Registro de Imóveis – Pedido de Providências – Unidade do recorrente em conformidade com a incorporação do condomínio – Via administrativa imprópria – Sentença mantida – Recurso improvido.

Número do processo: 0000520-70.2016.8.26.0269

Ano do processo: 2016

Número do parecer: 312

Ano do parecer: 2017

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 0000520-70.2016.8.26.0269

(312/2017-E)

Registro de Imóveis – Pedido de Providências – Unidade do recorrente em conformidade com a incorporação do condomínio – Via administrativa imprópria – Sentença mantida – Recurso improvido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de pedido de providências que tem por objeto requerimento apresentado por Rodrigo Esteves Rolim. Nos termos da manifestação apresentada, o requerente informa ter adquirido unidade de condomínio cuja incorporação foi registrada no Oficial de Registro de Imóveis de Itapetininga. O requerente não concorda com o fato de que alguns dos condôminos proprietários de unidades térreas terão o uso exclusivo de parte da área comum como quintal.

O Oficial informou que não há problema no registro da incorporação, mas na oferta realizada ao requerente. Disse que as diferenças entre as unidades constaram da incorporação registrada e que ainda não houve a averbação da construção e tampouco da especificação ou da convenção de condomínio. (fls. 24/25)

Proferida sentença determinando o arquivamento, foi interposto recurso administrativo pelo requerente.

A Procuradoria da Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 207/209).

É o relatório.

Opino.

O recurso deve ser improvido, mantida a sentença que determinou o arquivamento do pedido de providências.

Inicialmente, é importante observar que houve somente o registro da incorporação do condomínio. Não houve, ainda, a averbação da construção projetada e tampouco da especificação ou da convenção de condomínio.

Constou da própria incorporação a diferença de metragem de algumas unidades térreas, com divisão não proporcional da área comum.

A unidade do recorrente está de acordo com a incorporação, não tendo o Oficial deixado de observar prescrições legais ou normativas.

A questão suscitada pelo requerente não está no âmbito de atuação administrativa desta Corregedoria Geral da Justiça. Cabe ao requerente o uso das vias próprias, pois a questão está adstrita à oferta realizada no mercado de consumo.

Ante o exposto, o parecer que submeto a Vossa Excelência propõe, respeitosamente, que se negue provimento ao recurso.

Sub censura.

São Paulo, 24 de agosto de 2017

Paula Lopes Gomes

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer da MMª Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso administrativo. Publique-se. São Paulo, 25 de agosto de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça  Advogado: RODRIGO ESTEVES ROLIM, OAB/SP 370.607 (em causa própria).

Diário da Justiça Eletrônico de 02.10.2017

Decisão reproduzida na página 268 do Classificador II – 2017

Fonte: INR Publicações.

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Recursos Especiais – Direito civil – Condomínio horizontal – Shopping center – Ação anulatória de escrituras de compra e venda e de convenções de condomínio – Uso exclusivo de partes de área comum

RECURSO ESPECIAL Nº 1.677.737 – RJ (2015/0315365-1)

RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO

RECORRENTE : CONDOMINIO L1 DOS EDIFÍCIOS DO BARRA WORLD SHOPPING

RECORRENTE : CONDOMIIO L2 DOS EDIFICIOS BARRA WORLD SHOPPING

ADVOGADO : JORGE ALBERTO ROMEIRO JR E OUTRO(S) – RJ112779C

RECORRENTE : AMERICAN MIX PLANEJAMENTO LTDA – EPP

ADVOGADO : ALEX DA COSTA CAMPOS FERNANDES E OUTRO(S) – RJ098803

RECORRIDO : PLENGE 3 ENGENHARIA S A

RECORRIDO : RL 2000 EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA

ADVOGADO : LUIZ CLAUDIO GONÇALVES FREIRE E OUTRO(S) – RJ165237

INTERES. : COMPANHIA LHI IMOBILIARIA

ADVOGADO : ANTONIO COELHO DOPORTO LEITÃO E OUTRO(S) – RJ026529

INTERES. : CSO IMOBILIARIA LTDA

EMENTA

RECURSOS ESPECIAIS. DIREITO CIVIL. CONDOMÍNIO HORIZONTAL. SHOPPING CENTER. AÇÃO ANULATÓRIA DE ESCRITURAS DE COMPRA E VENDA E DE CONVENÇÕES DE CONDOMÍNIO. USO EXCLUSIVO DE PARTES DE ÁREA COMUM.

1. Recursos especiais oriundos de ação anulatória de escrituras públicas de compra e venda e de convenções de condomínio, que atribuíram a determinado condômino o uso exclusivo de partes de áreas comuns de shopping center.

2. RECURSO ESPECIAL DOS CONDOMÍNIOS DEMANDADOS:

2.1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que a confirmação de decisão monocrática de relator pelo órgão colegiado sana eventual violação do art. 557 do CPC/1973.

2.2. A ausência de previsão de sustentação oral no julgamento do agravo regimental (interno) não viola do princípio da ampla defesa, ante a possibilidade de apresentação de memoriais pela parte interessada. Precedentes.

2.3. Ausência de prequestionamento dos demais dispositivos apontados como violados, mesmo com a oposição de embargos de declaração. Incidência do óbice da Súmula 211/STJ.

2.4. Alegação da existência de litisconsórcio passivo necessário que esbarra no óbice da Súmula 211/STJ, pois tal tese, bem como a disposição do art. 47 do CPC/73, não foram analisados pelo Tribunal de origem.

2.5. Acórdão recorrido em consonância com o entendimento do STJ no sentido de que compete ao síndico do condomínio promover a defesa dos interesses comuns dos condôminos.

3. RECURSO ESPECIAL DA AMERICAN MIX PLANEJAMENTO LTDA  EPP.

3.1. Diversas particularidades distinguem o condomínio horizontal em shopping center do seu modelo jurídico tradicional.

3.2. O adquirente da loja em shopping center, apesar de proprietário de uma unidade autônoma, poderá sofrer restrições, desde que contratualmente acertadas, ao seu direito de condômino.

3.3. A cláusula prevista em convenção de condomínio de shopping center, permitindo a alguns condôminos (lojistas) o uso, gozo e fruição de áreas comuns, não é, em regra, nula, pois aqueles exercem, apenas relativamente, os direitos assegurados em geral pelo art. 1.335 do Código Civil.

3.4. Reforma do acórdão recorrido para afastar o fundamento utilizado pelo Tribunal de origem para negar provimento às apelações das demandadas.

3.5. Em razão da existência de fundamentos autônomos indicados na petição inicial, também embasando os pedidos de anulação das escrituras de compra e venda e das convenções de condomínio e diante da impossibilidade de aplicação do direito à espécie, sob pena de supressão de instância, é de rigor o retorno dos autos ao juízo de 1º grau para, à luz da fundamentação, dar prosseguimento ao julgamento da demanda, como entender de direito.

