Artigo: O fim da audiência de conciliação no divórcio – Por Mário Luiz Delgado

* Mário Luiz Delgado

Recente decisão do STJ firmou que audiência de conciliação ou ratificação não constitui requisito para a homologação do divórcio consensual. Novo CPC também não mantém mais a exigência.

O Superior Tribunal de Justiça acabou de decidir, ao julgar o REsp 1.483.841/RS (DJe 27/03/15), que a audiência de conciliação ou ratificação não constitui requisito para a homologação do divórcio consensual. Para o STJ, a falta de sua realização não justifica a anulação do divórcio quando não houver prejuízo para as partes (pas de nullité sans grief)1.

A decisão encerra uma velha polêmica no que diz respeito à obrigatoriedade da audiência da ratificação. O § 2º, do art. 1.122, do CPC atual2, alude expressamente ao referido ato processual e diz ser cogente o comparecimento das partes, sob pena de arquivamento do processo. Não obstante, muitos juízos de família, em prol da celeridade processual, já dispensavam a realização dessa audiência.

A imposição da audiência tinha origem na antiga lei do divórcio (lei 6.515/77) e seu objetivo originalmente era promover todos os esforços para a reconciliação dos cônjuges. Posteriormente a audiência passou a ser utilizada também para aferir a higidez das manifestações de vontade apostas no acordo. Em acórdão do TJ/RS, colhe-se o registro “que na perspectiva atual a finalidade desse ato deve centrar-se na efetiva verificação da convergência de vontade das partes com o que consta plasmado na petição (e não na intervenção do juiz na tentativa de manter o vínculo, como antigamente), o que, largamente demonstra a experiência, frequentemente se verifica não ocorrer – desdobrando-se, posteriormente, em inúmeros feitos na tentativa de modificar os termos do acordo, sob os mais diversos argumentos, como coação, desconhecimento das suas consequências, etc”3. Essa posição parece ser majoritária em muitos tribunais estaduais4.

Para Rolf Madaleno, ainda “prevalece sim, um interesse de proteção estatal na justa composição da separação ou do divórcio, para que cônjuges possam ser induvidosamente esclarecidos, ou que assim manifestem perante o juiz, de estarem efetivamente cientes dos efeitos das cláusulas por eles ajustadas na sua separação no seu divórcio e, portanto, para que não saiam prejudicados em seus direitos”.5

Com todo respeito, os argumentos a favor da obrigatoriedade da audiência nos parecem francamente ultrapassados. De fato, com o nível de inclusão social da população brasileira na atual quadra da sociedade da informação aliado ao volume descomunal de processos que atola os escaninhos (físicos ou virtuais) do Judiciário, não faz qualquer sentido a obrigatoriedade da audiência em um procedimento consensual.

Os riscos de fraude, ou mesmo de prejuízo a um dos cônjuges ou aos filhos, podem ser coibidos pelos instrumentos previstos na legislação, a exemplo da ação anulatória.

Demais disto, se o acordo for pernicioso, o juiz pode se recusar a homologá-lo, consoante previsão do parágrafo único do art. 1.574 do CC, a repetir o § 2º do art. 34 da lei 6.515/77, independentemente de ter havido ou não a audiência6. Constatada a possibilidade concreta de prejuízo a um dos cônjuges, mostra-se “plenamente possível ao juízo rejeitar a homologação de acordo, que entenda desatender aos interesses de um dos consortes”7.

Registre-se, finalmente, que o novo CPC, a entrar em vigor em março de 2015, não mantém mais a exigência, implicando o fim de qualquer controvérsia que ainda pudesse ser suscitada.

Atualmente, enquanto vigente o CPC/73, nada impede que os juízes de família continuem a realizar as audiências de ratificação, por deliberação própria, sabendo, de antemão que a sua não realização não implicará qualquer nulidade. A partir da entrada em vigor do NCPC, a imposição da audiência contra a vontade das partes será manifestamente ilegal.

