1ª VRP: Impugnações na Usucapião Extrajudicial


  
 

Processo 1051969-04.2018.8.26.0100

Espécie: PROCESSO

Número: 1051969-04.2018.8.26.0100

Processo 1051969-04.2018.8.26.0100 – Dúvida – Registro civil de Pessoas Jurídicas – 4º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo – Neusa de Barros Coelho Lourenço – – Maria Inês Coelho Lourenço – – Amilcar Souropires Ferreira – Usucapião extrajudicial – Impugnação – Normas da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que prestigiam o poder do Oficial e do Juízo Corregedor de analisar a fundo o mérito da impugnação, que poderá ser afastada quando infundada – A simples apresentação de impugnação, portanto, não representa o fim do procedimento extrajudicial – Impugnação que pode ser afastada quando destituída de fundamentos, apresentada de modo genérico ou quando não tem o condão de afetar o direito dos requerentes à usucapião – No caso concreto, há mera alegação genérica de invasão de área, que deve ser afastada – Impugnante que aduz ser locatário do bem – Fato que não impede, por si só, a usucapião, representando, na hipótese, abuso de direito e impugnação protelatória – Dúvida improcedente, declarando infundada a impugnação e determinando o prosseguimento do procedimento extrajudicial Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Neuza de Barros Coelho Lourenço e Maria Inês Coelho Lourenço, após impugnação apresentada por Maria de Lourdes Madeira Rodrigues Ferreira e Amilcar Souropires Ferreira em processo extrajudicial de usucapião. As impugnações dizem respeito ao fato das requerentes locarem o imóvel aos impugnantes, o que descaracterizaria a posse mansa e pacífica, além do fato de existirem ações de despejo promovida pelos primeiros contra estes últimos. Ainda, aduzem os impugnantes serem proprietário de parte do imóvel usucapiendo, além de existência de ação judicial de usucapião julgada improcedente (fls. 12/17). O Oficial entendeu que a impugnação não era infundada, razão pela qual as suscitadas requereram o encaminhamento a este juízo, aduzindo primeiramente que os impugnantes anuíram com a usucapião, não podendo agora impugná-la, além do fato da locação e das ações de despejo comprovarem a posse sobre o bem. Por fim, não teria sido comprovada a invasão de área e a ação judicial de usucapião foi extinta sem resolução de mérito (05/10). Informou o Oficial que promoveu a conciliação entre as partes, que restou infrutífera. Na inicial, aduziu estar obstado à apreciação do mérito das impugnações, além de indagar acerca do momento da suscitação de dúvida. Juntou documentos às fls. 05/180. As suscitadas reiteraram as razões apresentadas perante o Oficial (fls.

181/187, 188/227 e 229/232). Houve manifestação do Ministério Público (fls.

235/236), pugnando pela ouvida do Oficial no tocante ao mérito das impugnações, além de opinar pela finalização do ciclo notificatório para só então ser analisada a dúvida. O Oficial informa que não tem qualquer notícia da ação de usucapião alegada pelos impugnantes, inclusive nas certidões de distribuição cível. Aduz que a alegada invasão de área não condiz com a realidade e com o levantamento topográfico realizado por profissional agrimensor. Quanto à questão da locação, manteve seu entendimento de que não poderia adentrar nesta seara (fls. 243/246 e documentos às fls. 247/265). O parecer do Ministério Público (fls. 274/275) foi no sentido de serem as impugnações consideradas infundadas. É o relatório. Decido. De início, tendo em vista que esta Corregedoria Permanente tem competência sobre dezoito Serventias de Registro de Imóveis nesta Capital, que o procedimento de usucapião extrajudicial foi recentemente implantado, necessitando uniformização dos procedimentos, e que as decisões deste Juízo Corregedor, apesar de se limitarem as partes, devem ter caráter orientador dos procedimentos a serem adotados pelos cartórios correicionados, cumpre colacionar o conteúdo da decisão de fls. 266/268, para os fins de constarem nesta sentença a análise da questão preliminar trazida pelo Oficial:

“Questiona o Oficial acerca do momento oportuno para suscitação de dúvida na usucapião extrajudicial: se deve ser suscitada a cada impugnação ou apenas ao fim do procedimento. A princípio, são relevantes os argumentos no sentido de que a dúvida deve ser única, ao fim do processo, para que se julguem todas as impugnações, evitando a acumulação de processos de dúvida e repetidas interrupções do processo extrajudicial. Por outro lado, a suscitação ser realizada assim que apresentada a impugnação também pode trazer benefícios, em especial por possibilitar que desde logo se encerre o procedimento extrajudicial que terá resultado infrutífero, economizando tempo e evitando novos custos. Pois bem. De início, cumpre expor que o Provimento 65/17 do CNJ prevê, em seu Art. 14, Par. Único, que “não sendo frutífera (a conciliação promovida pelo Oficial), a impugnação impedirá o reconhecimento da usucapião pela via extrajudicial.” Ainda, seu Art. 18 prevê que a impugnação interrompe, desde logo, o procedimento extrajudicial.

