CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida procedente – Hipoteca judiciária – Especialidade objetiva – Registro da hipoteca rogado para a área total matriculada –  Eficácia do Registro de Imóveis – Óbice afastado – Dá-se provimento ao recurso de apelação.


  
 

Apelação Cível nº 1046870-35.2019.8.26.0224

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1046870-35.2019.8.26.0224

Comarca: GUARULHOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1046870-35.2019.8.26.0224

Registro: 2020.0000722658

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1046870-35.2019.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante RETOUR ATIVOS FINANCEIROS S/A, é apelado PRIMEIRO OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE GUARULHOS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 1º de setembro de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1046870-35.2019.8.26.0224

Apelante: Retour Ativos Financeiros S/A

Apelado: Primeiro Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos

VOTO Nº 31.202

Registro de Imóveis – Dúvida procedente – Hipoteca judiciária – Especialidade objetiva – Registro da hipoteca rogado para a área total matriculada –  Eficácia do Registro de Imóveis – Óbice afastado – Dá-se provimento ao recurso de apelação.

1. Trata-se de recurso de apelação (fl. 147/152) interposto por Retour Ativos Financeiros S. A. contra a r. sentença (fl. 133/137) proferida pelo MM. Juízo Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos, que julgou procedente a dúvida e manteve a recusa de registro stricto sensu de hipoteca judiciária na matrícula nº 61.138 do dito cartório (fl. 27/32).

Afirma a apelante, em síntese, que para o pretendido registro stricto sensu não lhe pode ser exigido que promova a retificação, com a apuração do remanescente, pois isso supõe atos que só podem ser praticados pela dona (por exemplo, a colheita de assinaturas e a elaboração de plantas). Aduz que pretende apenas a constrição, a qual tanto seria possível, que na mesma matrícula já fora averbada, certa vez, uma penhora. Acrescenta que informações da Prefeitura Municipal de Guarulhos dão conta de que existe remanescente de área na matrícula. Pede, portanto, que seja reformada a r. sentença, e que se lhe defira o registro stricto sensu, tal como rogara.

A D. Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo não provimento do recurso (fl. 176/177).

É o relatório.

2. Em que pese a seus bem lançados fundamentos, a r. sentença recorrida tem de ser reformada para que, afastado o óbice apontado pelo Oficial de Registro de Imóveis, seja deferido o registro stricto sensu da hipoteca judiciária, como fora rogado.

Para o direito registrário, não basta que o imóvel objeto de inscrição seja determinado; é preciso que seja especializado, ou seja, que seja descrito:

“Primeiramente, observe-se que especializar, para o sistema registral, não é o mesmo que determinar o ente individuado (trate-se aqui de pessoas, fatos ou coisas). Com efeito, é de todo possível determinar sem especializar: pode dizerse que um dado imóvel se designe ‘Fazenda Carlos de Laet’; outro, ‘Chácara Imperador Felipe II’; e esses imóveis poderão estar determinados para o registro, suposto que sociologicamente se reconheçam de modo notório (com notoriedade quoad se). E, no entanto, podem não ter, no registro, medidas de contorno, indicação de superfície, lugar ubi, parâmetros referenciais, figura, etc. Ou seja, estão determinados, mas não estão especializados.

“Determinar é identificar; já especializar é individualizar de maneira característica, visando a distinguir, demarcar, estremar o ente individual […].

“Todavia, se impossível é definir o ente individual, já o mesmo não se passa com sua descrição. E descrevê-lo é exatamente indicar algo singular dentro de sua especialidade, enunciar aquilo que o torna indivíduo no âmbito da espécie, ou seja, aquilo que lhe dá uma natureza concreta indivídual.” (Ricardo Dip, Registro de Imóveis (princípios), tomo II, Descalvado: Primvs, 2018, p. 9-10, n. 240, grifos do autor).

O meio técnico de fazer essa descrição é o apontado pelas normas vigentes, em especial pela Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 176, § 1º, II, 3, e §§ 3º a 5º e 13, e 225. Confira-se, em particular:

Art. 176. […]

§ 1º A escrituração do Livro nº 2 obedecerá às seguintes normas:

I – cada imóvel terá matrícula própria, que será aberta por ocasião do primeiro registro a ser feito na vigência desta Lei;

II – são requisitos da matrícula:

[…]

3) a identificação do imóvel, que será feita com indicação:

[…]

b – se urbano, de suas características e confrontações, localização, área, logradouro, número e de sua designação cadastral, se houver.

