1VRP/SP: Registro de Imóveis. Subrrogação de cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade. Não basta que ambos os compradores concordem com a transposição de cláusulas, justamente porque não são os únicos interessados no ato, cabendo a apreciação judicial, em procedimento de jurisdição voluntária nos termos do Art. 725, II, do CPC, para que se analise se houve efetivo uso do mesmo numerário para aquisição do novo bem, se houve justa causa e se com a sub-rogação estará sendo cumprida a vontade do doador, bem como preservados interesses de terceiros, evitando a perpetuidade da limitação ao direito de propriedade com sucessivas sub-rogações.

Processo 1008913-47.2020.8.26.0100

Dúvida – REGISTROS PÚBLICOS – Guilherme de Almeida Prado e outro – Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Guilherme de Almeida Prado e Karen Perrotta Lopes de Almeida Prado, após negativa de registro de escritura de compra e venda cujo objeto é o imóvel matriculado sob o nº 142.523 da mencionada serventia. Aduz o Oficial que a referida escritura contém cláusula de incomunicabilidade e impenhorabilidade, cuja justificativa é o fato do imóvel ter sido adquirido com recursos advindos da venda de imóvel que continha tais cláusulas, havendo portanto a transferência de tais restrições. Segundo o Oficial, houve sub-rogação do vínculo, que somente pode se dar por ordem judicial. Juntou documentos às fls. 03/87. O suscitado impugnou a dúvida às fls. 90/95, aduzindo que constou tanto na escritura de venda do imóvel gravado com as cláusulas como o de compra do imóvel que se pretende transferi-las que os recursos eram os mesmos, sendo a sub-rogação automática, desnecessária autorização judicial, mormente o movimento de desjudicialização das questões em que há concordância das partes. O Ministério Público opinou às fls. 98/99. É o relatório. Decido. A questão tratada nos autos é similar aquela enfrentada pelo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 1.120-6/7, Rel. Luiz Tâmbara, j. 08/07/09, DJE 04/12/2009: Registro de Imóveis – Escritura de venda e compra de bem imóvel – Imóvel adquirido com o produto da alienação de outro bem resultante de redução de capital social de empresa e de distribuição de lucros a sócio – Ações da companhia anteriormente gravadas com cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade – Não caracterização, no caso, de sub-rogação automática, de pleno direito, dos vínculos – Impossibilidade do registro da escritura com os mesmos gravames – Necessidade, para a pretendida sub-rogação, do processo e procedimento próprios previsto no art. 1.112, II, do CPC – Recusa do registro acertada – Recurso não provido. (…) [A] doutrina tem chamado a atenção para os limites da imposição isolada da cláusula de incomunicabilidade ou da cláusula de impenhorabilidade – ou de ambas em conjunto -, sem concomitante adoção da cláusula de inalienabilidade, na medida em que, mostrando-se possível a alienação do bem clausulado, acaba-se por obter resultado diverso daquele perseguido pelo instituidor do gravame. De acordo com a análise de Eduardo de Oliveira Leite: “Claro está que a imposição isolada dessa cláusula[de incomunicabilidade]não impede a alienação, obtendo-se, indiretamente, resultado diverso daquele perseguido pelo testador (ambos os cônjuges usufruirão o resultado da venda); mas, se o testador impuser a inalienabilidade, desaparece aquela possibilidade ressurgindo a possibilidade de engessamento do bem clausulado”(Comentários ao Novo Código Civil – vol. XXI – Do direito das sucessões – arts. 1.784 a 2.027. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 274). No mesmo sentido, Luiz Fernando do Vale de Almeida Guilherme: “A cláusula[de incomunicabilidade], não impede que os bens sejam alienados, o que permite a venda e entrega do produto da alienação ao cônjuge, burlando, então, a vontade do testador.”(Cláusulas testamentárias limitativas da legítima e seus problemas jurídicos. In: Maria Helena Diniz – Coord. -Atualidades jurídicas, 5. