CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Escritura pública de pacto antenupcial – Regime híbrido que mescla regras do regime da comunhão parcial de bens com o da separação convencional de bens – Existência de disposições no pacto estabelecido que, segundo o oficial, não comportam ingresso no registro de imóveis porque ilegais – Renúncia a alimentos – Questão não afeta ao pacto antenupcial – Inteligência do disposto no artigo 1.639 do código civil – Renúncia também à concorrência sucessória do cônjuge com os ascendentes ou descendentes prevista no artigo 1.829 do Código Civil – Artigo 426 do Código Civil que veda o pacto sucessório – Afastamento dos frutos dos bens particulares de cada cônjuge da comunhão (artigo 1.660, Inciso V, do Código Civil) – Cláusula válida – Sistema dos registros públicos em que impera o princípio da legalidade estrita – Título que, tal como se apresenta, não comporta registro – Apelação não provida.

Apelação nº 1003090-14.2023.8.26.0577

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1003090-14.2023.8.26.0577
Comarca: SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1003090-14.2023.8.26.0577

Registro: 2023.0001057961

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003090-14.2023.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que é apelante FLÁVIA DOS SANTOS PERNA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 30 de novembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1003090-14.2023.8.26.0577

APELANTE: Flávia dos Santos Perna

APELADO: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São José dos Campos

VOTO Nº 39.229

Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Escritura pública de pacto antenupcial – Regime híbrido que mescla regras do regime da comunhão parcial de bens com o da separação convencional de bens – Existência de disposições no pacto estabelecido que, segundo o oficial, não comportam ingresso no registro de imóveis porque ilegais – Renúncia a alimentos – Questão não afeta ao pacto antenupcial – Inteligência do disposto no artigo 1.639 do código civil – Renúncia também à concorrência sucessória do cônjuge com os ascendentes ou descendentes prevista no artigo 1.829 do Código Civil – Artigo 426 do Código Civil que veda o pacto sucessório – Afastamento dos frutos dos bens particulares de cada cônjuge da comunhão (artigo 1.660, Inciso V, do Código Civil) – Cláusula válida – Sistema dos registros públicos em que impera o princípio da legalidade estrita – Título que, tal como se apresenta, não comporta registro – Apelação não provida.

Trata-se de apelação interposta por Flávia dos Santos Perna contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de São José dos Campos/SP, que manteve a negativa de registro de escritura pública de pacto antenupcial (fls. 56/58).

Alega a apelante, em síntese, (i) que as cláusulas 2.5, 6 e 7 do pacto antenupcial versam sobre matéria sucessória e alimentos, direitos inquestionáveis na esfera registral ou administrativa, “devendo a dúvida ser rechaçada por completa incompetência para o assunto”; (ii) que a avençada incomunicabilidade dos frutos dos bens particulares de cada cônjuge (cláusula 2.5) está embasada no princípio da autonomia da vontade e está conforme a jurisprudência reinante, devendo prevalecer; (iii) que a renúncia mútua a alimentos (cláusula 6) é válida porque fundada na autonomia da vontade, na boa-fé contratual e no princípio do “pacta sunt servanda”; (iv) que a renúncia ao exercício futuro do direito de concorrência à herança com descendentes ou ascendentes do outro cônjuge não se enquadra na vedação prevista no artigo 426 do Código Civil porque não há qualquer restrição à renúncia de direito futuro ou expectativa de direito, salvo quando a lei assim o determina de modo expresso; (v) que o título deve ser cindido para o registro das disposições pactuadas que não foram objeto de óbice.

Requer, portanto, a reforma da sentença, com o registro do pacto antenupcial em sua integralidade, ou, subsidiariamente, que o pacto seja preservado, aplicando-se o princípio da cindibilidade registral em relação às cláusulas que este C. Conselho Superior da Magistratura entenda prudente excluir (fls. 79/90).

A Douta Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 116/118).

É o relatório.

