Uniões simultâneas, monogamia e dever a fidelidade

A monogamia, princípio organizador das relações da família conjugal no Ocidente, será discutida no IX Congresso Brasileiro de Direito de Família que acontece entre os dias 20 e 22 de novembro, em Araxá (MG). Nesta entrevista, o advogado Marcos Alves da Silva (PR), membro do Ibdfam, fala como este princípio foi e continua sendo utilizado como forma de controle da sexualidade feminina e como a discriminação jurídica que sofrem as famílias que se formam paralelamente ao casamento perdura durante séculos, “em nome da proteção à sagrada família formada pelo casamento”, e diz que “muitas mulheres intituladas concubinas, e sem nome, porque são ‘a outra’, criam filhos, e por longos anos assumem a responsabilidade pela casa, formam efetivamente uma família, reconhecida como tal sociologicamente, mas condenadas à invisibilidade jurídica em nome de um princípio, o da monogamia”. Confira:

1 – O que caracteriza o rompimento do princípio jurídico da monogamia?

 É necessário lembrar que a monogamia, considerada como regra ou princípio, sempre constituiu forma de controle da sexualidade, mormente da sexualidade da mulher. Ou esse controle era exercido pelo homem, e se revelava nas multiformes manifestações da dominação masculina, ou a regulação era exercida pela Igreja, ou pelo Estado, quando este chamou a si o regramento do casamento. Por isso, não se pode opor monogamia à poligamia. A poligamia admitida e praticada no oriente e no continente africano, talvez constitua modelo de dominação ainda mais severo que o da monogamia, no Ocidente. 

A monogamia foi erigida à condição de princípio jurídico par e passo à construção da regra da presunção da paternidade do marido em relação aos filhos nascidos de sua mulher. Vinculada a esta ideia está o tabu da virgindade e, também, a punição do adultério da mulher. O controle de sua sexualidade feminina constituiu e de certa forma ainda constitui instrumento de controle da prole do marido.

O princípio da monogamia está diretamente vinculado à distinção entre família legítima e família ilegítima, a família formada pelo casamento e concubinato. Portanto, o princípio é perfeitamente adequado à tutela da família transmissora do patrimônio, transpessoal. O princípio da monogamia pressupõe uma família merecedora da tutela do Estado e outra que fica fora deste âmbito de proteção. A tese do rompimento ou da superação da monogamia como princípio estruturante do estatuto jurídico da família verifica-se em função do reconhecimento do princípio da pluralidade das entidades familiares e, também, da superação da família formada pelo casamento como modelo superior reconhecido pelo Estado. À medida que o caput do art. 226 da Constituição Federal é compreendido como cláusula geral de inclusão e de tutela das famílias em suas multiformes manifestações, não há razão para se preterir uma família em benefício de outra pela simples razão de ser esta oriunda do casamento e aquela de uma união não formalizada.

A família foi funcionalizada ao desenvolvimento da personalidade e à realização das pessoas que integram o núcleo familiar. Não é mais tutelada como instituição que tem, em si, valor jurídico, independente das pessoas que a integram. Se assim é, não subsiste razão para se seguir afirmando que prevalecesse no ordenamento jurídico o princípio da monogamia. Este se presta, antes, a fomentar a construção de um lugar de não-direito. Sua utilização conduz especialmente as mulheres designadas pela pecha de concubina a uma condição de invisibilidade jurídica.

Os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da solidariedade, da igualdade, da liberdade e da democracia incidentes sobre as relações familiares, não permitem mais a afirmação de que a monogamia subsiste como princípio do Direito de Família.

2 – Por vezes, confundimos monogamia com fidelidade. O que diferencia esses dois princípios culturais e jurídicos e como se relacionam?

De fato, a fidelidade como expressão de um dever jurídico decorrente do casamento tem direta relação com o princípio da monogamia. A fidelidade conjugal significando exclusividade nas relações sexuais já constitui bem jurídico de interesse social. Tanto é assim, que o adultério constitui crime. Como a família formada pelo casamento constituía bem jurídico em si, a falta em relação ao dever de fidelidade atingia a instituição do matrimônio. Atualmente, não existe dever jurídico de fidelidade. O que consta do Código Civil não passa de um conselho moral sem qualquer eficácia jurídica. Especialmente depois da Emenda nº 66 o divórcio revelou-se como direito potestativo, desembaraçado de prazos ou de qualquer outro pré-requisito. Assenta-se exclusivamente na liberdade de não permanecer casado.

