Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO – 0008189-88.2023.2.00.0000
Requerente: INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS POLÍTICOS, ADMINISTRATIVOS E CONSTITUCIONAIS – IBEPAC
Requerido: VICE PRESIDENCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA e outros
EMENTA
RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CANDIDATO A CONCURSO PÚBLICO. IMPUGNAÇÃO DE INSCRIÇÃO DEFINITIVA. ALEGADA INIDONEIDADE MORAL POR FATOS PRETÉRITOS. IMPUGNAÇÃO CRUZADA. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO DESPROVIDO.
I. Caso em exame
Recurso Administrativo interposto por Instituto Brasileiro de Estudos Políticos, Administrativos e Constitucionais (IBEPAC) contra decisão que não conheceu de impugnação à homologação da inscrição de candidato em concurso público para a atividade notarial e de registro no Estado de Santa Catarina, sob a alegação de fatos desabonadores na vida pregressa do candidato.
II. Questão em discussão
O ponto central consiste em verificar se há repercussão geral ou relevância institucional que justifique a atuação do CNJ para revisar a homologação da inscrição definitiva de candidato com base em alegações de fatos desabonadores e ações judiciais em andamento.
III. Razões de decidir
A impugnação apresentada pelo IBEPAC refere-se a questões de caráter individual, sem repercussão geral, tratando-se de “impugnação cruzada”, o que não é admitido no âmbito do CNJ.
O Conselho não é instância revisora das decisões das Comissões de Concurso em questões individuais de idoneidade moral, salvo em casos de flagrante ilegalidade, o que não foi demonstrado.
A Comissão de Concurso agiu dentro de sua discricionariedade ao considerar o candidato apto, conforme análise dos documentos e certidões apresentados.
IV. Dispositivo e tese
Recurso administrativo conhecido, mas desprovido.
Tese de julgamento: O CNJ não tem competência para atuar em questões de caráter individual envolvendo impugnação cruzada em concursos públicos, salvo em casos de flagrante ilegalidade ou repercussão geral.
Jurisprudência relevante citada:
CNJ, RA no PCA 0007050-48.2016.2.00.0000
CNJ, RA no PCA 0003708-87.2020.2.00.0000
STF, Tema 485 da Repercussão Geral
ACÓRDÃO
Após o voto do Conselheiro João Paulo Schoucair (Vistor), o Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 19 de dezembro de 2024. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Mauro Campbell Marques, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Nobre, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Guilherme Feliciano, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Daiane Nogueira de Lira e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votaram, em razão das vacâncias dos cargos, os Conselheiros representantes da Ordem dos Advogados do Brasil.
RELATÓRIO
Trata-se de Recurso Administrativo interposto pelo Instituto Brasileiro de Estudos Políticos, Administrativos e Constitucionais (IBEPAC) contra decisão monocrática que não conheceu os pedidos formulados em Procedimento de Controle Administrativo contra ato praticado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC) e outros.
O IBEPAC questionava a homologação da inscrição definitiva de Robson Martins, inscrito no concurso público para ingresso na atividade notarial e de registro do Estado de Santa Catarina (Edital n. 5/2020), diante da existência de fatos desabonadores em sua vida funcional pregressa.
Relatou que o candidato, Procurador da República no Estado do Paraná, foi condenado em Processo Administrativo Disciplinar pelo Conselho Nacional do Ministério Público pela prática de atos que configurariam improbidade administrativa, importando em enriquecimento ilícito e dano ao patrimônio público (PAD n.º 1.00058/2017-27, 5ª Sessão Ordinária – 9/4/2019), tendo referida decisão transitado em julgado, além de responder civil e criminalmente, em ações que tramitam perante o TRF4.
Acrescentou que ele também foi excluído, de ofício, de concurso público realizado pela Comissão do Concurso para Outorga de Delegações de Notas e Registros do Estado do Rio Grande do Sul (2019), tendo seu recurso administrativo desprovido pelo Conselho de Recursos Administrativos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Assinala que o mandado de segurança impetrado pelo citado candidato contra sua exclusão do concurso público para Outorga de Delegações de Notas e Registros do Estado do Rio Grande do Sul foi denegado, e o recurso interposto perante o Superior Tribunal de Justiça está aguardando julgamento.
