1VRP/SP:  Registro de Imóveis. É possivel o acesso ao fólio de títulos que instrumentalizam negócio jurídico de doação de dinheiro para aquisição de imóvel, com imposição de cláusulas restritivas e de reversão incidentes sobre o imóvel.

Processo 1101224-86.2022.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Alice Helena Borelli de Assis – Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para afastar o óbice e, em consequência, determinar o registro do título. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: ANTONIO SERGIO RICCIARDI (OAB 82232/SP), NATHALY GUEDES TORRES RICCIARDI (OAB 307675/SP), VICTOR TORRES DO NASCIMENTO (OAB 316336/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1101224-86.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 4º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo

Suscitado: Alice Helena Borelli de Assis

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Alice Helena Borelli de Assis diante da negativa de registro de escritura pública de doação de dinheiro e venda e compra lavrada pelo 26º Tabelião de Notas desta Capital (livro n. 4.381, fl. 189), referente ao imóvel da matrícula n. 187.534 daquela serventia.

O Oficial esclarece que a parte suscitada doou valores para a filha com a condição de que ela adquirisse a nua-propriedade do bem em questão, sendo que foi beneficiada com o seu usufruto (fls. 12/16). No título, estabeleceram-se cláusulas vitalícias restritivas da propriedade, de impenhorabilidade e de incomunicabilidade, extensivas aos frutos e rendimentos, bem como cláusula de reversão, pela qual o imóvel retornará à doadora em caso de falecimento da donatária.

O óbice reside justamente na necessidade de retificação do título a fim de se excluir a cláusula de reversão do imóvel à doadora ou restringir seu alcance apenas ao valor doado, já que ela não figura como proprietária na matrícula (processo de autos n. 008247-6-01; parágrafo único do artigo 547 do CC).

Documentos vieram às fls. 05/34.

Em manifestação dirigida ao Oficial, a parte suscitada aduz que doou o numerário para que sua filha, Fernanda Borelli da Cruz, adquirisse a nua-propriedade do imóvel, de modo que a exigência não é devida conforme entendimento esposado por esta 1ª Vara de Registros Públicos no processo de autos n. 000.00.607814-1 (fl. 05). Não houve, porém, impugnação nestes autos (fls. 08 e 35).

O Registrador defende que o precedente mencionado não se aplica à hipótese, já que o título indica a existência de dois negócios jurídicos distintos, tendo havido, inclusive, recolhimento de tributos a entes públicos diversos (Município de São Paulo, pela venda e compra, e Fazenda do Estado, pela doação de dinheiro).

O Ministério Público opinou pela procedência (fls. 39/40).

É o relatório.

Fundamento e decido.

De início, é importante ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

No mérito, porém, a dúvida é improcedente. Vejamos os motivos.

A matrícula do imóvel atesta que o imóvel é de propriedade de Antonio Romanauskas e Maria Lúcia de Lima Romanauskas (R.07 – fls. 32/33), os quais figuram como vendedores no título, no qual se fizeram constar, ainda, cláusulas vitalícias restritivas da propriedade, de impenhorabilidade e de incomunicabilidade, extensivas aos seus frutos e rendimentos, além de cláusula de reversão da propriedade em favor da doadora dos valores empregados na compra da nua-propriedade em caso de morte da donatária-adquirente (itens 2º e 5º – fl. 13).

Ao tratar da cláusula de reversão, o parágrafo único, do artigo 547, do Código Civil, veda a sua estipulação em favor de terceiro:

“O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário.

Parágrafo único. Não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro”.

No caso concreto, entretanto, a cláusula em questão não configura estipulação em favor de terceiro, já que, como mencionado, estabelece o retorno da propriedade à doadora do valor empregado na aquisição da nua-propriedade do imóvel, a qual também se tornou usufrutuária (item 5º – fl. 13):

“Na hipótese do falecimento da donatária, o bem doado, expresso pelo imóvel comprado, retornará ao patrimônio da doadora”.

O cerne do debate está em saber se possível o ingresso do título nestas condições, já que a doadora-usufrutária não figura na matrícula como proprietária, como bem ressaltado pelo Oficial.

Em outros termos, não há dúvida sobre a possibilidade de estabelecimento de cláusulas restritivas na hipótese em virtude da doação do numerário para a aquisição do imóvel (fl. 02, parte final).

No que diz respeito ao ponto controvertido, verifica-se que esta 1ª Vara de Registros Públicos já se manifestou pela possibilidade de registro: julgamento feito pelo MM. Juiz de Direito Kioitsi Chicuta no processo de autos n. 518/1991, de cujo julgado se extraem os seguintes excertos (destaques nossos):

“A imposição de cláusula de incomunicabilidade e de impenhorabilidade e a reserva do usufruto não configuram doação modal ou com encargos, mas de doação pura e simples (cf. apelação cível nº 5.452-0, Santos, relator o Desembargador SYLVIO DO AMARAL). As cláusulas restritivas são estipulações que beneficiam tão somente os donatários, enquanto a reserva de usufruto não se revela como prestação a ser adimplida pelos destinatários do ato de liberalidade.