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 213). E, ainda, por fim, Sílvio de Salvo Venosa: “A imposição isolada dessa cláusula[de incomunicabilidade]não impede a alienação, de modo que a intenção do legislador pode facilmente ser contornada, uma vez que o produto da venda será fatalmente utilizado em proveito do casal, se não houver a sub-rogação da cláusula em outro bem. Não se pode presumir a inalienabilidade, se não vier expressa no testamento. Pode o testador evitar esse óbice impondo a inalienabilidade sob certo termo, ou determinando a conversão em determinados bens, em caso de alienação.”(Ob. cit., p. 153). Compreende-se que assim de fato seja, pois a cláusula de incomunicabilidade implica, quando adotada, derrogação ao regime legal de bens entre os cônjuges, tanto quanto a cláusula de impenhorabilidade acarreta a exclusão do bem gravado da garantia geral que o patrimônio do devedor representa para os credores. Daí a reserva com que se vê a transposição automática dos gravames em caso de alienação dos bens gravados com a incomunicabilidade e com a impenhorabilidade, sem o procedimento adequado previsto no art. 1.112, II, do Código de Processo Civil. Ressalte-se que o procedimento judicial a que se alude não é condição para a validade da alienação do bem clausulado, mas, sim, para o transporte das cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade aos bens adquiridos com o produto da referida alienação, mediante sub-rogação dos vínculos. Sem ele, a manutenção dos vínculos de incomunicabilidade e impenhorabilidade acaba por decorrer de ato de vontade do próprio titular do bem, o que é vedado pelo ordenamento jurídico, exceção feita à instituição do bem de família. Como leciona Ademar Fioranelli sobre o tema: “(…) observo que não se pode admitir, sem o caminho judicial próprio de subrogação de vínculos, que as cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade, que pesam sobre determinado imóvel antes doado, sejam transferidos a outro imóvel permutado pelos donatários, por não ser lícito a ninguém vincular seu próprio bem, ônus que só se pode estabelecer em relação a terceiros. Se é certo que, em se tratando de cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade, inexiste óbice para a transferência do bem a título de permuta, não seria lícito aos adquirentes impor gravame, de forma unilateral, ao imóvel adquirido na permuta, por não se configurar, também, a chamada subrogação real prevista nos artigos 269, II, e 272 do Código Civil, que constituem hipóteses legais de exclusão de bens da comunhão matrimonial. A causa jurídica que justifica tais hipóteses é diversa da que caracteriza a impenhorabilidade, originariamente imposta pelo doador (RT 656/37). Assim, a simples declaração do ato notarial da permuta, isoladamente considerada, mostrar-se-ia insuficiente para atender os requisitos se segurança exigidos. Os gravames da incomunicabilidade e o da impenhorabilidade, tanto como o da inalienabilidade, obrigam a que a subrogação seja submetida à apreciação judicial. Imposta pelo doador ou testador, a alienação do bem e subseqüente aquisição de outro pela permuta, não faz com que a subrogação se opereipso jure. Se admitido o ato, estaria sendo permitido que o adquirente vinculasse seu próprio bem, o que nosso sistema jurídico não permite, à exceção do bem de família.”(Direito Registral Imobiliário. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, p. 194-195). Assim, também, cabe salientar, já decidiu este Conselho Superior da Magistratura, em acórdão da lavra do eminente Desembargador Luís de Macedo, então Corregedor Geral da Justiça: “REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida. Ingresso de escritura de compra e venda da nua-propriedade de imóvel gravado com cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade. Impossibilidade de manutenção das cláusulas restritivas. Necessidade de autorização judicial para a subrogação de cláusulas incidentes sobre outro imóvel. Dúvida procedente. Recurso a que se nega provimento. (…) (…) a imposição das cláusulas de incomunicabilidade e de impenhorabilidade dar-se-ia ou por sub-rogação ou por vinculação sobre o próprio bem, o que não se mostra possível, seja pela falta de prévia utilização do procedimento previsto no inc. II do art. 1.112 