Tais previsões levam em conta o entendimento de que o procedimento administrativo depende de inexistência de lide e que, havendo qualquer impugnação ou contestação ao pedido, este deve ter seguimento judicial. Não obstante, os itens 429 e seguintes do Capítulo XX das NSCGJ preveem procedimento diverso (sem prejuízo da contradição apontada nos autos do Proc. Nº 1000162-42.2018.8.26.0100). Havendo impugnação, o Oficial poderá afastá-la se for infundada, cabendo recurso. Caso contrário, deverá promover conciliação entre as partes que, se infrutífera, levará a suscitação de dúvida, para julgamento pelo Juiz Corregedor acerca do cabimento da impugnação. O entendimento das normas deste Tribunal, portanto, vão no sentido de dar maior poder ao Oficial, ampliando o âmbito da qualificação, para que possa analisar, com maior rigor, as impugnações trazidas. Ainda, prestigiando os benefícios da usucapião extrajudicial, permite que o juiz corregedor afaste a impugnação manifestamente infundada, evitando procedimento judicial que tende a ser longo e custoso. As normas, contudo, são silentes quanto ao momento do encaminhamento à Corregedoria Permanente.

E, no silêncio, não é recomendável determinar, de forma obrigatória, quando os autos deve ser remetidos a este juízo. Deve o Oficial, portanto, agir com prudência e razoabilidade. Acaso entenda que a impugnação tem fortes fundamentos, que desde logo inviabilizariam a usucapião administrativa, poderá suscitar a dúvida imediatamente, de modo a possibilitar que este juízo decida a questão rapidamente, evitando diversas notificações e publicação de custoso edital sem necessidade. Por outro lado, entendendo que a questão pode vir a ser superada, ou havendo pedido do requerente da usucapião para que a remessa a este juízo se dê posteriormente, poderá o Oficial fazê-lo, o que permitirá o julgamento único das impugnações e eventual aproveitamento judicial das notificações emitidas, se entendido pela necessidade de conversão do procedimento. De qualquer modo, o requerente da usucapião poderá ser consultado se tem preferência em determinar o seguimento do processo extrajudicial, com a finalização das notificaçoes e análise das impugnações em um único ato, ou a análise partilhada, com suscitação de dúvida em cada impugnação, tudo isso a possibilitar que este tenha certa gerência nos procedimentos realizados extrajudicialmente e que poderão, eventualmente, ser aproveitados em sede judicial. Esclarecida tal questão, não se pode ignorar que, no presente feito, a dúvida já foi suscitada. Assim, não é possível sua suspensão para prosseguimento do procedimento administrativo, com a finalização das notificações, para só então dar andamento a este processo. Novamente, destaco que eventual procedência da presente impugnação resultará no encerramento do processo extrajudicial, e a continuidade das notificações poderá demonstrar-se desnecessária.” Superada, portanto, a questão do momento em que deve ser suscitada a dúvida, cumpre fazer breve observação sobre o procedimento a ser adotado quando apresentada impugnação. Conforme exposto no Proc. Nº 1000162-42.2018.8.26.0100, as normas deste Tribunal de Justiça e do CNJ deixam dúvida quanto a conduta a ser seguida: se a impugnação deve necessariamente levar ao fim do procedimento extrajudicial, ou se é possível uma maior análise que possibilite afastar aquelas impugnações que contém algum vício. Decidi, no mencionado processo, sobre o procedimento a ser adotado após a análise da impugnação por este juízo.

