1ªVRP/SP: Sociedade religiosa é a que se dedica ao culto. Se, ao lado do culto, pratica beneficência, ou ensino moral ou assistência moral, é mista. Se o culto é secundário, cessa qualquer caracterização como sociedade ou associação religiosa.


  
 

Processo 1127350-57.2014.8.26.0100 – Pedido de Providências – REGISTROS PÚBLICOS – CONGREGAÇÃO DAS FILHAS DE SÃO JOSÉ DE RIVALBA – Registro civil de pessoas jurídicas – pedido de providências – averbação de Ata de Assembléia Geral Extraordinária – pessoa jurídica de vocação religiosa que não se dedica somente ao culto, mas também a atividades educacionais, fabricação artesanal de hóstia e outros artigos religiosos – correta classificação como sociedade, associação ou fundação religiosa (CC02, art. 44, I-III), e não como organização religiosa, que é a de finalidade unicamente espiritual – pedido indeferido. Vistos. Trata-se de pedido de providências formulado pela Congregação das Filhas de São José de Rivalba em face da negativa do Oficial do 1º Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Capital em proceder ao registro da Ata de Assembléia Geral Extraordinária, realizada em 16.09.2014, que versou sobre a eleição e posse dos novos membros da diretoria da Entidade, face ao término do mandato. Relata a requerente que é uma organização religiosa, mais especificamente um convento, onde promove a vocação espiritual das internas, bem como das eventuais interessadas que queiram ingressar na Ordem. Neste contexto, as internas dedicam-se à oração e ao trabalho, fabricando artesanalmente hóstias, partículas, paramentos e outros artigos religiosos. Informa que não possui o ensino (lato sensu) como a finalidade principal da atividade desenvolvida, e sim levar a fé cristã através de suas obras em favor da Igreja. Juntou documentos às fls. 07/20. O Oficial Registrador manifestou-se às fls. 23/27. Informa que o óbice registrário consiste no caráter híbrido do objeto social da entidade, tendo em vista que não há um desenvolvimento essencialmente religioso, por não estarem as atividades discriminadas relacionadas com as coisas unicamente do espírito. Salienta que, de acordo com o artigo 3º, itens “c” e “d” do Estatuto Social, há indicação da natureza jurídica da entidade em total dissonância com os objetivos a serem desenvolvidos, podendo tal fato redundar em alguns desdobramentos, principalmente em relação à qualificação dos títulos submetidos a registro ou averbação no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, ou seja, uma organização religiosa não pode dedicar-se a atividades outras que não aquelas estritamente ligadas a fé religiosa. Por fim, informa que há vários precedentes deste Juízo reiterando o óbice imposto. Juntou documentos às fls. 28/57. O Ministério Público opinou pelo indeferimento do pedido (fls. 61/63). É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. Com razão o Registrador e a Douta Promotora de Justiça. De acordo com os ensinamentos de Pontes de Miranda (Tratado de Direito Privado: Parte Geral – Introdução – Pessoas físicas e jurídicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954. t. 1, p. 324,§ 82, 6): “6. Sociedades e associações pias ou morais. – O fato de ter nome de santo, ou aludir a alguma religião o nome da associação pia, ou moral, não a faz sociedade ou associação religiosa. Sociedade religiosa é a que se dedica ao culto. Se, ao lado do culto, pratica beneficência, ou ensino moral ou assistência moral, é mista. Se o culto é secundário, cessa qualquer caracterização como sociedade ou associação religiosa.” Em que pesem os argumentos da requerente no tocante à finalidade principal da atividade desenvolvida, que é levar a fé cristã através de suas obras em favor da Igreja, verifica-se que o Estatuto Social (fls.44/50), no artigo 3º, prevê como finalidades da entidade: “art. 3º: A CONGREGAÇÃO tem as seguintes finalidades: A) Promoção e manutenção do apostolado litúrgico e o despertar de vocações para o desenvolvimento do mesmo; B) Promover a formação moral, civil e religioso das associadas e, das não Associadas que vierem a ingressar na CONGREGAÇÃO; C) Criar e manter serviços educativos e obras de promoção humana, beneficente, filantrópica e de assistência social, sem distinção ou discriminação de nacionalidade, raça, cor, condição