CSM/SP: Direito registral – Apelação – Transmissão de propriedade – Art. 26, §6º da Lei Nº 6.766/1979 – Improvimento do apelo. A dispensa de escritura pública aplica-se somente à primeira transferência do loteador para o adquirente, não à revenda do lote. Pode abranger também negócios de cessão de direitos do promissário comprador original.

Apelação n° 1001210-81.2024.8.26.0405

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001210-81.2024.8.26.0405
Comarca: OSASCO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1001210-81.2024.8.26.0405

Registro: 2025.0000289637

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001210-81.2024.8.26.0405, da Comarca de Osasco, em que é apelante LUIZ MULLER, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTROS DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE OSASCO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), ADEMIR BENEDITO(PRES. SEÇÃO DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 21 de março de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1001210-81.2024.8.26.0405

Apelante: Luiz Muller

Apelado: 1º Oficial de Registros de Imóveis e Anexos da Comarca de Osasco

VOTO Nº 43.737

Direito registral – Apelação – Transmissão de propriedade – Art. 26, §6º da Lei Nº 6.766/1979 – Improvimento do apelo.

I. Caso em Exame

1. Recurso interposto contra sentença que manteve óbice ao registro de transmissão de propriedade com base em instrumento particular de compra e venda, alegando ausência de quitação do imóvel e do pagamento do ITBI. O recorrente adquiriu direitos sobre o imóvel por cessão de compromisso de compra e venda, alegando que está prescrita a discussão a respeito da quitação do contrato, vencidos todos os prazos prescricionais vigentes. Alega que o ITBI foi pago em 1967.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em saber se o título examinado pode dar causa à transmissão do domínio sem a necessidade de escritura pública, considerando a alegada prescrição da exigência de quitação e o pagamento do ITBI.

III. Razões de Decidir

3. A dispensa da escritura pública aplica-se aos imóveis loteados apenas aos compromissos firmados entre o loteados com prova documental da solução do preço.

4. A prescrição da de eventual pretensão de cobrança das parcelas do preço não pode ser reconhecida em procedimento administrativo, sendo necessária ação judicial para tanto. A prescrição tem causas suspensivas e interruptivas, que não se sabe se incidem no caso concreto. A ausência de prova de do pagamento do preço e do recolhimento do ITBI impedem o registro.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso desprovido.

Tese de julgamento: “1. A dispensa de escritura pública aplica-se somente à primeira transferência do loteador para o adquirente, não à revenda do lote. Pode abranger também negócios de cessão de direitos do promissário comprador original. 2. A eventual prescrição da pretensão creditória de cobrança do preço deve ser reconhecida judicialmente, não em procedimento administrativo”.

Legislação Citada:

Código Civil, art. 108; Lei nº 6.766/1979, art. 26, §6º; Lei nº 6.015/1973, art. 289.

Jurisprudência Citada:

Conselho Superior da Magistratura, Apelação Cível nº 9000001-18.2013.8.26.0407, Rel. Des. Hamilton Elliot Akel, j. 07.10.2015.

Cuida-se de recurso interposto por LUIZ MÜLLER em face da r. sentença de fls. 131/133, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Osasco, que, em procedimento de dúvida, manteve o óbice ao registro de Transmissão de Propriedade com base em Instrumento Particular de Compra e Venda averbado, sob alegação de que se trata de instrumento particular, ausente apresentação de quitação do imóvel e do comprovante do pagamento do ITBI.

O recorrente interpôs recurso visando à reforma da sentença que indeferiu o pedido de registro da propriedade definitiva de um terreno localizado na Avenida Antonio Carlos Costa, lote 16, quadra 04, no loteamento Vila Nova Osasco, com área de 317m², conforme descrito na matrícula nº 153.506 do Registro de Imóveis de Osasco/SP; sustenta que adquiriu o imóvel por meio de compromisso de compra e venda celebrado em 15/07/1968 com Francisco Machado Borges, Nair Oliveira Borges e Francisco de Oliveira, devidamente averbado sob nº 28 em 09/08/1968, nas transcrições 16.669 e 16.670 do 16º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo; afirma que protocolou o requerimento de registro em 12/12/2023, o qual foi indeferido pelo Oficial de Registro de Imóveis de Osasco, sob o argumento de ausência de comprovação da quitação do contrato; em 10/01/2024, apresentou pedido de reconsideração, sustentando que a única exigência cabível seria o recolhimento do ITBI, obrigação esta que, segundo o recorrente, foi cumprida em 1967, conforme comprovantes anexados aos autos; defende que a legislação permite o registro da propriedade após cinco anos, independentemente do valor venal ou do prévio registro do compromisso de compra e venda, e que a exigência de quitação do contrato não subsiste, pois estaria prescrita, nos termos do art. 206, §5º, I, do Código Civil e do art. 33 da Lei nº 6.766/1979; para reforçar sua tese, juntou cópia das matrículas nº 284.186 e 10.716 do 18º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, que demonstram registros de domínio concedidos em circunstâncias semelhantes; diante disso, requereu a reforma da decisão com o deferimento do registro da propriedade definitiva em seu nome (fls. 134/138).

O Oficial ofertou contrarrazões ao recurso (fls. 144/146).

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento do recurso (fls. 167/170).

É o relatório.