E a possibilidade de doação em dinheiro para ser empregada de maneira determinada é indiscutível, o mesmo sucedendo com a imposição de cláusulas restritivas, como aliás, já decidiu o E. Conselho Superior da Magistratura, no julgamento do agravo de petição nº 237.990, de São Paulo, relator o Desembargador MARCIO MARTINS FERREIRA, destacando que a cláusula de incomunicabilidade (instituída naquele caso específico) insere-se no modus e que ‘não beneficia somente a donatária, mas também a prole, porquanto com a cláusula é evitada a delapidação do bem que refoge do patrimônio comum’ (cf. ‘Acórdãos do Conselho Superior da Magistratura do Biênio 1974/1975’, págs. 122-124).

Ora, embora se admita a existência de dois contratos (doação do dinheiro e compra e venda de imóvel), é inegável tratamento da matéria, por ficção, como se doação do imóvel fosse. Isto por diversas razões: a) a instituição de cláusulas restritivas é faculdade do proprietário e que tem plena disponibilidade do imóvel. A doadora, adquirente do usufruto, não é titular de direito real sobre os imóveis adquiridos; b) não é lícita a imposição de cláusulas nos contratos de compra e venda (cf. ‘Das Cláusulas de Inalienabilidade, Impenhorabilidade, Incomunicabilidade, Sub-rogação). Aspectos Práticos, Doutrina, Jurisprudência’, in ‘Revista de Direito Imobiliário’, vol. 19-20, pág. 41); c) as restrições são impostas, em geral, em testamento ou em doação.

A possibilidade de, um único ato, envolver venda e compra em decorrência de doação de numerário e a imposição do gravame das cláusulas e, ainda, a constituição de usufruto em favor da doadora, foi expressamente admitida pelo E. Conselho Superior da Magistratura (cf. agravo de petição nº 237.900) e por decisão do notável Juiz JOSÉ RENATO NALINI no processo nº 38/89, desta Vara, com respaldo, ainda, dos não menos notáveis Oficiais ADEMAR FIORANELI e JERSÉ RODRIGUES DA SILVA (cf. Boletim do IRIB nº 91 pág. 1). E essa conclusão é incensurável por adequada ao nosso sistema jurídico, evitando dois negócios jurídicos distintos e subsequentes (compra e venda num primeiro plano e doação subsequente, com imposição de cláusulas restritivas) e que não representariam a vontade imediata das partes, ou seja, aquisição de bem com numerário doado e com imposição de cláusulas e reserva de usufruto.

O mesmo raciocínio desenvolvido para admissão das cláusulas restritivas ao sistema registrário deve ser aplicado à cláusula de reversão. Nada impede que se estipule que os bens adquiridos com o dinheiro doado voltem ao patrimônio da doadora, se sobreviver aos donatários.

Não se cuida aqui de estipulação em favor de terceiro, vedada pela lei, mas de cláusula reversiva em prol da doadora, ainda que com o fruto da aplicação do dinheiro. E essa possibilidade não atenta contra o ordenamento jurídico, valendo a advertência atual de que o Registro Público não constitui fim em si mesmo, mas de meio de que se devem valer os interessados para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. O Registro de Imóveis deve acolher escritos que instrumentam direitos reais ou direitos providos de formas especiais de realidade, reconhecidos em lei (cf. WALTER CENEVIVA, in ‘Manual do Registro de Imóveis’, pág. 44).

Nem se argumente a impossibilidade de escrituração da cláusula nas matrículas respectivas pela ausência de titularidade de direito real da doadora. Via de regra, como bem esclarece o eminente ELVINO SILVA FILHO, ‘na doação com cláusula de reversão do imóvel ao doador, sobrevindo ao donatário, ocorrendo o falecimento deste antes do doador, o ato a ser praticado pelo Oficial do Registro de Imóveis é o da averbação do óbito, e o cancelamento do registro da doação e eventualmente de outros registros que tenham por causa atos jurídicos do donatário’ (cf. ‘Efeitos da Doação no Registro de Imóveis’, in ‘Revista de Direito Imobiliário’, vol. 19/20, pág. 35). No caso específico, porém, a exemplo do que ocorre no fideicomisso, dever-se-á escriturar no registro de aquisição da nua-propriedade que o bem foi adquirido com numerário fornecido pela suscitada e que ela estipulou cláusula de reversão a seu favor em caso de sobreviver aos donatários. Em ocorrendo essa hipótese apenas averbar-se-á o óbito e a consolidação, pelo implemento de condição resolutiva, do domínio em favor da suscitada.”