Isso vem explicitado pelas Normas dos Serviços Extrajudiciais, Capítulo XVI, item 60, a1 e a2, e Capítulo XX, itens 10.1, 10.1.1, 10.3, 54.3, 54.5, 56 c, 57 a 60, 63 a 67, 69 e 70. Dentre essas orientações, vale destacar:

57. A identificação e caracterização do imóvel compreendem:

[…]

IV as confrontações, inadmitidas expressões genéricas, tais como “com quem de direito”, ou “com sucessores” de determinadas pessoas, que devem ser excluídas, se existentes no registro de origem, indicando-se preferencialmente os imóveis confinantes e seus respectivos registros.

V a área do imóvel.

No caso concreto, para o registro de duas sucessivas compras e vendas do todo (R. 3 a fl. 28-29 e R. 4 a fl. 29), a matrícula em questão (n. 61.138, do 1º Registro de Imóveis de Guarulhos) foi aberta com descrição algo precária, é verdade, mas, ainda assim, com referência às confrontações e ao cálculo de sua área:

“uma gleba de terras, com 3.844,67 m2, de formato irregular, situada no perímetro urbano, na Área Central, com as seguintes medidas e confrontações, medindo 98,35 m de frente para o Córrego dos Cavalos; 7,57 m em curva, na confluência do Córrego dos Cavalos, com a rua 2; 41,60 m do lado direito de quem do Córrego dos Cavalos olha para o terreno, fazendo frente para a Rua 2; 9,88 m em curva, na confluência da Rua 2, com a Rua Brasilio Pinto de Almeida; 99,42 m nos fundos, de frente para a Rua Brasilio Pinto de Almeida; 17,56 m do lado esquerdo de quem do Córrego dos Cavalos olha para o terreno, confrontando com os terrenos remanescentes de Jorge Queiroz de Moraes.”

Esse mesmo imóvel veio a sofrer, depois, sucessivos destaques, por conta de desapropriações (cf. averbações 7 a 10, a fl. 30-31), sem que, entretanto, se possa dizer que essas perdas tivessem suprimido toda a área contida na matrícula. Pelo contrário: aqueles destaques não excederam de 407,36 m², para um imóvel que tinha área total inicial de 3.844,67 m².

Não se contesta que, considerado o atual estado da técnica e as exigências atuais da doutrina jurídico e do tráfego imobiliário, a descrição do imóvel tem de ser melhorada. Ainda como está, entretanto, fato é que a matrícula traz alguma indicação de área e de confrontações e, pois, pode receber novos atos registrais de transmissão e oneração, sempre que for tratada como corpo certo, como sucede na hipótese, em que o credor pediu o registro stricto sensu de uma hipoteca judiciária sobre o todo, como consta do assento. A solução contrária, a bem ver, não só negaria eficácia à matrícula (que é válida e produz efeitos até que se desfaça, nos termos da Lei n. 6.015/1973, art. 252), como ainda facilitaria a clandestinidade e dificultaria, ainda mais, o seu aperfeiçoamento (neste caso, por negar a constituição de um direito a hipoteca judiciária a um terceiro legitimamente interessado).

Vale acrescentar que a hipoteca judiciária tem, como título formal (Lei n. 6.015/1973, art. 221), cópia de sentença condenatória, de maneira que não há, nem poderia em tese haver, discrepância alguma entre o que o credor pretenderia inscrever, a inscrição que efetivamente rogou e o que consta do registro de imóveis, o que é outro indicativo da legalidade do pedido (Lei n. 6.015/1973, art. 225).

Por fim, ressalte-se que a matrícula em exame já recebera, anos atrás, o registro stricto sensu de uma penhora sobre o todo remanescente, sem que disso tivesse advindo irregularidade alguma (R. 11 e Av. 12, a fls. 31-32), o que é outro bom indício que agora não há ilicitude registral em deferir-se o registro stricto sensu da hipoteca judiciária.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 26.11.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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