Inicialmente, tratando-se de recurso interposto em face de sentença proferida em procedimento de dúvida registral, fala-se em apelação, e não recurso administrativo. O erro na denominação, todavia, não impede o conhecimento do apelo.

No mérito, a apelação não merece provimento.

É dos autos que o interessado Luiz Muller apresentou requerimento de registro de transmissão de propriedade com base em instrumento particular de compromisso de compra e venda averbado, relativamente aos imóveis objeto das transcrições 16.669 e 16.670, que deu origem à atual matrícula nº 153.506 do 1º Oficial de Registro de Imóveis de Osasco, sustentando ser detentor dos direitos de compromissário comprador do bem, por aquisição feita de Francisco Machado Borges e sua mulher Nair Oliveira Borges e Francisco de Oliveira, conforme averbação nº 1/M.153.506, nos termos do art. 26, §6° da Lei nº 6.766/1979 (certidão de fls. 35/36). Por sua vez, os cedentes adquiriram os direitos sobre o imóvel por instrumento particular de compromisso de venda e compra de 21 de maio de 1959 firmado com os titulares de domínio Carlos Charnaux e sua esposa e outros (fls. 35/36).

Recebido e prenotado o título, o Oficial apresentou a seguinte nota devolutiva (nº 423.366, fl. 38):

“Tendo em vista tratar-se de negócio jurídico que importa transmissão da propriedade com valor superior a trinta salários mínimos vigente no País, a celebração deverá ser feita através de Escritura Pública, nos termos do Art. 108 do Código Civil”.

A despeito de sua incompletude, a referida nota devolutiva há de ser examinada em conjunto com os demais elementos dos autos e das razões da dúvida.

No curso do procedimento, ficou esclarecido que o apelante Luiz Muller é titular dos direitos de cessionários de compromissário comprador do imóvel objeto da matricula nº 153.506 do 1º RI de Osasco.

Conforme Av.1/M.153.506 (fls. 28/29), ditos direitos foram adquiridos por instrumento particular de cessão datada de 15 de julho de 1968 feita por FRANCISCO MACHADO BORGES e sua mulher NAIR OLIVEIRA BORGES e FRANCISCO DE OLIVEIRA.

Logo, de acordo com tal narrativa, o requerimento foi feito com base no §6º do art. 26 da Lei nº 6.766/1979.

A questão controversa está em saber se o título examinado pode ou não dar causa à transmissão do domínio, o que foi negado pelo Oficial, julgando que esse instrumento não se enquadra na espécie do §6º do art. 26, da Lei nº 6.766/1979 porque também presente a cessão dos direitos em favor do apelante.

A orientação que prevalece é no sentido de que a dispensa da escritura pública só se aplica para os compromissos firmados entre o Loteador e o primeiro adquirente do lote, primeira razão para a exigência do Oficial.

Dispõe a Lei nº 6.766/1979:

“Art. 26. Os compromissos de compra e venda, as cessões ou promessas de cessão poderão ser feitos por escritura pública ou por instrumento particular, de acordo com o modelo depositado na forma do inciso VI do art. 18 e conterão, pelo menos, as seguintes indicações:

I – nome, registro civil, cadastro fiscal no Ministério da Fazenda, nacionalidade, estado civil e residência dos contratantes;

II – denominação e situação do loteamento, número e data da inscrição;

III- descrição do lote ou dos lotes que forem objeto de compromissos, confrontações, área e outras características;

IV- preço, prazo, forma e local de pagamento bem como a importância do sinal;

V- taxa de juros incidentes sobre o débito em aberto e sobre as prestações vencidas e não pagas, bem como a cláusula penal, nunca excedente a 10% (dez por cento) do débito e só exigível nos casos de intervenção judicial ou de mora superior a 3 (três) meses;

VI- indicação sobre a quem incumbe o pagamento dos impostos e taxas incidentes sobre o lote compromissado;

VII- declaração das restrições urbanísticas convencionais do loteamento, supletivas da legislação pertinente.

(…)

§ 6º Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título para o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhados da respectiva prova de quitação“. (grifo nosso)

É certo que o §6º do art. 26 da Lei nº 6.766/1979 continua em pleno vigor e o instrumento particular de compromisso de compra e venda de lote urbano, firmado entre o loteador e o adquirente, quando acompanhado da prova de quitação do preço, serve como título para a transmissão da propriedade imobiliária perante o Cartório de Registro de Imóveis, dispensando a lavratura de escritura pública, independentemente do valor do negócio ou do imóvel.

Desse modo, foi excepcionado o monopólio da escritura pública prescrito no art. 108 do Código Civil, por intermédio do §6º, art. 26 da Lei nº 6.766/1979.

O legislador beneficiou com praticidade e menor ônus os consumidores que adquirem lotes diretamente do loteador que promove a abertura de ruas e execução da infraestrutura em gleba para divisão em lotes urbanos, denominado pela lei como loteamento, conforme art. 2º, §1º da Lei nº 6.766/1979.

Vale dizer, na aquisição direta de lote pelo consumidor, por meio de compromisso de compra e venda celebrado por instrumento particular com o loteador, quando instruído com prova da quitação do respectivo preço, poderá ser apresentado diretamente no Cartório de Registro de Imóveis para registro da aquisição do imóvel, por ser título hábil à transmissão da propriedade imobiliária.