Requereu, em sede liminar, a suspensão do concurso e, de modo subsidiário, que qualquer ato de outorga de delegação ao candidato Robson Martins não seja aperfeiçoado até o julgamento de mérito desse PCA.
No mérito, pediu que o referido candidato fosse excluído do Concurso Público para Ingresso na atividade notarial e de registro do Estado de Santa Catarina (Edital nº 5/2020).
O feito, distribuído à relatoria do e. Cons. Pablo Coutinho Barreto, foi remetido para este gabinete, a fim de que seja apreciada eventual prevenção, em virtude da prévia distribuição dos Procedimentos de Controle Administrativos n. 0001428-41.2023.2.00.0000 e 0004325-42.2023.2.00.0000 (id 5395988).
O TJSC manifestou-se sobre o processado (id 5445633). Informou que, quanto às “qualidades morais exigidas para o ingresso na atividade” (item 11.2.2 do Edital n. 5/2020), foi considerado apto.
Registrou que o candidato, que exerce o cargo de Procurador da República, foi reabilitado da penalidade administrativa aplicada pelo Conselho Nacional do Ministério Público no Processo Administrativo Disciplinar de autos n. 1.00058/2017-27, em que fora sancionado com suspensão em virtude de “valores auferidos indevidamente, decorrentes de ajuda de custo para remoção e diárias”.
Em 12 de março de 2024, indeferi o pedido de avocação dos procedimentos administrativos que resultaram na exclusão de outros candidatos, solicitei informações à Procuradoria-Geral da República e ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e determinei a intimação do candidato referido na petição inicial (id 5473030).
Em 26 de março de 2024, o Secretário-Geral do CNMP manifestou-se esclarecendo que o procurador da República foi punido no Processo Administrativo Disciplinar de autos n. 1.00058/2017-27, tendo sido declarado reabilitado em 7 de outubro de 2022 (id 5499802).
A Corregedoria-Geral do Ministério Público Federal, por sua vez, arrolou em 4 de abril de 2024 sete procedimentos de natureza administrativa arquivados e registrou a aplicação de sanção pelo Conselho Superior do MPF no Processo Administrativo Disciplinar de autos n. 1.00.002.000106/2016-11 (id 5509326).
O interessado Robson Martins prestou esclarecimentos em 2 de abril de 2024 (id 5506358), informando que cumpriu a sanção que lhe fora aplicada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, tendo sido considerado reabilitado em 2022. Afirma que as mesmas imputações foram objetos de denúncia criminal, arquivada em 2018, e de ação por ato de improbidade administrativa, em curso na Seção Judiciária Federal do Paraná.
Em 10 de abril de 2024, julguei improcedente os pedidos do ora recorrente, por entender que a atuação deste Conselho tem por objetivo tutelar interesse coletivo do Poder Judiciário e de toda a sociedade, o que afasta a natureza de instância administrativa extraordinária para controle do ato.
Irresignado com a decisão monocrática proferida, o ora recorrente interpôs recurso administrativo em 21 de abril de 2024, reafirmando o potencial de repercussão geral da demanda e reiterando os argumentos da inicial (id 5531630).
Em 20 de maio de 2024, indeferi o pedido de reconsideração formulado, oportunizando ao Tribunal prestar contrarrazões ao recurso administrativo (id 5570427).
Em contrarrazões, o Tribunal alega que apesar das acusações de improbidade administrativa e processos judiciais contra o candidato, ele apresentou todas as certidões negativas solicitadas e não houve comprovação de dolo ou ilegalidade que justificasse sua exclusão do certame.
É o relatório.
Luiz Fernando BANDEIRA de Mello
Conselheiro Relator
VOTO
Verificada a tempestividade e a adequação do instrumento, conheço do recurso administrativo.
