Apelação nº 1000490-18.2018.8.26.0505
Número: 1000490-18.2018.8.26.0505
Comarca: RIBEIRÃO PIRES
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação nº 1000490-18.2018.8.26.0505
Registro: 2019.0000154061
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1000490-18.2018.8.26.0505, da Comarca de Ribeirão Pires, em que é apelante EJZENBERG CLÍNICA MÉDICA LTDA., é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE RIBEIRÃO PIRES.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “1) Deram provimento ao recurso para julgar a dúvida improcedente, mantido, porém, o indeferimento da tutela antecipada requerida pelo apelante, v.u. 2) Indeferiram o pedido de intervenção no processo, como terceiro interessado, realizado por José Francisco de Lima Filho, bem como o pedido de sustentação oral formulado pelo Doutor Ezequiel de Souza Sanches Oliveira, Advogado, por se tratar de matéria administrativa, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 26 de fevereiro de 2019.
GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Apelação nº 1000490-18.2018.8.26.0505
Apelante: Ejzenberg Clínica Médica Ltda.
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Ribeirão Pires
VOTO Nº 37.661
Registro de Imóveis – Procedimento de dúvida – Pedido de tutela antecipada para o imediato registro do título – Indeferimento, porque o registro do título demanda o trânsito em julgado da decisão da dúvida – Registro de Imóveis – Alienação fiduciária em garantia – Registro recusado em razão da não observação do valor mínimo para venda no primeiro leilão previsto nos arts. 24, parágrafo único, e 27, § 1º, ambos da Lei nº 9.514/97 – Imóvel arrematado no primeiro leilão por valor correspondente ao de nova avaliação realizada unilateralmente pela credora, mas inferior ao originalmente previsto no contrato de alienação fiduciária e ao utilizado pelo órgão competente como base de cálculo para a apuração do imposto de transmissão “inter vivos” – Previsão legal, contudo, de que as ações envolvendo procedimentos de consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário e de leilão deverão ser resolvidas em perdas e danos, exceto se relativas à falta de intimação do devedor (parágrafo único do art. 30 da Lei nº 9.514/97) – Natureza do procedimento de dúvida que impede a adoção de solução distinta daquela prevista em lei para o resultado de ação judicial – Necessidade de recurso às vias ordinárias para a solução de litígio sobre a validade dos procedimentos de consolidação da propriedade e de leilão – Recurso provido para julgar a dúvida improcedente.
Trata-se de apelação interposta por Ejzenberg Clínica Médica Ltda. contra r. sentença que julgou a dúvida procedente e manteve a negativa do registro de escritura pública de compra e venda, relativa ao imóvel objeto da matrícula nº 33.303 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Ribeirão Pires, que foi outorgada pela Caixa Econômica Federal em decorrência da arrematação do imóvel, pelo apelante, em leilão que foi realizado na forma da Lei nº 9.514/97.
O apelante alegou, em suma, que a recusa do registro teve como fundamento a análise dos elementos intrínsecos ao título, o que extrapolou os limites da qualificação realizada na esfera administrativa. Afirmou que mediante contrato celebrado em 06 de novembro de 2014 o imóvel foi dado em alienação fiduciária para garantir o pagamento de débito com valor de R$ 1.476.658,40. Em razão do inadimplemento das obrigações assumidas pelos devedores fiduciantes foi promovida a consolidação da propriedade em favor da credora fiduciária que vendeu o imóvel em leilão realizado em 19 de agosto de 2017, pelo valor de R$ 1.312.000,00, e em 07 de novembro de 2017 outorgou a escritura pública de compra e venda ao arrematante. Asseverou que o contrato de alienação fiduciária constitui ato jurídico perfeito e que a consolidação da propriedade em favor do credor foi anterior à publicação da Lei nº 13.465/2017 que alterou o art. 24 da Lei nº 9.514/97. Ademais, o art. 30 da Lei nº 9.514/97 prevê a ausência de intimação do devedor fiduciante como a única nulidade absoluta incidente no leilão, sendo todos os demais vícios nos requisitos procedimentais resolvidos em perdas e danos. Reiterou que a qualificação promovida pelo Oficial de Registro de Imóveis deve ser restrita aos elementos extrínsecos ao título causal e asseverou que compete à Justiça Federal as ações para a declaração da nulidade de execução extrajudicial promovida pela Caixa Econômica Federal. Por fim, eventual instauração de controvérsia sobre ato praticado pela Caixa Econômica Federal demandará sua intervenção no processo, como litisconsorte necessário. Requereu a improcedência da dúvida, com a determinação de registro do título.