Essa possibilidade, segundo ensina João Baptista Galhardo, após transcrever o teor do §6º e consignar a validade dos compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessão, como títulos para o registro da propriedade, ressalva apenas que a validade limita- se à primeira transferência, do loteador para o primeiro adquirente, valendo transcrever: “Esse parágrafo aplica-se uma única vez com referência ao lote, ou seja, quando o domínio houver de ser transferido do loteador para o comprador” (Aspectos registrários da aplicação da lei federal nº 9.785, de 29.01.1999, in Revista de Direito Imobiliário nº 46, janeiro-junho de 1999, ano 22, p. 38).

Destarte, o adquirente de lote urbano, por compromisso de compra e venda, celebrado por instrumento particular com o loteador, tem o direito de apresentar diretamente ao Cartório de Registro de Imóveis tal contrato e a respectiva quitação para ultimar o registro da aquisição da propriedade, por força do art. 26, §6º da Lei nº 6.766/1979, podendo, se assim desejar, prescindir da lavratura da escritura pública.

Essa exceção, como visto, só tem aplicação para os compromissos celebrados entre o loteador e o adquirente, o que não é o caso dos autos.

Note-se que a norma do art. 26, §6º da Lei nº 6.766/1979 também se estendem aos cessionários de direitos do promissário comprador original, que assumem sua posição jurídica no negócio de cessão de posição contratual.

O que não se admite é extensão da norma à revenda do lote, ou seja, segunda alienação feita pelo comprador original ao sub- adquirente.

No caso concreto, como se trata de cessão de direitos do promissário comprador original, em tese incidiria a norma norma do art. 26, §6º da Lei nº 6.766/1979.

Mas não só.

Ainda foram feitas outras objeções pelo Oficial quanto ao deferimento do pedido, conforme as razões levantadas na suscitação de dúvida (fl. 02):

“Ainda que, por absurdo, não se aplique o disposto no art. 108 do Código Civil, relevante que a documentação apresentada não vem acompanhada de prova de quitação e nem mesmo do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – ITBI”.

Quanto à ausência de prova da quitação, o apelante sustenta a ocorrência da prescrição, mas essa prova não cabe ser feita no procedimento de dúvida registral. A atividade desenvolvida no serviço registral é administrativa, assim, não há liberdade para ampliação interpretativa, competindo o exame da documentação de prova do pagamento, à luz da legalidade estrita.

Isso porque a perda da pretensão de cobrar o preço pela inércia do promitente vendedor se encontra sujeita a causas suspensivas e interruptivas, somente aferíveis na esfera jurisdicional.

A documentação referida não fornece a certeza necessária para afirmar a ocorrência da solução do preço. Tl como exige a legislação citada.

É incabível o reconhecimento de prescrição da pretensão na esfera administrativa em razão da não participação dos credores que integraram a relação jurídica, competindo ação de natureza judicial para tanto. Somente em ação de adjudicação compulsória, na qual será citado o promitente vendedor, se poderá aferir a prescrição da preensão creditória.

Essa compreensão foi adotada em precedente deste Conselho Superior da Magistratura como se observa do voto do Excelentíssimo Desembargador Hamilton Elliot Akel, então Corregedor Geral da Justiça, na apelação cível n. 9000001-18.2013.8.26.0407, j. 07.10.2015:

“Não se controverte acerca da necessidade de ser provada a quitação do preço avençado no compromisso de compra e venda, porém, o apelante sustenta que a configuração da prescrição em relação ao pagamento das parcelas convencionadas no título, prova a quitação.

É sabido que prescrição é matéria inerente ao âmbito jurisdicional, o que reclama a observância do contraditório e do direito de defesa, e consequentemente impossibilita o seu reconhecimento no âmbito administrativo. O exame do título pelo Oficial é restrito aos seus aspectos formais e extrínsecos, o que inviabiliza o reconhecimento da prescrição como forma de comprovar a quitação do preço avençado no título”.

Nestes termos, considerada a natureza administrativa da atividade desenvolvida no registro imobiliário, a ausência da prova inequívoca da quitação das parcelas dos contratos e a impossibilidade do reconhecimento de prescrição neste processo administrativo, soma-se mais um óbice à qualificação positiva do título.

Por tais razões, por entender que o instrumento apresentado pelo apelante não se amolda à situação abrangida pelo §6º do art. 26 da Lei nº 6.766/1979, exigiu a apresentação de escritura pública, vez que não há controvérsia sobre o fato de que o imóvel tem valor superior a 30 salários mínimos.

A escritura pública é essencial para a validade do negócio de transmissão de direito real sobre imóvel com valor superior a trinta vezes o salário mínimo, como previsto no art. 108 do Código Civil

Por fim, quanto ao ITBI, o artigo 289 da Lei nº 6.015/1973 é expresso ao indicar que é dever do registrador fiscalizar o pagamento dos tributos incidentes:

“Art. 289. No exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício”.

A omissão do titular da delegação pode levar à sua responsabilidade solidária no pagamento do tributo, nos termos do artigo 134, inciso VI, do Código Tributário Nacional.

O Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis – ITBI é de competência municipal no Município de Osasco e rege-se nos termos dos artigos 48 e 49, da LC nº 404/2022, e mais remotamente pela Lei nº 160/1963, dispondo como fatos geradores do imposto de compra e venda e suas cessões, tanto no primitivo instrumento de compromisso de compra e venda quanto no contrato particular de cessão e transferência de direitos (fls. 94/97), o que, neste último caso, nada foi apresentado quanto ao recolhimento do ITBI.