_______________

1 No julgamento do REsp 1.483.841, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a audiência de conciliação ou ratificação que antecede a homologação de divórcio consensual tem cunho meramente formal, e a falta de sua realização não justifica a anulação do divórcio quando não há prejuízo para as partes. Confira-se a ementa: PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO DE DIVÓRCIO CONSENSUAL DIRETO. AUDIÊNCIA PARA TENTATIVA DE RECONCILIAÇÃO OU RATIFICAÇÃO. INEXISTÊNCIA. DIVÓRCIO HOMOLOGADO DE PLANO. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. Em razão da modificação do art. 226, § 6º, da CF, com a nova redação dada pela EC 66/10, descabe falar em requisitos para a concessão de divórcio. 2. Inexistindo requisitos a serem comprovados, cabe, caso o magistrado entenda ser a hipótese de concessão de plano do divórcio, a sua homologação. 3. A audiência de conciliação ou ratificação passou a ter apenas cunho eminentemente formal, sem nada produzir, e não havendo nenhuma questão relevante de direito a se decidir, nada justifica na sua ausência, a anulação do processo.4. Ainda que a CF/88, na redação original do art. 226, tenha mantido em seu texto as figuras anteriores do divórcio e da separação e o CPC tenha regulamentado tal estrutura, com a nova redação do art.226 da CF/88, modificada pela EC 66/2010, deverá também haver nova interpretação dos arts. 1.122 do CPC e 40 da Lei do Divórcio, que não mais poderá ficar à margem da substancial alteração. Há que se observar e relembrar que a nova ordem constitucional prevista no art. 226 da Carta Maior alterou os requisitos necessários à concessão do Divórcio Consensual Direto.5.Não cabe,in casu, falar em inobservância do Princípio da Reserva de Plenário, previsto no art. 97 da Constituição Federal, notadamente porque não se procedeu qualquer declaração de inconstitucionalidade, mas sim apenas e somente interpretação sistemática dos dispositivos legais versados acerca da matéria.6. Recurso especial a que se nega provimento.(REsp 1483841/RS, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/03/2015, DJe 27/03/2015)

2 Art. 1.122. Apresentada a petição ao juiz, este verificará se ela preenche os requisitos exigidos nos dois artigos antecedentes; em seguida, ouvirá os cônjuges sobre os motivos da separação consensual, esclarecendo-lhes as conseqüências da manifestação de vontade.§ 1o Convencendo-se o juiz de que ambos, livremente e sem hesitações, desejam a separação consensual, mandará reduzir a termo as declarações e, depois de ouvir o Ministério Público no prazo de 5 (cinco) dias, o homologará; em caso contrário, marcar-lhes-á dia e hora, com 15 (quinze) a 30 (trinta) dias de intervalo, para que voltem a fim de ratificar o pedido de separação consensual.§ 2o Se qualquer dos cônjuges não comparecer à audiência designada ou não ratificar o pedido, o juiz mandará autuar a petição e documentos e arquivar o processo.

3 Apelação Cível Nº 70053849014, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 19/04/2013.

4  CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. DIVÓRCIO DIRETO CONSENSUAL. NÃO REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE RATIFICAÇÃO. AUSÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE FIRMA. SENTENÇA CASSADA. 1. A AUSÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE FIRMA DAS PARTES NA PETIÇÃO INICIAL DE DIVÓRCIO, ALIADA A NÃO DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE RATIFICAÇÃO, GERA INSEGURANÇA JURÍDICA E É CAUSA DE NULIDADE DA SENTENÇA QUE HOMOLOGA O DIVÓRCIO. 2.RECURSO PROVIDO. SENTENÇA CASSADA. (TJ-DF – APC: 20130310162204 DF 0015977-03.2013.8.07.0003, Relator: ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS, Data de Julgamento: 06/11/2013, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 25/11/2013 . Pág.: 130) * PROCESSO CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE DIVÓRCIO DIRETO CONSENSUAL. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. NÃO REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE RATIFICAÇÃO. NECESSIDADE. INTERESSE DE MENOR. IRRESIGNAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO. Acordo que envolve menor não pode ser homologado judicialmente sem que antes seja realizada audiência de ratificação, sendo necessária a intervenção do Ministério Público no feito, já que o principal interesse a ser protegido é o da criança. “Os interesses dos menores se sobrepõem aos princípios da celeridade e economia processual”. (Desembargador Mazoni Ferreira).(TJ-SC – AC: 663005 SC 2009.066300-5, Relator: Luiz Carlos Freyesleben, Data de Julgamento: 15/09/2010, Segunda Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Blumenau)

5 Separação extrajudicial: praticidade, trâmite e fraude. In: Antonio Coltro, Mario Luiz Delgado (Org.). Separação, divórcio, partilha e inventário extrajudiciais. 2 ed. São Paulo: Método, 2011, p. 266.