social, credo político ou religioso ou qualquer outra condição; D) fabricação artesanal de hóstias, partículas, paramentos e outros artigos religiosos. Conforme se verifica dos itens “c” e “d” há uma disparidade entre a finalidade da congregação daquelas atinentes exclusivamente às coisas do espírito e fé religiosa. Numa análise a tais itens há a presença de uma caráter dúbio, sendo certo que a fabricação artesanal de hóstias e outros artigos religiosos podem ser comercializados e a renda reverter a favor das próprias associadas ou a favor da Igreja, o que descaracterizaria a denominação de organização religiosa, passando então a vigorar o conceito de associação religiosa, nos termos do artigo 44, inciso I do Código Civil. Outrossim, não se questiona que a requerente tenha a finalidade de dar culto e propagar a fé católica, bem como que esteja atrelada à Igreja Católica, todavia, ela tem uma série de outras atribuições e atividades, ainda que de meio, que não se confundem com a propagação religiosa, sendo certo que tais atividades podem ser exercidas independentemente da fé. Nesse sentido, tem-se o trecho de doutrina citado em recente parecer do então Juiz Assessor desta Corregedoria, Dr. Luciano Golçalves Paes Leme, no processo 2013/00006477 : “A CF, art. 5o, VI, assegura a liberdade de exercício de cultos religiosos e garante, na forma da lei, “a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Vê-se que a liberdade de organização religiosa está limitada às finalidades de culto e liturgia. Somente para esses fins pode ser considerada organização religiosa e assim registrada. Se a comunidade religiosa desenvolve outras atividades, de caráter econômico, como instituições educacionais ou empresariais, estas não se consideram incluídas no conceito de “organizações religiosas” para os fins da Constituição e do CC, pois não destinadas diretamente para culto ou liturgia. Essas outras atividades deverão ser organizadas sob outras fôrmas de personalidade jurídica (…), ainda que seus resultados econômicos sejam voltados para dar sustentação a projetos desenvolvidos pela respectiva comunidade religiosa” (Paulo Lobo, Direito Civil: parte geral. 3.a ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 186-187). Outrossim, de acordo com decisão do MM Juiz Dr. Marcelo Berthe, ao analisar questão análoga (Processo nº 583.00.2007.155420-5), da qual coaduno, decidiu que: “… O caso dos autos é daqueles que não se pode afirmar seja a interessa uma organização religiosa daquelas que podem receber beneplácito da exceção legal já citada. Isto porque, do exame dos objetivos sociais, forçoso reconhecer que seu objetivo é híbrido, pelo menos misto, não se cuidando, pois no caso, de organização que possa ser tida como essencialmente religiosa. Para isso basta que se observe alguns dos objetivos estatutários que, entre outros, não podem ser tidos como relacionados com as coisas do espírito. … Há objetivos demasiadamente amplos, genéricos, de conteúdo híbrido, o que impede a aplicação da exceção legal, que por sua vez, deve, justamente por se tratar de norma excepctiva, ser interpretada de modo rigorosamente restritivo, pena de tornar a regra geral uma disposição legal sem hipótese de incidência”. No mais, cumpre destacar que o Registrador tem plena liberdade para proceder à qualificação registrária, gozando de independência na atribuição do exercício de suas funções para a avaliação do título a ele apresentando e havendo dúvida em relação à legalidade do título apresentado, ou eventuais e futuros desdobramentos que podem redundar do registro, é mister o entrave registrário, em observação ao princípio da segurança jurídica. Logo, devese o óbice imposto deve ser mantido. Diante do exposto, julgo improcedente o pedido de providências formulado pela Congregação das Filhas de São José de Rivalba em face do Oficial do 1º Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Capital. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, arquivem-se os autos com as cautelas legais. P. R. I.C. São Paulo, 04 de fevereiro de 2015. Tania Mara Ahualli Juíza de Direito – ADV: FORTUNATO MARIO GUERRA (OAB 94375/SP)

DJE – SP |09.02.2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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