À vista deste quadro, não há fundamento para reversão da qualificação negativa promovida pelo Oficial, que deve ser mantida.

Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator.

Fonte: DJE/SP – 28.01.2025.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Apelação em processo de dúvida – Carta de adjudicação em ação de desapropriação de parte de imóvel rural para uso como rodovia – Destinação dada ao imóvel que afasta a aplicação das normas de georreferenciamento e a exigência de inscrição no cadastro de imóvel rural – CCIR e no cadastro ambiental rural SICAR/CAR – Exigência de apresentação de declaração de ITR descabida – Autarquias estaduais não estão obrigadas ao recolhimento de impostos, à luz do disposto no art. 150, VI, “A” e §2,º da Constituição Federal – Recurso provido.

Apelação n° 1006638-35.2022.8.26.0269

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1006638-35.2022.8.26.0269
Comarca: ITAPETININGA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1006638-35.2022.8.26.0269

Registro: 2025.0000289641

ACÓRDÃO -– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1006638-35.2022.8.26.0269, da Comarca de Itapetininga, em que é apelante DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DO ESTADO DE SÃO PAULO – DER, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ITAPETININGA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso de apelação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), ADEMIR BENEDITO(PRES. SEÇÃO DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 21 de março de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1006638-35.2022.8.26.0269

Apelante: Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de São Paulo – Der

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Itapetininga

VOTO Nº 43.734

Registro de imóveis – Apelação em processo de dúvida – Carta de adjudicação em ação de desapropriação de parte de imóvel rural para uso como rodovia – Destinação dada ao imóvel que afasta a aplicação das normas de georreferenciamento e a exigência de inscrição no cadastro de imóvel rural – CCIR e no cadastro ambiental rural SICAR/CAR – Exigência de apresentação de declaração de ITR descabida – Autarquias estaduais não estão obrigadas ao recolhimento de impostos, à luz do disposto no art. 150, VI, “A” e §2,º da Constituição Federal – Recurso provido.

I. Caso em Exame

1. Apelação interposta pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER) contra sentença que manteve a recusa ao registro de carta de adjudicação em ação de desapropriação, sob alegação de falta de georreferenciamento e outras exigências.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se a desapropriação de imóvel rural para uso como rodovia está sujeita às exigências de georreferenciamento e outras formalidades aplicáveis a imóveis rurais.

III. Razões de Decidir

3. A destinação do imóvel desapropriado para uso como rodovia afasta a aplicação das normas de georreferenciamento e outras exigências para imóveis rurais.

4. A imunidade tributária das autarquias estaduais dispensa a apresentação de declaração do ITR.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso provido.

Tese de julgamento: 1. A destinação do imóvel desapropriado para rodovia afasta a exigência de georreferenciamento e de inscrição no cadastro de imóvel rural – CCIR e no cadastro ambiental rural SICAR/CAR

2. Autarquias estaduais são imunes a impostos, dispensando a apresentação de declaração completa do ITR.

Legislação Citada:

CF/1988, art. 150, VI, “a” e §2º;

Lei nº 6.015/1973, art. 176, §3º; Decreto nº 4.449/2002, art. 9º.

Lei nº 4.504/1964, art. 4º, I e art. 64, II.

Jurisprudência Citada:

STF, HC 85911 / MG, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, j. 25/10/2005; Apelação Cível n.º 413-6/7; Apelação Cível n.º 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível n.º 0005176-34.2019.8.26.0344; Apelação Cível n.º 1001015-36.2019.8.26.0223.

Trata-se de apelação interposta pelo DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DER contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Itapetininga/SP que, na dúvida suscitada pelo Oficial registrador, manteve a recusa ao ingresso de carta de adjudicação extraída dos autos de ação de desapropriação (fls. 76/81).

Aduz, a apelante, que a suposta necessidade de indicação do “bairro”, não encontra reflexo no artigo 176, §1º, II, “a”, da LRP, em especial porque se trata de imóvel rural. Não obstante, tal informação consta dos autos judiciais e, em se tratando de autos judiciais eletrônicos, o Oficial tinha ciência de todos os seus termos, conforme Provimento CGJ/SP nº 14/2020, de 08 de junho de 2020, indicando que se trata, no caso, do Bairro dos Veados.

Afirma que a desapropriação foi consumada e a área desapropriada incorporada ao patrimônio da Rodovia Raposo Tavares SP 270, conforme a r. sentença de fls. 22/23 proferida nos autos da ação de Desapropriação por Utilidade Pública, afirmando que o trecho de estrada não tem mais as características de um imóvel rural. Refuta a necessidade de apresentação da autorização do INCRA, do CAR, bem como da Declaração de ITR para fins da apuração de custas e emolumentos incidentes do ato registral e, ainda, de configuração de reserva legal especializada.

Por fim, alega que o Decreto nº 4.449, de 30 de outubro de 2002 – editado para regular a Lei do Georreferenciamento (Lei Federal nº 10.267/2001) – definiu os prazos para a obrigatoriedade da identificação da área de imóveis rurais com o georreferenciamento e estabeleceu que, para imóveis inferiores a 25 hectares, este só seria exigido após 22 anos, ou seja, a partir de outubro de 2024. Entende, então, que, mesmo sendo descabida a exigência no presente caso, não seria ainda possível exigir o georreferenciamento antes do decurso do prazo previsto em lei.