6 Essa faculdade atribuída ao juiz, também chamada de “cláusula de dureza”, é ato fundamentado do magistrado no exercício de seu munus, adotado com ou sem manifestação do interessado. Por interferir na autonomia privada dos cônjuges a regra é considerada inconstitucional por parcela da doutrina.(Vide DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das familias 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.292).

7 STJ- REsp 1203786/SC, DJe 19/03/2014.

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Mário Luiz Delgado é advogado do escritório MLD – Mário Luiz Delgado Advogados. Doutor pela USP. Mestre pela PUC/SP. Professor. Diretor de Assuntos Legislativos do IASP. Presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do IBDFAM.

Fonte: Migalhas | 06/04/2015.

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Artigo: APONTAMENTOS ACERCA DOS REGISTROS PÚBLICOS – Lei Nº 13.097/2015 – Por Ministra Nancy Andrighi e Desembargador TJ/SP Ricardo Dip

* Ministra Nancy Andrighi1

* Desembargador TJ/SP Ricardo Dip2

1. Datada de 19 de janeiro de 2015, a Lei nº 13.097, normativa de conversão da Medida Provisória nº 656/ 2014 (de 7-10), traz em seu bojo umas tantas regras concernentes ao Direito registral (arts. 53 a 62), embora a mais aparentemente importante delas (a do art. 54) não se destine a re percutir diretamente na praxis do registro, antes mais incidindo no âmbito de seus efeitos primeiramente substantivos.

2. A norma do referido art. 54 da Lei nº 13.097 explicita um princípio de algum modo já assente em nosso direito, qual o da inoponibilidade dos atos jurídicos não inscritos diante de negócios constitutivos, de transferência ou modificativos de direitos reais sobre imóveis.

Essa regra − a da eficácia substantiva da inscriçã o, com ressonância na esfera dos efeitos processuais o fensivo e defensivo derivados do status da legitimidade registral−, pressuposta já na obrigatoriedade das inscrições ( vid ē art. 169 da Lei nº 6.015, de 31-12-1973), não ostenta, na Lei nº 13.097, bem é que se diga, mais do que uma expressamente limitada extensão , tal se verifica do teor do mesmo art. 54:

“Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, n as hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:

I – registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias;

II – averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos do art. 615-A da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil;

III – averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e

IV – averbação, mediante decisão judicial, da exist ência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso II do art. 593 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 –

Código de Processo Civil.

Parágrafo único. Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.”

3. Desde nossa  primeira  normativa  registral  posterior  ao Código Civil de 1916, já se previra a inscrição “da s penhoras, arrestos e sequestros de immoveis” (inc. VII da alí nea a do art. 5º da Lei nº 4.827, de 7-2-1924) e “das citações de acções reaes ou pessoaes reipersecutórias, relativas a immoveis” (inc. VIII), previsões que se reprisaram no Decreto com q ue se regulamentou a Lei nº 4.827 −Decreto nº 18.542, de 24 de dezembro de 1928 (vid ē incs. VI e VII do art. 173, e, sobretudo, arts. 266 e 267, reportados ao caráter f raudatório dos negócios posteriores a essas inscrições).

Dessa maneira, parecerá pouco justo falar-se agora , quanto a esse capítulo, em novidade na prática registral ou ainda de um suposto novo princípio registrário (fal a-se em “concentração”), quando a convergência das inscriçõ es em tela −de penhora, arresto, sequestro, citações etc.− par a os livros do Registro já se anunciava expressamente na Lei de 1924. A relativa novidade, isto sim, foi a da explicitude legal dos efeitos substantivos −ainda que, repita-se, limitad amente−, efeitos esses derivados da falta de inscrição de alguns títulos referidos na Lei nº 13.097.

Inscrever penhoras, arrestos, sequestros e citaçõe s sempre favoreceu −e isso já se abona, entre nós, de larga e continuada tradição− ( i) a economia de tempo, esforços e custos, (ii) a situação de terceiros (com o resguardo dos interesses de credores e adquirentes) e (iii) o estímulo a diligências que permitam, como é desejável, passar da esfera da cognoscibilidade legal dos registros à de seu conhecimento efetivo.