A culpa perdeu campo na dissolução dos vínculos matrimoniais. Logo, a fidelidade pode constituir norma interna de uma relação de conjugalidade, formalizada ou não pelo casamento, mas, não subiste como norma estatal. Não faz qualquer sentido que o Estado venha se imiscuir nas relações de conjugalidade para impor, por força de lei, o dever de fidelidade. O próprio princípio da liberdade assegura aos cônjuges a reserva de sua intimidade. Reclama-se, hoje, a ampliação do campo do exercício da liberdade especialmente no que se refere às situações subjetivas co-existenciais. As relações de conjugalidade não podem ser mantidas por regras heterônomas, impostas pelo Estado. Não há dique estatal que estanque a liberdade conquistada. O casamento ou a união estável somente se mantêm pela repactuação constante da relação.

Assim, a fidelidade, certamente existe como norma interna de determinada conjugalidade.  Mas, ruiu-se como regra de Estado prefixada para todo casamento e até para a união estável. Para essa, o codificador lançou mão de um eufemismo. Não teve coragem de dizer fidelidade, falou, então, em dever de lealdade. Pode-se dizer, então, que fidelidade como dever jurídico do casamento civil é conceito diretamente vinculado à noção de monogamia. Mas, pode ser reconhecida a fidelidade como situação de exercício de liberdade, no âmbito do que já foi chamado reserva da intimidade.                                                       

3 – Por que a monogamia pode ser considerada um instrumento de exclusão de muitas formas de famílias? 

No Brasil, o concubinato, desde os primeiros dias da Colônia, constituiu um não-lugar no sistema, isto é, sempre habitou marginalidade jurídica. Num país em que a dominação masculina e o desprezo em relação à mulher índia, negra, mestiça foram sempre a tônica, a monogamia, erigida à condição de princípio jurídico, se prestou como instrumento perfeito para a desqualificação de inúmeras famílias formadas à margem da família reconhecida oficialmente, isto é, a surgida do casamento civil. O concubinato não foi tratado pelo Direito de Família brasileiro até a década de 1960. Nós teremos ainda vergonha de nosso passado recente e do grau de discriminação jurídica que sofrem as famílias que se formam paralelamente ao casamento. Repetimos e legitimamos discriminação que já se estende por séculos.

Em nome da proteção à sagrada família formada pelo casamento, muitas mulheres intituladas concubinas, e sem nome, porque são "a outra", criam filhos, e por longos anos assumem a responsabilidade pela casa, formam efetivamente uma família, reconhecida como tal sociologicamente, mas condenadas à invisibilidade jurídica em nome de um princípio, o da monogamia.

Por outro lado, o Estado cometeria um desatino ao não reconhecer famílias que, em razão da liberdade de seus integrantes, não se formam por par homo ou heterossexual, mas, se formam por meio de uma conjugalidade plúrima, que tem sido designada como poliamor. Que razões minimamente razoáveis — para ser redundante — poderia evocar o Estado para não reconhecer, por exemplo, união estável estabelecida entre três pessoas, como a do caso de Tupã – SP, que se tornou notória. Se tais famílias existem, não podem ser condenadas à invisibilidade jurídica em homenagem ao princípio da monogamia.    

4 – Como a superação da monogamia como princípio jurídico poderia ser uma ferramenta para assegurar que a diversidade das formas de família seja um direito legítimo do cidadão? 

De fato, a superação da monogamia como principio, constitui questão de cidadania. Num Estado plural e laico, todos devem ter espaço para a livre constituição de família. Não cabe ao Estado, em atenção a princípios arcaicos e injustificáveis, no atual estágio de desenvolvimento do Direito das Famílias, colocar obstáculos ao reconhecimento das diversas formas de constituição de família. 

Ainda que haja uma maioria religiosa e mesmo uma hegemônica compreensão moral de que a monogamia deve nortear as relações de conjugalidade, esta maioria não tem o direito de impor à totalidade dos cidadãos um modelo único de família. A democracia é o difícil exercício de construção de um espaço onde caibam todos, convivendo com respeito e profunda consideração ao direito de ser diferente. A igualdade pressupõe o direito à diversidade. 

5 – Como o tema Uniões simultâneas, Monogamia e dever a fidelidade se relaciona ao tema central do Congresso: Famílias, Pluralidade e Felicidade”?

