CGJ/SP: Registro de imóveis – Abandono – Impossibilidade de cancelamento do registro de propriedade – Inviabilidade da averbação requerida pelos proprietários em virtude da formalização do abandono configurar renúncia que segue regramento jurídico diverso – Recurso provido.


  
 

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 2012/158616
(29/2013-E)

Registro de imóveis – Abandono – Impossibilidade de cancelamento do registro de propriedade – Inviabilidade da averbação requerida pelos proprietários em virtude da formalização do abandono configurar renúncia que segue regramento jurídico diverso – Recurso provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de recurso administrativo interposto por Fernando Geiser e Maria Aparecida Caminoto Geiser contra decisão do MM Juiz corregedor permanente do 2° oficial de Registro de lmóveis, Títulos e Documentos, civil de pessoa Jurídica da comarca de São Bernardo do Campo que julgou improcedente pedido de averbação do cancelamento de registro ou averbação do abandono do imóvel, sustentando o cabimento da realização do ato registrário (a fls. 63/70).

A Douta Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não provimento do recurso (a fls. 79/82).

O processo foi remetido a esta Corregedoria Geral da Justiça pelo E. Conselho Superior da Magistratura (a fls. 83/84).

É o relatório.

Passo a opinar.

Apesar da denominação apelação, o presente substancialmente cuida-se de recurso administrativo previsto no artigo 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, cujo processamento e apreciação competem a esta Corregedoria Geral da Justiça; assim, por meio da aplicação dos princípios da instrumentalidade e fungibilidade ao processo administrativo, passamos a seu exame.

Este processo administrativo tem por finalidade cancelar o registro existente ou a realização de ato registrário específico voltado ao ingresso no registro imobiliário do abandono do imóvel.

O cancelamento do registro, como decidido, é incabível.

Mesmo com a anuência dos anteriores proprietários que transferiram a propriedade imóvel aos ora recorrentes seria inviável ante a necessidade de uma causa jurídica para o cancelamento, o que não ocorre, pois, o fato alegado (abandono do imóvel) ocorreu após o registro do título aquisitivo. Essa situação é prescrita pelos artigos 248 e 250, inc. II, ambos da Lei de Registros Públicos, portanto, imperativo a existência de uma razão jurídica para fundar esse pedido, o que não conhece.

Enfim, o abandono não é causa jurídica suficiente para o cancelamento do registro da transmissão da propriedade em decorrência de anterior contrato de compra e venda.

Superada a questão do cancelamento, passamos ao exame da possibilidade da averbação do abandono na matricula do imóvel.

O art. 1.275, inc. III, do Código Civil, estabelece a perda da propriedade por abandono ou derrelição, conforme Paulo Nader – Dá-se o ato jurídico de abandono ou de derrelição, quando o dominus deixa de praticar dos atos inerentes à propriedade da coisa móvel ou imóvel, com intenção de excluí-la de seu patrimônio (Curso de direito das coisas. Rio de Janeiro: forense, 2010, p.172).

De outra parte, o art. 1.276 do código civil estabelece:

Art.1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar a posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.

§ 1º O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.

§ 2º Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.

O abandono, ainda segundo o referido doutrinador, exige o concurso de um elemento objetivo consistente no não exercício das faculdades proprietárias e outro subjetivo traduzido no animus de não mais se desejar a situação jurídica de proprietário, sem transmitir a outrem o domínio.

Outra forma de perda de propriedade imóvel, com aproximações e distinções com o abandono é a renúncia (CC, art. 1.275, inc. II), a diferença fundamental entre os institutos é o aspecto da formalização, porquanto a renúncia (que deve ser expressa) depende de seu registro para a produção de feitos (CC, art. 1.275, parágrafo único), o que não ocorre com o abandono.

Assim, de forma geral, podemos afirmar a informalidade do abandono e a formalidade da renúncia. Inclusive, há divergência doutrinária acerca da natureza jurídica do abandono, apesar da doutrina nacional inclinar-se no sentido no sentido de se cuidar de um negócio jurídico unilateral, C. Massimo Bianca pugna pela natureza não negocial, cuidando-se de ato jurídico em sentido estrito, mais especificamente um ato real (Diritio civile: la proprieta. Milano: Giuffre, 1999, p.404).

Seja como for, não havendo pedido de declaração de abandono por outrem ou a arrecadação do imóvel, no momento em que o proprietário externa a vontade incondicional de não mais ser proprietário a hipótese não é mais de abandono e sim de renúncia.

Desse modo, não é possível ao proprietário a averbação do abandono, pois justamente, na aproximação dos institutos, havendo a manifestação expressa há renúncia, não abandono.

O abandono por encerrar um fato não gera título passível de registro do proprietário.

Diante disso, no caso em julgamento é inviável atender a pretensão dos recorrentes – averbação do abandono.

Se o caso, deverão aqueles providenciar a renúncia ao direito de propriedade do imóvel – negócio jurídico unilateral – a ser reduzido a termo (observado o disposto no art. 108 do Código Civil, se o caso) com o respectivo registro imobiliário nos termos do art. 1.275, parágrafo único do Código Civil.

Por fim, compete-nos ressaltar não ser possível receber o presente requerimento como pedido de registro de renúncia em virtude da necessidade de termo expresso a tanto; além disso, a representação concedida pela recorrente ao recorrente deve ser especifica quando aos poderes de renúncia e indicação do imóvel não sendo bastantes poderes expressos sem especificação dos atos a serem realizados (especiais), ou seja a renúncia à propriedade imóvel exige poderes expressos e especiais, o que não ocorre no instrumento de fls. 06/07.

Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente submete-se à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido da apelação interposta pelo recorrente ser recebida como recurso administrativo na forma do artigo 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, e a ele seja negado provimento.

Sub censura.

São Paulo, 17 de janeiro de 2.013.

Marcelo Benacchio

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, recebo a apelação interposta como recurso administrativo, ao qual nego provimento. São Paulo, 18.01.2013. – (a) – JOSÉ RENATO NALINI – Corregedoria Geral da Justiça.

Fonte: DJE – Grupo Serac – Boletim nº 002 (Pareceres dos Juízes Auxiliares da CGJ) | 08/01/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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