A apelante pretende fazer registrar, no Livro 3 do Registro de Imóveis, a escritura pública de pacto antenupcial em que os nubentes convencionaram adotar um regime híbrido, mesclando regras do regime da comunhão parcial de bens com o da separação convencional de bens, no bojo do qual também firmaram três cláusulas, as de nºs 2.5, 6 e 7, prevendo, em síntese, (i) o afastamento da regra legal da comunhão dos frutos provenientes de bens particulares, prevista no inciso V do artigo 1.660 do Código Civil, (ii) a renúncia ao direito a alimentos no caso de dissolução do casamento e (iii) a renúncia a eventuais direitos sucessórios um do outro.

O título foi negativamente qualificado pelo registrador, que expediu nota devolutiva (fls. 18/21) nos seguintes termos:

“Em análise à escritura de pacto antenupcial de FLAVIA DOS SANTOS PERNA e HORACY RIBEIRO PASSOS NETO, ora apresentada, verifica-se que os nubentes resolveram adotar um regime híbrido, mesclando regras do regime da comunhão parcial de bens com o da separação convencional de bens. Quanto a esta parte do contrato não há nenhum óbice ao registro no Livro 03.

Ocorre que, mais adiante, os nubentes entram em tema que não é próprio de um pacto antenupcial, é quando regulam a renúncia de direitos legais, sejam eles quanto a rendimentos recebidos durante o casamento, alimentos e direitos sucessórios.

Tal circunstância, além de ferir o disposto no art. 426 do Código Civil, também fere os dispositivos que disciplinam o pacto antenupcial, uma vez que o seu objetivo é regular as regras do casamento enquanto este existir, não sendo capaz de produzir efeitos após a dissolução da sociedade conjugal (art. 1.571, CC).

A renúncia mútua à herança, antes de suas respectivas mortes, fere regras do direito sucessório (art. 1829, CC) podendo gerar a anulação do pacto, nos termos do art. 1655 do Código Civil.

(…)

Ademais, verifica-se por fim, que ambos renunciam ao direito de sucessão um do outro, quando em concorrência com descendentes e ascendentes, regra essa que não se aplicará ao imóvel que o casal fixar residência. Para este imóvel, estipulam que no caso de morte de FLAVIA, ele ficará em comunhão com HORACY, ferindo a ordem de sucessão hereditária determinada no art. 1.829, CC.

Tal cláusula é de natureza testamentária e não pode constar de um pacto antenupcial.”

Nas razões de apelação, a recorrente insiste na validade das cláusulas, mas formula pedido subsidiário pelo registro do título, no tocante ao restante do pacto pelo princípio da cindibilidade registral.

Ora, é sabido que a retificação de uma escritura pública somente é possível por meio da lavratura de outra escritura pública. Portanto, não basta que, após a recusa de registro, haja mera anuência ou mesmo requerimento de exclusão de determinada cláusula pactuada para que, então, o conteúdo do título seja alterado e, por conseguinte, registrado.

Ademais, não é cabível a cindibilidade do título, como sugerido pelo registrador, pois não houve requerimento tempestivo da apresentante neste sentido (princípio da rogação).

A qualificação negativa deu-se por três óbices, mas um deles não subsiste, qual seja o que se referiu à cláusula 2.5.

Apesar disso, como os demais óbices se sustentam e não é pertinente a cindibilidade do título, a negativa de ingresso da escritura pública de pacto antenupcial no registro de imóveis fica mantida.

Isso porque pelas cláusulas 6 e 7, os nubentes pretenderam regular, no pacto antenupcial, temas que não lhe são próprios e que ferem disposições legais.

É preciso dizer que, em verdade, o ideal seria que o pacto houvesse se limitado a dispor sobre o regime híbrido de bens adotado, que, conforme informou o Registrador, mesclou “regras do regime da comunhão parcial de bens com o da separação convencional de bens” – e em relação a que não houve óbice levantado pelo Oficial -, deixando as demais disposições para instrumento diverso que, sem necessidade de ingresso no registro imobiliário, viesse a ser oportunamente analisado, por exemplo, quando da abertura do inventário daquele que primeiro falecesse, caso ainda mantido, à época, o casamento.