4. RECURSO ESPECIAL DOS CONDOMINIOS L1 e L2 DOS EDIFICIOS BARRA WORLD SHOPPING PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO E RECURSO ESPECIAL DA AMERICAN MIX PLANEJAMENTO LTDA  EPP PARCIALMENTE PROVIDO, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso especial interposto pelos Condomínios L1 e L2 dos Edifícios Barra World Shopping, e nessa parte, negar-lhe provimento, e dar parcial provimento ao recurso interposto por American Mix Planejamento Ltda – EPP, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze (Presidente) e Moura Ribeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Dr(a). ALEX DA COSTA CAMPOS FERNANDES, pela parte RECORRENTE: AMERICAN MIX PLANEJAMENTO LTDA – EPP

Brasília, 19 de junho de 2018. (Data de Julgamento)

MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO

Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO:

Trazem os autos dois recursos especiais interpostos pelos CONDOMINIOS L1 e L2 DOS EDIFICIOS BARRA WORLD SHOPPING e pela AMERICAN MIX PLANEJAMENTO LTDA – EPP em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro assim ementado (e-STJ Fl. 1700):

I) Agravos Internos. Decisão monocrática que negou liminar provimento aos recursos interpostos pelos agravantes. Ação declaratória com pedido de antecipação de tutela. Shopping Center. Condomínio horizontal. Escritura de compra e venda e convenção condominial que outorga a alguns proprietários direitos perpétuos ao uso e gozo de áreas comuns do shopping. Sentença acolhendo os pedidos subsidiários para declarar nulas as cláusulas da convenção condominial e re-ratificações que criaram e asseguraram o direito de exploração perpétuo e exclusivo de quase totalidade das áreas comuns do shopping aos proprietários das lojas 103-A, 113-A e 120-B. Apelações. II) Alegação de violação ao art. 47, do CPC rejeitada. Ao síndico cabe promover a defesa dos interesses comuns dos condôminos, representando os condomínios ativa e passivamente nas ações judiciais que versem sobre esses interesses (art. 1348, II, do CC e art. 12, do CPC). III) A transação celebrada em outra ação entre o embargante e o réu Condomínios L1 e L2 dos Edifícios Barra World Shopping, em nada abala a pretensão dos autores, posto que se trata de feito distinto e de partes diferentes. IV) As partes de uso comum do condomínio não podem ser alienadas ou dividas, posto que pertencem a toda a coletividade. V) A cláusula que permite a alguns condôminos o uso, gozo e fruição em caráter perpétuo de parte comum da coletividade, em detrimento dos outros, deve ser declarada nula. Inegável que no caso dos autos há condôminos, proprietários de partes autônomas distintas, que são titulares proporcionalmente da fração ideal de terreno e das áreas comuns. VI) A convenção condominial se submete à lei, a qual não pode contrariar, por qualquer pretexto, sob pena de nulidade absoluta da cláusula discordante. VII) Manutenção da decisão agravada. Recursos desprovidos.

Opostos dois embargos de declaração, ambos foram rejeitados (e-STJ Fls. 1716-1724).

Os CONDOMINIOS L1 e L2 DOS EDIFICIOS BARRA WORLD SHOPPING apontam ofensa aos seguintes dispositivos: (a) arts. 530, 549, 551, §§ 1º e 2º, 554, 555, 557, caput, do CPC, alegando que (i) o julgamento monocrático da apelação é nulo, pois violou o devido processo legal, (ii) o recurso não era manifestamente inadmissível ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante, (iii) à apelante foi negada a possibilidade de fazer sustentação oral e de opor eventuais embargos infringentes; e (b) art. 47 do CPC, defendendo a existência de litisconsórcio passivo necessário, pois (i) os síndicos dos condomínios recorrentes, outrora réus, não podem representar dois grupos distintos de condôminos, ou seja, os 61 lojistas que têm permissão de uso de áreas comuns em caráter perpétuo e os demais que não o possuem, (ii) “os condomínios recorrentes também não podem representar no polo passivo dessa lide, como sucede, os interesses individuais dos 61 condôminos não citados e cujo direito de ocupação de áreas comuns foiatingido pelo julgado singular, que até o suspendeu“.

A AMERICAN MIX PLANEJAMENTO LTDA – EPP aponta, além de dissídio jurisprudencial, ofensa aos arts. 1.340 do CC e 3º e 9º, § 3º, c, da Lei 4.591/64, sustentando que (i) a cláusula de convenção de condomínio que autoriza o uso exclusivo de área comum em favor de determinado condômino, sem alienação ou fracionamento, não é nula, (ii) “o § 2°, do art. 1331 do Código Civil não veda que a convenção do condomínio ou decisão assemblear (respeitado quorum exigido por lei) possa atribuir direito de uso exclusivo de área comum a um ou mais condôminos“, (iii) “também não se pode dizer que a previsão de uso exclusivo de área comum para um ou mais condôminos violaria o art. 3o da Lei 4.591/64, uma vez que a interpretação de tal dispositivo deve ser temperada com o que dispõe o art. 9o, § 3o, alínea “c” da mesma lei, que dispõe que a convenção do condomínio deve determinar “o modo de usar as coisas e serviços comuns“.

Contrarrazões da RL 2000 EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA e PLENGE 3 ENGENHARIA S/A às e-STJ Fls. 1788-1819.

Sem contrarrazões das demais partes (e-STJ Fl. 1820).

Às e-STJ Fls. 1893-1894, determinei a conversão dos agravos em recursos especiais para melhor exame da matéria.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):

Eminentes colegas, inicialmente, para melhor compreensão da questão, importante detalhar os fatos que deram origem aos presentes recursos.

Trata-se de demanda proposta por PLENGE 3 ENGENHARIA S/A e RL 2000 EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA contra (1) SÃO FERNANDO PATRIMONIAL S/A, (2) BARRA WORLD SHOPPING CONSULTORIA IMOBILIÁRIA LTDA, (3) AMERICAN MIX PLANEJAMENTO LTDA e (4) CONDOMINIOS L1 e L2 DOS EDIFICIOS BARRA WORLD SHOPPING visando à anulação de “três escrituras de promessa de compra e venda e das três escrituras de re-ratificação e aditamento” e de “duas convenções de condomínio” que atribuíram o direito perpétuo de uso, gozo e fruição de partes comuns do Barra World Shopping em favor das unidades 103-A, 113-A e 120-B, de propriedade da terceira ré ou, subsidiariamente, apenas a anulação das respectivas cláusulas.

Segundo a autora, “a incorporação imobiliária do Barra World Shopping foi promovida na forma prevista na alínea “b”, do parágrafo V, do art. 31, da Lei 4.591/64, tendo a segunda demandada atuado como mandatária das demandantes e da primeira demandada, que, por sua vez, detinham a integridade dos direitos aquisitivos dos terrenos, em que o shopping foi construído  cada uma possuía 1/3 (um terço) dos mencionados direitos” (e-STJ Fl. 10).

Apenas os pedidos subsidiários foram acolhidos pela sentença de e-STJ Fls. 1417-1425.

A primeira, a terceira e o quarto réus apelaram e, em decisão monocrática, a relatora, Des. Maria Helena Machado Martins, negou provimento aos recursos, nos termos do art. 557 do CPC.

Inconformadas, a terceira e o quarto réus interpuseram agravo regimental, desprovidos pelo acórdão de e-STJ Fls. 1699-1703.