Não se trata, pois, de novidade, mas de uma boa prática confirmada pela experiência ao largo do tempo.

4. À partida, é certo que essas inscrições acarretam uma vantagem econômica, na medida em que se solve o problema da dispersão publicitária, evadindo −o quanto possível (mas só o quanto possível)−  uma  sindicância  nos  arquivos   dos distribuidores judiciais,  de  plenitude  sempre  controversa  em um  País,  tal  o nosso,  de  grande  vulto  territorial  e  com instâncias  sobrepostas. Sendo  o  registro  imobiliário  o  locus natural  dos  fatos  relevantes para  a  caracterização  do  estado jurídico  dos  imóveis,  sempre  se entendeu,  com  efeito,  que  o registro  configura  a  melhor  fonte atrativa,  por  natureza,  da inscrição desses fatos e do conhecimento (ficto, presumido ou efetivo) da situação jurídico-predial.

Mas essa atração tabular, mal ou bem, não dispensa, de modo absoluto,  o  concurso  de  outras  fontes  publicitárias, incluído muito destacadamente o distribuidor judicial. A própria Lei  nº 13.097,  no  parágrafo  único  de  seu  art.  54,  indicou  a exceção dos casos sob a incidência das normas dos arts. 129 e 130 da Lei nº 11.101/2005 (de 9-2), em que se lê:

“Art. 129. São ineficazes em relação à massa falida, tenha ou não o contratante conhecimento do estado d e crise econômico-financeira do devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores:

I – o pagamento de dívidas não vencidas realizado p elo devedor dentro do termo legal, por qualquer meio extintivo do direito de crédito, ainda que pelo desconto do próprio título;

II – o pagamento de dívidas vencidas e exigíveis realizado dentro do termo legal, por qualquer forma que não seja a prevista pelo contrato;

III – a constituição de direito real de garantia, i nclusive a retenção, dentro do termo legal, tratando-se de d ívida contraída anteriormente; se os bens dados em hipoteca forem objeto de outras posteriores, a massa falida receberá a parte que devia caber ao credor da hipot eca revogada;

IV – a prática de atos a título gratuito, desde 2 ( dois) anos antes da decretação da falência;

V – a renúncia à herança ou a legado, até 2 (dois) anos antes da decretação da falência;

VI – a venda ou transferência de estabelecimento feita sem o consentimento expresso ou o pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não tendo restado ao devedor bens suficientes para solver o seu passivo, salvo se, no prazo de 30 (trinta) dias, não houver oposição dos credores, após serem devidamente notificados, judicialmente ou pelo oficial do registro de títulos e documentos;

VII – os registros de direitos reais e de transferência de propriedade entre vivos, por título oneroso ou gratuito, ou a averbação relativa a imóveis realizados após a decretação da falência, salvo se tiver havido prenotação anterior.

Parágrafo único. A ineficácia poderá ser declarada de ofício pelo juiz, alegada em defesa ou pleiteada mediante ação própria ou incidentalmente no curso do processo.

Art. 130. São revogáveis os atos praticados com a intenção de prejudicar credores, provando-se o conluio fraudulento entre o devedor e o terceiro que com ele contratar e o efetivo prejuízo sofrido pela massa falida.”

Em acréscimo, a Lei nº 13.097 exclui ainda do domínio de incidência da regra central de seu art. 54 “as hipóteses de aquisição e extinção da  propriedade  que  independam  de registro  de  título de  imóvel”,  quais  sejam  as  dos  atos  mortis causa, a da usucapião,  as  hipóteses  (embora  de  todo  mais raras) de formação  de  ilhas,  avulsão  e  aluvião  (incluindo  o abandono de álveo), as oponibilidades autônomas ori undas do direito de família (p.ex., o usufruto legal) e a inscrição na dívida ativa: “Presume-se fraudulenta a alienação o u oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa” (art. 185- A do Código Tributário Nacional).

Não é, pois, de estimar universalizada a extensão dos efeitos substantivos tabulares explicitados com o art. 54 da Lei nº 13.097, senão que −como se verá adiante− compree nder sua vantagem aclaratória quanto aos casos específicos que ali se elencam. Saliente-se que a extensão dos versado s efeitos substantivos objeto dessa nova Lei também não atinge os “imóveis que façam parte do patrimônio da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas fundações e autarquias” (art. 58) e posterga-se, por dois anos, quanto aos títulos formalizados antes da vigência da mesma Lei (cf. art. 61 e inc. II do art. 168).