Pede, assim, a reforma da sentença (fls. 94/101).

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 122/124).

É o relatório.

Decido.

Desde logo, importa anotar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos seus requisitos formais e sua adequação aos princípios registrais, conforme disposto no item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n.º 413-6/7; Apelação Cível n.º 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível n.º 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível n.º 1001015-36.2019.8.26.0223).

Nesse sentido, também a Ap. Cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:

Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental“.

E, ainda:

REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência – pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).

Vale ressaltar, também, que o Oficial, titular ou interino, dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

Esta conclusão se reforça pelo disposto no item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao Oficial qualificá-los conforme os princípios e regras que regem a atividade registral.

Nota-se, ainda, que o caso trata de título e não de ordem judicial, de modo que não há como se sustentar descumprimento.

Eventual recusa, portanto, não configura violação à coisa julgada ou descumprimento de decisão judicial.

No mérito, como visto, a parte recorrente pretende o registro de carta de adjudicação extraída do processo de desapropriação de autos nº 1002615-17.2020.8.26.0269, que tramitou perante a 2ª Vara Cível da Comarca de Itapetininga. Prenotado o título, o Oficial devolveu- o, formulando as seguintes exigências (nota devolutiva referente ao protocolo 274.378, fls. 06):

“PARA REGISTRO DO PRESENTE TÍTULO DEVERÁ(ÃO) SER CUMPRIDA(S) A(S) SEGUINTE(S) EXIGÊNCIA(S):

1. Por decisão do CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA/SP, nos autos 1004739-62.2017.8.26.0047, da Comarca de Assis, em que são partes, apelante, CONCESSIONÁRIA AUTO RAPOSO TAVARES S/A – CART, e, apelado, OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEL DA COMARCA DE ASSIS, ficou decidido que as partes dos imóveis rurais, objeto de desapropriação pelo DER, para registro, deverão apresentar certificação de georreferenciamento. Assim, aditar ao processo, o memorial descritivo e planta, constando o bairro do imóvel desapropriado, devidamente certificados pelo INCRA/SIGEF, devendo haver manifestação do juízo sobre o novo levantamento;

2. Apresentar o CAR/SICAR, com a área da reserva legal especializada;

3. Apresentar o cadastro do ITR (NIRF), para possibilitar a informação da DOI.”

O título foi reapresentado, mas o ingresso no fólio real foi novamente negado, conforme nota devolutiva referente ao protocolo nº 281.223 (fls. 07), oportunidade em que foram reiteradas as exigências.

Todavia, os óbices levantados pelo Oficial não devem prevalecer e a dúvida não procede.

No que se refere aos imóveis rurais, o § 3º do art. 176 da Lei n. 6.015/73 prevê:

“§ 3º Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1º será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais”.

Na mesma linha, o § 3º do art. 225 da lei n. 6.015/73 dispõe:

“§ 3º Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais”.

Não há questionamento sobre a incidência dessas normas nos casos de desmembramento, remembramento e parcelamento de imóveis rurais promovidos por ato de livre disposição dos seus proprietários, nem sobre a submissão, à legislação específica, da eventual conversão de imóvel rural em urbano.

Por isso, a origem do novo imóvel em desapropriação promovida pelo Poder Público não afasta a aplicação das normas relativas ao georreferenciamento quando o imóvel desapropriado tiver como destino a exploração de atividade agrícola, pecuária ou agroindustrial.

Contudo, a desapropriação de parcela do imóvel para destinação como rodovia (ou como, na espécie, para sua recuperação e melhorias fl. 10) comporta a análise sob enfoque específico, por se tratar de via de circulação destinada ao uso comum do povo (art. 99, inciso I, do Código Civil).

No caso concreto, a desapropriação recaiu sobre área de 790,00 m2., inserida em imóvel de área maior situado no Município e Comarca de Itapetininga e destinada às obras e serviços de recuperação da pista, dos acostamentos e terceiras faixas existentes e melhorias do trecho entre o km 168+200m e o km 295+400m da SP-270, Rodovia Raposo Tavares (fl. 10).

Nas hipóteses de desapropriação para implantação de rodovia e de instituição de servidão pública, a destinação para atividade distinta da rural afasta a exigência de observação dos requisitos que incidiriam se a área desapropriada continuasse sendo utilizada, pelo expropriante, para exploração agrícola, pecuária ou agroindustrial.

Isso porque a destinação do imóvel não se confunde com a espécie de zona em que situado (rural, urbana, urbanizável, de urbanização específica e de interesse urbanístico especial), podendo existir imóvel com destinação rural em área urbana, ou situação contrária.

Por sua vez, não se ignora a existência de diferentes critérios para a qualificação de imóvel como urbano ou rural, prevendo o Código Tributário Nacional, em seus artigos 29 e 32, que o imóvel é urbano quando situado em zona urbana e rural quando situado em zona rural.

Porém, outras normas, como os artigos 8º e 9º do Decreto-lei nº 57/1966, que dispõe sobre o Imposto Territorial Rural (ITR), e o art. 2º da Lei nº 5.868/1972, que criou o Sistema Nacional de Cadastro Rural, adotam o critério da destinação para a identificação do imóvel como sendo rural.