O recorrente questiona a homologação da inscrição definitiva do candidato Robson Martins no Concurso Público para Ingresso na Atividade Notarial e de Registro do Estado de Santa Catarina, alegando a existência de fatos desabonadores em sua vida funcional pregressa que comprometeriam sua idoneidade moral para o exercício das funções notariais e de registro.
Especificamente, alega que o candidato foi condenado pelo Conselho Superior do Ministério Público pela prática de atos de improbidade administrativa, resultando em enriquecimento ilícito e dano ao erário, tendo a decisão transitado em julgado. Além disso, afirma que o candidato responde a ações civis e criminais em andamento e que foi excluído de concurso público similar no Estado do Rio Grande do Sul.
Em contrapartida, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina informou que, após análise dos documentos apresentados e da vida pregressa do candidato, considerou-o apto para o ingresso na atividade notarial e registral, conforme as regras do edital e a legislação aplicável. Ressaltou que o candidato foi reabilitado da penalidade administrativa que lhe fora aplicada.
O candidato Robson Martins, por sua vez, esclareceu que cumpriu integralmente a sanção disciplinar imposta pelo Conselho Nacional do Ministério Público, tendo sido declarado reabilitado em 2022. Informou ainda que as ações judiciais mencionadas estão em curso, não havendo condenação definitiva que impeça sua participação no certame.
A questão preliminar a ser enfrentada refere-se à competência deste Conselho Nacional de Justiça para apreciar a presente demanda, considerando os limites constitucionais e regimentais de sua atuação.
O art. 103-B da Constituição da República estabelece que compete ao CNJ o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e o cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados, visando à tutela de interesses de caráter geral e institucional, com repercussão para o sistema de justiça como um todo.
O Enunciado Administrativo nº 17 do CNJ dispõe que “não cabe ao CNJ o exame de pretensões de natureza individual, desprovidas de interesse geral, compreendido este sempre que a questão ultrapassar os interesses subjetivos da parte, em face da relevância institucional, dos impactos para o sistema de justiça e da repercussão social da matéria”.
Este entendimento, a propósito, segue a linha de interpretação fixada pelo Supremo Tribunal Federal pelo Tema 485 da Repercussão Geral, que prescreve que “os critérios adotados por banca examinadora de um concurso não podem ser revistos pelo Poder Judiciário”, salvo em casos de ilegalidade manifesta, o que não se verifica na presente hipótese.
No caso em tela, verifica-se que a pretensão do IBEPAC consiste em impugnar a participação de um candidato específico no concurso público, em razão de fatos pessoais e particulares, visando à sua exclusão do certame. Trata-se, portanto, de questão de interesse individual, que não transcende a esfera subjetiva do candidato e não apresenta relevância institucional ou repercussão geral que justifique a atuação deste Conselho.
Ademais, a prática de “impugnação cruzada”, na qual candidatos ou terceiros buscam questionar a situação de outros participantes do concurso, não é admitida por este Conselho. A prerrogativa de avaliar a idoneidade moral e a vida pregressa dos candidatos compete à Comissão do Concurso, que possui autonomia para tal, observadas as normas legais e editalícias pertinentes.
A intervenção do CNJ em concursos públicos deve ocorrer de forma excepcional, apenas quando constatada violação de normas constitucionais ou legais de alcance geral, ou quando presentes situações que afetem a legitimidade do certame como um todo, o que não se verifica no presente caso. Não há indícios de irregularidades no procedimento adotado pela Comissão que justifiquem a atuação deste Conselho.
O entendimento deste Conselho é consolidado no sentido de que não cabe atuar como instância revisora das decisões das Comissões de Concurso em questões individuais, especialmente quando se trata de impugnações cruzadas.
Nesse sentido:
RECURSO EM SEDE DE PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CONCURSO. ATIVIDADE NOTARIAL E REGISTRAL. PROVA DE TÍTULOS. IMPUGNAÇÃO CRUZADA. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE FATO NOVO. NÃO PROVIMENTO.