A relação é imediata. A família não é uma instituição criada pelo Estado e nem pode ser por ele rigidamente delimitada e, muito menos funcionalizada a interesses ditos superiores. As famílias contemporâneas têm uma vocação já há algum tempo bem sinalizada por Michelle Perrot: a realização e, portanto, a felicidade daqueles que a integram. 

Não existe cânone para a felicidade. As formas, os meios e os sentidos da realização humana são tão diversos como o são as próprias pessoas. Logo, não existe modelo para felicidade e nenhum pode ser imposto como o ideal sob pena de negação da própria felicidade. Assim, a pluralidade em matéria de Direito das Famílias é decorrência necessária da própria idéia de felicidade. A monogamia é regra de um modelo envelhecido, que não encontra reverberação na dinâmica estonteante da contemporaneidade.

Se o Direito não está posto para ditar o modelo único de uma família idealizada do passado, os juristas devem afastar o medo de se defrontarem com o diferente, com o Outro em suas múltiplas experiências de ser e de se fazer humano.

6 – Se na sociedade contemporânea não há como modelar uma concepção majoritária de Felicidade, o que precisa ser alterado para que o Direito de Família contribua  para assegurar essa felicidade plural como um direito social?  

Se há uma tendência clara em relação ao Direito das Famílias contemporâneo, esta se encontra na afirmação da liberdade como princípio norteador. A intervenção excessivamente regulatória do Estado especialmente em matéria de conjugalidade revela-se como postura indesejada, inoportuna, contrária à expressão plural e informal das famílias contemporâneas. Toda regulação da família a partir de uma dada concepção moral, ainda que demograficamente majoritária, mostra-se incongruente com o princípio da democracia e com a laicidade do Estado. Não existe um modelo de família ideal, adequado à realização de uma felicidade também idealizada e tudo isso capturado e esboçado em um paradigma legal como o do casamento, com suas regas, deveres e obrigações previamente constituídos. 

Evidentemente, os deveres conjugais, por exemplo, previstos nos art. 1.566 do Código Civil, são a expressão de um ideário, de um modelo de felicidade em abstrato. O Estado ingressa na intimidade da casa para dizer que a família feliz é aquela na qual são respeitados os deveres de fidelidade recíproca, vida em comum no domicílio conjugal, assistência mútua, sustento, guarda e educação dos filhos, respeito e considerações mútuos. A questão é que tal intervenção tornou-se um verdadeiro fiasco. Os deveres se converteram em meros conselhos morais, destituídos de qualquer eficácia jurídica. O Estado legislador, nesta matéria, cumpre papel sem nenhum protagonismo. A felicidade não pode ser contida na regulação de uma conjugalidade eleita pelo Estado. As pessoas reivindicam para si, com veemência, o direito de auto-regularem as suas relações familiares. A felicidade não pode ser dada, há de ser construída pela liberdade e criatividade daqueles que se sentem desafiados à aventura de uma vida fundada na fragilidade dos laços do amor.

Logo, o que precisa ser alterado é o senso comum dos juristas que, abstraídos da realidade multifacetada das famílias contemporâneas, insistem em um modelo paradigmático do passado, o casamento civil. Os antidivorcistas das décadas de 60 e 70 do século passado estavam certos de que com a possibilidade do divórcio a família e o projeto de felicidade nela idealizado se esboroariam. Atualmente, ainda está entrincheirada em uma mentalidade reacionária prevalecente a felicidade idealizada e pressuposta no modelo legal matrimonializado de família. Daí as reações quase raivosas face às uniões homoafetivas ou à co-existência de conjugalidades simultâneas, ou ao poliamor. A questão da felicidade é aqui central. Como bem o disse Caetano: "Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto/  Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto/ É que Narciso acha feio o que não é espelho / E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho".

Numa sociedade plural e democrática, há de existir lugar para todos. A liberdade de ser e de se fazer é indispensável à felicidade, como realização da pessoa humana. Logo, a felicidade desafia uma revolução jurídica no mundo do Direito das Famílias. O Estado regulador deve ser, o quanto possível, afastado para abrir campo à liberdade nas situações subjetivas co-existenciais. Sua presença só tem sentido para o resguardo e tutela dos que se encontram em situação de vulnerabilidade nas relações familiares.

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM I 25/09/2013.

