficial de Registro de Imóveis de Duartina, registrando-se a escritura de compra e venda de bem imóvel havida entre o recorrente, Wagner Rogério Mapeli e sua esposa Cristina Denise Angeluci Mapeli, na condição de compradores, e Emerson Chiarotti e sua esposa Camila Aparecida Previdelli Chiarotti, na condição de vendedores, com anuência do coproprietário Flávio Hitiro Miura e sua esposa Thais Micali Miura.

A sentença de primeiro grau reconheceu que a escritura de compra e venda de parte ideal do imóvel por um dos condôminos caracteriza extinção de condomínio; e esta, por sua vez, indica disposição da propriedade entre os condôminos, que atribuem a cada um direito e fração certa sobre o imóvel comum, o que estaria inviabilizado por conta da existência de averbação de indisponibilidade por decisão da Justiça do Trabalho. Manteve, assim, a exigência de cancelamento das indisponibilidades pelos Juízos ordenadores antes do registro da escritura de extinção de condomínio.

Por primeiro, observe-se que o caso concreto não corresponde a uma extinção de condomínio, já que os quatro imóveis continuarão de propriedade de duas pessoas em partes ideais, sem abertura imediata de novas matrículas com atribuição da propriedade exclusiva a cada um dos titulares.

O fato da escritura de compra e venda prever uma futura extinção de condomínio como condição do pagamento de parte do preço não desnatura a venda da parte ideal por condômino, já que não integra elemento essencial para a existência da compra e venda.

Bastando a fixação do preço para a perfeição da compra e venda, considerando seus efeitos pessoais, não se pode entender a condição suspensiva estabelecida para o pagamento de parte do preço como elemento essencial do próprio negócio, o que não é.

Assim, a fixação de futura extinção de condomínio com o coproprietário anuente ao negócio, como condição para o pagamento de parte do preço, não transforma a venda de parte ideal da propriedade em extinção de condomínio, posto que pelo negócio jurídico estabelecido entre comprador e vendedor não se observarão efeitos extintivos diretos da propriedade em comum, mas apenas a modificação subjetiva parcial da titularidade do domínio.

Desta forma, não é por conta da existência de uma futura extinção de condomínio que se há de impedir o ingresso do título, mas sim e tão somente pela existência de indisponibilidades genéricas lançadas sobre o bem, sem identificar eventual limitação subjetiva, bem como outras lançadas de forma específica sobre a pessoa do vendedor.

Conforme se observa da escritura de compra e venda (fl. 53/64) e das matrículas dos imóveis (fl. 9/20, 21/30, 31/41 e 42/52), pendem sobre os bens uma hipoteca cedular, duas penhoras (uma delas decorrente da execução da Cédula de Crédito Industrial garantida por hipoteca) e várias indisponibilidades genéricas e específicas decorrentes de ordem judicial.

Por primeiro, observa-se a existência de registro de hipoteca cedular de todos os imóveis em favor do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais S.A. BDMG, conforme R.3/M-6.970 (Av.2/M-13.260; Av.2/M-13.261) e R.6/M-6.254 (Av. 2/M-13.262; Av.1/M-13.263), decorrentes da Cédula de Crédito Industrial nº 129.921/05.

Inscreveu-se pelas averbações Av.11/M-13.260, Av.11/M-13.261, Av.11/M-13.262 e Av.11/M-13.263 a cessão do crédito da Cédula de Crédito Industrial nº 129.921/05 pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais S.A. – BDMG para Djalma Lucas Zacarin, que assumiu a condição de credor do título de crédito garantido pela hipoteca.

A cessão do crédito com garantia hipotecária transfere ao cessionário o exercício de todos os direitos decorrentes do negócio originário, inclusive da primazia decorrente da hipoteca, nos termos dos arts. 287 e 289, ambos do Código Civil.

Referida Cédula de Crédito Industrial com garantia hipotecária foi executada, antes da cessão, pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, ocasionando a penhora dos imóveis nos autos da execução nº 1721268-65.2008.8.13.0024, em trâmite na 5ª Vara da Fazenda Pública de Belo Horizonte, o que se observa do R.9/M-6.970 (Av.2/M-13.260; Av.2/M-13.261) e do R.14/M-6.254 (Av. 1/M-13.262; Av.1/M-13.263).

