DJE/CGJ: Registro de imóveis – Interesse dos recorrentes – Economia processual – Afastamento da extinção do procedimento administrativo – Financiamento imobiliário – Hipoteca – Caução – Cientificação pessoal do devedor hipotecário inexistente – Quitação outorgada pela credora hipotecária – Eficácia plena – Cancelamento da hipoteca e da caução – Possibilidade – Recurso provido.


  
 

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 2013/150684
(19/2014-E)

Registro de imóveis – Interesse dos recorrentes – Economia processual – Afastamento da extinção do procedimento administrativo – Financiamento imobiliário – Hipoteca – Caução – Cientificação pessoal do devedor hipotecário inexistente – Quitação outorgada pela credora hipotecária – Eficácia plena – Cancelamento da hipoteca e da caução – Possibilidade – Recurso provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Cuida-se de recurso interposto por Gilberto Bermudez Corrêa, Rosângela Corrêa Guimarães e Vitor Hugo Cruz Guimarães contra a decisão da fl. 189, que extinguiu o processo, por considerar o desinteresse dos requerentes, que buscavam o cancelamento da hipoteca e da caução, diante da quitação do crédito hipotecário perante o credor hipotecário. O 14° Oficial de Registro de Imóveis da Capital apresentou nota devolutiva, por entender necessária a apresentação de instrumento particular da Caixa Econômica Federal, sucessora do Banco Nacional da Habitação (BNH), autorizando o cancelamento da caução (AV. 3 constante das matrículas nº 31.825 e 31.31.826).

Os apelantes alegam, em síntese, que houve a quitação do crédito hipotecário e, portanto, também estaria extinta a caução que lhe é acessória (fls. 200/208).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 220/221).

É o relatório.

Passo a opinar.

Inicialmente, afasto o alegado desinteresse dos recorrentes, pois, ainda que não tenham apresentado manifestação no prazo deferido pelo Corregedor Permanente, demonstraram interesse no cancelamento da hipoteca e da subsequente caução, averbada nas matrículas n. 31.825 e 31.826 (Av. 3), destacando-se que, por economia processual, não há razão para deixar de analisar o pedido formulado.

Superada essa questão, os interessados, ora recorrentes, buscam o cancelamento da hipoteca e da averbação da caução dada pela credora hipotecária ao Banco Nacional da Habitação (BNH), sucedido pela Caixa Econômica Federal, comprovando a quitação emitida pelo credor hipotecário (fl. 108).

A Caixa Econômica Federal, devidamente notificada, não concordou com a liberação do ônus, porque não houve o repasse pelo agente financeiro, dos valores pagos pelo mutuário (fl. 127).

A hipoteca foi constituída pelos titulares de domínio para garantir o financiamento que fizeram junto à instituição financeira Sul Brasileiro SP Crédito Imobiliário S/A, atual Transcontinental Empreendimentos Imobiliários LTDA.

O credor hipotecário, por sua vez, para garantir o crédito que contraiu perante o então Banco Nacional da Habitação, sucedido pela Caixa Econômica Federal, deu em caução seus direitos creditórios (Av. 3 das matrículas nº 31.825 e 31.826).

A questão aqui debatida foi recentemente reexaminada com profundidade nos autos do Processo CG n° 2012/36541, que reviu o entendimento desta Corregedoria Geral da Justiça, para autorizar o cancelamento da hipoteca e do endosso-caução, nos casos de quitação dada pelo credor hipotecário, independentemente da anuência do caucionado.

Na fundamentação de tal precedente, cabe destacar o seguinte trecho, que se aplica ao presente: (…) Se isso não bastasse, a endossatária-caucionada, a credora pignoratícia, consoante admitiu em sua manifestação, não deu ciência do endosso-caução aos devedores hipotecários, fiando-se, exclusivamente, na averbação do endosso-caução (fls. 50/54), insuficiente, consoante já adiantado, para produzir os efeitos pretendidos.

Para a eficácia perseguida, a ciência, a notificação dos devedores hipotecários – judicialmente, pela via epistolar ou telegráfica, por meio dos serviços dos Registros de Títulos e Documentos ou outro meio idôneo –, era indispensável, à luz do disposto no artigo 1.069 do CC/1916 (reproduzido com linguagem mais técnica pelo artigo 290 do CC/2002), com incidência expressamente autorizada pelo artigo 16, caput, do Decreto-Lei n° 70/1966.

É natural que assim seja. A simples averbação do endosso pignoratício não tem, consoante bem reconheceu o legislador, aptidão para cientificar os devedores hipotecários a respeito da caução. Não se presta a evitar que paguem ao credor hipotecário. Logo, para dar-lhes conhecimento, produzindo a garantia, assim, plenos efeitos contra eles, exige-se a notificação pessoal (prescindível apenas se existir documento no qual se declaram cientes do endosso-caução), não bastando a publicidade ficta advinda da averbação.

Ademais, as peculiaridades do crédito hipotecário incorporado ao instrumento cedular justificam tal exigência. O fracionamento do pagamento em prestações, quitadas periodicamente independentemente da apresentação do título representativo do crédito, em sistemática própria das relações jurídicas massificadas, despersonalizadas, revela o acerto da exigência legal.

Se, de um lado, para dívidas que se pagam apenas contra a apresentação do título de crédito, a notificação, tratada no artigo 1.453 do CC/2002, e a intimação ventilada, anteriormente, pelo artigo 792, II, do CC/1916, e, atualmente, pelo artigo 1.459, III, do CC/2002, são facultativas, de outro, para a garantia real que recai sobre a cédula hipotecária, a cientificação dos devedores hipotecários é fator de eficácia.

A cautela imposta, por sua vez, harmoniza-se com a função social do financiamento em destaque, direcionado a resguardar o acesso à moradia, a realização do sonho da casa própria. Está afinada com o princípio da boa-fé objetiva, pois se a inação da endossatária-caucionada, incompatível com os deveres anexos de lealdade e transparência, não pode ser premiada, sob outro ângulo, as justas e legítimas expectativas dos devedores hipotecários devem ser prestigiadas.

No caso em tela, não há qualquer notícia de que os devedores tiveram ciência da caução, de modo que o pagamento efetuado ao credor hipotecário autoriza o cancelamento da hipoteca e da caução que recaiu sobre os imóveis.

Resta analisar, finalmente, se haveria algum óbice em abordar o tema na esfera administrativa, ou seja, sem a necessidade de levar a discussão à via jurisdicional, observado o devido processo legal.

Nesse aspecto, houve a notificação da sucessora da caucionada, no caso, a Caixa Econômica Federal, que se manifestou nos autos (fls. 127/128), com destaque para o disposto no artigo 251, II, da Lei n° 6.015/1973, segundo o qual o cancelamento de hipoteca pode ser determinado em procedimento administrativo no qual o credor tenha sido intimado.

Assim, diante da comprovada quitação do débito hipotecário, na esteira do recente precedente desta Corregedoria Geral da Justiça, entendo que o caso é de cancelamento da hipoteca e da caução que recai sobre os imóveis de matrículas 31.825 e 31.31.826.

Posto isso, o parecer que respeitosamente submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de que seja dado provimento ao recurso.

Sub censura.

São Paulo, 21 de janeiro de 2014.

Renata Mota Maciel Madeira Dezem

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer da MM. Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, dou provimento ao recurso. São Paulo, 28.01.2014. – (a) – HAMILTON ELLIOT AKEL – Corregedor Geral da Justiça.

Fonte: DJE – Publicado em PARECERES DOS JUÍZES AUXILIARES DA CGJ nº 014 | 24/2/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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