Em seguida, foram interpostos recursos especiais pelas agravantes, os quais analisarei separadamente, iniciando pelo recurso dos condôminos.

1) Recurso especial interposto pelos CONDOMINIOS L1 e L2 DOS EDIFICIOS BARRA WORLD SHOPPING.

A irresignação recursal não merece prosperar.

Quanto ao art. 557, caput, do CPC, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, julgando recurso sob o rito do art. 543-C do CPC, firmou entendimento de que “a manutenção do julgado monocrático pelo órgão colegiado, em sede de agravo interno, com a encampação dos fundamentos exarados pelo relator, torna prejudicada a controvérsia acerca da regular aplicação do caput, do artigo 557, do Código de Processo Civil” (REsp 1117139/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/11/2009, DJe 18/02/2010).

Esse entendimento é ratificado pelas Turmas que compõem a 2ª Seção do STJ, segundo se aponta ilustrativamente:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. 1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ALEGAÇÃO GENÉRICA. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284 DO STF. 2. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. ART. 557 DO CPC/1973. POSSIBILIDADE. JULGAMENTO PELO ÓRGÃO COLEGIADO QUE SUPRE EVENTUAL VÍCIO. 3. AGRAVO IMPROVIDO. (…)

2. Constata-se que a jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que o julgamento pelo órgão colegiado via agravo regimental/interno convalida eventual ofensa ao art. 557, caput, do CPC/1973 ou ao art. 932 do CPC/2015. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1146593/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 15/12/2017)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO MONOCRÁTICO PELO RELATOR. CONFIRMAÇÃO PELO COLEGIADO. ILEGITIMIDADE ATIVA. SÚMULAS N. 5 E 7 DO STJ. EXECUÇÃO INDIVIDUAL DE SENTENÇA COLETIVA. PRAZO PRESCRICIONAL. CINCO ANOS. DECISÃO MANTIDA. 1. O entendimento do STJ é de que a confirmação de decisão monocrática de relator pelo órgão colegiado sana eventual violação do art. 557 do CPC/1973. Precedentes. (…) 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 112.794/PR, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 27/02/2018, DJe 13/03/2018)

Ademais, a circunstância do julgamento do agravo interno não ensejar sustentação oral, por si só, não implica cerceamento de defesa, ante a possibilidade de apresentação de memoriais pelas partes interessadas. Nesse sentido: AgRg no REsp 1329781/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/11/2012, DJe 03/12/2012; AgRg no REsp 1583108/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 22/03/2018, DJe 03/04/2018; e AgRg no AREsp 799.068/ES, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 21/09/2017, DJe 29/09/2017.

Quanto ao mais, o recurso especial não comporta conhecimento.

Com relação à alegada violação aos arts. 530, 549, 551, §§ 1º e 2º, 554, 555, do CPC, o recurso especial não pode ser conhecido, pois, sobre as matérias de que tratam essas normas, não houve emissão de juízo pelo acórdão recorrido, mesmo com a oposição dos embargos de declaração, fazendo incidir o enunciado da Súmula 211/STJ.

O mesmo óbice é aplicável à apontada violação ao art. 47 do CPC.

Nas razões do recurso especial afirmam os recorrentes que os síndicos não podem “promover a defesa dos interesses comuns” de todos os condôminos, pois os dois condomínios “reúnem 712 estabelecimentos de natureza comercial, concentrando lojas e salas, mas somente 61 lojas têm permissão de uso de áreas comuns em caráter perpétuo“, razão pela qual, configurada a hipótese de litisconsórcio passivo necessário, é imprescindível a citação daqueles sessenta e um proprietários que também serão afetados pela decisão judicial.

Com efeito, mesmo com a oposição de embargos de declaração, não houve o necessário prequestionamento dessa tese.

Ora, “para que se configure o prequestionamento da matéria, há que se extrair do acórdão recorrido pronunciamento sobre as teses jurídicas em torno dos dispositivos legais tidos por vulnerados, a fim de que se possa, na instância especial, abrir discussão sobre determinada questão de direito, definindo-se, por conseguinte, a correta interpretação da legislação federal” (AgInt no AREsp 1035542/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/06/2017, DJe 23/06/2017), o que inocorre na hipótese dos autos.

Ademais, não foi apontada violação do art. 535 do CPC a fim de que esta Corte pudesse averiguar a existência de possível omissão no julgado quanto ao tema.

Importante relembrar que a ação foi proposta objetivando, subsidiariamente, a declaração de nulidade “das cláusulas das três escrituras de re-ratificação e aditamento” e “das cláusulas das duas convenções de condomínio” por atribuírem direito perpétuo de uso, gozo e fruição de partes comuns do Barra World Shopping em favor tão-somente das unidades 103-A, 113-A e 120-B, cujas propriedades são da AMERICAN MIX PLANEJAMENTO LTDA, terceira ré da presente ação.

Assim delimitado o pedido – anulação de cláusulas contratuais e de convenções de condomínio referentes a especificado lojista – devidamente citado -, o acórdão recorrido decidiu amparado em precedentes do STJ, afirmando o seguinte (e-STJ Fl. 1699):

No mais, como dito na decisão agravada, não há que se falar em litisconsórcio passivo necessário, como insiste a segunda agravante, American Mix, posto que ao síndico cabe promover a defesa dos interesses comuns dos condôminos, representando os condomínios ativa e passivamente nas ações judiciais que versem sobre esses interesses, naforma do art. 22, § 1o, “a”, da Lei 4591/64 e do art. 1348, II, do CC.

Anote-se Theotonio Negrão, CPC comentado, Saraiva, 44a edição, 2012, nota 24b, ao art. 12 do CPC, pág. 126:

“Em demanda na qual condômino questione deliberação de assembleia geral condominial, será parte legítima passiva o condomínio, representado pelo síndico. Os condôminos não são litisconsortes necessários, não havendo obrigatoriedade de sua citação para a validade do processo” (RT 630/111)”.

A propósito:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. CONDOMÍNIO. LEGITIMIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.

1. Segundo a jurisprudência desta Corte, o condomínio, representado pelo síndico, possui legitimidade para promover em juízo a defesa dos interesses comuns. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 674.394/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/05/2015, DJe 28/05/2015)

DIREITO CIVIL, CONSUMERISTA E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. AÇÃO COMINATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. DEFEITOS NA CONSTRUÇÃO DO IMÓVEL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. PEDIDO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS SOFRIDOS PELOS CONDÔMINOS. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO CONDOMÍNIO PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO LEGAL. NATUREZA PERSONALÍSSIMA DO DANO EXTRAPATRIMONIAL.

(…)

3. A legitimidade para atuar como parte no processo, por possuir, em regra, vinculação com o direito material, é conferida, na maioria das vezes, somente aos titulares da relação de direito material. O CPC contém, entretanto, raras exceções nas quais a legitimidade decorre de situação exclusivamente processual (legitimidade extraordinária). Para esses casos, o art. 6º do CPC exige autorização expressa em lei.

