STJ: Terceira Turma aplica relativização da coisa julgada em investigação de paternidade

Por maioria de votos, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso especial para retratar julgamento que reconheceu a coisa julgada em investigação de paternidade confirmada sem a realização de exame de DNA. A decisão aplicou ao caso o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em repercussão geral, admitiu a relativização da coisa julgada nas ações em que não foi possível determinar a efetiva existência de vínculo genético. 

O caso envolveu uma ação de investigação de paternidade ajuizada em 1990 e julgada procedente com base em provas documentais e testemunhais. Em 2004, após a realização de dois exames de DNA, foi constatada a ausência de vínculo genético entre pai e filho. O suposto pai, então, moveu ação negatória de paternidade. 

A sentença julgou procedente a ação. Foi determinada a retificação do registro civil e o fim do pagamento de alimentos. A decisão, entretanto, foi reformada em acórdão de apelação. 

No recurso especial interposto, o STJ manteve a decisão do tribunal de origem. Na época, a jurisprudência da Corte era firme no sentido de que “se está firmada a paternidade, com base nas provas então disponíveis, não é possível pretender a anulação do registro que daí decorre”. 

Repercussão geral

Em 2011, entretanto, no julgamento do Recurso Extraordinário 363.889, o STF, sob o instituto da repercussão geral, consolidou o entendimento de que “deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo”. 

Diante dessa orientação, o recurso foi submetido a nova apreciação no STJ e o relator, ministro Sidnei Beneti, concluiu pela retratação do julgamento anterior. 

“Firmou-se no Supremo Tribunal Federal que, se na ação anterior, reconhecendo a paternidade (seja na procedência da investigatória movida pelo filho, seja na improcedência da negatória movida pelo genitor), não houve exame de DNA (omissão decorrente de fato não atribuível ao genitor – o que seria questão nova, não constante do julgamento de repercussão geral, que não enfocou a matéria à luz do artigo 2º, parágrafo único, da Lei de Investigação de Paternidade –, nem se chegando, também, nem mesmo a tangenciar a análise da Súmula 301/STJ), essa ausência de exame de DNA anterior é o que basta para admissão da nova ação”, disse Beneti. 

A investigação de paternidade dos filhos tidos fora do casamento é regulada pela Lei 8.560/92. A Súmula 301 do STJ diz que “em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”. 

O voto do relator foi acompanhado pela maioria dos integrantes da Turma. 

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial. 

Fonte: STJ | 12/02/2014.

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Paternidade intrauterina

* Eudes Quintino de Oliveira Júnior e Pedro Bellentani Quintino de Oliveira

O feto surge como agente de tutela estatal em várias oportunidades. A Declaração dos Direitos da Criança, promulgada pela Assembleia Geral da ONU, preconiza que a criança, em razão de sua imaturidade física e mental, necessita de proteção legal apropriada, tanto antes como depois do nascimento. O ECA acrescenta ainda o direito de proteção à vida e à saúde, proporcionando um nascimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. Já não se pode limitar o direito do nascituro apenas ao de nascer. E sim ampliá-lo e agregar a ele o nascer com dignidade, com saúde, com a proteção Estatal necessária, extensiva à sua mãe, de quem é dependente na vida pré-natal. A assertiva é de fácil constatação e a esse respeito foi proposto um projeto de lei para considerar o embrião como dependente para fins de dedução na base de cálculo do imposto de renda, mas não vingou em razão do aborto provocado pelo legislador.

Pode o feto, desta forma, pela projeção alcançada, figurar como autor em ação de alimentos, investigação de paternidade e outros direitos compatíveis com sua condição de concebido, mas não nascido.

Pois bem. A lei 11.804/08, conhecida como “alimentos gravídicos”, melhor seria se fosse “alimentos do nascituro” em apertado resumo, confere direito à mulher gestante, não casada e que também não viva em união estável, de receber alimentos, desde a concepção até o parto. Para tanto, deverá ingressar com o pedido judicial em desfavor do futuro pai. O juiz decidirá, no âmbito de uma cognição sumária, com base nos indícios de paternidade, a obrigação alimentar do suposto pai, que poderá contestar, mas em restrito núcleo cognitivo também. Os alimentos fixados permanecerão até o nascimento com vida, quando serão convertidos em pensão alimentícia e, a partir deste marco, poderão ser revistos pelas partes.

Trata-se, como se percebe, de uma de uma decretação provisória de paternidade, calcada somente em indícios. Eventual contestação pugnando pela realização de exame excludente da alegada paternidade será analisada após o nascimento da criança. É uma situação de incerteza que obrigará o suposto pai a arcar com a verba alimentar, não se afastando da finalidade da medida que é atingir uma procriação responsável, com o comprometimento integrado e solidário dos genitores, numa verdadeira guarda compartilhada intrauterina.