I. Recurso contra decisão que julgou improcedente o pedido, por considerar vedada a fase de “impugnação cruzada”.
II. Embora o recorrente afirme não desejar promover a “impugnação cruzada”, em última análise, sua pretensão consiste na reavaliação dos títulos apresentados, com a eventual e consequente redução/revisão das notas de alguns candidatos, medida não prevista no edital e incompatível com a atribuição deste Conselho. Precedente do STF.
III. Inexistindo, nas razões recursais, qualquer elemento novo capaz de alterar o entendimento adotado, a decisão monocrática combatida deve ser mantida.
IV. Recurso Administrativo conhecido, uma vez que tempestivo, mas que, no mérito, nega-se provimento. (CNJ. RA no PCA 0007050-48.2016.2.00.0000. Rel. Cons. CARLOS LEVENHAGEN. 259ª Sessão Ordinária. j. em 26 set. 2017)
E:
RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. CONCURSO PÚBLICO. ETAPA DE TÍTULOS. REVISÃO PELO PRÓPRIO TRIBUNAL. LEGALIDADE. AUTOTUTELA. PRAZO QUINQUENAL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ANÁLISE INDIVIDUALIZADA. IMPOSSIBILIDADE.
[…]
5. A denominada “impugnação cruzada de títulos” é prática vedada no âmbito do Conselho Nacional de Justiça. Todavia, inexiste óbice para os próprios Tribunais reverem os títulos apresentados pelos candidatos. Neste caso, o reexame ocorrerá por quem possui competência para tanto.
6. Não cabe ao Conselho Nacional de Justiça analisar a documentação apresentada ao Tribunal por um candidato para, ao final, lhe conceder os prontos relativos ao título pelo exercício da advocacia. Este Conselho não é instância recursal dos Tribunais, banca examinadora ou conhece de pretensões de nítido caráter individual.
[…]
8. Recurso a que se nega provimento. (CNJ. RA no PCA 0003708-87.2020.2.00.0000. Rel.ª Cons.ª CANDICE JOBIM. 332ª Sessão Ordinária. j. em 1º jun. 2021)
A atuação do CNJ visa à proteção de interesses coletivos do Poder Judiciário e da sociedade, não competindo a este órgão intervir em disputas individuais ou em questões desprovidas de relevância institucional. A apreciação de situações particulares, que demandam análise casuística, extrapola as competências deste Conselho.
Importa ressaltar que o candidato Robson Martins apresentou todas as certidões e documentos exigidos, e foi considerado apto pela Comissão do Concurso após análise de sua vida pregressa. A avaliação da idoneidade moral do candidato é atribuição discricionária da Comissão, que está mais bem posicionada para apreciar os fatos e circunstâncias que envolvem a vida pregressa dos candidatos, observando os princípios da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade.
Em suma, não há indícios de ilegalidade ou arbitrariedade que justifiquem a intervenção deste Conselho. Cabe à Comissão, no âmbito de sua discricionariedade, avaliar a idoneidade dos candidatos, respeitados os princípios da legalidade, impessoalidade e isonomia.
Diante do exposto, conclui-se que a matéria em discussão não ultrapassa os interesses individuais envolvidos, não havendo repercussão geral ou impacto significativo no sistema de justiça que justifique a atuação deste Conselho Nacional.
Assim, voto pelo conhecimento e desprovimento do recurso administrativo interposto pelo Instituto Brasileiro de Estudos Políticos, Administrativos e Constitucionais neste Procedimento de Controle Administrativo contra ato praticado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, mantendo integralmente a decisão monocrática que julgou improcedentes os pedidos formulados.
Intimem-se. Após, arquivem-se imediatamente, independentemente de nova ordem.
Luiz Fernando BANDEIRA de Mello – Conselheiro Relator
Dados do processo:
CNJ – Procedimento de Controle Administrativo nº 0008189-88.2023.2.00.0000 – Santa Catarina – Rel. Cons. Luiz Fernando Bandeira de Mello – DJ 10.01.2025
Fonte: CNJ | DJ – 13.03.2025.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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