4. Conforme regra prevista nos arts. 1.348, II, do CC e 22, §1º, “a”, da Lei 4.591/64, o condomínio, representado pelo síndico (art. 12, IX, do CPC), possui legitimidade para promover, em juízo ou fora dele, a defesa dos interesses comuns. (…) 7. Recursos especiais parcialmente conhecidos e nessa parte providos. Sucumbência mantida. (REsp1177862/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/05/2011, DJe 01/08/2011)

Como se não bastasse, as peculiaridades surgidas no decorrer da demanda merecem registro.

Na contestação protocolada no dia 9/3/2009, ao contrário do que ora sustentam, os recorrentes limitaram-se a (a) argüir, preliminarmente, (i) a ilegitimidade ativa, bem como a ilegitimidade passiva dos condomínios, ao argumento de que, “nos termos do artigo 22 da lei 4.591/64, compete ao síndico, no caso em tela, ao Sr. José Augusto Gomes, representar ativa e passivamente os condomínios, em juízo ou fora dele, e praticar os atos de defesa dos interesses comuns” (e-STJ Fl. 395) ou (ii) “a ampliação do litisconsórcio ativo para que nele também figurassem os condomínios indevidamente incluídos no polo passivo” e (b) no mérito, a requerer a improcedência dos pedidos.

Ou seja, no primeiro momento que tiveram para se manifestar nos autos, os recorrentes não defenderam a existência de litisconsórcio passivo necessário e a necessidade de citação dos proprietários das “61 lojas” que seriam supostamente atingidos pela decisão judicial.

Já no dia 6/5/2009, em petição denominada “retratação da contestação”, os recorrentes passaram a pugnar “pela procedência total dos pedidos exordiais, em especial quanto à anulação das cláusulas, constante da peça de entrada, e, principalmente quanto à concessão da tutela antecipada postulada“, frisando que “a vontade dos Condomínios é de anulação, ainda em sede de antecipação de tutela, das cláusulas lançadas nas convenções, todas elas ilícitas, vez que após a venda das unidades autônomas o Incorporador separou para si as partes comuns dos condomínios, sendo certo que o acessório deve acompanhar o principal” (e-STJ Fl. 437).

Na apelação, os recorrentes sustentaram (a) a ilegitimidade ativa, (b) a existência de litisconsórcio passivo necessário, ao argumento de que o pedido de “anulação da cláusula 15 de ambas as convenções dos condomínios apelantes irá afetar inúmeros lojistas” que também possuem o direito de uso e gozo das áreas comuns (e-STJ Fl. 1470) -, e (c) a validade das convenções de condomínio, porque “observaram todos os ditames na sua elaboração, estando devidamente registradas no RGI competente” (e-STJ Fl. 1461).

Como se vê, inicialmente, defendeu-se que competia ao síndico a representação dos condomínios na presente ação, sequer mencionando a existência de litisconsórcio passivo necessário. Em seguida, na “retratação da contestação”, pugnou-se xpressamente pela procedência dos pedidos, frisando que “a vontade dos Condomínios é de anulação, ainda em sede de antecipação de tutela, das cláusulas lançadas nas convenções, todas elas ilícitas”. Posteriormente, passou-se a defender a improcedência dos pedidos, a impossibilidade atuação do síndico e a existência de litisconsórcio passivo necessário.

Diante do exposto, além da ausência de prequestionamento, é possível concluir que a conduta processual dos recorrentes não primou pela coerência.

O Código de Processo Civil de 1973 já consagrava como dever das partes e de todos que de qualquer forma participam do processo proceder com lealdade e boa-fé (art. 14, II).

São variadas as hipóteses de concretização do princípio da boa-fé no processo. Sobre o tema, esclarece Fredie Didier Jr. (Curso de Direito Processual Civil. V. 1. 20ª ed. Salvador: JusPodivm. 2018, p. 120):

A proibição de venire contra factum propriumTrata-se de proibição de exercício de uma situação jurídica em desconformidade com um comportamento anterior que gerou no outro uma expectativa legitima de manutenção da coerência.

A doutrina costuma enumerar os seguintes pressupostos para a configuração do venire contra factum proprium como comportamento ilícito: a) existência de duas condutas de uma mesma pessoa, sendo que a segunda contraria a primeira; b) haja identidade de partes, ainda que por vínculo de sucessão ou representação; c) a situação contraditória se produza em uma mesma situação jurídica ou entre situações jurídicas estreitamente coligadas; d) a primeira conduta (factum proprium) tenha um significado social minimamente unívoco, a ser verificado segundo as circunstâncias do caso; e) que o factum proprium seja suscetível de criar fundada confiança na parte que alega o prejuízo, confiança essa que será averiguada segundo as circunstâncias, os usos aceitos pelo comércio jurídico, a boa-fé ou o fim econômico-social do negócio.

Como exemplo de aplicação da proibição de venire contra factum no processo civil: recorrer contra uma decisão que se aceitara (art. 1000 do CPC) ou pedir a invalidação de ato a cujo defeito deu causa (art. 276 do CPC brasileiro), ou impugnar a legitimidade já aceita em processo anterior.

Nesses casos, temos concretizações típicas da proibição de comportamento contraditório. O princípio da boa-fé, no entanto, proíbe ativamente o comportamento contraditório, que, assim passa a ser um ilícito processual atípico.

À luz de todo o exposto, a irresignação dos primeiros recorrentes não merece ser acolhida.

2) Recurso especial interposto pela AMERICAN MIX PLANEJAMENTO LTDA  EPP.

A segunda irresignação recursal merece parcial provimento.

Relativamente às preliminares suscitadas nas contrarrazões, o recurso especial cumpriu os requisitos legais e constitucionais exigidos para a sua admissão.

Cinge-se à controvérsia em definir se a convenção de condomínio pode atribuir direito de uso exclusivo de áreas comuns a um ou mais condôminos.

Segundo a parte autora, “a incorporação imobiliária do Barra World Shopping foi promovida na forma prevista na alínea “b”, do parágrafo V, do art. 31, da Lei 4.591/64″, tendo havido, posteriormente, por meio de escrituras de compra e venda de determinadas lojas e de cláusulas de convenções de condomínio, a “apropriação ilícita” do “direito de explorar, com exclusividade e em caráter perpétuo, a quase totalidade das áreas comuns dos dois condomínios componentes do Barra World Shopping, inclusive dos estacionamentos, dos quiosques das praças de alimentação, dos espaços publicitários e da área externa.” (e-STJ Fl. 3)

Segundo Hamilton Quirino Câmara, há três modalidades distintas de shopping center:

shopping center típico, em que todos os espaços são locados. Não possui condomínio.

shopping center vendido, em que os espaços são vendidos e locados ao mesmo tempo, mas que têm, em suas convenções de condomínio (portanto são condomínios comerciais), características típicas dos shoppings, como mix, publicidade conjunta, e normas de funcionamento como horários preestabelecidos.

centro comercial, mero aglomerado de lojas, sem um sistema organizado de funcionamento. (Condomínio Edilício. Manual Prático com Perguntas e Respostas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2004, p. 44).

No caso dos autos, trata-se de modalidade de “shopping center vendido“.