A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 193/196).
O apelante, após, requereu a antecipação da tutela para o registro do título aduzindo que em ação de reintegração de posse, em curso perante a Vara em que tramitou o procedimento de dúvida, foi determinada a suspensão do cumprimento da medida liminar até o registro da transmissão do domínio ao arrematante, sendo essa decisão atacada por meio de agravo de instrumento em que não foi concedido efeito ativo. Reiterou que qualquer vício no leilão será resolvido por perdas e danos, do que decorre a inequívoca probabilidade do direito ao registro e autoriza que seja determinado mediante tutela de urgência (fls. 200/207).
José Francisco de Lima Filho requereu sua intervenção do processo alegando que é proprietário do imóvel oferecido em alienação fiduciária em garantia e que, por essa razão, tem interesse jurídico na demanda. Asseverou que a co-proprietária do imóvel, Eliana Maria Galvão de Lima, não participa da ação que têm por objeto a reintegração de posse em favor do arrematante (Processo nº 1001127-79.2017.8.26.0512). Além disso, em ação que tem curso perante a Justiça Federal, Processo nº 5001548-12.2017.4.03.6126, foi suscitada a falsidade de documentos que, por essa razão, deixaram de gozar de presunção de veracidade, pois não houve a devida avaliação do imóvel e não constaram elementos essenciais ao ato realizado. Teceu comentários sobre a avaliação do bem para efeito de leilão, afirmando que tem valor de mercado de R$ 4.350.000,00. Aduziu que o leilão também é nulo porque não foi notificado previamente de sua realização, o que o impediu de purgar a mora. Afirmou que o parágrafo único do art. 30 da Lei nº 9.514/97 viola o Pacto de São José que tutela o uso e gozo dos bens por seu proprietário e impede que seja privado do domínio sem justa indenização. Arguiu a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 30 da Lei nº 9.514/97. Requereu a declaração de nulidade dos atos praticados pela Caixa Econômica Federal, em razão de falsidade, o bloqueio da matrícula do imóvel, bem como o reconhecimento da nulidade do Processo 1001127-79.2017.8.26.0512 pela não intervenção de Eliana Maria Galvão de Lima e a declaração da inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 30 da Lei nº 9.514/97. Formulou pedido de tutela antecipada e apresentou documentos (fls. 243/257).
É o relatório.
O procedimento de dúvida é de natureza administrativa (art. 204 da Lei nº 6.015/73), não tem lide e não comporta as modalidades de intervenção de terceiro previstas nos arts. 119 e seguintes do Código de Processo Civil.
Em igual sentido foi decidido por este Col. Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 510-0, da Comarca de Ribeirão Preto, de que foi relator o Desembargador Bruno Affonso de André, e na Apelação Cível 000.964.6/0-00, da Comarca de São Paulo, de que foi relator o Desembargador Ruy Pereira Camilo, a última com a seguinte ementa:
REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida inversa – Intervenção de terceiro – Não cabimento por ser a dúvida destinada à solução do dissenso entre o registrador e o interessado no registro do título – Intervenção indeferida – Admissibilidade, apenas, de apelação pelo terceiro interessado, do que não se trata no presente caso concreto.
