Apelação Cível nº 1070781-60.2019.8.26.0100
Número: 1070781-60.2019.8.26.0100
Comarca: CAPITAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação n° 1070781-60.2019.8.26.0100
Registro: 2020.0000107499
ACÓRDÃO – Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1070781-60.2019.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ANTÔNIO FERNANDO DA SILVA, é apelado 4º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso para afastar a recusa do registro, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).
São Paulo, 6 de fevereiro de 2020.
RICARDO ANAFE
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Apelação Cível nº 1070781-60.2019.8.26.0100
Apelante: Antônio Fernando da Silva
Apelado: 4º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital
VOTO Nº 31.084
Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Condomínio edilício – Vaga de garagem de propriedade de pessoa que não é titular de outra unidade autônoma – Nova alienação – Instrumento único de instituição e de convenção do condomínio que indica se tratar de edifício de uso misto – Recurso provido.
Vistos.
1. Trata-se de apelação interposta por Antonio Fernando da Silva contra r. sentença que julgou a dúvida procedente e manteve a recusa do Sr. 4º Oficial do Registro de Imóveis da Capital em promover o registro de escritura pública de compra e venda da vaga de garagem consistente no “Box 17” do 2º Subsolo do Edifício Iraque, objeto da matrícula nº 77.811, em razão da Convenção do Condomínio não conter dispositivo que autorize a alienação de garagem a quem não for proprietário de unidades autônomas.
O apelante alegou, em suma, que o atual proprietário adquiriu a vaga de garagem em arrematação promovida em ação judicial e registrou a aquisição sem ser proprietário de outra unidade autônoma. Disse que o edifício é composto por unidades autônomas de uso misto e que a convenção do condomínio não veda a alienação das vagas de garagem aos não proprietários de outras unidades com uso de natureza distinta. Esclareceu que a arrematação foi registrada na matrícula aberta para a vaga de garagem e que não há vedação para a nova alienação que se pretende registrar. Requereu o provimento do recurso para que seja promovido o registro da compra e venda (fls. 92/99).
A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 119/120).
É o relatório.
2. Como se verifica no v. acórdão prolatado por este Col. Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 1090191-75.2017.8.0100, da Comarca de São Paulo, j. 24/7/2018, de que foi relator o Excelentíssimo Desembargador Pinheiro Franco, o condomínio edilício é composto por partes de propriedade comum e de partes de propriedade privativa dos condôminos.
As partes de propriedade privativa, que são as unidades autônomas, podem consistir em apartamentos residenciais, escritórios, salas, lojas, sobrelojas, casas ou abrigos de veículos (arts. 1.331 do Código Civil e 8º, alínea “a”, da Lei nº 4.591/64), conforme a definição de sua natureza contida na instituição e especificação do condomínio.
Nos edifícios-garagem a que se refere o art. 1º, § 3º, da Lei nº 4.591/64 as unidades autônomas são vagas de garagem a que se vinculam frações ideais do terreno e das coisas de uso comum, ou seja, sua propriedade não é ligada à de unidade autônoma de outra natureza, e diante da espécie do condomínio não existe restrição para que sejam livremente alienadas pelo proprietário.
Nos demais edifícios, ou seja, naqueles em que as unidades autônomas são apartamentos, lojas, sobrelojas, escritórios e casas, a propriedade das garagens se vincula à da outra unidade autônoma a que corresponder, ou que tiver igual proprietário, como previsto no § 1º do art. 2º da Lei nº 4.591/64.
Desse modo, não é o fato de se revestir da forma de unidade autônoma, com matrícula exclusiva, que torna a garagem livremente alienável.
Ao contrário, para ser alienada de forma livre a garagem deve integrar edifício-garagem, ou de uso misto.
Nos condomínios que não forem edifícios-garagem, ou de uso misto, a alienação de vaga de garagem para terceiros, não condôminos, depende de expressa autorização na convenção, como previsto na parte final do § 1º do art. 1.331 do Código Civil.