O Barra World Shopping é composto por partes autônomas e partes de uso comum, cabendo aos proprietários das partes autônomas frações ideais do terreno onde está edificado o empreendimento, bem como, de modo geral, das partes de uso comum deste.

O acórdão recorrido negou provimento às apelações dos recorrentes por entender que (e-STJ Fl. 1702):

No mais, como já dito, as partes de uso comum do condomínio não podem ser alienadas ou divididas, posto que pertencem a toda a coletividade e a cláusula que permite a apenas alguns condôminos o uso, gozo e fruição em caráter perpétuo de parte comum da coletividade, em detrimento dos outros, deve ser declarada nula, como foi feito.

Da prova produzida nos autos, verifica-se que a convenção do condomínio outorgou a alguns condôminos, proprietários das lojas 103-A, 113-A e 120-B direitos perpétuos ao uso e gozo de áreas comuns do shopping, fato este não negado pelos réus (fls. 499), tornando-se incontroverso.

Ocorre que, conforme item 04 de fls. 41 (convenção) o shopping Barra World tem feição jurídica particular, enquadrando-se no modelo shopping vendido, divergindo da formatação jurídica existente na maioria dos outros shoppings centers, pois, nos demais, o empreendedor firma contratos de locação com os futuros lojistas, sujeitando-os a normas inseridas no pacto locatício, de caráter sui generis, e nos demais instrumentos que normatiza a estrutura e o funcionamento do empreendimento.

No caso dos autos, há condôminos e não locatários e locadores, não havendo como negar a presença do condomínio horizontal, visto que são vários os proprietários de partes autônomas distintas, que também são titulares proporcionalmente da fração ideal de terreno e das áreas comuns.

Assim, a cláusula inserida na convenção de condomínio que permite a utilização exclusiva de alguns condôminos sobre áreas comuns, em detrimento de outros, deve ser considerada nula, pois viola dispositivo expresso de lei, a qual não pode contrariar, por qualquer pretexto, sob pena de nulidade absoluta.

O fundamento utilizado pela sentença, bem como pelo acórdão recorrido, no sentido de que cláusula de convenção de condomínio que autoriza a utilização exclusiva de áreas comuns viola dispositivo expresso de lei, não merece subsistir.

Com efeito, de modo geral, em se tratando de condomínio voluntário, formado a partir da vontade individual de cada condômino, os direitos e deveres de cada participante encontram-se, em princípio, regulados pelos arts. 1.314 e seguintes do Código Civil.

Cada condômino adquire uma fração ou percentual do todo, assumindo direitos e vantagens proporcionalmente à quota-parte por ele adquirida.

Contudo, as especificidades relacionadas à natureza jurídica dos shopping centers – e que serão a seguir detalhadas -, o fazem distinguir do condomínio edilício comum.

Nas palavras de Pedro Elias Avvad, esse tipo de empreendimento constitui um modelo especial de condomínio ou “condomínio anômalo“.

Dissertando acerca do tema, afirma o autor:

Uma última modalidade de estruturação da propriedade do shopping está na formação de um condomínio por unidades autônomas, o que, temos que admitir, ocorre não em desusada freqüência, mas repetidas vezes como forma de solucionar dificuldades mais prementes.

Com efeito, não há que falar em constituição de um condomínio de lojas para formação de um shopping, uma vez que a alienação isolada de unidades, além de aberrante, desfigura o empreendimento de suas principais características que são a administração única e centralizada e a destinação, da maior parte das lojas, à locação para diversificados ramos de comércio dentro de critério tecnicamente planejado, tudo com a finalidade de atrair o maior número de consumidores.

Podem os empreendedores, e usualmente o fazem, recorrer a essa forma de propriedade, o condomínio especial ou edilício, para legalizar a alienação de alguns estabelecimentos para instalação de atividades denominadas “âncoras” que são aquelas que exercem um forte poder atrativo de clientela e, em geral, necessitam de grandes espaços dentro do shopping. Tais atividades têm variado com o correr dos tempos, e as grandes lojas de departamentos já exerceram, durante longos anos, essa função de “ancoragem” por atraírem grandes massas de público, perdendo lugar, hoje em dia, para os supermercados, de um lado, e para as atividades de lazer, do outro, como cinemas, teatros, casas de show e boliches.

Esses estabelecimentos “âncoras” são, em geral, ramificações de grandes grupos empresariais bem conceituados que dispõem de sólida posição comercial, ampla rede de filiais, tudo isso amparado por uma perfeita estrutura administrativa, que lhes assegura efetiva participação do mercado e inegável força de atração de público. Entre as muitas condições que os grandes “âncoras” costumam impor está a de adquirirem, por compra, a área que irão ocupar de forma a não se sujeitarem ao aluguel proporcional sobre o faturamento, como é da característica principal da locação em shopping.

É nesse momento, o do lançamento, quando se vai comercializar o novo empreendimento, a ocasião em que os empreendedores devem se assegurar de nomes e marcas importantes para “ancorar” o shopping, garantindo a atração do público, que por sua vez vai atrair outros lojistas para ali se instalarem. É, finalmente, o meio de obter alguma receita que vai colaborar na reunião dos investimentos necessários, que se realiza a venda de algumas lojas ou espaços comerciais e se dá origem ao condomínio especial ou edilício no shopping center.

Outros fatores considerados para a alienação de parte do espaço que, originalmente, é destinado a produzir renda são: a diluição, ainda que parcial, dos riscos do empreendimento; a formação do mix a partir das lojas “âncoras” com a definição das demais áreas; a garantia de resultado positivo no lançamento do shopping, que é o momento da oferta pública das lojas destinadas à locação que depende, em grande parte, das “âncoras” existentes. São esses, em pequena amostragem, alguns dos motivos que levam a grande maioria dos empreendedores a não hesitar em abrir mão de uma parte da propriedade e, consequentemente, da respectiva renda, alienando espaço para determinadas atividades específicas dentro do planejamento técnico comercial desenvolvido, tendo que, para isso, formar com as lojas “âncoras” um condomínio especial, que é a forma possível de se legalizarem, em uma única edificação, propriedades exclusivas de diferentes condôminos.

Essas unidades alienadas, com todo o restante do shopping que é destinado à locação, constituem um tipo singular de condomínio em que, de um lado se situam os empreendedores empresários da atividade designada shopping center e, de outro lado, os adquirentes de lojas em shopping, destinadas a determinado comércio específico, que ostentam a posição de coproprietários de unidade, mas sem objetivar renda de locação, porquanto exploram suas atividades em igualdade de condições com os demais lojistas, submetendo-se no que couber, ao regramento jurídico imposto pelo shopping.

Desse modo, fica, de imediato, constituído um condomínio especial, nos moldes do “condomínio edilício” no qual o adquirente da loja em shopping center, apesar de proprietário de uma unidade autônoma, devidamente caracterizada, à qual se vincula uma fração ideal no terreno e nas coisas comuns, sofre algumas restrições,contratualmente acertadas, ao seu direito de condômino. As limitações atingem, especialmente, a autonomia, já que terá que se utilizar do imóvel, exatamente para a finalidade específica para a qual foi alienado e adquirido, observando, quanto à utilização, as mesmas regras impostas a todos os demais lojistas.