Quanto ao procedimento perante a serventia, entendo que apresentada impugnação, o Oficial deve, necessariamente, analisar seu mérito, expondo ao impugnante as razões pela qual entende ser ela infundada, ou ao requerente as razões pela qual não poderá prosseguir com o procedimento extrajudicial, sendo ambas as hipóteses passíveis de recurso a esta Corregedoria Permanente por meio de dúvida. O envio do requerente a via judicial, portanto, só ocorreria se a impugnação fosse julgada procedente pelo Oficial, sem recurso; quando eventual recurso for julgado improcedente por este juízo; ou, por fim, quando for provido o recurso do impugnante interposto contra decisão do Oficial que decidiu ser a impugnação infundada. Superado também este ponto, passo ao mérito da impugnação. Cito mais uma vez a decisão de fls. 266/268: “O entendimento das normas deste Tribunal, portanto, vão no sentido de dar maior poder ao Oficial, ampliando o âmbito da qualificação, para que possa analisar, com maior rigor, as impugnações trazidas. Ainda, prestigiando os benefícios da usucapião extrajudicial, permite que o juiz corregedor afaste a impugnação manifestamente infundada, evitando procedimento judicial que tende a ser longo e custoso.” Deste modo, fica clara a relevância dada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo ao procedimento extrajudicial, que surgiu como alternativa ao trâmite judicial da ação de usucapião, facilitando a regularização da propriedade imobiliária, devendo tanto o Oficial como o Corregedor Permanente buscarem, ao mesmo tempo, o respeito ao direito das partes envolvidas e a preservação do procedimento extrajudicial, que apenas deverá ser interrompido quando de fato haja incertezas relativas ao direito ali pleiteado. Assim, eventual impugnação apresentada por interessado, antes de implicar a existência de lide que demande ação judicial, deve se cautelosamente analisada, para que se verifique se efetivamente há uma possível violação a seus direitos ou se a impugnação se mostra como mero instrumento utilizado com o intuito de negar o direito da prescrição aquisitiva dos requerentes. Não por outra razão, há previsão normativa que estabelece a necessidade do Oficial buscar promover a conciliação entre as partes, além da análise da impugnação por ele e pelo juiz competente. Tendo isso em mente, entendo que este juízo corregedor pode afastar aquelas impugnações que, a princípio, podem parecer envolver questões de mérito mas que, acaso levadas a análise judicial, seriam facilmente superadas, representando apenas prolongação desnecessária da questão. Foi o caso, por exemplo, do Proc. 1104657-74.2017.8.26.0100, em que se afastou impugnação da União que alegava ser a área usucapienda pertencente a extinto aldeamento indígena, quando pacífico o entendimento de que tal impugnação não obstáculo a prescrição aquisitiva. E também é este o caso nos presentes autos. As impugnações apresentadas demonstram-se meramente protelatórias, com fundamentação genérica, e, no caso da alegada locação, contrária a própria lógica da usucapião. Explica-se, assim, a razão para afastamento de cada um dos óbices. Quanto a alegação de processo judicial que julgou o pedido de usucapião improcedente, a petição de fls.

12/17 não traz qualquer outra informação, seja relativamente as partes do processo ou seu número. Por si só, portanto, tal alegação genérica já poderia ser afastada por não conter qualquer fundamento. Não obstante, informaram as requerentes que o processo foi extinto sem julgamento do mérito (fl. 190), o que possibilita concluir que a ação judicial de usucapião não é impedimento para o prosseguimento do processo administrativo. Já quanto a questão da invasão de área, a impugnação foi apresentada nos seguintes termos: “os notificados são proprietários de uma área deste imóvel, conforme escritura que delimita a área e demonstra a propriedade, como também aponta o levantamento topográfico apresentado pelos notificantes (…)”. É a hipótese, portanto, de aplicação do item 429.2 do Capítulo XX das NSCGJ, que prevê ser infundada a impugnação em que “o interessado se limita a dizer que a usucapião causará avanço na sua propriedade sem indicar, de forma plausível, onde e de que forma isso ocorrerá”. Ora, a simples petição, com menção genérica ao título de propriedade e ao levantamento topográfico não é capaz de demonstrar o alegado avanço na área, o que possibilita afastar a impugnação nos termos acima. Não fosse isso, o próprio Oficial (fls. 243 e seguintes) demonstra que o imóvel usucapiendo é mero confrontante com o imóvel dos impugnantes, sendo que houve confusão devido ao fato de ambos os imóveis terem lançamento único perante o Município, o que não implica, todavia, tratar-se do mesmo imóvel perante o registro imobiliário ou existir qualquer invasão de área.