Vê-se, assim, que o crédito hipotecário foi executado pelo credor originário, havendo cessão do crédito para Djalma Lucas Zacarim (Av. 11/M-13.263). Este, na condição de cessionário do crédito, concordou com a venda de parte do imóvel hipotecado e penhorado na execução da qual assumiu o polo ativo, autorização que lhe é dada pelo art. 53 do Decreto-lei nº 413/1969 (fl. 91).

Havendo anuência expressa do exequente e credor hipotecário, não há impedimento para o ingresso do título de alienação de parte ideal dos imóveis objeto de penhora.

A segunda penhora inscrita recai sobre parte ideal de 50% do imóvel objeto da Matrícula nº 13.263 (R. 13/M-6.254), em desfavor do vendedor Emerson Chiarotti, nos autos da execução nº 0005108-84.2009.8.26.0619, movida pela Cooperativa dos Cafeicultores e Citricultores de São Paulo COOPERCITRUS, na 1ª Vara Cível de Taquaritinga.

Tal crédito executado foi cedido para Djalma Lucas Zacarin, com sub-rogação nos direitos da COOPERCITRUS, nos autos da ação de execução nº 0005108-84.2009.8.26.0169, conforme Av. 12/M-13.263. Consta dos autos anuência do cessionário, agora exequente, Djalma Lucas Zacarim para a alienação do imóvel penhorado (fl. 92).

Apesar da penhora do bem não impedir sua alienação, gerando apenas ineficácia do ato perante a execução, a apreciação de eventual questionamento pelo Oficial do Registro é prejudicada, ante a anuência expressa do exequente com a venda pelo executado. Se a alienação do bem penhorado é informada ao exequente e este concorda com o ato, admitindo a substituição da titularidade, inexiste qualquer impedimento para o registro do ato junto à matrícula.

No que diz respeito às indisponibilidades judiciais lançadas nas matrículas, há que se observar diversidade de situações para cada uma das inscrições.

Por primeiro, há de se observar que as ordens judiciais de indisponibilidade se dirigem ao direito de dispor do proprietário por força do art. 1.228 do Código Civil. Tal direito de dispor não se atrela ao bem na forma de direito real, mas se configura como direito potestativo do proprietário que, em desejando, poder alienar voluntariamente a propriedade, por alguma das formas estabelecidas pelo direito brasileiro.

Assim, a disponibilidade da propriedade como faculdade é atrelada à pessoa do proprietário e não ao bem, embora seja exercida sobre a coisa. Por conta disto, ordens judiciais de indisponibilidade atingem o direito subjetivo do proprietário alienar voluntariamente os bens de sua propriedade.

Não atingem o bem em si, mas o direito atribuído a seu titular e, por isto, seus efeitos se limitam aos sujeitos indicados na ordem judicial. Assim, a indisponibilidade atinge os direitos da pessoa contra quem é dirigida, sem abranger os demais coproprietários. No silêncio, ou seja, havendo indicação da indisponibilidade do bem sem direcionamento a algum dos coproprietários, e partindo-se da finalidade garantidora do ato judicial, entende-se por sua eficácia limitadora para todos os proprietários.

Neste caso concreto, há ordens judiciais de indisponibilidade que não atingem o vendedor Emerson Chiarotti, já que dirigidas nominalmente ao coproprietário Flávio Hitiro Miura. Sendo os efeitos da indisponibilidade judicial meramente pessoais, estes não importam restrição ao direito de dispor do coproprietário que não tenha contra si a mesma determinação. Outras envolvem ambos os proprietários, Flávio e Emerson, a impedir por completo a alienação da propriedade, total ou em partes ideais de cada um dos coproprietários.

Desta forma, em relação às indisponibilidades inscritas somente em desfavor do coproprietário Flávio Hitiro Miura, não há que se falar em impedimento da alienação de parte ideal pertencente ao coproprietário Emerson, ante a inexistência de transmissão dos efeitos pessoais do ato judicial de restrição para o condômino não abrangido pela ordem judicial.