Portanto, o adquirente de uma unidade em shopping ostenta, em relação à coisa, a posição jurídica de condômino e, no tocante à atividade negocial ou econômica, a condição jurídica de lojista. No que concerne às obrigações financeiras, evidentemente que o condômino não paga aluguel, mas arca com as despesas condominiais como qualquer outro ocupante, como veremos no parágrafo em que trataremos do assunto. Deverá, ainda, a adquirente de loja, se nada tiver negociado em contrário com os empreendedores, suportar as despesas condominiais inerentes à propriedade, não se beneficiando da isenção concedida aos lojistas nos §§ 1.° e 2.° do art. 54 da lei de locações. (…)

Conforme acabamos de verificar pelas condições peculiares ostentadas por esse condomínio especial que se forma quando são vendidas algumas lojas, são muitas as particularidades que distinguem o condomínio, em shopping, do seu modelo jurídico tal qual foi concebido e se acha disseminado. Já vimos que é nesse contrato acessório da compra e venda, pelo qual se institui esse condomínio, que são estabelecidas as diversas condições especiais que submetem o adquirente às regras traçadas pelos empreendedores e que dizem respeito à preservação das características do shopping, como administração única e centralizada, estruturação comercial planejada e diversificados ramos de comércio. É desse modo que se acaba por acarretar restrições à autonomia quanto ao uso da propriedade.

Não é só. O contrato no qual se pactua a compra e venda pode conter inúmeras outras normas especialíssimas, subordinando o adquirente a variadas condições de compra que distanciam a sua qualidade de proprietário da posição jurídica usualmente ostentada por qualquer condômino. Pode, eventualmente, limitar-se apropriedade adquirida ao espaço interno de uma loja, ou parte da edificação, sem contribuição ou participação nas coisas de uso comum.

Em conseqüência, o contrato pode prever, entre outras condições a que não atribui, ao adquirente, qualquer benefício ou vantagem em razão do uso ou exploração de áreas de uso comum, como malls, “estacionamentos” e, em conseqüência, retiram qualquer capacidade ou possibilidade jurídica de influir na administração do shopping. Formalmente estabelece-se um modo de coparticipação na propriedade, semelhante ao condomínio, mas, na essência, se trata de formas distintas de divisão, cujo traço de união não são as coisas de uso comum, posto que estas têm existência meramente formal, mas, sim, o objetivo comercial determinado pelo contrato celebrado entre as partes, pelas normas reguladoras padronizadas e pela administração única e centralizada.

Essa forma de participação na propriedade do shopping, embora permitindo a existência de propriedades independentes de espaços em um mesmo estabelecimento, não apresenta as características essenciais que o identifiquem com um dos modelos conhecidos de copropriedade. Apesar de formalmente se apresentar como o condomínio chamado edilício, na realidade trata-se de propriedade condominial híbrida, na qual se mesclam o condomínio voluntário, no terreno; o condomínio necessário, na meação de paredes; e um condomínio edilício, apenas no aspecto formal institucional, por isso que o denominamos de “condomínio anômalo” porquanto este coproprietário exerce, apenas relativamente, os direitos assegurados aos condôminos em geral pelo art. 1.335 do Código.

Com efeito, no shopping, o adquirente de uma unidade não tem liberdade ampla para usar e livremente dispor de sua unidade, tampouco das partes comuns, como também é bastante relativo seu voto na assembleia, uma vez que as deliberações são tomadas, em geral, pelas empreendedoras que detêm a maioria absoluta dos votos.

Entretanto, a notória característica da ausência da identidade com o condomínio edilício é o completo distanciamento que este “condômino” tem na administração do condomínio, em que não exerce influência alguma.

Como já vimos, na própria definição de shopping encontra-se a sua principal característica que é a “administração única e centralizada”, o que contradiz, frontalmente, o que a respeito de “administração de condomínio” dispõe a lei comentada.

Não se trata, também, de um condomínio atípico como são os condomínios de casas, de edifícios ou de sítios de veraneio, nos quais falta, apenas, uma ou outra característica do condomínio edilício  nesses exemplos, o de não estarem constituídos em uma única edificação mas onde se acham presentes as condições essenciais que são as partes de propriedade exclusiva e as partes de propriedade comum. Nesse modelo de copropriedade em shopping center, a que estamos nos referindo, a propriedade comum só existe formalmente, porquanto as áreas de uso comum ou coletivo são, em geral, de propriedade dos empreendedores.

Assim distinguimos, nessa espécie de condomínio, um modelo híbrido em que estão presentes algumas das características das várias espécies que o compõem, mas ao qual falta uma das condições essenciais que tipificam o condomínio especial. Por isso o denominamos de “condomínio anômalo”, porquanto a sua existência se dá em virtude de convergência de interesses na participação comercial na atividade do shopping, achando-se, nesse substantivo, a comunhão de objetivos.

Eis, em síntese, as razões pelas quais, assim entendemos, não se lhe aplicam, ao chamado “condomínio em shopping center as regras que regulam o condomínio edilício, mas tão somente as normas contratuais especiais ou padronizadas que presidiram sua formação, sem as limitações jurídicas que protegem os locatários em shopping centers. Sobre o alcance dessas limitações teremos oportunidade de reexaminar a questão, o que faremos um pouco mais adiante, quando tratarmos das despesas condominiais.

(Condomínio Edilício. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2017, p. 271).

As considerações acima expostas são pertinentes, devendo ser adotadas para melhor deslinde da controvérsia dos autos.

Como visto, as circunstâncias peculiares ostentadas por esse tipo de centro comercial, tanto com relação à forma de constituição, quanto aos objetivos econômicos traçados pelos empreendedores, fazem distinguir o condomínio, em shopping center, do seu modelo jurídico comumente utilizado.

Nada impede que, quando da constituição do empreendimento, em decisão assemblear ou por meio de cláusulas de convenção de condomínio e demais normais gerais complementares, seja limitada a propriedade adquirida pelos lojistas ao espaço interno, ou parte da edificação, sem contribuição ou participação nas coisas de uso comum, desde que respeitado o respectivo quorum de votação, em razão do princípio da autonomia da vontade.

Assim, a cláusula prevista em convenção de condomínio do referido shopping center, que permite a alguns condôminos (lojistas) o uso, gozo e fruição de áreas comuns, não é, em regra, absolutamente nula, pois aqueles exercem, apenas relativamente, os direitos assegurados em geral pelo art. 1.335 do Código Civil.

Em acréscimo, apenas registro que, mesmo em se tratando de hipótese de condomínio edilício comum, a 4ª Turma do STJ já sinalizou no sentido da possibilidade de a assembleia geral de condôminos, a depender das peculiaridades do caso concreto, autorizar o uso exclusivo de parte de área comum.

A propósito:

CIVIL. CONDOMÍNIO. É POSSÍVEL A UTILIZAÇÃO, PELOS CONDÔMINOS, EM CARÁTER EXCLUSIVO, DE PARTE DE ÁREA COMUM, QUANDO AUTORIZADOS POR ASSEMBLÉIA GERAL, NOS TERMOS DO ART. 9º, § 2º, DA LEI Nº 4.591/64. A DECISÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM, BASEADA NO CONJUNTO PROBATÓRIO, NÃO PODE SER REEXAMINADA, EM FACE DA SÚMULA 7/STJ.

