CGJ/SP: Registro civil de pessoas jurídicas – Recurso – Embargos de declaração – Contradições – Inocorrência – Coerência lógica entre a motivação e o deslinde do recurso – Configuração – Nova discussão sobre pontos analisados – Inadmissibilidade – Recurso rejeitado.


  
 

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 2013/111946
(292/2013-E)

Registro civil de pessoas jurídicas – Recurso – Embargos de declaração – Contradições – Inocorrência – Coerência lógica entre a motivação e o deslinde do recurso – Configuração – Nova discussão sobre pontos analisados – Inadmissibilidade – Recurso rejeitado.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Paulistana Administração e Participações Ltda. opôs embargos de declaração, com efeito infringente, contra a r. decisão de fls. 138 que aprovou o parecer de fls. 128/137, sob alegação de ocorrência de contradições: não é coerente, segundo a embargante, reconhecer a personalidade jurídica da EIRELI e, ao mesmo tempo, desautorizar a averbação da alteração contratual pretendida e aventar a configuração de autocontratação inválida.[1]

É o relatório. OPINO.

No que interessa para estes embargos, constou do parecer nº 261/13-E, aprovado por Vossa Excelência no dia 30 de julho de 2013:

Dentro desse contexto, a EIRELI poderá, em nome próprio, adquirir direitos e contrair obrigações e, inclusive, “ter participação no capital de outras sociedades”.[2]

Entretanto, isso não significa que possa ser utilizada, instrumentalizada, para, em direta afronta a ratio legis,recompor a pluralidade de sócios de sociedade da qual seu titular é o remanescente.

A transformação da sociedade em ElRELI é uma alternativa para impedir a dissolução decorrente da unipessoalidadesuperveniente (§ 3° do artigo 980-A e 1.033, IV e parágrafo único, do CC[3]), não uma saída – planejada, in concreto, por José Carlos Macedo Soares Busch –, para restabelecer a pluralidade de sócios e, a piorar, driblar impedimento legal e viabilizar a entrada pela porta dos fundos de situação cujo acesso, pela da frente, foi vedado.

Tolerada a operação planeada pela interessada, no seu interesse empresarial e no do seu sócio remanescente, titular daEIRELI, abre-se possibilidade de contornar, por via oblíqua, indireta, sob a aparência de sociedade, a proibição de constituição de mais de uma empresa individual de responsabilidade limitada pela mesma pessoa natural (§ 2° do artigo 980-A do CC[4]).

Fere as sensibilidades éticas permitir à EIRELI servir de impulso e ferramenta para a formação de sociedades fictícias: écontrário à teleologia legal admiti-la como trampolim para a perpetuação de situações fáticas indesejadas; o efeito colateral visado, antecipou-se, foi outro, o desencorajamento das sociedades de fachada, porque não mais necessárias para fins de limitação da responsabilidade.

A situação ainda expressa uma autocontratação inválida: a alteração contratual cuja averbação é discutida, projetada porJosé Carlos Macedo Soares Busch, que intervém na operação com dupla qualidade – na de sócio e administrador da interessada e na de titular e administrador da Busch Empreendimentos e Participações EIRELI –, concentrando em si centros de interesses diversos e dispondo de dois patrimônios distintos, evidencia típica hipótese de contrato consigomesmo.

A propósito, os esclarecimentos de Gustavo Tepedino são oportunos:

O Código de 2002 traz previsão expressa da autocontratação inspirado nos diplomas italiano e português. O contrato consigo mesmo também denominado autocontrato, decorre do fenômeno da representação, e pode se manifestar por duas hipóteses distintas. Na primeira, aquele que intervém em duplo papel é, ao mesmo tempo, uma das partes contratantes, vale dizer, o representante, em vez de estipular o contrato com terceiro, celebra consigo próprio, reunindo, em sua pessoa, centro de interesses diversos; na segunda, o detentor das duas situações jurídicas representa ao menos duas outras pessoas por força de relações jurídicas representativas diversas, configurando-se hipótese de dupla representação, isto é, vontades pertencentes a titulares distintos são expressas por um único emitente. Nesta última hipótese, o representante não figura no negócio jurídico representativo; não adquire direitos nem obrigações, os quais são reservados, exclusivamente, aos representados.[5] (grifei)

Além de inexistir expressa autorização para a engenhosa negociação, ofensiva ao espírito da Lei nº 12.441/2011, resta caracterizada a concentração de interesses empresariais antagônicos em uma mesma pessoa: trata-se de causa objetiva de anulabilidade.[6] O conflito de interesses é latente; a operação objetiva atender apenas aos interesses empresariais daPaulistana Administração e Participações Ltda.; os da EIRELI, instrumento a serviço daquela, são desconsiderados.

Debaixo dessa ótica, e embora não proscrito o autocontrato (artigo 117, caput, do CC[7]), o negócio jurídico sob análise éinválido, porque – inócua, pela peculiaridade da situação, eventual anuência do representado, a EIRELI que está sob atitularidade do sócio da recorrida, e ausente expressa permissão legal –, a inocorrência de colisão de interesses em potência era imprescindível para aceitação do contrato consigo mesmo.[8]

Ademais, para resolução do dissenso, pouco importa que alterações contratuais semelhantes, também envolvendo o sócio remanescente da interessada, José Carlos Macedo Soares Busch, foram aceitas pela Junta Comercial do Estado de São Paulo – JUCESP[9], contemporaneamente à constituição da EIREU[10]: aliás, evidenciam o mau uso, a instrumentação da Busch Empreendimentos e Participações EIRELI.

Enfim, a desqualificação registral se mostrou acertada; justificasse, nessa trilha, a reforma da r. sentença impugnada, nada obstante seus judiciosos fundamentos.[11]

Fica claro, portanto, o enfrentamento de todas as questões relevantes ao desate do dissenso, bem como a necessária coerência entre a fundamentação exposta – em conformidade com a ordem jurídica e os fatos apresentados –, e o provimento do recurso, com reconhecimento do acerto da desqualificação registral.

Ou seja, não há omissão, obscuridade nem, particularmente, contradições. Na realidade, a embargante pretende reavivar pontos já examinados e, pela via inadequada, a reforma da r. decisão ora impugnada. Enfim, expressa inconformismo insuscetível de ser examinado mediante embargos de declaração.

Então, o parecer que respeitosamente submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência propõe a rejeição do recurso.

Sub censura.

São Paulo, 22 de agosto de 2013.

Luciano Gonçalves Paes Leme

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, rejeito os embargos de declaração. Publique-se. São Paulo, 23.08.2013. – (a) – JOSÉ RENATO NALINI – Corregedor Geral da Justiça.

________

Notas:

[1] Fls. 152/160.

[2] Rubens Requião, op. cit., p. 117. 2424

[3] Artigo 980-A. (…) § 3º A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração.

Artigo 1.033. (…) Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código.

[4] Artigo 980-A. (…) § 2º A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade. (grifei)

[5] Gustavo Tepedino, op. cit., p. 140-141

[6] A técnica da representação e os novos princípios contratuais. In: Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 125-144. t. III. p. 138-139.

[7] Artigo 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo.

[8] Mairam Gonçalves Maia Júnior. A representação no negócio jurídico. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. P. 189-195.

[9] Fls. 48/57, 58/67 e 68/76.

[10] Fls. 44/47.

[11] Fls. 134/137.

Fonte: DJE – Grupo Serac – PARECERES DOS JUÍZES AUXILIARES DA CGJ nº 009 – 3/2/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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