Aliás, o óbice ao registro não está propriamente na impossibilidade de cindir o título e sim, no fato de que os nubentes pactuaram disposições ilegais.

Três foram as cláusulas consideradas ilegais pelo Registrador:

A primeira delas é a cláusula 2.5, que prevê o afastamento da regra legal da comunhão dos frutos provenientes dos bens particulares, prevista no inciso V, do artigo 1.660 do Código Civil.

Muito embora a negativa do Registrador quanto à cláusula em apreço, ele está equivocado.

Dispõe o artigo 1.639, caput, do Código Civil, ser lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.

Não se vislumbra, portanto, impedimento a que os nubentes estabeleçam que os frutos dos bens particulares não entram na comunhão.

O óbice referente à cláusula nº 2.5, portanto, não se sustenta.

A segunda cláusula é a de nº 6, que estabelece a renúncia ao direito a alimentos no caso de dissolução do casamento.

O pacto antenupcial destina-se a reger o regime de bens do casamento, não comportando disciplina sobre alimentos para caso de eventual dissolução do vínculo matrimonial, tal como decorre do mencionado artigo 1.639, caput, do Código Civil.

Não se tratando, portanto, de estipulação sobre os bens dos nubentes, mas de disposição sobre o dever de pagar alimentos na hipótese de dissolução do casamento, não há como afastar o óbice apresentado pelo Registrador.

Além disso, a renúncia aos alimentos foi estipulada sob a condição de futura permissão na legislação e na jurisprudência, o que, como bem anotou o Registrador, traz total insegurança para as partes porque não se sabe qual será a regra vigente ao tempo de eventual dissolução da sociedade conjugal, assim como pela fluidez, subjetividade e vagueza da expressão “jurisprudência majoritária”“podendo ser interpretado, no futuro, de acordo com os interesses de cada cônjuge” (fls. 04).

A terceira cláusula é a de nº 7, que estabelece a renúncia mútua dos nubentes à herança, quando em concorrência com descendentes ou ascendentes, visando a afastar o disposto nos incisos I e II do artigo 1.829 do Código Civil, o que, todavia, não se aplicará para o imóvel em que o casal fixar residência.

Ora, ainda que permaneçam os nubentes com o direito à herança quando o cônjuge sobrevivente herdar com exclusividade, ou seja, se não houver descendentes ou ascendentes do falecido, a renúncia à concorrência sucessória esbarra na vedação legal trazida pelo artigo 426 do Código Civil, que impede o pacto sucessório.

Como ensina Pontes de Miranda:

“No direito brasileiro, não se admite qualquer contrato sucessório, nem a renúncia a herança. Estatui o Código Civil, art. 1.089: ‘Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva’.

A regra jurídica, a despeito dos dois termos empregados “contrato” e “herança”, tem de ser entendida como se estivesse escrito: ‘Não pode ser objeto de negócio jurídico unilateral, bilateral ou plurilateral a herança ou qualquer elemento da herança de pessoa viva’. Não importa quem seja o outorgante (o de cujo ou o provável herdeiro ou legatário), nem quem seja o outorgado (cônjuge, provável herdeiro ou legatário, ou terceiro).

Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Titulo 70, § 3, permitiam-se, ex argumento, os pactos chamados renunciativos ou abdicativos (pacta de non succedendo), se sob juramento perante o Tribunal do Desembargo do Paço, mas isso foi revogado pelo costume, confirmado pela não-atribuição de tomada de tal juramento a qualquer-outro órgão estatal.” (Tratado de Direito Privado XXXVIII, § 4.208, 2).

“Pactos sucessórios, sucessões pactícias, contratos de herança, sempre se chamaram, no direito brasileiro, como também no próprio direito romano, os pactos aquisitivos, em que algum dos contraentes promete instituir ou se obriga a aceitar sucessão (de sucedendo), e os renunciativos, em que se promete não instituir ou não aceitar (de non succedendo). Esses pactos sempre foram (com ligeiras exceções) considerados nulos. Procurava-se, assim, evitar que os contratos derrogassem regras legais de interesse público, iuris publici, como o é a matéria das sucessões, quod pactis privatorum mutari non potest (L. 38, D., de pactis, 2, 14).” (Tratado de Direito Privado VIII, § 917, 3).