Neste caso concreto, foi apresentada para registro escritura pública de compra e venda da vaga de garagem consistente no “Box 17” do 2º Subsolo do “Edifício Iraque”, objeto da matrícula nº 77.811, em que o apelante figura como vendedor (fls. 14/17).
A certidão da matrícula nº 77.811, juntada às fls. 46/52, demonstra que o apelante, que não era proprietário de outra unidade autônoma no edifício (fls. 2), adquiriu a vaga de garagem mediante registro de arrematação realizada em ação judicial movida contra a anterior proprietária, Pirâmides Brasília S.A. Indústria e Comércio.
A arrematação da vaga de garagem pelo apelante foi registrada em 5 de maio de 2014, sem que exista nos autos notícia de restrição imposta para a posterior alienação voluntária.
Ademais, não há notícia de que o condomínio, por qualquer meio, se opôs ao exercício da propriedade do “Box 17” como correspondendo ao domínio sobre unidade autônoma situada em edifício de uso misto, ou seja, composto por escritórios, lojas e garagens.
A natureza mista do condomínio “Edifício Iraque”, por sua vez, não é afastada pelo instrumento de instituição e de convenção que prevê que é composto por escritórios, lojas e vagas de garagem (fls. 53/74).
As vagas de garagem, localizadas no primeiro, segundo e terceiros subsolos, são tratadas na convenção do condomínio como unidades autônomas desvinculadas dos escritórios.
Apesar de pouco claro, o instrumento de instituição e convenção do condomínio especifica as garagens e suas vinculações com as áreas comuns de cada um dos três subsolos em que localizadas, sem considerar para essa finalidade as demais áreas comuns do edifício.
Assim decorre da previsão de que a participação das garagens do primeiro subsolo nas áreas comuns foram calculadas sobre o total de 781m² (fls. 66), as áreas comuns atribuídas às garagens do segundo subsolo foram calculadas sobre o total de 811,20m² (fls. 66), e as áreas comuns atribuídas às garagens do terceiro subsolo foram calculadas sobre área total de 811,20m².
O instrumento único de instituição e convenção reitera a desvinculação das áreas comuns das garagens com as demais áreas do condomínio de uso dos proprietários dos escritórios e lojas ao prever:
“PARÁGRAFO ÚNICO – As partes de uso comum das garagens (pátios internos de manobras) referentes aos três subsolos, são totalmente independentes das partes de uso comum do restante do Edifício e não se consideram destacadas do total das áreas exclusivas garagens, por se tratar de vagas ideais e não delimitadas entre si” (fls. 67).
Além disso, o instrumento de instituição e convenção do condomínio diz que é composto por unidades autônomas de propriedade exclusiva que consistem em escritórios, sobrelojas, uma loja com garagem, e mais três subsolos com sessenta e oito garagens “…que se destinam aos fins compatíveis com a sua natureza” (fls. 57).
Portanto, in casu, o “Box 17” do segundo subsolo do edifício já é de propriedade de condômino não titular de qualquer outra unidade autônoma, ao passo que o instrumento único de instituição e de convenção do condomínio não afasta a caracterização do edifício como destinado para uso misto de escritórios, lojas e garagens, o que permite o registro da escritura de compra e venda.
Ressalva-se, contudo, que eventual litígio relativo à natureza das vagas de garagem como unidades autônomas em edifício de uso misto, se vier a existir, deverá ser solucionado em ação própria, de que participe o condomínio, cujo resultado prevalecerá para todos os efeitos.
Por fim, o procedimento de dúvida não comporta a condenação dos interessados no pagamento de verbas da sucumbência em razão de sua natureza administrativa (art. 204 da Lei nº 6.015/73), o que torna prejudicado o pedido de assistência judiciária formulado pelo apelante.
3. Ante o exposto, dou provimento ao recurso para afastar a recusa do registro.
RICARDO ANAFE
Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 01.04.2020 – SP)
Fonte: INR Publicaçoes
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias
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