Artigo: Breves considerações sobre o Valor Venal e o Valor de Referência – Por Gustavo Casagrande Canheu

*Gustavo Casagrande Canheu

Alguns munícipios paulistas, liderados pela capital do estado (Decreto Municipal nº 46.228/2005), têm criado, como nova base de cálculo do ITBI (imposto que incide sobre as transmissões onerosas de bens imóveis), o chamado “valor venal de referência”, ou ainda “valor de mercado”, que substitui o antigo valor venal, ainda utilizado como base de cálculo para outro imposto, o IPTU (imposto que incide sobre a propriedade predial e territorial urbana).

Como se sabe, a maioria dos municípios paulistas conta com plantas genéricas de valores altamente defasadas, isto é, as avalições que deu ensejo à cobrança do IPTU estão abaixo dos valores reais dos imóveis posto que há muito não são atualizadas, e algumas nunca o foram. Mudar a planta genérica é caro, demanda alto investimento com o mapeamento e a análise minuciosa de cada propriedade privada. E mais, tem forte reflexo político negativo, já que aumentar a base de cálculo do IPTU leva ao aumento do valor a ser pago por todos os munícipes (leia-se eleitores), por vezes em percentuais que ultrapassam os 100%.

A saída encontrada, então, para não mexer no bolso de toda a população, mas apenas daqueles que realizarem transmissões onerosas de bens imóveis, foi criar outra base de cálculo para o ITBI, ainda que tecnicamente seja ela a mesma do IPTU, isto é, o valor de mercado do bem transacionado. Essa inovação legislativa fruto de leis municipais específicas (no caso do município de São Paulo, é apenas um decreto), acaba por criar para um mesmo bem imóvel duas avaliações distintas, uma para o IPTU e outra para o ITBI, e o pior, ambas feitas pela mesma Fazenda Pública (municipal).

Nos autos da Apelação nº 1004131-85.2013.8.26.0053, a 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, entendeu que a adoção de valores venais distintos para os aludidos tributos afronta o princípio da legalidade, uma vez que dispõe “o artigo 38 do Código Tributário Nacional que a base de cálculo do ITBI é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, conforme a redação do artigo 7º, da lei nº 11.154/91”, ou seja, “o referido imposto e o IPTU têm a mesma base de cálculo” (j. 10/04/2014, v. unânime, r. Des. João Alberto Pezarini).

O entendimento em questão parte de premissa simples: a expressão “valor venal”, sempre utilizada, significa valor de venda, isto é, valor de mercado. Portanto, numa simples interpretação literal da expressão vê-se que a saída encontrada pelos munícipios para não atingir o bolso de todos os contribuintes, mas mesmo assim arrecadar mais nos negócios de transmissão onerosa de bens, beira a ilegalidade. Valor venal e valor de mercado ou de referência para negócios imobiliários são absolutamente a mesma coisa. Soa muito estranho dizer que um município ora considera que seu imóvel vale “X” e ora considera que ele vale “Y”. Ou é errada a primeira avalição ou a segunda (as vezes até as duas), e isso permite ao contribuinte o questionamento judicial de uma ou de outra.

Por outro lado, não se pode olvidar que é cediça a desatualização dos chamados valores venais do IPTU, o que sempre levou uma disfarçada sonegação no momento da escrituração da transmissão onerosa de uma propriedade imobiliária. Talvez por isso, em observância ao princípio da supremacia do interesse público, o STJ firmou o entendimento de que a forma de apuração da base de cálculo e a modalidade de lançamento do IPTU e do ITBI são diversas, razão que justifica a não vinculação dos valores desses impostos (REsp 1.202.007/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 15/05/2013). No mesmo sentido: AgRg no AREsp 206.701/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 02/08/2013; AgRg no Ag 1.385.877/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 03/06/2013; AgRg no AREsp 261.606/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 22/2/13; AgRg no REsp 1.226.872/SP, Rel.Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 23/4/12; AgRg nos EDcl no Agravo em Recurso Especial nº 36.076/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. 27/08/13).

Em suma, ainda que discutível a existência de dois valores venais fixados pela mesma Fazenda Pública, entendemos, pelos motivos acima expostos, que os Tabeliães de todo o país estão obrigados, nas escrituras em que haja transmissão onerosa de bens imóveis, a seguir como valor do bem negociado, desde que maior do que o declarado pelas partes, o chamado valor de referência ou de mercado, quando existente, devendo ele ser a base de cálculo tanto dos emolumentos quando dos impostos incidentes. Eventual discordância da parte deverá ser submetida ao Poder Judiciário, em procedimento judicial próprio, muito embora o entendimento jurisprudencial atual não seja nada animador.

Fonte: Notariado | 24/02/2015.

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STJ: Terceira Turma autoriza desconstituição de paternidade mesmo após cinco anos de convívio

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de um homem para permitir a alteração do registro de nascimento de uma criança em que ele constava como pai. A desconstituição da paternidade registral foi autorizada diante da constatação de vício de consentimento: o homem, que vivia com a mãe da criança, só descobriu que não era o pai biológico após fazer exame de DNA.

Embora a relação paterno-filial tenha durado cinco anos, os ministros levaram em conta o fato de que o pai registral rompeu os laços de afetividade tão logo tomou conhecimento da inexistência de vínculo biológico com a criança.

O recorrente viveu em união estável com a mãe e acreditava ser mesmo o pai da criança, que nasceu nesse período. Assim, registrou o menor e conviveu durante cinco anos com ele. Ao saber de possível traição da companheira, fez o exame de DNA.

Em ação negatória de paternidade, ele pediu o reconhecimento judicial da inexistência de vínculo biológico e a retificação do registro de nascimento.