Não bastasse, o artigo 1.655 do Código Civil dispõe ser nula a convenção ou cláusula contida no pacto antenupcial que contravenha disposição absoluta de lei. Vale dizer, o pacto antenupcial ou cláusula nele contida não pode contrariar norma de ordem pública.

No dizer de Flávio Tartuce, em comentário ao artigo 1.655 do Código Civil:

“A norma limita a autonomia privada no pacto, assim como a função social do contrato o faz nos contratos em geral (art. 421 do CC)” (Manual de Direito Civil. Volume único. São Paulo. Editora Método. 2018. 9ª edição. P. 1.125).

O autor destaca justamente o julgamento do REsp 954.567/PE, pela 3ª Turma do STJ, em 10.05.2011, em que foi Relator o Ministro Massami Uyeda, em que se entendeu nula a cláusula que exclui o direito à sucessão no regime da comunhão parcial de bens, afastando a concorrência sucessória do cônjuge com os ascendentes. Impera o princípio da legalidade estrita, de sorte que, tal como se apresenta, o título não comporta registro.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 07.03.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de imóveis – Carta de arrematação – Modo derivado de aquisição da propriedade – Desqualificação por inobservância ao princípio da continuidade – Doação de parte ideal do imóvel não registrada – Decisão proferida nos autos do processo judicial reconhecendo, expressamente, a natureza propter rem da dívida que deu ensejo à penhora da totalidade do imóvel – Comprovação da intimação dos condôminos promitentes doadores e da co-titular do domínio para ciência da execução – Aplicação analógica do art. 799, inciso iv, do código de processo civil – Carta de arrematação devidamente instruída com as peças do processo judicial relativas a esses atos – Peculiaridades do caso concreto que justificam o afastamento do óbice apresentado ao registro do título – Apelação provida.

Apelação nº 1006103-56.2023.8.26.0048

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1006103-56.2023.8.26.0048
Comarca: ATIBAIA

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1006103-56.2023.8.26.0048

Registro: 2024.0000175178

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1006103-56.2023.8.26.0048, da Comarca de Atibaia, em que é apelante JOSÉ JOÃO NAME, é apelado OFICIALA DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ATIBAIA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento e julgaram improcedente a dúvida, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 1º de março de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1006103-56.2023.8.26.0048

APELANTE: José João Name

APELADO: Oficiala de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Atibaia

VOTO Nº 43.151

Registro de imóveis – Carta de arrematação – Modo derivado de aquisição da propriedade – Desqualificação por inobservância ao princípio da continuidade – Doação de parte ideal do imóvel não registrada – Decisão proferida nos autos do processo judicial reconhecendo, expressamente, a natureza propter rem da dívida que deu ensejo à penhora da totalidade do imóvel – Comprovação da intimação dos condôminos promitentes doadores e da co-titular do domínio para ciência da execução – Aplicação analógica do art. 799, inciso iv, do código de processo civil – Carta de arrematação devidamente instruída com as peças do processo judicial relativas a esses atos – Peculiaridades do caso concreto que justificam o afastamento do óbice apresentado ao registro do título – Apelação provida.

Trata-se de apelação interposta por José João Name contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente da Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Atibaia/SP, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa de registro de carta de arrematação oriunda dos autos do Processo nº 0014626-21.2017.8.26.0554, da 8ª Vara Cível da Comarca de Santo André/SP, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 8.012 junto à referida serventia extrajudicial (fls. 578/583).