Em relação aos imóveis alienados, observa-se indisponibilidade somente em desfavor do coproprietário Flávio Hitiro Miura nas averbações Av.18/M-6.970 Av. 22/M-6.254 (indisponibilidade decretada pela Vara do Trabalho de Taquaritinga no processo 0000707-39.2010.5.15.0142, em desfavor do coproprietário Flávio Hitiro Miura, Guari Fruits Ind. e Com de Polpas Ltda., Eder Edemir Chiarotti e Agihiro Miura) e nas averbações Av. 18/M-6.980 Av. 24/M-6.254 (indisponibilidade de bens de Eder Edemir Chiarotti e de Fábio Hitiro Miura, decretada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, no processo 0004243-22.2013.8.26.0619).

Tais indisponibilidades não impedem a alienação pelo coproprietário Emerson Chiarotti.

Observa-se, ainda, a indisponibilidade em desfavor de Emerson decretada no processo nº 0006163-89.2017.8.26.0619, pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (R.6/M-13.260; R.6/M-13.261; R.6/M-13.262; R.6/M-13.263), em desfavor de Flávio Hitiro Miura e Emerson Chiarotti, foi cancelada em relação a Emerson Chiarotti (Av.8/M-13.623).

Por fim, há duas indisponibilidades que impedem o registro da alienação da parte ideal do imóvel pertencente a Emerson Chiarotti, decorrentes de ato da Vara do Trabalho de Taquaritinga.

A primeira consta das averbações Av. 4/M-6.970 (Av.2/M-13.260; Av.2/M-13.261) Av. 7/M-6.254 (Av. 1/M-13.262; Av. 1/M-13.263), determinada de forma genérica sobre os imóveis pela Vara do Trabalho de Taquaritinga, no processo 0166900-78.2009.5.15.0142.

A segunda consta das averbações Av. 6/M-6.970 (Av.2/M-13.260; Av.2/M-13.261) Av. 9/M-6.254 (Av. 1/M-13.262; Av. 1/M-13.263), determinada de forma genérica sobre os imóveis pela Vara do Trabalho de Taquaritinga, no processo 0000790-21.2011.5.15.0142.

Tais ordens judiciais de indisponibilidade, não descrevendo a limitação em relação a algum dos proprietários, atingem por presunção a integralidade do bem e os direitos de todos os proprietários, impedindo alienações voluntárias totais ou parciais.

Assim, embora afastada a dúvida quanto à previsão da extinção de condomínio como condição para pagamento de parte do preço, quanto à existência de hipoteca e penhora e quanto às ordens de indisponibilidade dirigidas somente à pessoa do coproprietário não alienante, permanece a impossibilidade de ingresso do título na matrícula, ante a eficácia das ordens de indisponibilidade emitidas nos processos 0166900-78.2009.5.15.0142 e 0000790-21.2011.5.15.0142.

E permanecendo óbice ao registro, ainda que parcial, procede a dúvida, posto que impedido o registro na forma pretendida pela parte interessada (CSM – AP 028249-0/0 – rel. Des. Márcio Martins Bonilha – j. 31.05.1996).

3. Ante o exposto, pelo meu voto nego provimento ao recurso, mantendo a exigência quanto à necessidade de cancelamento das ordens de indisponibilidade dos processos 0166900-78.2009.5.15.0142 e 0000790-21.2011.5.15.0142, averbadas nas matrículas nºs 13.260, 13.261, 13.262 e 13.263, do que resulta a procedência da dúvida

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 26.11.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida inversa Título judicial Servidão administrativa Especialidade objetiva – Título que não permite identificar o lugar da servidão no imóvel serviente – Impossibilidade de deferir-se o pretendido registro – Óbice mantido – Nega-se provimento à apelação.