Indefiro, portanto, o pedido de intervenção no processo, como terceiro interessado, realizado por José Francisco de Lima Filho.
A certidão de fls. 08/12 demonstra que o imóvel objeto da matrícula nº 33.303 do Registro de Imóveis de Ribeirão Pires foi dado por José Francisco de Lima Filho e Eliana Maria Galvão de Lima em alienação fiduciária em favor da Caixa Econômica Federal mediante contrato celebrado em 24 de dezembro de 2015 e registrado em 22 de março de 2016 (R. 7, fls. 11).
Mostra, ainda, que em 17 de abril de 2017 foi registrada a consolidação da propriedade em favor da credora Caixa Econômica Federal, com indicação de que para efeito de base de cálculo do Imposto de Transmissão “inter vivos” foi atribuído ao imóvel o valor R$ 1.476.658,40 (Av. 08, fls. 11/12).
Com a consolidação da propriedade a Caixa Econômica Federal promoveu o leilão do imóvel a que se refere o art. 27 da Lei nº 9.514/97:
“Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.
§ 1° Se no primeiro leilão público o maior lance oferecido for inferior ao valor do imóvel, estipulado na forma do inciso VI e do parágrafo único do art. 24 desta Lei, será realizado o segundo leilão nos quinze dias seguintes.
§ 2° No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais.
§ 2°-A. Para os fins do disposto nos §§ 1o e 2o deste artigo, as datas, horários e locais dos leilões serão comunicados ao devedor mediante correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive ao endereço eletrônico.
§ 2°-B. Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas de que trata o § 2o deste artigo, aos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, de que trata este parágrafo, inclusive custas e emolumentos. (…)”.
O apelante arrematou o imóvel no primeiro leilão, realizado em 19 de agosto de 2017, pelo valor de R$ 1.312.000,00 (fls. 28, 35 e 36, item 67), com posterior outorga, pela Caixa Econômica Federal, da escritura pública de compra e venda que é o título de transmissão do domínio ao arrematante (fls. 24/26).
O registro da escritura pública de compra e venda, porém, foi negado porque o valor da arrematação, de R$ 1.312.000,00 em 19 de agosto de 2017 (fls. 28, 35 e 36), foi inferior ao valor que serviu como base de cálculo para o Imposto de Transmissão “inter vivos”, de R$ 1.476.658,40 (fls. 17 e 11/12), com o que não se observou o preço mínimo previsto no parágrafo único do art. 24 da Lei nº 9.514/97:
“Art. 24. O contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá:
I – o valor do principal da dívida;
II – o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do crédito do fiduciário;
III – a taxa de juros e os encargos incidentes;
IV – a cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a descrição do imóvel objeto da alienação fiduciária e a indicação do título e modo de aquisição;
V – a cláusula assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a livre utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária;
VI – a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão;
VII – a cláusula dispondo sobre os procedimentos de que trata o art. 27.
Parágrafo único. Caso o valor do imóvel convencionado pelas partes nos termos do inciso VI do caput deste artigo seja inferior ao utilizado pelo órgão competente como base de cálculo para a apuração do imposto sobre transmissão inter vivos, exigível por força da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, este último será o valor mínimo para efeito de venda do imóvel no primeiro leilão“.
Conforme as notas devolutivas de fls. 13/14 e 15/16, a primeira recusa do registro da escritura de compra e venda teve como fundamento a não observação do valor da avaliação do imóvel previsto no contrato de alienação fiduciária, de R$ 1.517.000,00 (fls. 13/14 e 83).
A segunda recusa do registro, por seu lado, decorreu da arrematação por quantia inferior ao valor da base de cálculo do Imposto de Transmissão “inter vivos”, de R$ 1.476.658,40 (fls. 15/16), uma vez que na representação do título o apelante informou que a Caixa Econômica Federal promoveu nova avaliação do imóvel, antes do leilão, em que apurado o preço de mercado de R$ 1.312.000,00 (fls. 18/19 e 61/82), o que fez invocando o “Parágrafo Trigésimo Sétimo”, inciso I (fls. 88/89), e o “Parágrafo Trigésimo Oitavo” (fls. 89) do contrato de alienação fiduciária (fls. 83/94).