do Código de Processo Civil, necessário para a sub-rogação, seja pela vedação de que tais cláusulas restritivas sejam impostas em atos onerosos ou posteriormente a dada liberalidade, pois a ninguém é permitido gravar os próprios bens, o que inviabiliza a mera transposição das cláusulas que oneravam imóvel antes doado para outro agora adquirido por compra e venda. Mostra-se oportuna, quanto ao tema, referência às razões que fundamentaram decisão do MM. Juízo da Primeira Vara de Registros Públicos da Comarca da Capital, de 03.02.99, relativa ao Proc. 000.98.021177-8, publicada na Revista de Direito Imobiliário 49/332, firmes no sentido de que ‘cláusulas restritivas constituem ônus que só se estabelecem em relação a terceiros, ou seja, donatários, herdeiros e legatários, pois o sistema jurídico não possibilita, não permite, vincular os próprios bens, a exceção do bem de família’ e de que ‘a sub-rogação, por ser vedada a vinculação ou imposição de cláusulas restritivas sobre os próprios bens, mesmo porque implicam em limitação de direitos de terceiros, v.g. credores de titular de domínio de imóvel gravado com cláusula de impenhorabilidade; cônjuge de proprietário de imóvel com cláusula de incomunicabilidade, à evidência, depende de apreciação judicial, sendo necessária a utilização do procedimento previsto no inc. II do art. 1.112 do CPC. A sub-rogação não se opera de pleno direito, é imprescindível a autorização judicial.’.”(Ap. Cív. n. 81.249-0/9 – j. 22.11.2001). Na hipótese, como se percebe, não se admitindo a sub-rogação automática dos vínculos em questão e não se tendo observado o procedimento judicial próprio para tanto, o que houve, em verdade, na escritura de venda e compra apresentada a registro, foi, no final das contas, o estabelecimento de cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade pelo próprio Apelante sobre o imóvel por ele adquirido, o que, como visto, não se pode admitir. E essa situação foi corretamente identificada pelo Oficial Registrador no exame de qualificação negativa do título. Observe-se que a re-ratificação da doação em ato notarial específico e a participação no negócio jurídico celebrado, com anuência na manutenção das cláusulas, por parte dos doadores e do cônjuge do Apelante, em nada altera o quadro acima descrito, já que imprescindível para a sub-rogação dos vínculos de incomunicabilidade e impenhorabilidade a chancela judicial obtida pela via do processo e do procedimento próprios disciplinados no art. 112, II, do CPC. Portanto, à luz das considerações que vêm de ser expendidas, bem como do entendimento firmado no âmbito deste Conselho Superior da Magistratura, não há como censurar a recusa do registro do título pelo Oficial Registrador, ratificada com acerto pelo Meritíssimo Juiz Corregedor Permanente.” Em suma, por se tratar de limitação ao direito de propriedade, incluindo possível limitação de direito de terceiros (por exemplo do credor, no caso da cláusula de impenhorabilidade), necessária a autorização judicial para sub-rogação das cláusulas, sob pena de permitir ao interessado a eterna transferência das cláusulas entre diversos bens, culminando em escolha pessoal de quais os bens gravados, em detrimento da limitação legal a instituição de tais cláusulas, que somente se dá na propriedade de terceiros, como donatários e herdeiros. Não basta que ambos os compradores concordem com a transposição de cláusulas, justamente porque não são os únicos interessados no ato, cabendo a apreciação judicial, em procedimento de jurisdição voluntária nos termos do Art. 725, II, do CPC, para que se analise se houve efetivo uso do mesmo numerário para aquisição do novo bem, se houve justa causa e se com a sub-rogação estará sendo cumprida a vontade do doador, bem como preservados interesses de terceiros, evitando a perpetuidade da limitação ao direito de propriedade com sucessivas sub-rogações. Do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Guilherme de Almeida Prado e Karen Perrotta Lopes de Almeida Prado, mantendo o óbice ao registro. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: JOÃO PAULO AVILA PONTES (OAB 205549/SP) (DJe de 03.04.2020 – SP)