1. O Tribunal “a quo” decidiu a questão com base nas provas dos autos, por isso a análise do recurso foge à mera interpretação da Lei de Condomínios, eis que a circunstância fática influi na solução do litígio. Incidência da Súmula 07/STJ.

2. O alcance da regra do art. 3º, da Lei nº 4.591/64, que em sua parte final dispõe que as áreas de uso comum são insuscetíveis de utilização exclusiva por qualquer condômino”, esbarra na determinação da própria lei de que a convenção de condomínio deve estabelecer o “modo de usar as coisas e serviços comuns”, art. 3º, § 3º, “c”, da mencionada Lei. Obedecido o quorum prescrito no art. 9º, § 2º da Lei de Condomínio, não há falar em nulidade da convenção.

3. Consoante precedentes desta Casa: ” o princípio da boa-fé objetiva tempera a regra do art. 3º da Lei nº 4.591/64″ e recomenda a manutenção das situações consolidadas há vários anos.(Resp’ nº.s 214680/SP e 356.821/RJ, dentre outros).

Recurso especial não conhecido

(REsp 281.290/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/10/2008, DJe 13/10/2008)

No voto-condutor do aresto, o relator, Min. Luis Felipe Salomão, esclareceu o seguinte:

Não fosse isso, há que se ressaltar que, ainda mesmo antes do novo Código Civil (2002), que estabeleceu como correspondente ao art. 3º da citada lei, o art 1.331, suprimindo a parte final daquele dispositivo, esta Casa entendia possível a utilização, em caráter exclusivo, de partes comuns do condomínio, desde que aprovada em assembléia. Nesse sentido, o Resp n.º 214.680/SP, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 16/11/1999, do qual extraio a seguinte ementa:

“CONDOMÍNIO. Área comum. Prescrição. Boa-fé. Área destinada a corredor, que perdeu sua finalidade com a alteração do projeto e veio a ser ocupada com exclusividade por alguns condôminos, com a concordância dos demais. Consolidada a situação há mais de vinte anos sobre área não indispensável à existência do condomínio, é de ser mantido o statu quo. Aplicação do princípio da boa-fé (suppressio). Recurso conhecido e provido”.

Para o Relator, o princípio da boa-fé objetiva tempera o art. 3º da Lei nº 4591/64, eis os fundamentos do voto:

“Essa situação excepcional e característica daquele prédio é que levou os réus a usarem da área com exclusividade, com a plena concordância dos demais condôminos, os quais ratificaram tal estado de coisas em assembléia, assim permanecendo por trinta anos. As condições do prédio eram tais que nunca houve qualquer reclamação; antes, o expresso consentimento. A situação poderia ser modificada se demonstrada a alteração das circunstâncias, surgindo razão ponderável de interesse comum a justificar a retomada da área para a sua destinação inicial, que desaparecera desde a unificação das unidades habitacionais.

A única solução justa recomendada para o caso é a manutenção do status quo. Para isso pode ser invocada a figura da suppressio, fundada na boa-fé objetiva, a inibir providências que já poderiam ter sido adotadas há anos e não o foram, criando a expectativa, justificada pelas circunstâncias, de que o direito que lhes correspondia não mais seria exigida. A suppressio tem sido considerada com predominância como hipótese de exercício inadmissível do direito (Menezes Cordeiro, Da boa-fé no Direito Civil, II, 810) e pode bem ser aplicada neste caso, pois houve o prolongado comportamento dos titulares, como se não tivessem o direito ou não mais quisessem exercê-lo; os condôminos ora réus confiaram na permanência desta situação pelas fundamentadas razões, já explicadas; a vantagem da autora ou do condomínio, que ela diz defender, seria nenhuma, e o prejuízo dos réus, considerável. Penso que, no caso, se pode fazer boa aplicação do princípio “.

Ademais, se de um lado dispõe o art. 3º, da Lei dos condomínios, na sua parte final, que as áreas comuns “serão insuscetíveis de utilização exclusiva por qualquer condômino”, de outro determinou que a convenção de condomínio estabeleça o “modo de usar as coisas e serviços comuns”, art. 3º, § 3º, “c”, da mencionada Lei.

A propósito, sobre a questão já se pronunciou a Terceira Turma, quando do julgamento do Resp n.º 254.095/RJ, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: ” o que realmente tem importância é examinar o alcance da regra do art. 3º, da Lei nº 4.591/64 que, na sua parte final, comanda que serão ‘inacessíveis de utilização exclusiva por qualquer condômino as dependências de uso comum dos proprietários , presente que a própria lei determinou que a convenção de condomínio estabelecesse ‘o modo de usar as coisas e serviços comuns'”. (…)” O especial não pode vencer o plano dos fatos, nem o direito pode ultrapassar a realidade da vida. Se a própria lei prescreve que os condomínios podem estabelecer o modo de utilização da coisa comum, se, no caso, a situação fática da área em litígio confina o acesso pelos apartamentos dos 1º e 2º réus, sendo contígua às varandas, ademais de envolver perigo de acidente outra forma de utilização, não há como enxergar a pretendida violação do art. 3º da Lei nº 4.591/64.

Na espécie, como dito acima, todos os proprietários, incluindo os autores, utilizam, individualmente, de um depósito construído na área da garagem, tudo com aprovação dos demais condôminos (4/5), com exceção dos autores.

Há mais de quinze anos os condôminos têm à sua disposição, para uso exclusivo, os depósitos construídos na garagem e os autores não demonstraram em que isso lhes prejudica.

Como arremate, trago à colação outros dois julgados nesse mesmo sentido:

“Processual Civil. Civil. Recurso Especial. Prequestionamento. Condomínio. Área comum. Utilização. Exclusividade. Circunstâncias concretas. Uso prolongado. Autorização dos condôminos. Condições físicas de acesso. Expectativa dos proprietários. Princípio da boa-fé objetiva.

 O Recurso Especial carece de prequestionamento quando a questão federal suscitada não foi debatida no acórdão recorrido.

 Diante das circunstâncias concretas dos autos, nos quais os proprietários de duas unidades condominiais fazem uso exclusivo de área de propriedade comum, que há mais de 30 anos só eram utilizadas pelos moradores das referidas unidades, pois eram os únicos com acesso ao local, e estavam autorizados por Assembléia condominial, tal situação deve ser mantida, por aplicação do princípio da boa-fé objetiva.”

(REsp 356821/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23.04.2002, DJ 05.08.2002 p. 334).

“PROCESSUAL. CIVIL. CONDOMÍNIO. ÁREA COMUM. UTILIZAÇÃO EXCLUSIVA. USO PROLONGADO. AUTORIZAÇÃO DA ASSEMBLÉIA CONDOMINIAL. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. RAZÃO PONDERÁVEL. INOCORRÊNCIA.

 Detenção concedida pelo condomínio para que determinado condômino anexe à respectiva unidade, um fundo de corredor inútil para uso coletivo. Decorrido longo tempo e constatada a boa-fé, o condomínio, sem demonstrar fato novo, não pode retomar a área objeto da permissão”.