O critério da destinação também foi previsto na Lei nº 4.504/1964 (Estatuto da Terra) que, em seu art. 4º, inciso I, define como imóvel rural “o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada”.

Ainda, o art. 64, inciso II, da Lei nº 4.504/1964 dispõe que são urbanos os lotes que forem implantados em razão de colonização “quando se destinem a constituir o centro da comunidade, incluindo as residências dos trabalhadores dos vários serviços implantados no núcleo ou distritos, eventualmente às dos próprios parceleiros, e as instalações necessárias à localização dos serviços administrativos assistenciais, bem como das atividades cooperativas, comerciais, artesanais e industriais”.

O critério da destinação, ademais, é previsto no art. 6º da Instrução Normativa Incra nº 82/2015, que se encontra vigente:

“Imóvel rural é a extensão contínua de terras com destinação (efetiva ou potencial) agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial, localizada em zona rural ou perímetro urbano”.[1]

A adoção desse critério também consta no sítio de Internet mantido pelo Incra, em página destinada ao esclarecimento de dúvidas:

“O que é imóvel rural? Imóvel rural, segundo a legislação agrária, é a área formada por uma ou mais matrículas de terras contínuas, do mesmo titular (proprietário ou posseiro), localizada tanto na zona rural quanto urbana do município. O que caracteriza é a sua destinação agrícola, pecuária, extrativista vegetal, florestal ou agroindustrial.” [2]

José Afonso da Silva, sobre a definição do imóvel como urbano ou rural, considera que deve prevalecer o critério da destinação, como a seguir se verifica:

“A teoria da vocação urbanística ou da destinação do solo, e não sua localização ou situação, é que orienta a definição da sua qualificação. É que a localização dos terrenos consiste numa delimitação da área à vista, precisamente, da sua vocação ou destinação urbanística; ao contrário, portanto, da qualificação da propriedade urbana, já que será tal justamente porque situada, localizada, em solo qualificado como urbano.

Com base no critério da vocação, a primeira qualificação do solo permite a distinção do território municipal em zona rural e zona urbana. Além disso, o Código Tributário Nacional admite considerar como urbanas áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana” (Direito urbanístico brasileiro. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 172).

A destinação dada ao imóvel é, com efeito, a adequada para a sua qualificação como urbano ou rural, sendo esse o critério utilizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Incra.

Adotado o critério da destinação, a parcela que foi desapropriada para uso como rodovia não pode ser caracterizada como rural e, em razão disso e da natureza originária da desapropriação, não se submete às exigências para o registro de imóvel rural, no Registro de Imóveis, ainda que a área da rodovia tenha origem em desmembramento de imóvel que tinha essa finalidade de uso.

Cabe anotar, nesse ponto, que o artigo 9º do Decreto nº 4.449/2002 prevê a necessidade de certificação pelo Incra para a identificação do imóvel rural, sendo, em consequência, dispensada para a área da rodovia que foi desapropriada e passou a ter finalidade de uso não rural:

“Art. 9º – A identificação do imóvel rural, na forma do §3º do art. 176 e do §3º do art. 225 da Lei nº 6015, de 1973, será obtida a partir de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo, inclusive em manual técnico, expedido pelo INCRA.

§ 1º – Caberá ao INCRA certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio.”

A dispensa da certificação, ademais, não causará prejuízo para a identificação do imóvel rural porque o proprietário, ao solicitar nova certificação para a área remanescente, deverá excluir a parcela que foi desapropriada para uso como rodovia.

Afastada a destinação rural para o imóvel desapropriado, haja vista que será utilizado para a instalação de rodovia, também não prevalecem as exigências de comprovação da sua inscrição no Cadastro de Imóvel Rural – CCIR e no Cadastro Ambiental Rural SICAR/CAR.

A exigência de apresentação de declaração completa do Imposto Sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) igualmente não era pertinente porque as autarquias estaduais, como é o caso do DER, não estão obrigadas ao recolhimento de impostos, à luz do disposto no art. 150, VI, “a” e §2º da Constituição Federal.

Vale dizer, as autarquias gozam de imunidade tributária e, portanto, não estão sujeitas ao pagamento de impostos sobre seus bens, rendas ou serviços.

Deste modo, é caso de afastar as exigências mencionadas.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso de apelação.

FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Cf. https://www.gov.br/incra/pt-br/centrais-de-conteudos/legislacao/instrucao-normativa, consulta em 22/03/2024.

[2] Cf. https://www.gov.br/incra/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes, consulta em 21.03.2024. (DJe de 28.03.2025 – SP)

Fonte: DJE/SP.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Regularização fundiária de interesse social (Reurb-S) – Ausência de obrigatoriedade de indicação das áreas construídas nos imóveis que integram o núcleo urbano – Título apresentado antes da alteração normativa em que dispensada expressamente a prévia regularização da averbação das áreas construídas nos imóveis integrantes do núcleo – Alteração que apenas positivou entendimento consolidado no sentido de facilitar e incentivar o registro da regularização fundiária – Adequação da aplicação da norma atualizada – Demais óbices, referentes à listagem dos ocupantes beneficiários da Reurb-S, ao estado civil desses ocupantes e aos cadastros municipais, acertadamente afastados pelo MM. Juiz Corregedor Permanente – Apelação provida.

