Parecer CGJ SP: Registro de Imóveis – Registro de alienação fiduciária – Eventuais vícios do título que só podem prejudicar o registro, por via obliqua, mediante atuação da jurisdição – Via administrativa inapropriada – Art. 214, da Lei nº 6.015/73, inaplicável – Recurso desprovido.


  
 

Número do processo: 0006400-50.2013.8.26.0236

Ano do processo: 2013

Número do parecer: 207

Ano do parecer: 2016

Ementa

Registro de Imóveis – Registro de alienação fiduciária – Eventuais vícios do título que só podem prejudicar o registro, por via obliqua, mediante atuação da jurisdição – Via administrativa inapropriada – Art. 214, da Lei nº 6.015/73, inaplicável – Recurso desprovido.

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 0006400-50.2013.8.26.0236

(207/2016-E)

Registro de Imóveis – Registro de alienação fiduciária – Eventuais vícios do título que só podem prejudicar o registro, por via obliqua, mediante atuação da jurisdição – Via administrativa inapropriada – Art. 214, da Lei nº 6.015/73, inaplicável – Recurso desprovido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso administrativo interposto em face de sentença que indeferiu o pleito de cancelamento de registro de alienação fiduciária em garantia de imóvel, sob o argumento de que o recorrente alegou vício do título e não vício do registro. Por isso, a via do art. 214, da Lei n. 6.015/73, seria inapropriada.

O recorrente afirma que o imóvel foi dado em garantia sem que houvesse regular autorização da empresa – por meio de seus diretores, conforme o contrato social – e, sendo evidente o vício de representação, o Oficial não poderia ter levado o título a registro.

A D. Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

Por decisão interlocutória, bloqueou-se a matrícula.

É o relatório.

Passo a opinar.

O recurso não merece provimento.

O proprietário, Frigorífico Vangélio Mondelli Ltda., deu o imóvel objeto da matrícula n. 30.416 em garantia fiduciária ao Banco Indusval S.A., por conta de mútuo, no valor de R$ 10.000.000,00.

O recorrente era sócio da empresa e defende que o título não poderia ter sido registrado, porque, de acordo com o contrato social, para a constituição da garantia seria necessária a observância de sua cláusula nona, que reza que, além da representação da sociedade por dois sócios, a alienação ou oneração de bens do ativo dependia de prévia e expressa aprovação da reunião (ou assembleia) de quotistas.

Tendo em vista que o Oficial, no entender do recorrente, não exigiu documento que comprovasse tal requisito, houve erro de qualificação, vício capaz de gerar a nulidade de pleno direito, a autorizar o cancelamento do registro.

Malgrado essa construção, o entendimento exposto em precedentes dessa Corregedoria caminha no sentido da decisão recorrida.

Em sua manifestação de fls. 520/521, o Oficial ressalvou que o título veio acompanhado de Ata de Reunião dos Sócios (fls. 142/145), pela qual, na forma do contrato social (cláusula nona e parágrafo primeiro), inclusive com a participação do recorrente, houve aprovação, por unanimidade, de que dois dos diretores representassem a sociedade na busca de um empréstimo de até R$ 15.000.000,00.

Foi com base nessa deliberação, tomada conforme o contrato social, que os representantes da empresa firmaram negócio de mutuo com o Banco Indusval. E como um negócio dessa monta envolve, obviamente, garantias, o Oficial entendeu implícita a autorização para a alienação fiduciária do bem imóvel.

Certo ou errado o entendimento do Oficial, o fato é que não se trata de nulidade de pleno direito. Aliás, mesmo no plano do direito civil, parece que o eventual vício de representação da empresa toca ao plano da eficácia e não da validade. Afinal de contas, nada obstaria a que o ato fosse ratificado, estendendo-se a autorização à alienação, para garantia do mutuo, já ocorrido.

No âmbito do direito registrário, não foi ofendido nenhum princípio e o vício alegado, se ocorrente, diz respeito ao título, não ao seu registro. Se o recorrente entende que houve vício de representação, capaz de invalidar o negócio, é na via jurisdicional, com garantia de pleno contraditório, que isso deverá ser discutido. Aqui, o Oficial analisou os requisitos extrínsecos ao título e o registrou. Não cabe, por conta da inquinação de invalidade do negócio, prejudicar o registro por via obliqua.

Narciso Orlandi Neto faz bem a distinção:

É preciso distinguir nulidade direta do registro e nulidade do título, com reflexo no registro. O registro não pode ser cancelado por nulidade do título, salvo em processo contencioso de que participe o titular do direito inscrito. Em outras palavras, o art. 214 da Lei n. 6015/73 é exceção. E como se sabe se o registro é ou não nulo de pleno direito? Sabe-se que o registro é ou não nulo de pleno direito examinando-o separadamente do título que lhe deu causa, apenas à luz dos princípios que regem o registro, a saber se foram cumpridos os requisitos formais. A indagação da nulidade do registro deve ficar restrita aos “defeitos formais do assento, ligados à inobservância de formalidades essenciais da inscrição (Código Civil, arts. 130 e 145, III)” (Afrânio de Carvalho, Retificação do Registro, in RDI 13, p. 17). …A nulidade a que se refere o art. 214 da Lei de Registros Públicos é exclusiva do registro, absolutamente independente do título, tanto que, uma vez declarada, permite que o mesmo título seja novamente registrado. …A nulidade que pode ser declarada diretamente independentemente de ação, é de direito formal, extrínseca. Ela não pode alcançar o título, que subsiste íntegro e, em muitos casos, apto a, novamente, ingressar no registro. …Problemas relativos ao consentimento das partes, dizem respeito ao título, tanto quanto sua representação e a elaboração material do instrumento. Assim, se houve fraude, se a assinatura do transmitente foi falsificada, se o instrumento público não consta dos livros de nenhum notário, se a procuração que serviu na representação de uma das partes é falsa, se o consentimento do alienante foi obtido com violência, são todos problemas atinentes ao título. Podem afetar o registro, masobliquamente. Só podem determinar o cancelamento do registro, em cumprimento de sentença que declare a nulidade do título e, em consequência, do registro… (Retificação do Registro de Imóveis, Ed. Oliveira Mendes, pág. 183/192 – o grifo não está no original).

Correta, portanto, a sentença de extinção, com a observação de que a tutela de urgência, que possibilitou o bloqueio da matrícula, deve ser revogada.

Ante o exposto, o parecer que submeto a Vossa Excelência, respeitosamente, é no sentido de negar provimento ao recurso, cancelando-se o bloqueio da matrícula.

Sub censura.

São Paulo, 19 de setembro de 2016.

Swarai Cervone de Oliveira

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso, cancelando o bloqueio da matrícula n. 30.416, do Oficial do Registro de Imóveis de Ibitinga. Publique-se. São Paulo, 21 de setembro de 2016. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça. Advogados: RONALDO RAYES, OAB/SP 114.521, EDUARDO VITAL CHAVES, OAB/SP 257.874, RENATA CAVALCANTE DE OLIVEIRA, OAB/SP 114.521, SYLVIE BOËCHAT, OAB/SP 151.271, RENATA CALIXTO ANDRADE, OAB/SP 280.901, PAULO HENRIQUE DE SOUZA FREITAS, OAB/SP 102.546 e DIMAS SILOÉ TAFELLI, OAB/SP 266.340.

Diário da Justiça Eletrônico de 11.10.2016

Decisão reproduzida na página 159 do Classificador II – 2016

Fonte: INR Publicações – DJE/SP.

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