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CILADAS NO MERCADO DA TELEFONIA | CONHEÇA OS ENTENDIMENTOS DO STJ

Ciladas no mercado de telefonia

O Programa Nacional de Desestatização foi instituído em 1990 pela Lei 8.031, que permitiu a privatização de empresas controladas pela União. Em 1995, com a aprovação da Emenda Constitucional 8, o governo brasileiro deu início à flexibilização do setor de telecomunicações. Nesse mesmo ano, o Executivo encaminhou um projeto de lei ao Congresso, que resultou na chamada Lei Mínima (Lei 9.295/96) e na separação entre a telefonia fixa e a telefonia móvel. Em 1997, a Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472) criou a Anatel.

De lá para cá, muita coisa mudou. Após o processo de privatização, ocorrido em julho de 1998, que acabou com o monopólio do Sistema Telebrás, a acomodação de serviços e a criação de um ambiente competitivo, regulado pela Anatel, o Judiciário é cada vez mais chamado para resolver conflitos de mercado.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), desde então, vem proferindo decisões importantes para o consumidor, empresas e órgãos de governo. A obrigatoriedade de operadoras oferecerem outro aparelho ou reduzir multa em casos de perda de celular, por exemplo, foi um tema que chegou à pauta de julgamento.

Outros temas foram a validade da cobrança da assinatura básica mensal em telefonia fixa e a discussão acerca do prazo de validade do cartão pré-pago em telefonia móvel. Assuntos como a legitimidade dos Procons para impor multas por descumprimento de regras de serviço e o detalhamento da fatura telefônica também foram objeto de julgamento. São inúmeros os precedentes de interesse para os consumidores, empresários e governo.

Planos de fidelidade

Em um dos julgamentos sobre telefonia ocorridos neste ano, foi decidido que a operadora não pode exigir fidelidade com prazo superior a 12 meses. Em março, a Quarta Turma decidiu que é ilegal o contrato de comodato em que a operadora exige do consumidor prazo susperior a um ano.

A decisão se deu em recurso de uma operadora contra uma consumidora de Mato Grosso do Sul, que pediu rescisão contratual antes de cumprir a carência de 24 meses prevista no contrato (REsp 1.097.582).

Seguindo o voto do relator, ministro Marco Buzzi, a Turma considerou que a fidelidade exigida pelas operadoras, em si, não é ilegal, desde que em troca a empresa telefônica proporcione alguma vantagem efetiva ao cliente, seja na forma de redução no valor dos serviços ou de desconto na aquisição de aparelhos.

Mas o prazo superior a 12 meses foge à razoabilidade e fere o direito do consumidor de buscar ofertas melhores no mercado. Segundo o relator, a evolução dos sistemas de comunicação, a universalização do atendimento e a ampliação da cobertura tornaram os serviços muito dinâmicos, a ponto de não justificar a vinculação dos usuários a longos prazos contratuais.

O comodato praticado pelas operadoras funciona geralmente como uma espécie de empréstimo em que ocorre a transmissão da propriedade do aparelho depois de cumprido o prazo de carência ou após o pagamento de multa, nos casos de rescisão.

Perda do celular

Em outra importante decisão, ocorrida em 2009, o STJ entendeu que perda ou furto de celular obriga a operadora a fornecer outro aparelho ou reduzir a multa rescisória. 

Se o cliente ficar sem o celular em decorrência de caso fortuito ou força maior, devidamente comprovado, a empresa de telefonia deve fornecer gratuitamente outro aparelho pelo restante do período de carência ou, alternativamente, reduzir pela metade o valor da multa a ser paga pela rescisão do contrato. A decisão foi da Terceira Turma, ao dar parcial provimento ao recurso de uma operadora (REsp 1.087.783).

A discussão teve início em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, requerendo que a operadora se abstivesse de cobrar qualquer multa, tarifa, taxa ou outro valor por resolução de contrato de telefonia móvel decorrente de força maior ou caso fortuito, especialmente na hipótese de roubo ou furto do aparelho celular.

Para a ministra Nancy Andrighi, relatora, a solução do caso passa pela equalização dos direitos, obrigações e interesses das partes contratantes à nova realidade surgida após a ocorrência de evento inesperado e imprevisível, para o qual nenhuma delas contribuiu: “De um lado a recorrente, que subsidiou a compra do aparelho pelo consumidor, na expectativa de que este tomasse seus serviços por um período mínimo. De outro, o cliente, que, ante a perda do celular por caso fortuito ou de força maior e na impossibilidade ou desinteresse em adquirir um novo aparelho, se vê compelido a pagar por um serviço que não vai utilizar.”