Paternidade socioafetiva

Após o exame de DNA, a mãe – que antes negava a traição – passou a alegar que o companheiro tinha pleno conhecimento de que não era o genitor, mas mesmo assim quis registrar o menor como seu filho, consolidando uma situação de adoção à brasileira.

A sentença concluiu que a paternidade socioafetiva estava consolidada e devia prevalecer sobre a verdade biológica. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) confirmou a decisão de primeiro grau e julgou improcedente a ação negatória de paternidade, afirmando que a criança tem no pai registral “seu verdadeiro pai” e estruturou sua personalidade “na crença dessa paternidade”, conforme teria sido demonstrado no processo.

No recurso ao STJ, o autor da ação sustentou que foi induzido a erro pela mãe da criança, que teria atribuído a paternidade a ele.

De acordo com o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, ficou claro que, se o recorrente soubesse da verdade, não teria registrado a criança, “tanto é assim que, quando soube dos fatos, rompeu definitivamente qualquer relação anterior, de forma definitiva”.

O ministro considerou as conclusões do tribunal catarinense ao reconhecer a ocorrência efetiva do vício de consentimento do recorrente, que, ao registrar a criança, acreditou verdadeiramente que ela era fruto de seu relacionamento com a mãe.

Segundo o relator, se até o momento do exame de DNA a genitora alegava que o menor era filho do recorrente e que nunca houve ato de infidelidade, é “crível” que ele tenha sido induzido a erro para se declarar pai no registro de nascimento.

Disposição voluntária

Para Bellizze, a simples incompatibilidade entre a paternidade declarada no registro e a paternidade biológica, por si só, “não autoriza a invalidação do registro”.

Há casos, acrescentou o relator, em que o indivíduo, ciente de que não é o genitor da criança, “voluntária e expressamente” declara ser o pai no momento do registro, estabelecendo a partir daí vínculo de afetividade paterno-filial, como ocorre na chamada adoção à brasileira.

O ministro afirmou que a doutrina considera a existência de filiação socioafetiva apenas quando há clara disposição do apontado pai para dedicar afeto e ser reconhecido como tal. É necessário ainda que essa disposição seja voluntária. “Não se concebe, pois, a conformação dessa espécie de filiação quando o apontado pai incorre em qualquer dos vícios de consentimento”, concluiu.

Quando a adoção à brasileira se consolida, segundo o relator, mesmo sendo antijurídica, ela não pode ser modificada pelo pai registral e socioafetivo, pois nessas situações a verdade biológica se torna irrelevante.

Relação viciada

Bellizze destacou que no caso em julgamento não houve adoção à brasileira, mas uma relação de afeto estabelecida entre pai e filho registrais, baseada no vício de consentimento originário, e que foi rompida completamente diante da ciência da verdade dos fatos, há mais de oito anos – período superior à metade dos atuais 15 anos de vida do menor.

“Não se pode obrigar o pai registral, induzido a erro substancial, a manter uma relação de afeto igualmente calcada no vício de consentimento originário, impondo-lhe os deveres daí advindos, sem que voluntária e conscientemente o queira”, afirmou.

O relator disse que a filiação socioafetiva pressupõe “a vontade e a voluntariedade do apontado pai de ser assim reconhecido juridicamente”, circunstância ausente no caso.

Segundo o ministro, “cabe ao marido (ou ao companheiro), e somente a ele, fundado em erro, contestar a paternidade de criança supostamente oriunda da relação estabelecida com a genitora, de modo a romper a relação paterno-filial então conformada, deixando-se assente, contudo, a possibilidade de o vínculo de afetividade vir a se sobrepor ao vício, caso, após o pleno conhecimento da verdade dos fatos, seja esta a vontade do consorte/companheiro (hipótese que não comportaria posterior alteração)”.

Fonte: STJ | 24/02/2015.

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TJ/MG: Mulher é preservada do aval concedido em contrato pelo marido

Uma mulher casada conseguiu na Justiça o direito de ter preservada a sua metade dos bens do casal por não ter assinado o aval que seu marido concedeu a um contrato de crédito bancário. No ato, o marido informou que seu estado civil era solteiro. A decisão é da 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

 Em junho de 2010, o marido foi fiador em contrato firmado entre o banco Santander e a empresa Apoio Mineiro e assinou o contrato sem o conhecimento da esposa, obrigando-se pela fiança durante o prazo do contrato, que termina em 11 de março de 2016. Porém, como o devedor não está quitando a dívida, o avalista está arcando com as mensalidades, no valor de R$ 3.176.

 Segundo a mulher, esse compromisso financeiro está privando a família de uma série de itens da subsistência familiar. Por isso, a esposa ajuizou ação solicitando a anulação da anuência de aval dada pelo marido no contrato firmado.

 O banco Santander alegou que não agiu de forma ilícita, uma vez que o avalista declarou ser solteiro, não gerando assim a necessidade de anuência da esposa.

 O juiz da 14ª Vara Cível de Belo Horizonte, Marco Aurélio Ferrara Marcolino, julgou o pedido parcialmente procedente. Ele entendeu que, como o avalista induziu o banco ao erro, ao declarar-se solteiro, não era o caso de nulidade absoluta do aval prestado. E decidiu que “apenas deve ser resguardada a meação do outro cônjuge que não participou da relação obrigacional”.

 A esposa recorreu da decisão, mas o desembargador Wanderley Paiva confirmou a sentença. “Reconhecer a nulidade do aval prestada pelo cônjuge implicaria no afastamento da responsabilidade pessoal que assumiu, ocultando seu real estado civil, restando apenas a necessidade de preservação da meação da esposa”, afirmou.

 Os desembargadores Alexandre Santiago e Mariza de Melo Porto votaram de acordo com o relator.

Fonte: TJ – MG | 20/02/2015.

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