Apelação n° 1000288-27.2020.8.26.0390

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1000288-27.2020.8.26.0390

Comarca: NOVA GRANADA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1000288-27.2020.8.26.0390

Registro: 2020.0000722659

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000288-27.2020.8.26.0390, da Comarca de Nova Granada, em que é apelante TRIÂNGULO MINEIRO TRANSMISSORA S/A, é apelado OFICIAL DO REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DAS PESSOAS JURIDÍCAS DA COMARCA DE NOVA GRANADA-SP.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso de apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 1º de setembro de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1000288-27.2020.8.26.0390

Apelante: Triângulo Mineiro Transmissora S/A

Apelado: Oficial do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Juridícas da Comarca de Nova Granada-sp

VOTO Nº 31.217

Registro de Imóveis – Dúvida inversa Título judicial Servidão administrativa Especialidade objetiva – Título que não permite identificar o lugar da servidão no imóvel serviente – Impossibilidade de deferir-se o pretendido registro – Óbice mantido – Nega-se provimento à apelação.

1. Trata-se de recurso de apelação (fl. 118/134) interposto por Triângulo Mineiro Transmissora S. A. contra a r. sentença (fl. 108/111) proferida pelo MM. Juízo Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Nova Granada, que confirmando os óbices apresentados na nota devolutiva (fl. 86-88), julgou procedente a dúvida inversa e manteve a recusa de registro stricto sensu de servidão administrativa (fl. 65/84) na matrícula nº 4.867 daquele cartório (cópia parcial a fl. 77/78).

Segundo a sentença, razão assiste o Oficial de Registro de Imóveis quando afirma que a descrição dada pela matrícula não apresenta nenhum ponto de amarração com a descrição dada pelo título da servidão administrativa. Logo, o pretendido registro stricto sensu, se feito como rogado, ofenderia o princípio da especialidade objetiva, e dessa maneira a recusa foi correta.

Afirma a apelante, entretanto, que não há incerteza sobre o fato de que a servidão em exame realmente recaia sobre o imóvel da matrícula em questão: afinal, isso não só foi constatado por perícia feita na ação de desapropriação, como ainda se conclui pela circunstância de que, tratando-se de servidão aparente, não houve nenhum reclamo de donos ou confrontantes acerca da extensão da faixa serviente ou de interferência com prédios lindeiros. Afirma que a dita faixa de servidão foi apurada com precisão geodésica, segundo as normas vigentes, tais como exigidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica. Aduz que não cabe à recorrente fazer com que a descrição do imóvel serviente indique com precisão os pontos atingidos pela servidão: com efeito, esse dever toca ao dono, que, ele sim, tem de fazer localizar a linha de eletricidade dentro de seu imóvel, quando proceder ao levantamento das coordenadas georreferenciadas, providência para a qual, ademais, ainda não se consumou o prazo regulamentar, estendido, para a área em questão, até novembro de 2023. Requer, portanto, que, dispensado o georreferenciamento da área do prédio serviente, seja deferido o registro da servidão, como rogado.

O Oficial de Registro manifestou-se, insistindo na manutenção da r. decisão recorrida (fl. 162/164).

A D. Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo não provimento do recurso (fl. 182/184).

É o relatório.

2. Note-se, de início, que a origem judicial do título (in casu, uma desapropriação forçada de servidão administrativa, documentada por carta de adjudicação) não o torna imune à qualificação registral, ainda que esta se limite, aí, aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais (Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça NSCGJ, Capítulo XX, item 117 ou, na época da qualificação, item 119). É pacífico, além disso, que a qualificação negativa não caracteriza nem desobediência nem descumprimento de decisão jurisdicional (Apelação Cível n. 413-6/7; Apelação Cível n. 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível n. 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível n. 1001015-36.2019.8.26.0223).

In medias res: como se vê no título (fl. 65/84), toda (frise-se) a faixa desapropriada para a servidão administrativa tem a seguinte caracterização (cf. fl. 68-69 e 79, especialmente):