5. Por outro ângulo, a divisão das possíveis fontes de conhecimento de fatos (objeto de inscrição) e situações (objeto de publicidade) referentes a imóveis sempre foi uma arriscada via de escusas para, com razão ou sem ela, permitir alguma forma de eficácia defensiva ou ofensiva em face de terceiros confiados na higidez do registro.

A concorrência de uma publicidade especializada (a dos ofícios prediais) com outros meios publicitários (p .ex., o judicial, o administrativo, o notarial) enseja, com efeito, riscos para o terceiro, adquirente ou credor, e para o próprio sistema registral, ao debilitar, quando não mesmo destruir, a confiança na legitimação registrária. É que esta última se ex pressa ao modo presuntivo da exatidão e da integralidade dos assentos registrais: em outros termos, no registro, assim se deve presumir, nada há positivamente de errôneo (exatidão registral), nem, agora negativamente (ou, acaso melhor, privativamente), dado algum há que lhe falte (integralidade registral), até que se inscreva, no próprio registro, eventual emenda e, no limite, salvo os casos de evidência quoad se de omissão (p.ex., o do nome do legitimado tabular) ou de contradição de termos (porque nesse quadro a presun ção se neutraliza). Amesquinhar, contudo, essa presunção, ainda que seja ela relativa (em nosso ordenamento, graduadamente relativa: cf. art. 252 da Lei nº 6.015, de 1973), m ediante o concurso de elementos publicitários extrarregistrais, maltrata o princípio da confiança no trato jurídico, em que, em última análise, repousa a legitimidade tabular.

Além disso, extraindo-se efeitos substantivos da só cognoscibilidade dos registros, sem exigir-se a pouco menos do que inviável confirmação, em cada caso, de seu conhecimento efetivo, melhor corresponde ao êxito esperável das diligências dos terceiros, possam elas realizar -se em fonte única, sem o receio de ignorar obstáculos ocultos p ara o conhecimento geral ou pouco menos que isso em ambientes não registrais.

Desse modo, a despeito da limitação das hipóteses arroladas no art. 54 da Lei nº 13.097, sua norma tende a revigorar o papel do registro imobiliário para a vi da social do cidadão.

6. Essa consideração sugere uma pequena digressão, porque, quase quatro décadas após a vigência da atual de Lei de Registros Públicos, com a subsistência de um birritualismo tabular que tem permitido sobreviver a técnica da transcrição com a da matrícula, tem-se tolerado, para conhecer-se a situação jurídica de um imóvel, não somente uma dis persão livresca, mas, muitas vezes, a diversidade de cartórios competentes. Não é demasiado referir que essa convi vência de técnicas − sobre afastada da intenção da Lei nº 6.0 15/73 em adotar o critério do fólio real− repercute na economia de tempo, de esforços e de custos.

Acaso seja a hora de cogitar do caráter apenas transitório da regra do inciso I do art. 169 da Lei nº 6.015, de 1973, em que se lê:

“Todos os atos enumerados no art. 167 são obrigatórios e efetuar-se-ão no Cartório da situação do imóvel, salvo:

I – as averbações, que serão efetuadas na matrícula ou à margem do registro a que se referirem, ainda que o imóvel tenha passado a pertencer a outra circunscrição”.

Sintoma da inconveniência dessa duplicidade de técnicas −as de transcrição e de matriculação−, é a inda o de que, em alguns casos, esgotados os espaços para as averbações marginais nos velhos “livrões” (o Livro nº 3 do Regulamento de 1939, ou seja, o Livro da Transcrição das Transmissões), e neles não havendo mais folhas em branco para  o  traslado  das  transcrições,  reproduzem-se  ela s  em folhas soltas (como se fossem matrículas!), nas quais se lançam as averbações, tudo para uma observância rigorosa de uma regra −a do mencionado inciso I do art. 169 da Lei de Registros Públicos− que só delonga a na lei almejada adoção da técnica de matrícula.