No mesmo sentido foi o entendimento adotado pelo MM. Juiz de Direito Oscar José Bittencourt Couto no processo de autos n. 000.00.607814-1, mencionado pela parte suscitada, de cujo julgado se extraem os seguintes excertos (destaque nosso):

“A matéria já mereceu debate profundo entre doutrinadores, que aliás é mencionado pelo Senhor 5. Oficial de Registro de Imóveis, e na jurisprudência várias decisões a respeito do tema existem, já tendo o Egrégio Conselho Superior da Magistratura apreciado a questão, restando razoavelmente pacificado o tema, no sentido de ser possível o registro de título que contenha tal negócio jurídico, qualificado de doação modal.

Algumas foram as decisões a respeito da matéria proferidas nesta Vara de Registros Públicos, dentre estas merecem destaque as lançadas nos processos de dúvida n. 38/89 e 518/91, respectivamente pelos Drs. José Renato Nalini e Kioitsi Chicuta, quando aqui judicaram, em que as dúvidas foram julgadas improcedentes.

Sem o brilhantismo do antecessores, ou mesmo do Oficial Suscitante, inclino-me pelo entendimento pretoriano que admite o acesso ao fólio de títulos que instrumentalizam negócio jurídico de doação de dinheiro para aquisição de imóvel, com imposição de cláusulas restritivas e de reversão incidentes sobre o imóvel, por entender compatível com o sistema jurídico pátrio, espelhando a real vontade dos contratantes, inexistindo qualquer vedação expressa na legislação que impeça a realização de tais ajustes e o consequente acesso ao registro imobiliário”.

Considerando, assim, a vontade claramente manifestada pelas partes, maiores e capazes, a ausência de prejuízo a quem quer que seja e a compatibilidade do negócio com o nosso sistema jurídico, como bem delineado pelos julgamentos citados, conclui-se que a exigência não subsiste.

Vale observar, por fim, que o entendimento esposado no processo de autos n. 8247-6-01 em nada conflita com a conclusão desenvolvida acima, notadamente porque a cláusula de reversão, naquele caso, abrangeu somente o numerário doado.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para afastar o óbice e, em consequência, determinar o registro do título.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 08 de novembro de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito (DJe de 18.11.2022 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico

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Portaria CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ nº 61, de 17.11.2022 – D.J.E.: 18.11.2022.

Ementa

Recomenda o uso de máscara de proteção facial no ambiente interno do Conselho Nacional de Justiça, além da observância às medidas de prevenção ao contágio pela Covid-19.


SECRETÁRIO-GERAL DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais,

CONSIDERANDO que a taxa de transmissão (Rt) no Distrito Federal encontra-se em elevação, calculada em 1,32 em 10 de novembro de 2022;

CONSIDERANDO a Nota Técnica n. 16/2022-CGGRIPE/DEIDT/SVS/MS, da Secretaria de Vigilância em Saúde – Ministério da Saúde, de 12 de novembro de 2022;

RESOLVE:

Art. 1º Recomendar aos magistrados, aos servidores, aos colaboradores e aos prestadores de serviço, bem como ao público externo, o uso de máscara de proteção facial no ambiente interno do Conselho Nacional de Justiça, além da observância às medidas de prevenção ao contágio pela Covid-19, tais como distanciamento social, respeito à lotação indicada para uso dos elevadores e uso de álcool em gel.

Art. 2º Esta Portaria entra em vigar na data de sua publicação.

GABRIEL DA SILVEIRA MATOS

Fonte: INR publicações

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Jurisprudência do STJ – Súmulas Anotadas inclui novos enunciados sobre regime de bens e contrato de fiança

A página Súmulas Anotadas incluiu, em seu índice, os enunciados das Súmulas 655 e 656 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A Súmula 655, classificada em direito civil, no assunto regime de bens, estabelece que se aplica à união estável contraída por septuagenário o regime da separação obrigatória de bens, comunicando-se os adquiridos na constância, quando comprovado o esforço comum.
Já a Súmula 656, também classificada em direito civil, no assunto contrato de fiança, prevê que é válida a cláusula de prorrogação automática de fiança na renovação do contrato principal e que a exoneração do fiador depende da notificação prevista no artigo 835 do Código Civil.

Súmulas

As súmulas são o resumo de entendimentos consolidados nos julgamentos do tribunal e servem de orientação a toda a comunidade jurídica sobre a jurisprudência firmada pelo STJ, que tem a missão constitucional de unificar a interpretação das leis federais.
Na página Súmulas Anotadas, é possível visualizar todos os enunciados juntamente com trechos dos julgados que lhes deram origem, além de outros precedentes relacionados ao tema, que são disponibilizados por meio de links.

A ferramenta criada pela Secretaria de Jurisprudência facilita o trabalho das pessoas interessadas em informações necessárias para a interpretação e a aplicação das súmulas.
A pesquisa pode ser feita por ramo do direito, pelo número da súmula ou pela ferramenta de busca livre. Os últimos enunciados publicados também podem ser acessados neste link simplificado.

Fonte: Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo

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