Alega o apelante, em síntese, que a arrematação em hasta pública constitui forma originária de aquisição da propriedade, razão pela qual não há que se falar em ofensa ao princípio da continuidade registral. Além disso, aduz ser impossível o cumprimento das exigências formuladas pelo registrador, pois não possui vínculos com os executados do processo em que realizada a arrematação, certo que apenas participou do leilão do imóvel. Ressalta a natureza propter rem da dívida que deu ensejo ao processo de execução, de maneira que a ausência de registro da doação do imóvel, pelos titulares de domínio ao executado, não interfere na validade da arrematação levada a efeito (fls. 591/604).

A douta Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento da apelação (fls. 623/627).

Nos termos da r. decisão a fls. 632, os autos foram redistribuídos a este C. Conselho Superior da Magistratura.

É o relatório.

Desde logo, cumpre lembrar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real. E a qualificação negativa do título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível nº 413-6/7; Apelação Cível nº 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível nº 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível nº 1001015-36.2019.8.26.0223). No exercício desse dever, a Oficial negou o registro por ofensa ao princípio da continuidade, na medida em que o executado Roberto Morini não figura como titular de domínio do imóvel arrematado.

O imóvel da matrícula nº 8.012 (fls. 374/378) encontrasse registrado em nome de Nair do Carmo Gimenez, na proporção de 50% do imóvel (R.7), e de José Andózia Filho e Maria de Lourdes Nascimento Andózia, na proporção de 50% do imóvel (R.8).

De seu turno, o título apresentado a registro consiste na carta de arrematação extraída dos autos de processo judicial em que figurou como executado Roberto Morini, em virtude de contrato particular celebrado em 05.11.1991, não registrado, por meio do qual recebeu, em doação, a metade ideal do imóvel pertencente a José Andózia Filho e Maria de Lourdes Nascimento Andózia (fls. 75/76).

Como é sabido, para ingresso do título no fólio real, o executado deve ostentar a condição de proprietário ou titular de direitos inscritos. Por força do princípio da continuidade, qualquer título de transmissão do imóvel só pode ter ingresso e dar causa a um registro stricto sensu se nele constarem, como afetados, referidos titulares de domínio. Deve, pois, haver perfeito encadeamento entre as informações inscritas e as que se pretendem inscrever, o que não ocorre no caso em pauta.

A propósito, ensina Afrânio de Carvalho: “O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subseqüente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público” (Registro de Imóveis, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 253).

Ademais, a alienação forçada em processo judicial, diversamente do consignado pelo apelante, encerra forma de transmissão derivada do direito de propriedade. Não se desconhece que, em data relativamente recente, o Colendo Conselho Superior da Magistratura chegou a reconhecer que a arrematação e a adjudicação constituíam modo originário de aquisição da propriedade. Contudo, tal entendimento acabou não prevalecendo, pois o fato de inexistir relação jurídica ou negocial entre o antigo proprietário e o adquirente (arrematante ou adjudicante) não é o quanto basta para afastar o reconhecimento de que há aquisição derivada da propriedade.

Como destaca Josué Modesto Passos: “diz-se originária a aquisição que, em seu suporte fático, é independente da existência de um outro direito; derivada, a que pressupõe, em seu suporte fático, a existência do direito por adquirir. A inexistência de relação entre titulares, a distinção entre o conteúdo do direito anterior e o do direito adquirido originariamente, a extinção de restrições e limitações, tudo isso pode se passar, mas nada disso é da essência da aquisição originária”. (in PASSOS, Josué Modesto. A arrematação no registro de imóveis: continuidade do registro e natureza da aquisição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 111 e 112).

Diversos são os precedentes deste Colendo Conselho Superior da Magistratura no sentido da impossibilidade de registro de carta de arrematação ou de adjudicação quando o imóvel não se encontra em nome daqueles que figuraram no polo passivo da lide:

REGISTRO DE IMÓVEIS – CARTA DE ARREMATAÇÃO – TÍTULO JUDICIAL QUE SE SUJEITA À QUALIFICAÇÃO REGISTRAL – MODO DERIVADO DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE – DESQUALIFICAÇÃO POR INOBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE – APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (TJSP; Apelação Cível 1017551-34.2021.8.26.0068; Relator (a): Fernando Torres Garcia(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Barueri – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 31/08/2023; Data de Registro: 05/09/2023).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de arrematação – Modo derivado de aquisição da propriedade – Observância do princípio da continuidade – Indispensável recolhimento do ITBI – Entendimento do Conselho Superior da Magistratura – Recurso não provido” (TJSP; Apelação Cível 1020648-60.2019.8.26.0602; Relator(a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 28/4/2020; Data de Registro: 14/5/2020).