“Faixa I Descrição: Faixa de terras medindo ao todo 0,9903 ha (noventa e nove ares e três centiares), possuindo os seguintes limites e confrontações: Inicia-se a descrição deste perímetro no vértice 1, situado no Km 22+970,62m da LT de coordenadas N 7.738.294,36m e E 677.072,51m; Cerca deste, segue confrontando ALCINA DO NASCIMENTO, com os seguintes azimutes e distâncias: 144º50’38” e 33,61m até o vértice 2, de coordenadas N 7.738.266,87m e E 677.091,87m; deste, segue confrontando VALDOMIRO MARTINS, com os seguintes azimutes e distâncias: 208º02’08” e 164,92m até o vértice 3, de coordenadas N 7.738.121,31m e E 677.014,35m; deste, segue confrontado DAIANE DE LIMA JACOMERI, com os seguintes azimutes e distâncias: 324º53’42” e 33,63m até o vértice 4, de coordenadas N 7.738.148,82m e E 676.995,01m; deste, segue confrontando DAIANE DE LIMA JACOMERI, com os seguintes azimutes e distâncias: 324º43’08” e 33,58m até o vértice 5, de coordenadas N 7.738.176,23m e E 676.975,62m; deste, segue confrontando VALDOMIRO MARTINS, com os seguintes azimutes e distâncias: 28º02’08” e 165,51m até o vértice 6, de coordenadas N 7.738.322,31m e E 677.053,41m; deste, segue confrontando ALCINA DO NASCIMENTO, com os seguintes azimutes e distâncias: 145º39’39” e 33,86m até o vértice 1, ponto inicial da descrição deste perímetro”.

“Valdomiro Martins” (ou “Waldomiro Martin”) não é senão um dos proprietários do imóvel da matrícula nº 4.867, com relação à qual foi rogado o registro stricto sensu da servidão, e ele e a sua mulher realmente foram partes na demanda concernente a essa desapropriação (fl. 80). Logo, está claro que existe relação entre o prédio objeto da matrícula nº 4.867 e o título apresentado ao ofício de registro de imóveis.

Ao contrário do que pretende a apelante, contudo, essa relação entre o título e a matrícula não basta para atender o princípio da especialidade e para permitir o pretendido registro stricto sensu.

Como diz a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 225, § 2º, “consideram-se irregulares, para efeitos de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior”. Ou seja, para que se respeite ao princípio da especialidade, não basta que se admita uma relação qualquer entre o título e a matrícula, mas é preciso que no caso específico da servidão de duto de eletricidade, que é contínua e aparente a descrição dada pelo título permita situar o direito por constituir dentro da área que já está matriculada: só assim, com efeito, é que a “caracterização do imóvel” (rectius, do direito por inscrever) “coincidirá” (rectius, guardará congruência) com o que está no “registro anterior”. Porém, essa necessária congruência não se ocorre na hipótese destes autos, pois, como se acabou de ver, existe apenas descrição da inteira faixa afetada pela servidão, sem que, porém, se tivesse especificado onde é que ela recai dentro da área matriculada, concretamente.

Portanto, o problema não se coloca na existência ou não de georreferenciamento do imóvel da matrícula nº 4.867. Ainda que houvesse coordenadas georreferenciadas para o todo, o pretendido registro stricto sensu só teria lugar se o título também trouxesse o lugar da servidão no imóvel serviente. Porém, como dito, isso não se fez, e agora não é lícito deferir-se o registro pretendido, que estaria então em desacordo com a exigência legal de especialidade dos direitos reais inscritos (cf. Lei n. 6.015/1973, art. 176, § 1º, II, 3, e §§ 3º a 5º e 13, e art. 225; NSCGJ, XX, itens 10.1, 10.1.1, 10.3, 54.3, 54.5, 56 c, 57 a 60, 63 a 67, 69 e 70).

Acrescente-se que a imposição de georreferenciamento da área do prédio serviente não é sequer cabível, porque, conforme a sua extensão (= menos de cem hectares, pelo que se alega), o prazo para tanto só se encerra em 20 de novembro de 2023 (Decreto nº 4.449, de 30 de outubro de 2002, art. 10, VI, com a redação dada pelo Decreto nº 9.311, de 15 de março de 2018, art. 50), e esse é outra circunstância a confirmar que a deficiência impeditiva da inscrição está na má formação do título, e não, propriamente, na matrícula nº 4.867.

Em suma: ainda que por fundamento distinto daquele que constara na nota devolutiva e fora confirmado pelo r. decisum apelado (isto é, a necessidade de georreferenciamento da área do imóvel serviente), não se pode deferir pretendido registro stricto sensu, por deficiência do relativo título (que não dá especialidade ao direito por inscrever), e a recusa tem de ser mantida.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 26.11.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida procedente – Hipoteca judiciária – Especialidade objetiva – Registro da hipoteca rogado para a área total matriculada –  Eficácia do Registro de Imóveis – Óbice afastado – Dá-se provimento ao recurso de apelação.