Feitas tais considerações, é de se concluir pela dificuldade da determinação da paternidade, que trabalha somente com indícios, elementos circunstanciais que gravitam em torno do fato principal sem, contudo, apresentar uma prova inconcussa. A não ser a colheita do líquido amniótico da gestante a partir de 14 semanas, que carrega risco de provocar o abortamento, por se tratar de procedimento invasivo.

Agora, no entanto, em razão evolução da engenharia genética, já é possível a realização no Brasil de exame não invasivo consistente na procura do DNA fetal circulante na mãe e compará-lo com o material fornecido pelo pretenso pai. O avanço científico é tamanho que, além do objetivo da paternidade, carrega precisão quase que incontestável no sentido de demonstrar que o feto seja portador de síndromes de Down, Edwards, Patau, Turner, Klinefelter e Triplo X.

Permanece sim a proibição de selecionar sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, mas não se questiona a realização do exame para diagnóstico pré-implantatório e testes genéticos visando verificar se o embrião é portador de alterações cromossômicas ou genéticas. Se a constatação for positiva, admite-se o procedimento corretivo1.

A regra da paternitas incerta est cai por terra diante da precisão de referido exame e pode se dizer que a até então imutável afirmativa de que maternitas semper certa est também não resiste quando se tratar de inseminação artificial heteróloga, prevista no artigo 1597, inciso III do CC.

Se Machado de Assis vivesse nestes novos tempos quando escreveu Dom Casmurro, não deixaria o leitor tão ansioso a respeito da paternidade de Ezequiel, filho de Capitu. Apontaria a paternidade com toda segurança a Bentinho ou Escobar.

Mas também o romance perderia a riqueza do relato psicológico de cada personagem e a crucial pergunta se a “cigana oblíqua e dissimulada” traiu Bentinho.

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1 – Resolução Conselho Federal de Medicina, nº 1957/2010, item VI.

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado e advogado; Pedro Bellentani Quintino de Oliveira é advogado.

Fonte: Migalhas I 08/10/2013.

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Estatuto do Pai

Jones Figueirêdo Alves*

Um microuniverso normativo situa-se dentro do Direito de Família no que concerne à autoridade parental paterna (poder familiar), em face de direitos e deveres existentes, constituindo, em si mesmo, o Estatuto do Pai.

Bem de ver que o Direito familista, assim consagrado no CC (Livro IV), em sede do direito pessoal dos seus protagonistas, disciplinado em dois subtítulos, trata do casamento (arts 1.511/1.590) e das relações parentais (arts 1.591/1.638), onde, neste último, capsuladas estão as normas que cuidam, nomeadamente, acerca da filiação (arts 1.596/1.606), do reconhecimento dos filhos (arts 1.607/1.7617), da adoção (arts 1.618/1.629) e do poder familiar (artos 1.630/1.638).

Em boa medida, os direitos ao poder familiar e os deveres dele extraídos, as relações parentais definidas e as disciplinas legais da filiação e da adoção, podem, em seu contexto, compreender as relações jurídicas da paternidade, que consolidam uma visão normativa estatutária.

Quando o art. 1.593 do CC, por exemplo, anuncia que o parentesco é natural ou civil, conforme resulte da consangüinidade ou outra origem, temos por essa última cláusula, o pai civil. Aquele que resulta da socioafetividade adquirida ou da adoção constituída, valendo dizer, em casos que tais, que a paternidade socioafetiva pode preferir à biológica e que a adoção atribui à situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com o pai consanguíneo.

Existem também o pai ficto (art. 1.597, incisos I e II, CC), o pai póstumo (caso da fecundação artificial homóloga, por inseminação "post-mortem", referido pelo art. 1.597, III, CC), o pai protraído (caso de filhos havidos, a qualquer tempo, quando de tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga, artigo 1.597, IV, CC) o pai sub-rogado (advindo da técnica de reprodução assistida por concepção heteróloga) e, ainda, o pai presuntivo do artigo 1.598 do CC. Todos eles demandam os filhos, com direitos e responsabilidades.

A posse de estado de filho, a seu turno, é instituto jurídico que, em suas características, estabelece uma paternidade que não pode ser desconstituída.

Existem, por outro lado, os três homens em conflito (sem qualquer analogia com o filme do diretor Sergio Leone) em suas paternidades confrontadas, a saber: (i) o pai registral; (ii) o pai biológico e (iii) o pai socioafetivo, quando discute-se, no caso concreto, o direito ao filho em exercício da paternidade prevalecente ou a sua desconstituição legal.