Fonte: DJe de 03.04.2020-SP)

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Registro de Imóveis – Averbação – Recurso de apelação recebido como recurso administrativo – Cancelamento de averbação de arrolamento – Receita Federal – Impossibilidade pela via administrativa – Recurso desprovido.

Número do processo: 1019997-40.2017.8.26.0071

Ano do processo: 2017

Número do parecer: 85

Ano do parecer: 2018

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1019997-40.2017.8.26.0071

(85/2018-E)

Registro de Imóveis – Averbação – Recurso de apelação recebido como recurso administrativo – Cancelamento de averbação de arrolamento – Receita Federal – Impossibilidade pela via administrativa – Recurso desprovido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça

Trata-se de recurso interposto por RODRIGO FERREIRA DE CARVALHO contra r. sentença de fl. 92/95, que julgou improcedente o pedido de providências instaurado contra nota de devolução emitida pelo 1º Oficial de Registro de Imóveis de Bauru, a qual recusou o cancelamento da averbação do arrolamento feito pela Receita Federal em dois imóveis de sua propriedade, matrículas nº 82.106 e 69.238.

O recorrente afirma que o referido arrolamento não impede a transferência do bem para terceiros, sendo apenas necessário informa-la à Receita Federal, o que foi feito. Nada obstante, a Receita não oficiou ao 1º Cartório de Registro de Imóveis para o cancelamento da averbação do arrolamento de bens.

Em razão disso, teria direito ao referido cancelamento, com base no artigo 9º da Instrução Normativa nº 1.565/2015, da Receita Federal.

A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

Opino.

Preliminarmente, não se tratando de procedimento de dúvida, cujo cabimento é restrito aos atos de registro em sentido estrito, verifica-se que o recurso foi denominado erroneamente de apelação.

Isso porque se busca a retificação de atos já inscritos em registros anteriores, materializados por atos de averbação, nos termos do art. 213 § 1° da lei n° 6.015/73.

Todavia, tendo em vista a sua tempestividade, possível o conhecimento e processamento do apelo como recurso administrativo, nos termos do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo (Decreto-Lei Complementar n° 3/1969).

O recorrente foi autuado pela Receita Federal e, dentro do processo administrativo de arrolamento de bens nº 15892.720018/2015-96, teve dois imóveis de sua propriedade arrolados, ambos registrados no 1º Registro de Imóveis de Bauru, localizados no Residencial Villaggio III (matrícula 82.106) e Residencial Villaggio (matrícula 69.238).

De fato, o arrolamento levado a efeito pela Receita Federal não tem natureza de constrição judicial, tampouco impede a alienação ou oneração do bem, tratando-se de procedimento suscetível de ser indicado como garantia de débitos federais e para representação na propositura de medida cautelar fiscal.

Não cabe, entretanto, ao registro de imóveis, tampouco ao juízo administrativo, determinar o cancelamento do referido arrolamento, o que somente pode ser pleiteado junto à autoridade administrativa que o constituiu, ou, alternativamente, pela via jurisdicional.

Diz o art. 250 da Lei n° 6.015/77:

Art. 250 – Far-se-á o cancelamento:

I – em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado;

II – a requerimento unânime das partes que tenham participado do ato registrado, se capazes, com as firmas reconhecidas por tabelião;

III – A requerimento do interessado, instruído com documento hábil;

IV – a requerimento da Fazenda Pública, instruído com certidão de conclusão de processo administrativo que declarou, na forma da lei, a rescisão do título de domínio ou de concessão de direito real de uso de imóvel rural, expedido para fins de regularização fundiária, e a reversão do imóvel ao patrimônio público

No caso em questão, não foram preenchidos nenhum dos requisitos previstos nos itens acima, já que, ainda que inserido na hipótese do inciso III do art. 250, não foi apresentado o “documento hábil” a viabilizar o cancelamento do arrolamento, qual seja, a autorização expedida pela Receita Federal.