Apelação Cível nº 1046870-35.2019.8.26.0224

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1046870-35.2019.8.26.0224

Comarca: GUARULHOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1046870-35.2019.8.26.0224

Registro: 2020.0000722658

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1046870-35.2019.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante RETOUR ATIVOS FINANCEIROS S/A, é apelado PRIMEIRO OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE GUARULHOS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 1º de setembro de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1046870-35.2019.8.26.0224

Apelante: Retour Ativos Financeiros S/A

Apelado: Primeiro Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos

VOTO Nº 31.202

Registro de Imóveis – Dúvida procedente – Hipoteca judiciária – Especialidade objetiva – Registro da hipoteca rogado para a área total matriculada –  Eficácia do Registro de Imóveis – Óbice afastado – Dá-se provimento ao recurso de apelação.

1. Trata-se de recurso de apelação (fl. 147/152) interposto por Retour Ativos Financeiros S. A. contra a r. sentença (fl. 133/137) proferida pelo MM. Juízo Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos, que julgou procedente a dúvida e manteve a recusa de registro stricto sensu de hipoteca judiciária na matrícula nº 61.138 do dito cartório (fl. 27/32).

Afirma a apelante, em síntese, que para o pretendido registro stricto sensu não lhe pode ser exigido que promova a retificação, com a apuração do remanescente, pois isso supõe atos que só podem ser praticados pela dona (por exemplo, a colheita de assinaturas e a elaboração de plantas). Aduz que pretende apenas a constrição, a qual tanto seria possível, que na mesma matrícula já fora averbada, certa vez, uma penhora. Acrescenta que informações da Prefeitura Municipal de Guarulhos dão conta de que existe remanescente de área na matrícula. Pede, portanto, que seja reformada a r. sentença, e que se lhe defira o registro stricto sensu, tal como rogara.

A D. Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo não provimento do recurso (fl. 176/177).

É o relatório.

2. Em que pese a seus bem lançados fundamentos, a r. sentença recorrida tem de ser reformada para que, afastado o óbice apontado pelo Oficial de Registro de Imóveis, seja deferido o registro stricto sensu da hipoteca judiciária, como fora rogado.

Para o direito registrário, não basta que o imóvel objeto de inscrição seja determinado; é preciso que seja especializado, ou seja, que seja descrito:

“Primeiramente, observe-se que especializar, para o sistema registral, não é o mesmo que determinar o ente individuado (trate-se aqui de pessoas, fatos ou coisas). Com efeito, é de todo possível determinar sem especializar: pode dizerse que um dado imóvel se designe ‘Fazenda Carlos de Laet’; outro, ‘Chácara Imperador Felipe II’; e esses imóveis poderão estar determinados para o registro, suposto que sociologicamente se reconheçam de modo notório (com notoriedade quoad se). E, no entanto, podem não ter, no registro, medidas de contorno, indicação de superfície, lugar ubi, parâmetros referenciais, figura, etc. Ou seja, estão determinados, mas não estão especializados.

“Determinar é identificar; já especializar é individualizar de maneira característica, visando a distinguir, demarcar, estremar o ente individual […].

“Todavia, se impossível é definir o ente individual, já o mesmo não se passa com sua descrição. E descrevê-lo é exatamente indicar algo singular dentro de sua especialidade, enunciar aquilo que o torna indivíduo no âmbito da espécie, ou seja, aquilo que lhe dá uma natureza concreta indivídual.” (Ricardo Dip, Registro de Imóveis (princípios), tomo II, Descalvado: Primvs, 2018, p. 9-10, n. 240, grifos do autor).

O meio técnico de fazer essa descrição é o apontado pelas normas vigentes, em especial pela Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 176, § 1º, II, 3, e §§ 3º a 5º e 13, e 225. Confira-se, em particular:

Art. 176. […]

§ 1º A escrituração do Livro nº 2 obedecerá às seguintes normas:

I – cada imóvel terá matrícula própria, que será aberta por ocasião do primeiro registro a ser feito na vigência desta Lei;

II – são requisitos da matrícula:

[…]

3) a identificação do imóvel, que será feita com indicação:

[…]

b – se urbano, de suas características e confrontações, localização, área, logradouro, número e de sua designação cadastral, se houver.