A propósito, o STF reconheceu repercussão geral em tema que trata da prevalência, ou não, da paternidade socioafetiva sobre a biológica no ARE 692186, onde relator o ministro Luiz Fux, já com parecer da PGR e concluso para julgamento (2/8/13).

O reconhecimento do filho é direito do pai, voluntário e decisivo, a tanto irrevogável, nas formas do art. 1.609 do CC, podendo, inclusive, preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu óbito. Cumpre à lei, inclusive, facilitar o reconhecimento voluntário, na hipótese do inciso IV do art. 1.609, com a gratuidade da averbação em registro civil.

Aliás, temos defendido uma maior dinâmica da lei 8.560/92, em prestígio ao reconhecimento voluntário da paternidade, mediante, inclusive, incentivos fiscais ou benefícios sociais que possam ser assegurados aos pais que, notificados, manifestem-se favoráveis sobre a paternidade que lhes são atribuídas, com ou sem exame prévio de DNA.

Em PE, a lei estadual 13.692/08, determina a isenção de emolumentos e de TSNR – Taxa de Utilização dos Serviços Públicos Notariais ou de Registro, no procedimento de averiguação de paternidade, inclusive a averbação e a certidão respectiva do ato.

Ainda existe a figura do pai socioafetivo preordenado, como aquele que, em situação jurídica equipotente à da adoção, houve de obter junto ao pai biológico, uma paternidade compartilhada. No ponto, a dupla paternidade resultou assegurada por decisão judicial pioneira em pedido de registro civil (28/2/12), no efeito de constar em assento de nascimento, além da paternidade biológica daquele que forneceu o sêmen, a indicação de uma segunda paternidade, a do companheiro em união homoafetiva (1ª vara de Família/Recife, juiz Clicério Bezerra).

Em termos de dupla paternidade, temos ainda uma socioafetividade paternal, na hipótese, a bom exemplo da relação enteado-padrasto, aquele havido como filho afetivo e este último, como um segundo pai, estabelecendo-se, a todo rigor, uma dupla paternidade fática.

Não custa lembrar, a propósito, a lei 11.924/09, que acrescentou parágrafo ao art. 57 da lei 6.015/73 (lei de registros públicos) para a requerimento de enteado ou enteada, havendo motivo ponderável, ser autorizado, mediante averbação, o uso do nome de família (patronímico) do padrasto (ou da madrasta), com a concordância destes, e sem prejuízo dos apelidos de família. Na teleologia da norma, inseriu-se uma dupla paternidade e o "motivo ponderável", consiste em uma induvidosa socioafetividade subjacente.

A paternidade apresente-se também como uma ficção jurídica, conforme a lei (i) nos casos de inseminação artificial heteróloga , onde o filho é havido como do marido da mulher inseminada com sêmen de terceiro (a tanto prestando aquele seu consentimento) e este pai figura, no plano dos fatos, como um pai socioafetivo, ou (ii) quando a paternidade pode obter novos modelos, como o da paternidade dúplice.

Pois bem. Pontua-se, por decisivo, em todas as hipóteses, que a paternidade será sempre posta em dignidade do projeto parental e com ele guarda sua maior legitimidade.

Todos os pais se reconhecem como tais, em compromisso de vida.

Induvidosamente, cuide-se pensar, então, que a ordem jurídica contempla e formata o Estatuto do Pai, como uma realidade moderna do direito. Mais precisamente, um conjunto de normas, para além do CC, em legislação avulsa como a fornecida pela lei 11.108/05, dispondo que a parturiente seja acompanhada pelo genitor, na maternidade. Ou seja, o acompanhamento pelo genitor, nas unidades hospitalares, constitui garantia ao pleno exercício da paternidade, na fase pré-natal.

Afinal, o pai reside no direito que é-lhe assegurado pela dignidade do amor que o une ao filho e esse direito, que deve ordenar o próprio Estatuto do Pai, mais se aperfeiçoa quando a lei não define o conceito de pai.

Em ser assim, exorta-se, igualmente, que todo pai reconheça seu filho, como aquele que o substitui no mundo, símbolo que o perpetua, e mais que isso, o reconheça perante o mundo, digno de uma existência que o assinale como filho.
O estatuto do pai começa por esse aprendizado.

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* Jones Figueirêdo Alves é diretor nacional do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família e coordena a Comissão de Magistratura de Família.

Fonte: Migalhas | 11/08/2013.

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