Muito embora alegue o requerente que o art. 9º da Instrução Normativa nº 1.565/2015 da Receita Federal permita o cancelamento da averbação de arrolamento, mediante solicitação do contribuinte, instruída com cópia do protocolo da comunicação, o art. 10 da mesma Instrução Normativa impõe ao registrador que tal pedido esteja instruído com autorização expedida pelo órgão que a determinou:

Art. 10. O titular da unidade da RFB do domicílio tributário do sujeito passivo, ou outra autoridade administrativa por delegação de competência, encaminhará aos órgãos de registro competentes a relação de bens e direitos, para fins de averbação ou registro do arrolamento ou ainda de seu cancelamento, independentemente do pagamento de custas ou emolumentos, conforme abaixo:

I – cartório de registro de imóveis, relativamente aos bens imóveis.

Sendo assim, o cancelamento pretendido somente poderá ser operado por autorização expedida pela Receita Federal ou ação judicial.

Pelas razões expostas, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência, é pelo conhecimento da apelação como recurso administrativo, nos termos do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, e, no mérito, pelo seu desprovimento.

Sub censura.

São Paulo, 2 de março de 2018.

Paulo Cesar Batista dos Santos

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM° Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, recebo a apelação como recurso administrativo e a ele nego provimento. São Paulo, 08 de março de 2018. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça – Advogado: OMAR AUGUSTO LEITE MELO, OAB/SP 185.683.

Diário da Justiça Eletrônico de 16.03.2018

Decisão reproduzida na página 047 do Classificador II – 2018

Fonte: INR Publicações

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ITCMD – Organização religiosa – Imunidade de tributo sobre imóvel recebido para construção do templo – Não se pode admitir que um procedimento administrativo não tenha um previsto e econômico termo final, equivale a dizer, que as repartições públicas não tenham prazos a observar para a prática dos atos de sua competência, perseverando se se quiser, perpetuando ao largo de tempo indeterminado, sob a etiqueta da observância de normas internas, a expectativa de exercício de um direito do súdito – “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que não cabe à entidade demonstrar que utiliza seus bens ou rendas de acordo com suas finalidades institucionais. Ao contrário, compete à Administração tributária demonstrar a eventual tredestinação do bem ou atividade gravados pela imunidade” (AgR no RE com Ag 1.010.350, j. 30-6.2017) – Não acolhimento da apelação fazendária e da remessa obrigatória, que se tem por interposta.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1010083-35.2019.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado ANIDESP – ASSOCIAÇÃO ANÍMICA PARA O DESENVOLVIMENTO PESSOAL.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao apelo e ao reexame necessário. V.U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RICARDO DIP (Presidente), JARBAS GOMES E OSCILD DE LIMA JÚNIOR.

São Paulo, 21 de fevereiro de 2020.

RICARDO DIP

Relator

Assinatura Eletrônica

ITCMD. ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA. IMUNIDADE DE TRIBUTO SOBRE IMÓVEL RECEBIDO PARA CONSTRUÇÃO DO TEMPLO.

– Não se pode admitir que um procedimento administrativo não tenha um previsto e econômico termo final, equivale a dizer, que as repartições públicas não tenham prazos a observar para a prática dos atos de sua competência, perseverando se se quiser, perpetuando ao largo de tempo indeterminado, sob a etiqueta da observância de normas internas, a expectativa de exercício de um direito do súdito.

– “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que não cabe à entidade demonstrar que utiliza seus bens ou rendas de acordo com suas finalidades institucionais. Ao contrário, compete à Administração tributária demonstrar a eventual tredestinação do bem ou atividade gravados pela imunidade” (AgR no RE com Ag 1.010.350, j. 30-6.2017).

Não acolhimento da apelação fazendária e da remessa obrigatória, que se tem por interposta.

RELATÓRIO:

1. Versam os autos mandado de segurança impetrado pela Associação Anímica para o Desenvolvimento Social Anidesp contra o ato omissivo do Secretário da Fazenda pública estadual acerca de seu pedido de certidão de imunidade tributária -Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação Itcmd sobre imóvel que recebeu, em doação, para a construção de seu templo.

Noticiando ser organização religiosa, sem fins lucrativos, constituída em janeiro de 2017, afirma que aguarda há cerca de quinze meses pela expedição do documento que afirma necessário para a transferência da titularidade no Cartório de Registro Imobiliário.