No caso concreto, porém, houve decisão judicial (fls. 88) reconhecendo, expressamente, a natureza propter rem da dívida que deu ensejo à penhora da totalidade do imóvel (AV. 12/8.012, fls. 374/378).

Por outro lado, ficou comprovada a intimação dos condôminos promitentes doadores e da co-titular do domínio para que tomassem ciência da execução, aplicando-se por analogia o disposto no art. 799, inciso IV, do Código de Processo Civil. A providência permite assegurar eventual direito ou interesse dos promitentes doadores e condôminos e, ao mesmo tempo, superar o obstáculo da violação ao princípio da continuidade.

Ressalte-se, a propósito, que a carta de arrematação está devidamente instruída com as peças do processo judicial relativas a esses atos.

É preciso entender que o princípio da continuidade enfrentou recentes dilemas, ao se deparar com determinadas situações jurídicas, como a ineficácia relativa do ato ou do negócio jurídico, e a extensão da responsabilidade civil a terceiros não devedores. Não são propriamente exceções à continuidade, mas apenas o reconhecimento de que certos atos são relativamente ineficazes, ou que terceiros são responsáveis patrimoniais sem serem devedores.

Além dos casos de ineficácia do negócio jurídico, a situação jurídica de terceiros responsáveis, ou de responsabilidade sem débito, também cria aparente desafio ao princípio da continuidade.

A obrigação vista como relação complexa, integrada de dois elementos, quais sejam, débito (shuld) e responsabilidade (haftung) é criação da doutrina alemã e, embora passível de críticas, gera explicação razoável para inúmeras situações em que o responsável pelo pagamento da dívida não é o devedor. O débito consiste no dever de prestar, na necessidade de observar determinado comportamento. A responsabilidade, na sujeição de bens do devedor ou de terceiro aos fins próprios da execução, ou, melhor, na relação de sujeição sobre o patrimônio.

Nesse cenário, considerando as peculiaridades da hipótese em análise, o óbice imposto pela registradora merece ser afastado.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar a dúvida improcedente.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 07.03.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de imóveis – Escritura pública de venda e compra de fração ideal – Imóvel em estado de condomínio geral – Ofensa à lei de condomínio edilício e incorporações imobiliárias – Óbice afastado – Apelação provida.

Apelação nº 1030348-02.2023.8.26.0576

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1030348-02.2023.8.26.0576
Comarca: SÃO JOSÉ DO RIO PRETO
PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1030348-02.2023.8.26.0576

Registro: 2023.0001057959

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1030348-02.2023.8.26.0576, da Comarca de São José do Rio Preto, em que são apelantes MARY ANGELA GOMES ALBANEZ FRANCO e JANIL APARECIDO LEONEL FRANCO, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 30 de novembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1030348-02.2023.8.26.0576

APELANTES: Mary Angela Gomes Albanez Franco e Janil Aparecido Leonel Franco

APELADO: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São José do Rio Preto

VOTO Nº 39.228

Registro de imóveis – Escritura pública de venda e compra de fração ideal – Imóvel em estado de condomínio geral – Ofensa à lei de condomínio edilício e incorporações imobiliárias – Óbice afastado – Apelação provida.

Trata-se de apelação interposta por Mary Angela Gomes Albanez Franco Janil Aparecido Leonel Franco contra a r. sentença que julgou procedente a dúvida suscitada em razão da recusa do 2º Oficial de Registro de Imóveis de São José do Rio Preto/SP em promover o registro de escritura de compra e venda de parte ideal correspondente a 16,666% ou 1/6 do imóvel objeto da matrícula no 36.276 da referida serventia extrajudicial, por considerar demonstrada a implantação de condomínio edilício irregular.