Finalmente, a questão do aluguel. Alegam os impugnantes que eram locatários do imóvel e que, por tal razão, a posse não seria dos requerentes. Aduz, também, que os requerentes propuseram ação de despejo em seu desfavor, o que representaria quebra do requisito de posse mansa. Quanto a ação de despejo, não tem ela o poder de interferir na posse ad usucapionem, seja porque quem a propôs foram os requerentes (o que demonstra interesse em manter o poder sobre o bem), seja porque não se trata de ação possessória, mas que tem relação com a lei de locações. Já no que diz respeito ao fato de serem os impugnantes locatários do bem, como bem exposto pelo D. Promotor, isso não demonstra serem eles os verdadeiros possuidores, mas na verdade dão força ao argumento de que os requerentes têm a posse do bem. Isso porque, se eles eram os locadores, significa dizer que possuíam um dos poderes relativos a sua propriedade, o que, nos termos do Art. 1.196 do Código Civil, demonstra serem possuidores do bem. Em outras palavras, a posse direta dos locatários não é posse ad usucapionem, pois estes não tinham interesse em serem proprietários do bem, visto a relação locatícia existente, o que impede que tal posse seja usada como argumento contra o requerimento extrajudicial. Por outro lado, o fato dos requerentes serem locadores, com posse indireta, demonstra que estes sim possuíam o bem com animus de proprietários, pois só assim teriam poderes para dispor do bem por meio da locação, que teve longa duração e nunca foi contestada quanto ao fato dos locadores terem poderes para locarem o bem. Neste sentido, Benedito Silvério Ribeiro expõe que “poderá o possuidor direto promover a defesa pelos interditos, mas, à falta de autonomia da posse, não poderá valer-se de posse ad usucapionem para atingir o domínio, já que originada de obrigação, uma vez que o verdadeiro possuidor ostenta a posse indireta sobre a coisa” (Tratado de Usucapião, Saraiva, 8ª Ed., pgs. 742/743). Continua o autor: “O locatário, mesmo com a posse direta, o credor pignoratício, o usufrutuário, o comodatário, embora detentores do ius possessionis, não podem usucapir, justamente por lhes faltar o requisito anímico, que se resume na intenção de proprietário possessio cum animo domini.” (Idem, pg. 760). E finaliza: “Os locatários, apesar da posse direta e imediata, mantêm-na em nome de terceiro. Os locadores conservam a posse indireta e mediata tanto para usucapir como para a intenção de interditos, não vedados estes últimos aos locatários” (Idem, pg. 768, grifei). Em conclusão, a locação alegada pelos impugnantes não é capaz de descaracterizar o direito dos requerentes, seja porque não é um fato que se caracteriza em óbice a prescrição aquisitiva, seja porque confirma a posse ad usucapionem dos locadores. Destarte, é o caso de afastar também este último óbice. Cumpre dizer que do conjunto dos autos se concluí que os impugnantes buscam apenas criar obstáculos e dificultar o direito dos requerentes, pois possuem conflitos anteriores com estes últimos e buscam abusar do seu direito de impugnação para prejudicar o pedido extrajudicial de usucapião. Tal situação é inadmissível e deve ser afastada. Contribui para tal conclusão o fato de os impugnantes terem inicialmente anuído com o memorial descritivo, apenas contestando o pedido posteriormente. Apenas saliento, por fim, que o fato de os confrontantes anuírem com o memorial descritivo não impede, por si só, que posteriormente se impugne o pedido, como querem fazer crer os suscitados, pois a concordância só se torna ato perfeito com o fim do procedimento extrajudicial, possibilitando que, até este momento final, possam ser apresentadas outras razões que tornem o pedido insubsistente. No presente caso, contudo, tais razões se demonstraram infundadas, devendo ser afastadas. Destaco que a presente decisão não representa reconhecimento do direito de usucapir dos suscitados, direito este que deverá ser analisado pelo Oficial ao fim dos procedimentos perante a serventia. Apenas se reconhece, aqui, que o locatário não pode impugnar o pedido extrajudicial utilizando, como único fundamento, sua posse direta, que impediria a usucapião pelo locador. Contudo, tratando-se de primeira decisão neste sentido, e até que haja consolidação do entendimento relativo ao alcance do poder de análise do Juízo Corregedor quanto as impugnações, orienta-se aos Oficiais que não afastem, de plano, impugnações semelhantes, entendo-as como infundadas. Do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Neuza de Barros Coelho Lourenço e Maria Inês Coelho Lourenço, declarando infundada a impugnação apresentada por Maria de Lourdes Madeira Rodrigues Ferreira e Amilcar Souropires Ferreira, determinando o prosseguimento do pedido extrajudicial de usucapião. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – REPUBLICADO POR TER SAÍDO COM INCORREÇÃO –

ADV: WAGNER GRANDIZOLI (OAB 202927/SP), LUCAS DE ASSIS LOESCH (OAB 268438/SP) (DJe de 30.08.2018 – SP)

Fonte: DJE/SP | 30/08/2018.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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