Os procedimentos a serem adotados na realização dos leilões devem ser especificados no contrato de alienação fiduciária, como previsto no art. 24, inciso VII, da Lei nº 9.514/97, esclarecendo Melhim Namem Chalhub que:
“A lei estabelece os procedimentos para a realização do leilão, determinando que eles devem ser explicitados em cláusula do contrato de alienação fiduciária. Devem as partes, obviamente, aterse asos princípios gerais que regem a matéria, já consagrados no Código de Processo Civil, na Lei 4.591/64 e no Decreto-lei 70/66.
Assim, em atenção à segurança jurídica, os procedimentos do leilão deverão estar explicitamente previstos no contrato, podendo-se considerar, a título de sugestão os seguintes procedimentos: (…)” (“Alienação Fiduciária: Negócio Fiduciário”, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2017, pgs. 286/287).
Ocorre que, a par da fixação do preço mínimo para arrematação do imóvel no primeiro leilão e das disposições sobre a forma de sua realização, a Lei nº 9.514/97 prevê que depois da consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário todas as ações judiciais que digam respeito a litígios decorrentes de cláusulas contratuais e a requisitos procedimentais de cobrança e leilão deverão ser resolvidos em perdas e danos, exceto se relativos à exigência de notificação do devedor:
“Art. 30. É assegurada ao fiduciário, seu cessionário ou sucessores, inclusive o adquirente do imóvel por força do público leilão de que tratam os §§ 1° e 2° do art. 27, a reintegração na posse do imóvel, que será concedida liminarmente, para desocupação em sessenta dias, desde que comprovada, na forma do disposto no art. 26, a consolidação da propriedade em seu nome.
Parágrafo único. Nas operações de financiamento imobiliário, inclusive nas operações do Programa Minha Casa, Minha Vida, instituído pela Lei nº 11.977, de 07 de julho de 2009, com recursos advindos da integralização de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), uma vez averbada a consolidação da propriedade fiduciária, as ações judiciais que tenham por objeto controvérsias sobre as estipulações contratuais ou os requisitos procedimentais de cobrança e leilão, excetuada a exigência de notificação do devedor fiduciante, serão resolvidas em perdas e danos e não obstarão a reintegração de posse de que trata este artigo” (grifei).
Neste caso concreto, a negativa do registro teve como único fundamento a não observação do preço mínimo para a alienação do imóvel em primeiro leilão, o que, em tese, não enseja nulidade absoluta do leilão e do posterior contrato de compra e venda do imóvel diante da previsão legal no sentido de que todas as ações que versarem sobre os requisitos procedimentais de cobrança e de leilão serão resolvidas em perdas e danos.
Os requisitos procedimentais de cobrança são os previstos nos arts. 26 e 26-A da Lei nº 9.514/97 que tratam da constituição do devedor fiduciante em mora e da consolidação da propriedade plena em favor do credor fiduciário, ao passo que os requisitos procedimentais dos leilões são os indicados nos arts. 27 que em seu § 1º se refere aos valores mínimos para alienação no primeiro e no segundo leilão;
“§ 1° Se no primeiro leilão público o maior lance oferecido for inferior ao valor do imóvel, estipulado na forma do inciso VI e do parágrafo único do art. 24 desta Lei, será realizado o segundo leilão nos quinze dias seguintes“.
Contudo, diante da previsão legal no sentido de que o vício apontado não caracteriza nulidade do leilão e deve ser resolvido em perdas e danos, não há como manter a recusa do registro do título de transmissão outorgado pelo credor em favor do arrematante do imóvel.