Os apelantes alegam, em síntese, que inexiste óbice ao registro pretendido, pois a fração ideal negociada não está vinculada a uma determinada localização, metragem ou numeração certa.

Afirmam que a lei prevê a possibilidade de instituição de condomínio voluntário sobre o imóvel, de modo que os condôminos sejam titulares de frações ideais e não, de áreas determinadas. Discordam da exigência de prévio registro da incorporação e instituição de condomínio, o que somente seria cabível na hipótese de condomínio edilício, o que não ocorreu (fls. 127/133).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 158/160).

É o relatório.

A escritura pública de venda e compra lavrada em 04 de dezembro de 2009 (fls. 22/24), rerratificada em 15 de agosto de 2011 (fls. 25/26), tem por objeto a alienação por venda de uma parte ideal correspondente a 16,666% ou 1/6 do imóvel objeto da matrícula no 36.276 do 2º Oficial de Registro de Imóveis de São José do Rio Preto/SP.

O Oficial de Registro negou o registro da escritura de venda e compra prenotada pelos apelantes por entender estar caracterizado um típico condomínio edilício, exigindo o ingresso do título “junto com o processo de instituição e convenção de condomínio”, na forma da Lei nº 4.591/1964 (nota devolutiva a fls. 70/71).

Não se desconhece a vedação de registro de formação de condomínio voluntário, que implique fraude ou qualquer outra hipótese de descumprimento da legislação de condomínios edilícios.

Ocorre que, in casu, a exigência formulada pelo registrador não se sustenta, pois a hipótese não envolve instituição de condomínio edilício, o que afasta a aplicação do art. 32 da Lei nº 4.591/1964.

A despeito do precedente trazido na Apelação nº 0032797-67.2011.8.26.0576, em que confirmada a necessidade de especificação de condomínio ou de eventual incorporação, há precedente mais recente firmado na Apelação Cível nº 1019470-78.2016.8.26.0506, da qual foi relator o então Corregedor Geral da Justiça, Des. Pinheiro Franco, no seguinte sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de venda e compra de fração ideal – Alienações anteriores de frações ideais do imóvel já devidamente registradas – Imóvel em estado de condomínio geral – Ausência de ofensa à lei das incorporações imobiliárias – Óbice afastado – Recurso provido.” (TJSP; Apelação Cível 1019470-78.2016.8.26.0506; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Ribeirão Preto – 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/04/2018; Data de Registro: 24/04/2018).

A propósito do tema, prevê o artigo 7º da Lei nº 4.591/1964 que:

“Art. 7º O condomínio por unidades autônomas instituir-se-á por ato entre vivos ou por testamento, com inscrição obrigatória no Registro de Imóvel, dele constando; a individualização de cada unidade, sua identificação e discriminação, bem como a fração ideal sobre o terreno e partes comuns, atribuída a cada unidade, dispensando-se a descrição interna da unidade”.

De seu turno, o artigo 1.332 do Código Civil assim dispõe:

“Art. 1.332. Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do disposto em lei especial:

I – a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns;

II – a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns;

III – o fim a que as unidades se destinam”.

Na lição de José Marcelo Tossi Silva:

“(…) somente com o término da construção do edifício e a instituição do condomínio edilício é promovida a divisão do imóvel, que passa a ser dotado, de forma concomitante, de partes de propriedade comum e partes de propriedade exclusiva de cada condômino, o que constitui o direito de propriedade autônoma consistente no condomínio edilício.” Ou seja, é o registro da instituição do condomínio que “põe fim à comunhão sobre o todo anteriormente existente e constitui o regime do condomínio edilício, com atribuição aos adquirentes, com exclusividade, das respectivas unidades autônomas vinculadas às frações ideais que lhes foram anteriormente alienadas, bem como atribuição, aos mesmos adquirentes, da participação na fração do terreno e nas coisas comuns do todo que correspondem a cada unidade.” (“Incorporação Imobiliária”, Ed. Atlas, 2010).