2. A r. sentença de primeiro grau, confirmando a liminar (e-págs. 45-8), concedeu a segurança (e-págs. 83-7).

3. Ao par de remessa obrigatória, apelou a Fazenda pública paulista, arguindo, em preliminar, ilegitimidade passiva da autoridade coatora e ausência de direito líquido e certo para a impetração do mandamus, uma vez que não há provas de que o imóvel doado será destinado às finalidades essenciais da entidade (e-págs. 90-111).

O recurso foi contra-arrazoado (e-págs. 118-28).

4. A digna Promotoria pública da Comarca manifestou falta de interesse de agir no feito (e-págs. 58-9).

É o relatório em acréscimo ao da sentença, conclusos os autos recursais aos 25 de novembro de 2019 (e-pág. 137).

VOTO:

5. Reputa-se interposta a remessa obrigatória, em face da concessão do presente mandado de segurança, nos termos do que dispõe, em norma de natureza específica, o § 1º do art. 14 da Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009.

6. O vertente mandamus dirige-se contra a mora na expedição, pela autoridade administrativa, de um documento que afaste a exigência de Itcmd sobre um imóvel recebido em doação para a construção de seu templo e, assim, possibilitar a transferência da titularidade no cartório de registro imobiliário.

7. A dúvida que se refira, no âmbito do mandado de segurança, à correta invenção da autoridade impetrada, é de superar-se sempre que, tal o caso dos autos, possa definir-se adequadamente a legitimidade passiva ad causam da esfera do poder público impetrado.

Escoro-me no magistério de Hely Lopes MEIRELLES, para julgar, suposta uma errônea indicação da autoridade coatora no mandado de segurança, que “o juiz pode e deve determinar a notificação da autoridade certa, como medida de economia processual…” (Mandado de segurança. 27ª ed. São Paulo Malheiros, 2004, p. 61).

Isto sempre que essa equivocada indicação da autoridade não implique ilegitimidade ad causam passiva da parte processual i.e., a pessoa jurídica de direito público , porque, nesse caso, se vê preservada a condição da ação (cfr., a propósito, o modelar julgado do REsp 685.567 -STJ -1ª Turma).

Da mesma sorte, tenho votado, nesta Câmara, pelo acolhimento da teoria da encampação, sempre que possa favorecer-se a economia processual a que se refere a doutrina já indicada.

Suplanto, pois, a nestes autos agitada suscitação de ilegitimidade da autoridade indicada como coatora, em face de registrável encampação da juridicidade admitida ex hypothese do ato objeto da vertente segurança.

8. Quanto à arguida falta de direito líquido e certo, bastaria considerar que já com as informações da Administração pública se caracterizou resistência à postulação, e essas informações supririam o direito líquido e certo exigível para a impetração:

“(…) ter-se-á como líquido e certo disse SEABRA FAGUNDES o direito cujos aspectos de fato se possam provar, documentalmente, fora de toda a dúvida, o direito cujos pressupostos materiais se possam constatar pelo exame da prova oferecida com o pedido, ou de palavras ou omissões da informação da autoridade impetrada” (O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 279; a ênfase gráfica não é do original; cf. também, em sentido equivalente, MS 8.946, do eg. STJ -Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, j. 22-10-2003).

9. Cumpre observar que o presente writ foi impetrado em 1º de março de 2019: vale dizer que tendo postulado uma certidão de imunidade religiosa para viabilizar o registro da doação do imóvel em dezembro de 2017, cerca de, na espécie, 15 meses depois do pedido, ainda não havia a Administração fornecido à impetrante a certidão que lhe era necessária para o exercício de seu direito.

Não se negam a existência e o relevo de procedimentos administrativos regulares para a expedição do perseguido certificado.

Todavia, não se pode admitir que um procedimento administrativo não tenha um previsto e econômico termo final, equivale a dizer, que as repartições públicas não tenham prazos a observar para a prática dos atos de sua competência, perseverando se se quiser, perpetuando ao largo de tempo indeterminado, sob a etiqueta da observância de normas internas, a expectativa de exercício de um direito do súdito.