7. O Regulamento  de  1939  (Decreto  nº  4.857,  de  9-12 ), em seu art. 178 (incs. VI e VII), também previu a inscrição da penhora, do arresto, do sequestro e das citações na s ações reais, ou pessoais, e reipersecutórias, relativas a imóveis, indicando, em seus arts. 280 e 281, os efeitos substantivos projetados para as aquisições posteriores.

Não diversamente, a Lei nº 6.015, de 1973, na linh a da normativa anterior, alistou a penhora, o arresto, o sequestro de imóveis e as citações de demandas reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis, entre os atos suscetíveis de registro stricto sensu (nºs 5 e 21 do inc. I do art. 167), prevendo em seu art. 240: “O registro da penhora faz prova quanto à fraude de qualquer transação posterior”.

Sabe-se o quão controversa se viu a incidência dessa regra na aplicação pretoriana, sobretudo e de logo ante a notória falta de um advérbio (“só”, “somente”, “apenas”) que concorresse para conferir ao registro da penhora a exclusividade, em sua espécie, para a confirmação da fraude do negócio jurídico póstero.

Vem agora a Lei nº 13.097, de 2015, estadear, de modo explícito (como  já  se  observou),  a  inoponibilidade  de  alguns atos jurídicos não  inscritos  − suposta, pois,  a suscetibilidade de  sua  inscrição  (mas  deixe-se  aqui  à  margem  a  discussão sobre o caráter exauriente ou não da norma do inc. I  do art. 167 da Lei nº 6.015)− diante de negócios potencialmente constitutivos ou modificativos, objetiva ou subjetivamente (transferências), de direitos reais sobre imóveis, atos aqueles: (i) de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias; (ii) de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença; (iii) de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; (iv) da existência de outro tipo de ação cujos resulta dos ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência.

Não  há  nisso,  como  se  vê,  reflexo  para  a praxis registrária, porque os registros e as averbações correspondentes  já  se  previam  passíveis  de  aceder  a o  ofício predial. Acaso teria sido útil aproveitar o ensejo  desse art. 54 da Lei nº 13.097 para adotar-se, entre nós, a inscrição provisória ou −poderiam ser as duas coisas− um diverso locus de  textualização  do  registro  ou do averbamento de  atos que não  têm vocação de permanência (assim,  os relativos à penhora, sequestro, arresto, protesto contra alienação de bens, arrolamento cautelar, ações, indisponibilidade de bens etc.).

A  então  configurada,  em  inúmeras  hipóteses,  vultos a extensão   das   fichas   de   matrícula   conspira contra   seu perseguido  caráter  gráfico.  Uma  das  vantagens, com   efeito, que se pretende extrair da técnica do fólio real é a mais cômoda visibilidade da situação imobiliária publica da. Fichas vastas, com assentos que se cancelam direta ou indiretamente, ressonam de modo negativo na economia registral, o que, no modelo brasileiro da escrituração da matrícula, tem ainda o inconveniente de que adotamos a técnica sequencial e não a das averbações à margem dos assentamentos principais da matrícula. Dessa maneira, parece que, sem embargo da inconveniência, em princípio, d a dispersão de fontes textuais no registro, a remessa ao Livro nº 3 (Registro Auxiliar) de atos que, por si próprios, não se projetam duradouros, traria o saudável efeito de re duzir o ritmo de expansão escritural das matrículas, salvaguardando-se a inteireza da publicidade nos moldes indicados no art. 21 da Lei nº 6.015, de 1973.

No mesmo sentido, pareceria conveniente instituir a técnica das inscrições provisórias, com validade temporal assinada −ainda que prorrogável por ato judiciário− , de modo que, além das vantagens correspondentes à desnecessidade de averbações de cancelamento dessas inscrições, também se impediria o risco de uma falsa perpetuidade dos efeitos de alguns registros: exemplo típico é o do protesto contra a alienação de bens que, uma vez inscrito, inclina-se à persistência nas matrículas.

8. Regra de observância na prática do registro acha -se no § 1º do art. 56 da Lei nº 13.097, de 2015. Após indicar alguns requisitos da titulação exigível para o averbamento previsto no inciso IV de seu art. 54 (“averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultado s ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso II do art. 593 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil”), a Lei estabelece que essa referida averbação “é considerada sem valor declarado”, o que reflete no valor dos emolumentos e custas da inscrição. Além disso, ressalva-se a gratuidade eventual dessa averbação aos “que se declararem pobres sob as penas da lei” (§ 2º do art. 56), tema que tem suscitado, entre outras controvérsias, o da admissibilidade (ou não) de controle, pelo registrador, da veracidade da declaração da necessitas.