Apelação n° 1007782-44.2022.8.26.0269

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1007782-44.2022.8.26.0269
Comarca: ITAPETININGA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1007782-44.2022.8.26.0269

Registro: 2025.0000289636

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1007782-44.2022.8.26.0269, da Comarca de Itapetininga, em que é apelante ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ITAPETININGA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), ADEMIR BENEDITO(PRES. SEÇÃO DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 21 de março de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1007782-44.2022.8.26.0269

Apelante: Estado de São Paulo

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Itapetininga

VOTO Nº 43.741

Registro de imóveis – Dúvida – Regularização fundiária de interesse social (Reurb-S) – Ausência de obrigatoriedade de indicação das áreas construídas nos imóveis que integram o núcleo urbano – Título apresentado antes da alteração normativa em que dispensada expressamente a prévia regularização da averbação das áreas construídas nos imóveis integrantes do núcleo – Alteração que apenas positivou entendimento consolidado no sentido de facilitar e incentivar o registro da regularização fundiária – Adequação da aplicação da norma atualizada – Demais óbices, referentes à listagem dos ocupantes beneficiários da Reurb-S, ao estado civil desses ocupantes e aos cadastros municipais, acertadamente afastados pelo MM. Juiz Corregedor Permanente – Apelação provida.

I. Caso em exame:

1. Apelação interposta contra sentença que manteve a recusa de registro de regularização fundiária de interesse social (Reurb-S), sob o fundamento de que é correta a exigência de identificação das áreas mediante indicação de eventuais construções existentes no local. A apelante alega não haver óbice ao registro pretendido, porque ausente impedimento para a regularização edilícia em momento posterior.

II. Questão em discussão:

2. A questão em discussão consiste em aferir eventual obrigatoriedade da indicação das áreas construídas nos imóveis que integram o núcleo urbano objeto da regularização fundiária, bem como da apresentação de listagem de ocupantes, acompanhada de seus dados pessoais e de cadastros municipais.

III. Razões de decidir:

3. A regularização das construções que integram o núcleo urbano não é requisito para o registro de Regularização Fundiária de Interesse Social (Reurb-S), conforme dispõe o subitem 274.10, Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria.

4. Alteração da norma após a suscitação da dúvida que deve incidir no caso concreto, porque traduz a positivação de entendimento consolidado no ordenamento jurídico em momento anterior, visando facilitar e incentivar o registro das regularizações fundiárias. Observância dos princípios da economia, celeridade e eficiência e do Objetivo 16 (ODS-16) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas.

5. A designação cadastral das novas unidades imobiliárias e a apresentação dos dados pessoais dos ocupantes dos bens podem ser posteriormente complementadas e não impedem o pretendido registro, nos termos dos itens 274.2 e 277, Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria.

IV. Dispositivo e tese:

6. Apelação provida.

Tese de julgamento: 1. Possibilidade de registro da Certidão de Regularização Fundiária (CRF) sem a prévia averbação das edificações; 2. Possibilidade de complementação posterior dos dados pessoais dos ocupantes beneficiários da Reurb-S, bem como dos dados de designação cadastral municipal dos imóveis.

Legislação Citada:

– Lei nº 13.465/2017, art. 35, inciso I;

– NSCGJ, Tomo II, Capítulo XX, subitens 273.3, 274.2, 274.10 e 277.

Jurisprudência Citada:

– TJSP, Apelação Cível 1008300-34.2022.8.26.0269,

Relator Desembargador Francisco Loureiro, Conselho Superior da Magistratura, j. 29/08/2024.

Trata-se de apelação interposta pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Itapetininga/SP, que afastou parte dos óbices apresentados pelo registrador, mas manteve a negativa de registro de regularização fundiária referente ao núcleo “Vila Piedade – Área A“, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 40.167 junto à referida serventia extrajudicial, por entender correta a exigência de identificação das áreas mediante indicação de eventuais construções já existentes, em consonância com o art. 35 da Lei nº 13.465/2017 (fls. 81/84).

Sustenta a apelante, em síntese, que a individualização das construções existentes nos lotes urbanos não é requisito para o registro da regularização fundiária pretendida, conforme dispõem os arts. 36 e 41 da Lei nº 13.465/2017, pois não há impedimento para a regularização edilícia em momento posterior. Argumenta que, no projeto apresentado a registro, pretende-se tão somente a regularização fundiária mediante parcelamento do solo e não, das edificações existentes nos lotes (fls. 89/92).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 112/113).

É o relatório.

O registro da Certidão de Regularização Fundiária – CRF (fls. 27/33), a ser realizado em conformidade com a Lei nº 13.465/2017, foi negado pelo Oficial, que formulou quatro exigências, nos termos da nota devolutiva a fls. 16/17.

No reingresso do título, a Fazenda Pública do Estado de São Paulo, ora apelante, afirmou ter atendido uma das exigências formuladas pelo registrador e discordou das demais, requerendo, então, a suscitação da presente dúvida (fls. 18/26).

Então, o MM. Juiz Corregedor Permanente afastou parte dos óbices remanescentes, mas confirmou a necessidade de ser aditado o memorial descritivo apresentado para adequação da identificação das áreas, dele fazendo constar eventuais edificações já existentes nos lotes, em consonância com o art. 35 da Lei nº 13.465/2017.

A controvérsia, pois, está na obrigatoriedade, ou não, da indicação das áreas construídas nos imóveis especificados no memorial descritivo que instruiu o projeto de regularização fundiária.