Assim porque o procedimento de dúvida é restrito à solução da controvérsia entre o Oficial e o apresentante sobre os fundamentos para a recusa do registro do título e, portanto, seus limites não comportam solução distinta daquela prevista na legislação específica para as ações judiciais, isso é, da que decorre do parágrafo único do art. 30 da Lei nº 9.514/97.
Ademais, com a averbação da consolidação em favor do credor fiduciário deixaram os antigos proprietários de deter qualquer espécie propriedade sobre o imóvel, permanecendo, somente, com o direito de preferência para adquiri-lo, também em leilão, pelo valor previsto nos §§ 2º-B e 3º do art. 27 da Lei nº 9.514/97:
“§ 2°-B. Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas de que trata o § 2° deste artigo, aos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, de que trata este parágrafo, inclusive custas e emolumentos.
§ 3º Para os fins do disposto neste artigo, entende-se por:
I – dívida: o saldo devedor da operação de alienação fiduciária, na data do leilão, nele incluídos os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais;
II – despesas: a soma das importâncias correspondentes aos encargos e custas de intimação e as necessárias à realização do público leilão, nestas compreendidas as relativas aos anúncios e à comissão do leiloeiro“.
Por todos esses motivos, e na forma do parágrafo único do art. 30 da Lei nº 9.514/97, com a redação dada pela Lei nº 13.465/2017, deve ser autorizado o registro do título, com remessa da solução de eventual litígio decorrente dos procedimentos adotados para a consolidação da propriedade, a nova avaliação do imóvel, o preço mínimo para venda e o leilão ser resolvidos em ação própria.
Destarte, por ser restrito à solução da controvérsia entre o registrador e o apresentante sobre a possibilidade de ingresso do título no fólio real, o procedimento de dúvida não admite a formação de litisconsórcio, ativo ou passivo, com as partes do negócio jurídico, devendo eventual litígio ser solucionado nas vias ordinárias.
Para tanto, os documentos juntados aos autos demonstram que foram movidas ação de reintegração de posse (fls. 204) e declaratória de nulidade de ato jurídico (fls. 1455/1460), devendo naquelas ações ser pleiteada eventual tutela antecipada para preservação dos direitos de que suas partes alegam ser titulares.
Em decorrência, embora o exame de legalidade realizado na qualificação pelo Oficial de Registro de Imóveis não se atenha aos aspectos meramente formais do título, posto que o direito inscrito é presumido em consonância com a realidade jurídica e produz efeito de oponibilidade perante terceiros, não pode o procedimento de dúvida substituir ação jurisdicional, a ser movida perante o juízo competente e de que participem todos os interessados, para a solução de litígios que, ainda em tese, eventualmente poderão ser resolvidos mediante indenização por perdas e danos como previsto no parágrafo único do art. 30 da Lei nº 9.514/97.
Por seu turno, o procedimento administrativo de dúvida não é a via processual adequada para a declaração da inconstitucionalidade de lei.
Por fim, o procedimento de dúvida, de natureza administrativa, não comporta execução provisória, na forma pretendida pelo apelante, em razão do disposto no art. 203 da Lei nº 6.015/73 que condiciona o registro do título ao trânsito em julgado da decisão:
“Art. 203 – Transitada em julgado a decisão da dúvida, proceder-se-á do seguinte modo:
I – se for julgada procedente, os documentos serão restituídos à parte, independentemente de translado, dando-se ciência da decisão ao oficial, para que a consigne no Protocolo e cancele a prenotação;
II – se for julgada improcedente, o interessado apresentará, de novo, os seus documentos, com o respectivo mandado, ou certidão da sentença, que ficarão arquivados, para que, desde logo, se proceda ao registro, declarando o oficial o fato na coluna de anotações do Protocolo“.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso para julgar a dúvida improcedente, mantido, porém, o indeferimento da tutela antecipada requerida pelo apelante.
GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Fonte: DJe/SP de 18/03/2019
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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