Isso vem explicitado pelas Normas dos Serviços Extrajudiciais, Capítulo XVI, item 60, a1 e a2, e Capítulo XX, itens 10.1, 10.1.1, 10.3, 54.3, 54.5, 56 c, 57 a 60, 63 a 67, 69 e 70. Dentre essas orientações, vale destacar:

57. A identificação e caracterização do imóvel compreendem:

[…]

IV as confrontações, inadmitidas expressões genéricas, tais como “com quem de direito”, ou “com sucessores” de determinadas pessoas, que devem ser excluídas, se existentes no registro de origem, indicando-se preferencialmente os imóveis confinantes e seus respectivos registros.

V a área do imóvel.

No caso concreto, para o registro de duas sucessivas compras e vendas do todo (R. 3 a fl. 28-29 e R. 4 a fl. 29), a matrícula em questão (n. 61.138, do 1º Registro de Imóveis de Guarulhos) foi aberta com descrição algo precária, é verdade, mas, ainda assim, com referência às confrontações e ao cálculo de sua área:

“uma gleba de terras, com 3.844,67 m2, de formato irregular, situada no perímetro urbano, na Área Central, com as seguintes medidas e confrontações, medindo 98,35 m de frente para o Córrego dos Cavalos; 7,57 m em curva, na confluência do Córrego dos Cavalos, com a rua 2; 41,60 m do lado direito de quem do Córrego dos Cavalos olha para o terreno, fazendo frente para a Rua 2; 9,88 m em curva, na confluência da Rua 2, com a Rua Brasilio Pinto de Almeida; 99,42 m nos fundos, de frente para a Rua Brasilio Pinto de Almeida; 17,56 m do lado esquerdo de quem do Córrego dos Cavalos olha para o terreno, confrontando com os terrenos remanescentes de Jorge Queiroz de Moraes.”

Esse mesmo imóvel veio a sofrer, depois, sucessivos destaques, por conta de desapropriações (cf. averbações 7 a 10, a fl. 30-31), sem que, entretanto, se possa dizer que essas perdas tivessem suprimido toda a área contida na matrícula. Pelo contrário: aqueles destaques não excederam de 407,36 m², para um imóvel que tinha área total inicial de 3.844,67 m².

Não se contesta que, considerado o atual estado da técnica e as exigências atuais da doutrina jurídico e do tráfego imobiliário, a descrição do imóvel tem de ser melhorada. Ainda como está, entretanto, fato é que a matrícula traz alguma indicação de área e de confrontações e, pois, pode receber novos atos registrais de transmissão e oneração, sempre que for tratada como corpo certo, como sucede na hipótese, em que o credor pediu o registro stricto sensu de uma hipoteca judiciária sobre o todo, como consta do assento. A solução contrária, a bem ver, não só negaria eficácia à matrícula (que é válida e produz efeitos até que se desfaça, nos termos da Lei n. 6.015/1973, art. 252), como ainda facilitaria a clandestinidade e dificultaria, ainda mais, o seu aperfeiçoamento (neste caso, por negar a constituição de um direito a hipoteca judiciária a um terceiro legitimamente interessado).

Vale acrescentar que a hipoteca judiciária tem, como título formal (Lei n. 6.015/1973, art. 221), cópia de sentença condenatória, de maneira que não há, nem poderia em tese haver, discrepância alguma entre o que o credor pretenderia inscrever, a inscrição que efetivamente rogou e o que consta do registro de imóveis, o que é outro indicativo da legalidade do pedido (Lei n. 6.015/1973, art. 225).

Por fim, ressalte-se que a matrícula em exame já recebera, anos atrás, o registro stricto sensu de uma penhora sobre o todo remanescente, sem que disso tivesse advindo irregularidade alguma (R. 11 e Av. 12, a fls. 31-32), o que é outro bom indício que agora não há ilicitude registral em deferir-se o registro stricto sensu da hipoteca judiciária.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 26.11.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

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