Processo 1115630-15.2022.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – Guilherme Andere Von Bruck Lacerda – Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a dúvida para manter apenas o óbice de ingresso do título porque incompleto, observando que a regularização do negócio jurídico por ele retratado ou da propriedade deverá ser buscada na via judicial. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: MAURÍCIO ANDERE VON BRUCK LACERDA (OAB 222591/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo Digital nº: 1115630-15.2022.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Suscitado: Guilherme Andere Von Bruck Lacerda
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 1º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Guilherme Andere Von Bruck Lacerda diante da negativa de registro de escritura pública de venda e compra lavrada pelo 7º Tabelião de Notas desta Capital em 18 de maio de 2005 (livro n. 5.652, fl. 391), referente ao imóvel da matrícula n. 88.082 daquela serventia.
O Oficial esclarece que o título tratou apenas da alienação da nuapropriedade, sendo omisso em relação à instituição ou reserva de usufruto. Ademais, a venda da nua-propriedade não faz presumir usufruto, que deve ser expressamente estipulado a fim de que alcance registro (artigos 1.391, do Código Civil, e 167, inciso I, item 7, da Lei de Registros Públicos).
Os óbices estão, assim, na necessidade de retificação do título ou apresentação de escritura pública que regule a questão relativa ao usufruto, com apresentação da guia de recolhimento do ITBI-IV.
Documentos vieram às fls. 06/15.
Em impugnação, a parte suscitada aduz que, diante da ausência de registro de usufruto na matrícula (artigos 1.227 e 1.391 do CC), bem como considerando que o título retrata apenas a alienação da nua-propriedade pelos vendedores, Paulo Bruck Lacerda e Dulce Bastos Lacerda, é possível presumir que resguardaram para eles o usufruto; que, diante do falecimento dos vendedores, o usufruto se extinguiu, com consolidação da nua-propriedade (artigo 1.410, inciso I, do CC); que o direito real de usufruto possui caráter pessoal e intransferível (artigo 1.393 do CC), não compondo o acervo hereditário dos usufrutuários; que não é possível a lavratura de escritura pública re-ratificadora diante do óbito dos vendedores; que indevido o recolhimento do imposto de transmissão, uma vez que configurada hipótese de isenção: artigo 3º da Lei Municipal n. 13.402/02 (fls. 16/19). Juntou documentos às fls. 20/26.
O Ministério Público opinou pela procedência (fls. 30/32).
É o relatório.
Fundamento e decido.
De início, é importante ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No mérito, a dúvida é procedente em parte. Vejamos os motivos.
O caso concreto cuida do registro de escritura de compra e venda lavrada pelo 7º Tabelião de Notas da Capital em 18 de maio de 2005 (livro n. 5.652, pág. 391), pela qual os proprietários tabulares, Paulo Bruck Lacerda e Dulce Bastos Lacerda, transmitiram a nuapropriedade do imóvel à parte suscitada, Guilherme Andere Von Bruck Lacerda (fls. 08/11), sem qualquer regulação da questão relativa à reserva ou à instituição de usufruto.
Ainda que o título documente apenas a transferência da nua propriedade, a qual, como se sabe, vem sempre acompanhada de previsão quanto aos demais poderes inerentes ao domínio (reserva ou instituição de usufruto; instituição de direito real de uso ou de direito real de habitação), não há como, por interferência do Oficial ou determinação deste juízo administrativo, suprir vontade não manifestada expressamente pelas partes contratantes.
O usufruto, por sua vez, somente se constitui mediante registro na matrícula, ressalvada a hipótese em que resultar de usucapião (artigo 1.391 do Código Civil):
“Art. 1.391. O usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis”.
Em outras palavras, para a constituição de usufruto, como se pretende no caso, e posterior reconhecimento de eventual extinção, imprescindível a existência de título que o preveja expressamente, com ingresso no fólio real (artigo 167, alínea I, item 7, LRP).
Assim, agiu com acerto o Oficial ao obstar o registro da escritura apresentada já que ela reveste negócio jurídico incompleto, o qual não poderá ser retificado diante da notícia de morte dos proprietários vendedores. Solução somente será possível pela via judicial (suprimento de vontade ou inventário).
Neste sentido, decidiu o E. Conselho Superior da Magistratura ao tratar de caso análogo (Processo n. 2.151/1998, Relator Des. Antonio Carlos Morais Pucci), de cujo julgado se extraem os seguintes excertos (nossos destaques):
“A escritura de venda e compra da nua propriedade, forçoso é reconhecer, desmereceria ingresso no fólio real por se referir apenas à alienação da nua propriedade, sem qualquer menção ao usufruto ou aos direitos reais de uso ou de habitação. Registrado, porém, o título omisso, nada autoriza, nesta esfera administrativa, mediante requerimento unilateral de herdeiro de um dos contratantes, o reconhecimento de que estes ajustaram tacitamente, na ocasião da alienação da nua propriedade, usufruto, ou direito real de uso ou de habitação em benefício dos alienantes. A existência de um desses direitos reais sobre coisas alheias, na espécie, ao contrário do que sustenta a recorrente, não prescinde de ajuste dos contratantes instrumentalizado em título hábil (escritura pública de reti-ratificação) ou na impossibilidade de tal ajuste de pronunciamento jurisdicional que o supra. A omissão está no título contratual, que não constituiu, frisese, usufruto ou direito de uso ou de habitação em favor dos alienantes, o que não permite, sem sua reti-ratificação ou pronunciamento jurisdicional, sua retificação unilateral neste âmbito administrativo.