A Lei nº 13.465/2017 prevê, em seu art. 35, inciso I, que:

Art. 35. O projeto de regularização fundiária conterá, no mínimo:

I – levantamento planialtimétrico e cadastral, com georreferenciamento, subscrito por profissional competente, acompanhado de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) ou Registro de Responsabilidade Técnica (RRT), que demonstrará as unidades, as construções, o sistema viário, as áreas públicas, os acidentes geográficos e os demais elementos caracterizadores do núcleo a ser regularizado; 

De seu turno, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça foram recentemente alteradas por meio do Provimento CG nº 29/2024, publicado em 05 de agosto de 2024, visando incentivar e facilitar o registro de regularizações fundiárias, nas modalidades de Reurb de Interesse Social (Reurb-S) e Reurb de Interesse Específico (Reurb-E), previstas na Lei nº 13.465/2017. Entre as inovações trazidas, houve a inclusão do item 274.10 no Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, que assim dispõe:

274.10O registro da Regularização Fundiária Urbana independe da indicação, na Certidão de Regularização Fundiária (CRF), da existência de edificações nos lotes, as quais poderão ser averbadas, a critério do Poder Público, em momento posterior, de forma coletiva ou individual. A averbação da edificação na Reurb-S independe da apresentação, pelo ente legitimado para a regularização fundiária, do “habite-se” ou de declaração da estabilidade do prédio.

Como se vê, há de ser afastada a exigência formulada pelo Oficial no item nº 2 da nota de devolução (fls. 16/17), ante a expressa possibilidade de registro da Certidão de Regularização Fundiária (CRF) sem a prévia regularização da averbação das áreas construídas nos imóveis que integram o núcleo urbano.

Não resta dúvida que somente lotes edificados podem ser objeto de REURB. Não cabe a incidência da lei protetiva sobre lotes vazios, pois não destinados à moradia ou outra atividade que dê ao imóvel função social. Isso não significa, porém, a necessidade de a CRF discriminar desde logo quais as áreas construídas, para fins de averbação nas matrículas.

Igualmente não há necessidade de a CRF discriminar qual a modalidade de moradia adotada pelos ocupantes – condomínio simples, condomínio edilício, direito real de laje.

Não se ignora que o exame do título deve ser realizado à luz das normas vigentes ao tempo da prenotação e que a referida alteração normativa ocorreu após a suscitação da dúvida. Todavia, no caso em comento, a alteração normativa tão somente positivou de modo explícito o entendimento consolidado no ordenamento jurídico há tempos, visando a facilitação e incentivo ao registro das regularizações fundiárias.

E ainda que assim não fosse, a manutenção da desqualificação do título no âmbito administrativo não impede que a apelante o reapresente ao Oficial e inaugure nova prenotação e ciclo de procedimento registrário, a fim de obter atual análise à luz da norma vigente.

Nesse cenário, salutar o reconhecimento, desde logo, da incidência da alteração normativa ao caso em análise, especialmente em observância ao Objetivo 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes (ODS-16) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) e aos princípios da economia, eficiência e celeridade.

Ressalte-se, por fim, que os demais óbices foram acertadamente afastados pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, em consonância com expressas disposições trazidas pelos itens 274.2 e 277, do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. Em semelhante sentido, já decidiu este Colendo Conselho Superior da Magistratura:

REGISTRO DE IMÓVEIS – CERTIDÃO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA (CRF) – DESQUALIFICAÇÃO POR QUATRO MOTIVOS – CORRETO AFASTAMENTO DE DUAS EXIGÊNCIAS PELA CORREGEDORIA PERMANENTE – DESIGNAÇÃO CADASTRAL DAS NOVAS UNIDADES IMOBILIÁRIAS – INFORMAÇÃO FACULTATIVA E QUE PODE SER AVERBADA POSTERIORMENTE (ITEM 277 DO CAPÍTULO XX DAS NSCGJ) – DADOS RELATIVOS AO ESTADO CIVIL DOS OCUPANTES DOS BENS – COMPLEMENTAÇÃO POSTERIOR PERMITIDA (ITEM 274.2 DO CAPÍTULO XX DAS NSCGJ) – REGULARIZAÇÃO DAS CONSTRUÇÕES QUE INTEGRAM O NÚCLEO URBANO – PROVIDÊNCIA QUE NÃO É REQUISITO PARA O REGISTRO DA REURB (ITEM 274.10 DO CAPÍTULO XX DAS NSCGJ) – FALTA DE ASSINATURA FÍSICA OU DIGITAL NO TÍTULO – VÍCIO CONSTATADO E NÃO CORRIGIDO – MANUTENÇÃO DE UMA DAS QUATRO EXIGÊNCIAS – DÚVIDA PROCEDENTE – RECURSO DESPROVIDO.” (TJSP; Apelação Cível 1008300-34.2022.8.26.0269; Relator (a): Francisco Loureiro(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Itapetininga – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/08/2024; Data de Registro: 01/09/2024).

De rigor, pois, o acolhimento das razões de inconformismo da apelante, para que seja afastada também a exigência impugnada no presente recurso, cabendo ao Oficial promover o registro de regularização fundiária referente ao núcleo “Vila Piedade – Área A”.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator 

Fonte: DJE/SP – 28.03.2025.

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