Quando se solicita da administração pública um certificado, deve ele fornecer-se adequadamente dentro em um prazo razoável, a fim de atender ao princípio da eficiência.

Esse princípio, conforme leciona Hely LOPES MEIRELLES,

“exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional”, não se contentando que a função administrativa seja “desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório ao atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros” (Direito administrativo brasileiro. 33.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 96).

right to due process em matéria administrativa não é apenas a exigência de observância de requisitos rituais pelo poder público, mas a de que a observância das normas seja assecuratória da utilidade razoável do objeto da prática da administração. Tem-se, alguma vez, referido ao conceito do “monroísmo administrativo”, para designar a ideia de “administrados para a Administração” prevalecendo o suposto interesse público secundário, com a persistência indefinida de um processo ou de procedimentos administrativos em curso, em detrimento de legítimos interesses particulares dos administrados. O que nem sempre se tem visto é que os bens legítimos dos administrados são tão pessoais quanto o é o bem comum; e o bem comum é o interesse público primário da Administração.

10. Tampouco razão assiste à autoridade impetrada no que tange com a ausência de prova da destinação do imóvel para justificar sua demora na expedição do perseguido documento, pois se apoia a impetrante na imunidade tributária enunciada na alínea do inciso VI do art. 150 da vigente Constituição federal:

“Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(…)

VI – instituir impostos sobre:

(…)

b) templos de qualquer culto;”, dispositivo atraído pela finalidade religiosa da autora.

A imunidade tributária prevista, na Constituição federal de 1988, em prol das instituições religiosas, importa em limitações ao poder instituidor de impostos contra essas entidades.

Amparado, desse modo, a pretensão da impetrante por expressa previsão constitucional, há presunção relativa de que o imóvel objeto será utilizado nas finalidades essenciais da organização religiosa, incumbindo à fazenda pública, no exercício de sua atribuição fiscalizadora (art. 194 do Cód.Trib.Nac.), o ônus de provar que não tem a impetrante direito à imunidade religiosa (inc. II do art. 333 do Cód.Pr.Civ.)

11. É que

“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que não cabe à entidade demonstrar que utiliza seus bens ou rendas de acordo com suas finalidades institucionais. Ao contrário, compete à Administração tributária demonstrar a eventual tredestinação do bem ou atividade gravados pela imunidade” (AgR no RE com Ag 1.010.350, j. 30-6.2017).

Ainda nessa trilha, ao julgarem-se, pelo Pleno do STF, os EDv no RE 210.251, invocou-se esta lição de ALIOMAR BALEEIRO:

“A imunidade, para alcançar os efeitos de preservação, proteção e estímulo, inspiradores do constituinte, pelo fato de serem os fins das instituições beneficiadas também atribuições, interesses e deveres do Estado, deve abranger os impostos que, por seus efeitos econômicos, segundo as circunstâncias, desfalcariam o patrimônio, diminuiriam a eficácia dos serviços ou a integral aplicação das rendas aos objetivos específicos daquelas entidades presumidamente desinteressadas, por sua própria natureza” (Limitações constitucionais ao poder de tributar. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 313).

Mantém-se, pois, a r. sentença de origem.

12. Em remate, para o prequestionamento que se tem entendido indispensável à interposição de recurso especial e de recurso extraordinário, cabe mencionar que todos os dispositivos legais indicados nestes autos já se encontram, de algum modo, sob a incidência dos fundamentos suficientes para o desate das questões decididas.

POSTO ISSO, pelo meu voto, nega-se provimento à remessa obrigatória, que se tem por interposto, e ao apelo fazendário, mantendo, tal como lançada, a r. sentença proferida nos autos de n. 1010083-35.2019 da 11ª Vara da Fazenda pública da Comarca de São Paulo.

É como voto.

Eventual inconformismo em relação ao decidido será objeto de julgamento virtual, cabendo às partes, no caso de objeção quanto a esta modalidade de julgamento, manifestar sua discordância no momento da interposição de recursos.

Des. RICARDO DIP relator – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1010083-35.2019.8.26.0053 – São Paulo – 11ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Ricardo Dip – DJ 13.03.2020

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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