Ora, da análise da matrícula nº 36.276 (fls. 97/103), depreende-se que o imóvel está registrado em nome de diversas pessoas, as quais adquiriram conjuntamente referido bem e depois, ao longo do tempo, foram alienando e partilhando suas respectivas frações ideais.

E muito embora tenha constado da matrícula (R.1) que “os segundos permutantes farão aprovar junto ao poder público municipal, projeto de construção de um edifício residencial que terá a denominação de EDIFÍCIO HORTENCIA, no terreno desta matrícula, que será composto de seis (6) apartamentos tipo, com três pavimentos, sendo dois apartamentos por pavimento, em pagamento do imóvel objeto desta escritura os segundos permutantes entregarão aos primeiros permutantes, totalmente pronto e acabado, livre de quaisquer ônus ou despesas o apartamento nº 11 situado no 1º pavimento do referido edifício”, o fato é que o direito obrigacional inscrito não implica a automática instituição de condomínio edilício, que decorre de um ato de vontade e depende da presença de características que o diferenciem do imóvel adquirido em condomínio voluntário por mais de uma pessoa.

Tais características estão relacionadas à efetiva vinculação entre o terreno e as construções que constituem as unidades autônomas e na coexistência de partes de propriedade exclusiva, que podem ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, e outras partes que são de propriedade comum dos condôminos e que não podem ser alienadas separadamente ou divididas. Não é essa a hipótese dos autos.

Consoante ensina Enéas Costa Garcia:

“É imprescindível que a instituição de condomínio decorra da manifestação de vontade. Nas hipóteses de condomínio decorrentes de negócios jurídicos, como incorporação, aquisição de prédio pronto para instituir condomínio, a vontade manifestada no negócio já é suficiente para a constituição. Quando se trata de instituir o condomínio a partir da divisão de imóvel comum, submetido ao regime do condomínio geral, imprescindível a concordância de todos os cotitulares (…).

O importante é que exista essa manifestação de vontade no sentido de criar o condomínio edilício, pois a simples aquisição ou recebimento por liberalidade de imóvel construído por unidades autônomas e pronto para se transformar em condomínio edilício não bastaria para instituí-lo se não houver ato necessário de manifestação de vontade.” (Condomínio e Incorporação Imobiliária, Celso Maziteli Neto … [et al.] 1ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020 Coleção Direito Imobiliário, Vol. II, p. 49).

Referido doutrinador reforça a ideia, citando a lição de Caio Mário da Silva Pereira:

“Um prédio recebido em comum por diversos herdeiros, não obstante formar-se de apartamentos independentes, é propriedade (individual ou coletiva) regida pelo Código Civil. Propriedade horizontal haverá no momento em que, por destinação do proprietário ou por convenção entre coproprietários, se institua, com subordinação às exigências da lei especial, mediante um ato de vontade ou por meio de uma declaração de vontade, e cumpre que se revista da necessária autenticidade e publicidade o ato institucional, uma vez que, se o novo regime dominial afeta fundamentalmente o interesse e as relações entre as partes, repercute com frequência na órbita patrimonial alheia e deve ser conhecido do público ou presumido tal” (ob. cit., p. 49).

Considerando, pois, que o título apresentado a registro tem por objeto fração ideal do terreno, sem que haja referência a uma unidade autônoma específica e a partes comuns, bem como porque, a despeito da certidão a fls. 32, nunca houve averbação de construção no imóvel, vigoram para a hipótese em análise as regras do condomínio comum, em que os condôminos, embora tenham, cada um, sua fração ideal, são, ao mesmo tempo, proprietários do todo e não, de uma determinada área ou unidade autônoma do edifício.

Em outras palavras, porque a fração ideal alienada (1/6 ou 16,666%) corresponde exatamente àquela já registrada em nome dos vendedores, sem modificação na divisão anteriormente registrada em favor de cada condômino, a exigência formulada pelo registrador não merece subsistir.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 07.03.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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