(REsp 325.870/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 14.06.2004, DJ 20.09.2004 p. 280)

Destarte, ladeando-me aos fundamentos utilizados pelos precedentes desta Casa, e em respeito ao princípio da boa-fé objetiva, não acolho a alegação de afronta do art. 3º da Lei 4.591/64, pois, determinando a lei que a convenção delibere sobre o modo de uso das partes comuns do condomínio, perde relevo a discussão acerca do quorum para esta deliberação, quando há disposição expressa nesse sentido (art. 9º, § 2º).

O entendimento pela moderação quanto à impossibilidade absoluta ao uso exclusivo de área comum também encontra amparo na doutrina:

Nos condomínios de prédios em que se reserva o pavimento térreo para lojas, é normal que se conceda o direito de estacionamento para os clientes no espaço situado na frente, ou num pátio, ou ao lado da edificação, permitindo o acesso e facilitando o comércio. As despesas de manutenção, limpeza, água e luz recaem nos condôminos titulares das lojas ou que as exploram. Não se dá a transferência da propriedade dessas partes, mas somente a utilização para certas finalidades, e de acordo com exigências previamente delineadas.

A ocupação ou o proveito das áreas comuns se dará de modo a que não se exclua a utilização dos demais titulares. Entrementes, em assembléia, não se coíbe aos condôminos autorizar a utilização, em caráter de exclusividade, em favor de um ou alguns condôminos, das partes comuns do prédio. Isto, em especial, nos espaços adjacentes ou na entrada das unidades, que fazem adaptações para a transformação em pequenos halls. Restando espaços não utilizados próximos às garagens, costuma-se aproveita-los, com pequenas adequações, para o uso individual. Ao tempo da plena regulamentação pela Lei n. 4.591/1964, a parte final de seu artigo 3º impedia a utilização exclusiva por qualquer dos condôminos, restrição que não constou no artigo 1.331, § 2o, do Código Civil, o qual passou a regular a matéria.

(Cf. RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio Edilício e Incorporação Imobiliária. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2017, p. 63).

212. Sempre divergimos desse entendimento restritivo, que, realmente, costumava ser amenizado pelos Tribunais na aplicação da Lei 4.591. Sustentávamos que o tópico final do art. 3.° da Lei 4.591 não podia ser conceituado como disposição de ordem pública, razão pela qual a privatização do uso podia ser admitida pelos condôminos,deliberando unanimemente ou mediante quorum estabelecido na Convenção, ou, ainda, quando tiver sido prevista pelo instituidor do condomínio, ou pelo incorporador no memorial de incorporação. Nem se argumente, dizíamos, que, ao vetar a locução “salvo disposição da Convenção ou concordância unânime dos condôminos”, na parte final do art. 3.° da Lei 4.591, o Presidente da República teria afastado a possibilidade de a Convenção ou os condôminos disporem em sentido contrário. Isso porque o veto presidencial, embora seja um elemento interpretativo, não vincula a mens legis, que pode divergir da mens legislatoris, vale dizer de todos os participantes do processo legislativo. Por outro lado, é de se considerar que a expressão “salvo expressa disposição da Convenção ou concordância unânime dos condôminos” foi vetada porque se situava na parte final do dispositivo, dando assim a impressão de que também abrangia o preceituado na primeira parte do art. 3.°, ou seja, a indivisibilidade e a inalienabilidade das áreas e coisas de co-propriedade de todos, destacadamente da respectiva unidade autônoma.

213. Nos Tribunais acabou predominando o entendimento agora admissível, à luz do novo Código Civil. Ou seja, de que, havendo autorização regular dos condôminos, ou expressa previsão no instrumento de instituição do condomínio, pode ser concedido o uso exclusivo de áreas e coisas pertencentes à coletividade condominial, principalmente se forem contíguas às unidades a que estruturalmente se vincularem e que, por isso, não possam ser utilizadas por outros condôminos sem passarem por dentro dessas unidades. Tais áreas, embora sejam co-propriedade de todos os condôminos, a rigor não são de uso comum, porque só tem utilidade para os ocupantes da unidade autônoma contígua, tais como as áreas de insolação, que, embora pertençam à massa condominial, podem ser aproveitadas pelo ocupante do pavimento térreo para guarda de objetos e fins análogos/ sem perda de sua destinação natural (iluminar) e, portanto, sem prejuízo para os titulares dos pavimentos superiores. O mesmo ocorre, em alguns casos, com a laje de cobertura, que, não tendo utilidade direta para os ocupantes dos pavimentos inferiores, pode ser útil ao da unidade situada no último plano. Nesses casos, nada mais razoável do que proporcionar o uso exclusivo ao titular da unidade contígua, que arcará com o custeio de sua conservação, aliviando o condomínio dessa despesa.” porque são áreas estruturalmente desafetadas do uso comum e úteis apenas para o titular da unidade autônoma contígua.

(Cf. FRANCO, J. Nascimento. Condomínio. 5ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2005, p. 217).

Em arremate, é imprescindível um último esclarecimento.

A recorrente requereu o “provimento do presente recurso especial, para que, reformando-se o acórdão proferido pelo Tribunal a quo, seja reformada sentença, julgando-se improcedente a pretensão autoral, com a inversão dos ônus sucumbenciais” (e-STJ Fl. 1751).

Ocorre que, em que pese afastado o fundamento utilizado pelas instâncias ordinárias para decidir a lide, o recurso especial não pode ser provido na extensão pretendida.

Isso porque, conforme se infere da petição, há outros argumentos que embasam os pedidos de anulação das cláusulas das três escrituras de re-ratificação de compra e venda das lojas 103-A, 113-A e 120-B e das duas convenções de condomínio como, por exemplo, (a) utilização, pela segunda ré, de procurações outorgadas pela autora com prazo de validade expirado, os quais foram “ilicitamente” utilizados para aprovar as convenções de condomínio impugnadas e promover a venda das referidas lojas para a terceira ré, (b) excesso de mandato, (c) ocorrência de “nítido conluio existente entre as três demandadas integrantes do ‘Grupo São Fernando Patrimonial‘” e simulação no negócio jurídico entabulado entre as empresas do polo passivo, prejudicando a autora, como referido pelo juízo de 1º grau à e-STJ Fl. 496.

Nesse contexto, não sendo possível, no caso concreto, aplicar o direito à espécie, sob pena de supressão de instância, é de rigor o retorno dos autos ao juízo de 1º grau para que, à luz da fundamentação, prossiga no julgamento da demanda, como entender de direito.

Ante o exposto, (a) conheço parcialmente do recurso especial dos CONDOMINIOS L1 e L2 DOS EDIFICIOS BARRA WORLD SHOPPING para, nessa parte, negar-lhe provimento e (b) dou parcial provimento ao recurso especial da AMERICAN MIX PLANEJAMENTO LTDA  EPP, nos termos da fundamentação.

É o voto.

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.677.737 – Rio de Janeiro – 3ª Turma – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJ 29.06.2018

Fonte: INR Publicações.

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