Fornecimento de aparelho

Segundo a ministra, as circunstâncias permitem a revisão do contrato. “Ainda que a perda do celular por caso fortuito ou força maior não possa ser vista como causa de imediata resolução do contrato por perda de objeto, é inegável que a situação ocasiona onerosidade excessiva para o consumidor”, acrescentou.

Ao decidir, a ministra levou em conta ser o consumidor parte hipossuficiente na relação comercial, o que deixa duas opções à operadora: dar em comodato um aparelho ao cliente durante o restante do período de carência, a fim de possibilitar a continuidade na prestação do serviço e, por conseguinte, a manutenção do contrato; ou aceitar a resolução do contrato, mediante redução, pela metade, do valor da multa devida, naquele momento, pela rescisão.

A relatora ressaltou que, caso seja fornecido um celular, o cliente não poderá se recusar a dar continuidade ao contrato, sob pena de se sujeitar ao pagamento integral da multa rescisória. “Isso porque, disponibilizado um aparelho para o cliente, cessarão os efeitos do evento [perda do celular] que justifica a redução da multa”, concluiu Nancy Andrighi.

Demonstração de crédito

Em 2011, o STJ proferiu decisão vedando às concessionárias de serviço de telefonia móvel condicionar a habilitação de linha no plano básico à apresentação de comprovantes de crédito no nome do interessado (REsp 623.325).

No caso, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra uma operadora, por considerar abusiva a prática de condicionar a habilitação de celular pós-pago, cuja tarifa geralmente é menor que a do pré-pago, à inexistência de restrição de crédito dos consumidores ou à apresentação do cartão bancário.

O STJ entendeu que a prática desrespeitava o usuário e descumpria a função social do serviço. Os direitos das empresas de atuarem no livre mercado e sem intervenção estatal deveria se harmonizar com o direito do usuário de não ser discriminado quanto às condições de acesso e fruição do serviço.

De acordo com as normas do setor, o serviço de telefonia móvel celular submete-se ao regime de direito privado e não está sujeito ao princípio de universalização. Segundo o ministro Teori Albino Zavaschi, que era o relator do processo, o princípio da livre iniciativa – ou da intervenção estatal mínima, ou do regime privado da prestação do serviço – não é absoluto.

“Ao contrário, como todo princípio, ele assume, por sua natureza, caráter relativo, uma vez que sua aplicação não dispensa, nem pode dispensar, um sistema metódico de harmonização com outros princípios de mesma hierarquia, igualmente previstos na própria Lei 9.472, como o do respeito ao usuário e da função social do serviço de telefonia (artigo 127),” disse ele.

Tarifa básica em telefonia fixa

O STJ, em reiteradas decisões, que culminaram na edição da Súmula 356, fixou o entendimento de que “é legítima a cobrança da tarifa básica pelo uso dos serviços de telefonia fixa”. Em vários precedentes, usuários pediam devolução dos valores pagos por uma contraprestação por serviço não oferecida – cobrança sem que chamadas fossem feitas.

O entendimento do Tribunal é que a cobrança da tarifa foi prevista expressamente no edital de desestatização das empresas federais para que os interessados, com base nessa autorização, efetuassem propostas.

Além de ser legal e contratual, justifica-se pela necessidade de a concessionária manter disponibilizado o serviço de telefonia ao assinante, de modo contínuo e ininterrupto, já que lhe são exigidos dispêndios financeiros para garantir a eficiência.

A obrigação do usuário em pagar tarifa mensal pela assinatura do serviço decorre da política tarifária instituída por lei, sendo que a Anatel pode fixá-la por ser reguladora do setor, amparada no que consta do contrato de concessão, com respaldo no artigo 103, parágrafos 3º e 4º, da Lei 9.472 (REsp 926.159; REsp 993.283).

Detalhamento da fatura eletrônica

Se a cobrança de tarifa básica pelo uso de serviços de telefonia fixa resultou na edição da Súmula 356, o detalhamento de fatura revogou a Súmula 357 do STJ, que tinha o seguinte enunciado: “A pedido do assinante, que responderá pelos custos, é obrigatória a partir de 1º de janeiro de 2006, a discriminação de pulsos excedentes e ligações de telefone fixo para celular” (REsp 1.074.799).