Para o território da prática notarial, convém pôr em evidência a previsão do art. 59 da Lei nº 13.097, que altera o texto do § 2º do art. 1º da Lei nº 7.433/1985 (de 1 8-12), dispensando a apresentação de certidões relativas a “feitos ajuizados”.

Novidade ainda na praxis registral é o disposto no § 3º do art. 56 da Lei, em que se impõe a obrigatoriedade da comunicação do ato da averbação ao juízo de que pro venha o título, assinando-se a tanto o prazo de dez dias, prevendo-se ainda (art. 60) que essa comunicação se perfaça por meio eletrônico a partir da implementação do sistema de registro eletrônico (Lei nº 11.977, de 7-7- 2009).

É importante ressaltar, a propósito, que o referido art. 60 da Lei nº 13.097 institui um tipo penal-disciplinar reportável, em extremo, à perda de delegação registrária, situação inédita de uma previsão benfazeja à segurança jurídica de orientação, sabido que a Lei nº 8.935/1 994 (de 18-11) apenas relacionava expressamente a extensão punitiva da delegação a um só tipo próprio dos registradores civis (inc. VI do art. 39).

Por fim, ponto ainda de relevo para a prática do registro, ter a Lei nº 13.097 reduzido a cinco dias o prazo para a qualificação relativa ao ato de averbação previsto no inciso IV de seu art. 54 (com efeito, lê-se no art. 57: “( …) será feita a averbação ou serão indicadas as pendências a serem satisfeitas para sua efetivação no prazo de 5 (cinco) dias”.

Esta é uma reflexão inicial acerca da Lei nº 13.097/2015 e um convite para que convivamos, sem receio, com os ventos da modernidade.

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1 Corregedora Nacional de Justiça

2 Juiz Auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça

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Fonte: CNJ.

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TJRS: Retificação de registro. Direito de propriedade – controvérsia. Via judicial.

Nos casos de retificação de registro, havendo controvérsia acerca do direito de propriedade de alguma das partes, o pedido deverá ser objeto de análise pela via judicial.

A Vigésima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS) julgou a Apelação Cível nº 70063077093, onde se decidiu que, nos casos de retificação de registro, havendo controvérsia acerca do direito de propriedade de alguma das partes, o pedido deverá ser objeto de análise nas vias ordinárias, conforme disposto no § 6º do art. 213 da Lei nº 6.015/73. O acórdão teve como Relatora a Desembargadora Walda Maria Melo Pierro e o recurso foi, por unanimidade, julgado improvido.

Trata-se de apelação interposta em face da r. sentença que, nos autos do pedido de retificação de registro de imóvel, julgou extinto o requerimento. No caso em tela, os apelantes compraram o imóvel, mas, ao efetuarem a medição do local, constataram a existência de área superior àquela referida na matrícula imobiliária e postularam a retificação do registro. Contudo, notificados os confrontantes, estes apresentaram impugnação, ensejando a extinção do pedido de retificação. Em suas razões, os apelantes sustentaram que é descabida a extinção, uma vez que, caberia ao Magistrado instruir o feito e decidi-lo e que não existe irresignação acerca do direito de propriedade, não sendo necessária a intervenção do Ministério Público.

Ao julgar o recurso, a Relatora entendeu ser impositiva a manutenção da sentença originária, uma vez que, o art. 213, § 6º da Lei nº 6.015/73 é claro ao dispor que, havendo controvérsia acerca do direito de propriedade de alguma das partes, o pedido deverá ser objeto de análise nas vias ordinárias. No caso em tela, não tendo os confrontantes concordado com a retificação, é impositiva a discussão na via ordinária, oportunizando o contraditório e a instrução do feito, pois, in casu, não se sabe quais partes da área total poderão ser modificadas com a retificação pretendida. A Relatora também ressaltou que não se pode desconsiderar o parecer do Ministério Público, pois é obrigatória a intervenção ministerial nos feitos de jurisdição voluntária.

Diante do exposto, a Relatora votou pelo improvimento do recurso.

Clique aqui e leia a íntegra da decisão.

Fonte: IRIB.

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