Inadmissível decisão administrativa interpretando ou suprindo a vontade das partes lançada em documentos públicos ou particulares. O ilustre magistrado Hélio Lobo Júnior, então Juiz Auxiliar desta E. Corregedoria, no Proc. 153/89, sobre tal assunto assim se pronunciou:
‘Houve equívoco inserto no título causal, que o coloca em rota de colisão com o assentamento já existente (transcrição 143.494- 11º RI)’. ‘Seria, pois, temerária a retificação unilateral, que substituiria, em última análise, a vontade da parte não localizada, sem a observância do devido processo legal’. ‘Essa prática é vedada ao registrador e ainda ao agente administrativo fiscalizador – Juiz Corregedor ou Corregedor Geral da Justiça’. ‘Permitir essas correções, ainda que indícios apontem no ‘sentido da ausência de prejuízo potencial a terceiros’, seria munir o agente administrativo de poderes que não dispõe, capazes de interferir com a manifestação de vontade da parte que já a deixou consignada formalmente no título causal’ (in Decisões Administrativas da Corregedoria Geral da Justiça. 1989, RI, pág. 242). O E. Conselho Superior da Magistratura, em antigo julgamento, assim já se pronunciou: ‘Se o suposto engano está no título que deu origem ao registro cuja retificação é pretendida, é aquele que deve ser corrigido’. ‘Qualquer retificação de inexatidão ou erro contido em documento particular ou público, só pelas mesmas partes, não por uma delas, isoladamente, poderá ser produzida’ (RT, 506:114)’ (in Registros de Imóveis – Dúvidas – Decisões do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo (De janeiro de 1978 a fevereiro de 1981)”, Saraiva, 1982, pág. 103, Narciso Orlandi Neto)”.
No tocante ao recolhimento do imposto de transmissão inter vivos, sabese que, para os registradores, vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art.134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei 8.935/1994).
No município de São Paulo, o ITBI é regulado pela Lei n. 11.154/1991, que prevê a incidência do imposto tanto sobre transmissão onerosa inter vivos dos bens imóveis, bem como sobre direitos reais que incidem sobre eles, estabelecendo, ainda, a respectiva base de cálculo a ser observada na transmissão da nua-propriedade e na instituição de usufruto:
“Art. 1º O Imposto sobre Transmissão “inter vivos” de bens imóveis e de direitos reais sobre eles tem como fato gerador:
I – a transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso:
a) de bens imóveis, por natureza ou acessão física;
b) de direitos reais sobre bens imóveis, exceto os de garantia e as servidões”.
“Art. 2º: Estão compreendidos na incidência do imposto:
I – a compra e venda;
(…)
VII – o uso, o usufruto e a enfiteuse”.
“Art. 9º. O valor da base de cálculo será reduzido:
I – na instituição de usufruto e uso, para 1/3 (um terço);
II – na transmissão de nua propriedade, para 2/3 (dois terços)”.
Observa-se, porém, que o título declara o imóvel como de uso exclusivamente residencial, com valor venal de R$8.881,00 (fls. 08/11).
Dessa forma, forçoso reconhecer hipótese de isenção, independentemente da apresentação de certidão a ser emitida pelo ente fazendário, conforme dispõe o artigo 3º, §1º, da Lei Municipal n. 13.402/02[1]:
“Art. 3º – Ficam isentas do imposto as transmissões de bens ou de direitos a eles relativos para imóveis de uso exclusivamente residencial, cujo valor total seja igual ou inferior a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) na data do fato gerador, quando o contribuinte for pessoa física.
§ 1º – Ficam os notários, oficiais de Registro de Imóveis, ou seus prepostos, dispensados de exigir documento ou certidão que comprove a concessão da isenção estabelecida no “caput” deste artigo”.
Neste sentido, já se decidiu em caso análogo:
“Registro de Imóveis. Dúvida. Registro de compra e venda de unidade classificada na matrícula como comercial. Utilização residencial reconhecida pela Municipalidade. Isenção de ITBI previsto no artigo 3º da Lei 13.402/02 caracterizada. Recurso improvido” (CSM Apelação Cível n. 222-6/5 Des. José Mário Antonio Cardinale j. 26.11.2004).
Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a dúvida para manter apenas o óbice de ingresso do título porque incompleto, observando que a regularização do negócio jurídico por ele retratado ou da propriedade deverá ser buscada na via judicial.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.
P.R.I.C.
São Paulo, 25 de novembro de 2022.
Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Juíza de Direito
NOTAS:
[1] In https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/fazenda/servicos/itbi/index.php?p=2517, com acesso nesta data. (DJe de 29.11.2022 – SP)
Fonte: Diário da Justiça Eletrônico
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.
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