Em julgamento conforme o rito da Lei dos Recursos Repetitivos, a Primeira Seção pacificou o entendimento, em 2009, de que, a partir de 1º de agosto de 2007, data da implementação total do Sistema Telefônico Fixo Comutado (Resolução 426), é obrigatório o fornecimento de fatura detalhada de todas as ligações na modalidade local, independentemente de ser dentro ou fora da franquia contratada. O fornecimento da fatura é gratuito e de responsabilidade da concessionária.

A solicitação para o fornecimento da fatura discriminada sem ônus para o assinante só precisa ser feita uma única vez, marcando para a concessionária o momento a partir do qual o consumidor pretende obter o serviço. Segundo o relator, ministro Francisco Falcão, não teria sentido obrigar o consumidor a solicitar mensalmente o detalhamento de sua fatura.

Atuação dos Procons

Também em 2009, o STJ aplicou decisão que beneficia os consumidores e intimida as operadoras em relação ao descumprimento de cláusulas de serviços. A Segunda Turma reiterou a legitimidade dos Procons para aplicar multas por descumprimento de suas determinações. A decisão se deu em questão em que foi suscitado conflito de atribuições entre o Procon e a Anatel (REsp 1.138.591). 

Uma empresa concessionária foi multada por ter descumprido a determinação do órgão de defesa do consumidor quanto à instalação de linha telefônica no prazo estipulado de dez dias. Ela pediu a desconstituição da multa com o argumento de que tal competência era da Anatel.

Para a concessionária, o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) contrariou o artigo 19, IV e VII, da Lei 9.472 e o artigo 19, parágrafo único, do Decreto 2.338/97, pois a atuação dos órgãos de defesa do consumidor dependeria de prévia coordenação da Anatel, sob pena de usurpar a competência da agência reguladora.

Ao analisar a questão, o relator, ministro Castro Meira, considerou que a atuação do Procon é sempre legítima quando se trata de aplicar as sanções administrativas previstas em lei, no regular exercício do poder de polícia que lhe foi conferido no Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.

Tal competência, entretanto, segundo ele, não exclui o exercício da atividade regulatória setorial realizada pelas agências criadas por lei. O foco das agências não se restringe à tutela particular do consumidor, mas abrange a execução do serviço público em seus vários aspectos, como sua continuidade e universalização, a preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão e a modicidade tarifária.

Ações coletivas

A Anatel é a autarquia especial que regula o setor. Segundo o STJ, em decisão proferida em 2010, ela é parte obrigatória nas ações coletivas que envolvam as concessionárias de telefonia. E, como pertence à União, a competente para processar as ações é a Justiça Federal (CC 113.902; Ag 1.195.826).

A atuação da Anatel está amparada no artigo 21, inciso XI, da Constituição Federal, que diz que “a lei disporá sobre a organização dos serviços, a criação e aspectos institucionais de um órgão regulador”, que foi a Lei 9.472. Conforme ainda a Constituição, é competência da União legislar sobre telecomunicação e radiodifusão, o que restringe a participação de estados e municípios para disciplinar matérias relativas ao setor.

Na análise de um recurso em que uma operadora teria instalado torres de telefonia sem observar as regras municipais, o STJ decidiu que não é razoável que uma operadora restrinja suas atividades por força de legislação de município, tendo em vista o artigo 19 da Lei 9.472, que atribuiu competência exclusiva à Anatel para a matéria (AgRg na MC 11.870). A intromissão de outros órgãos nas atividades reguladas é uma excepcionalidade.

“O surgimento superveniente de determinação municipal em confronto com ato da agência reguladora impõe análise pormenorizada da proposição técnica, revelando-se temerário o cumprimento de determinação local em detrimento de atividades essenciais e do interesse da coletividade", afirmou o ministro Luiz Fux (MC 3938) na ocasião de um julgado.

No mesmo sentido decidiu a ministra Denise Arruda, em um recurso em que se definiu que lei estadual não pode legislar sobre serviços de telecomunicações. No caso, uma lei de Santa Catarina estabeleceu regra determinando a discriminação das ligações locais nas faturas de telefonia fixa, o que foi considerado ilegal (RMS 17.112).

Interferência excepcional

Como medida excepcional de interferência na esfera do órgão regulador, o STJ admitiu em 2012 a possibilidade de o Poder Judiciário intervir na fixação dos valores cobrados das empresas prestadoras de serviços de telefonia fixa a título de VU-M, tarifa que é devida por essas empresas quando se conectam às redes de telefonia móvel (REsp 1.275.859; REsp 1.334.843; REsp 1.171.688).

O entendimento dizia respeito à divergência firmada entre a Tim e a GVT em relação à legitimidade de o Poder Judiciário, em antecipação de tutela, fixar provisoriamente os valores cobrados a título de VU-M. A Tim objetivava a fixação dos valores que foram determinados pela Anatel no âmbito do procedimento de arbitragem firmado entre a GVT e a concessionária Vivo.

Por outro lado, a GVT alegava que esses valores eram excessivos e poderiam prejudicar seu funcionamento, o que prejudicaria os consumidores, razão pela qual requeria a determinação dos valores com base em estudo realizado por renomada empresa de consultoria econômica privada, os quais eram inferiores aos estabelecidos pela Anatel.

Em seu voto, o relator, ministro Mauro Campbell Marques, afirmou que a Lei Geral de Telecomunicações expressamente confere às concessionárias de telefonia relativa liberdade para fixar os valores das tarifas de interconexão VU-M, desde que tais valores não estejam em desacordo com os interesses difusos e coletivos envolvidos, consistentes na proteção dos consumidores e na manutenção das condições de livre concorrência no mercado.

Para o relator, “a discussão judicial desses valores não afasta a regulamentação exercida pela Anatel, visto que a atuação do referido órgão de regulação setorial abrange, sobretudo, aspectos técnicos que podem melhorar a qualidade do serviço oferecido ao consumidor pelas concessionárias de telefonia fixa e móvel”.

Estruturação em rede

A partir desse entendimento, foi negado provimento aos recursos especiais para determinar a manutenção da decisão de antecipação de tutela concedida pelo juízo federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, a qual determinou a aplicação dos valores sugeridos pela empresa de consultoria, mais condizentes com os interesses difusos envolvidos.

A indústria de telecomunicações é, essencialmente, estruturada em rede. Assim, cada agente econômico que atua neste mercado necessita de uma rede para funcionar, ou seja, de uma infraestrutura necessária à prestação de serviços de telecomunicações.

Embora seja possível que cada empresa possua sua própria rede, essa hipótese não é racionalmente viável, tendo em vista principalmente o alto custo em que incorreriam as empresas prestadoras do serviço para a duplicação da infraestrutura, o que, aliado ao fato de o Brasil possuir dimensões continentais, inviabilizaria a universalização dos serviços de telecomunicações.

De acordo com o ministro Mauro Campbell, as taxas de interconexão, desde que não discriminatórias ou nocivas ao ambiente de liberdade concorrencial instaurado entre as concessionárias de telefonia, podem variar de acordo com as características da rede envolvida.

Transparência

Com o fim de atender o princípio da transparência, o STJ decidiu em um recurso que cabe ao denunciante, em processo administrativo para apuração de descumprimento de obrigação, ter amplo conhecimento dos fatos e decisões tomadas pelos dirigentes (REsp 1.073.083).

No caso, a Sociedade Brasileira de Prestadores de Serviços de Telecomunicações (Sitel) protocolou representação contra uma operadora por ela ter bloqueado os serviços prestados por suas associadas.

Após o resultado do processo, a denunciante foi impedida de ter vista dos autos e ingressou com mandado de segurança na Justiça para que fosse reconhecida a nulidade da decisão.

A Anatel alegou sigilo, com base nos artigos 19, 22 e 174 da LGT, e sustentou que o conceito de “parte” previsto pelas normas não incluía o denunciante, de forma que era justificável o não acesso ao processo.

O STJ decidiu que a Sitel, na qualidade de denunciante e interessada no desenrolar do processo, tem não só o direito de exigir a apuração dos fatos relatados e ser informada sobre as providências adotadas, como também de ter acesso ao próprio processo em trâmite.

Segundo o relator, ministro Castro Meira, no processo administrativo, o termo “parte” abrange administração e o administrado, tendo este o conceito mais largo que a parte do processo civil. Os administrados, segundo o ministro, são todos aqueles que detêm interesse difuso ou coletivo na matéria, em interesse próprio ou como substituto. E, no caso, denunciante é parte.

A notícia refere-se aos seguintes processos:

REsp 1097582

REsp 1087783

REsp 623325

REsp 926159

REsp 993283

REsp 1074799

REsp 1138591

CC 113902

Ag 1195826

MC 11870

MC 3938

RMS 17.112

REsp 1275859

REsp 1334843

REsp 1171688

REsp 1073083

Fonte: STJ | 11/08/2013.

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