CGJ/SP: Tabelião de Notas – Escritura de compra e venda de imóveis – Exigência da anuência do cônjuge da vendedora, cujo casamento foi celebrado na Itália sob o regime de separação de bens por opção dos contraentes e independentemente de pacto antenupcial, de acordo com a legislação vigente – Observância ao artigo 7º, “caput”, e § 4°, da Lei de Introdução ao Código Civil e artigo 32, “caput”, e § 1°, da Lei de Registros Públicos – Prevalência da regra da incomunicabilidade de bens – Exigência indevida – Recurso provido.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 2013/168591
(113/2014-E)

Tabelião de Notas – Escritura de compra e venda de imóveis – Exigência da anuência do cônjuge da vendedora, cujo casamento foi celebrado na Itália sob o regime de separação de bens por opção dos contraentes e independentemente de pacto antenupcial, de acordo com a legislação vigente – Observância ao artigo 7º, “caput”, e § 4°, da Lei de Introdução ao Código Civil e artigo 32, “caput”, e § 1°, da Lei de Registros Públicos – Prevalência da regra da incomunicabilidade de bens – Exigência indevida – Recurso provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de recurso administrativo interposto por MIRKA BAUCE contra a decisão do Juízo Corregedor Permanente do 1º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca de Peruíbe, que em resposta à consulta de como proceder a qualificação notarial referente à lavratura de escritura de compra e venda sem outorga marital, no caso de matrimônio contraído em outro país (Província Italiana) sob o regime da separação absoluta de bens sem a celebração de pacto antenupcial, considerou imprescindível a presença do casal na condição de vendedores, em observância à Súmula n° 377 do STF e artigo 8º do Decreto-lei n° 4657/42.

A recorrente sustenta que a Súmula n° 377 do STF se aplica aos casos nos quais o regime da separação de bens é obrigatório ou legal, como ocorria nos casamentos italianos anteriores ao ano de 1975, época na qual o regime de bens do casamento de acordo com a legislação em vigor era o da separação, porém, a partir do início de vigência da Lei n° 19, de 19/5/75, o regime legal passou a ser o da comunhão, razão pela qual a adoção do regime da separação por opção dos contraentes deve ser respeitada, e, quanto ao pacto antenupcial, diferentemente da legislação brasileira, este não é obrigatório na lei italiana em vigor.

A Procuradoria Geral da Justiça não se manifestou, por considerar inexistente interesse que justifique a intervenção do Ministério Público.

É o relatório.

Opino.

Da análise dos documentos trazidos aos autos, verifica-se que a recorrente contraiu matrimônio na Itália em 3 de maio de 2001 com António Carlos Morellato Júnior, conforme certidão de registro de casamento expedida pelo Consulado da República Federativa do Brasil em Milão, cuja transcrição foi providenciada em 29/6/2001 perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas do 1º Subdistrito da Sede da Comarca de Jundiaí (fls. 29 e 34).

Aplica-se ao caso vertente o artigo 7º, “caput”, da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo o qual a lei do país onde está domiciliada a pessoa é que determina as regras gerais de direito de família, e o §4° do mesmo artigo, de que o regime de bens, legal ou convencional, obedece a lei do país que tiverem os nubentes domicílios, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal. Ambos os contraentes eram domiciliados na Itália ao tempo do casamento.

O artigo 32 da Lei n° 6.015/73 estabelece que os assentos de casamento de brasileiros em país estrangeiro serão considerados autênticos, nos termos da lei do lugar em que foram feitos, e, nos termos do §1°, deverão ser trasladados para produzir efeitos, portanto, o casamento da recorrente está produzindo efeitos no Brasil desde a data da transcrição providenciada, e se aplica o regime de bens estabelecido de acordo com as regras daquele país, sem que haja comunicação de bens havidos na constância do matrimônio.

Com efeito, o regime de bens legal adotado pela legislação italiana anteriormente ao advento da Lei n° 151 que passou a vigorar em 20/9/75 era o da separação de bens, e, a partir da vigência desta lei, passou a ser o da comunhão de bens. Assim sendo, ao tempo do casamento da recorrente o regime legal era o da comunhão, e a escolha pelos contraentes de regime diverso do legal, ou seja, o da separação de bens, passou a vigorar no ato da celebração, tal como consta do registro, independentemente de pacto, em conformidade com a legislação italiana (fls.15 e 17/18, e 16).

Nestas condições, está claro que o regime de separação de bens resultou de regular e legal opção dos contraentes, e se trata de negócio jurídico cuja lei brasileira reconhece o valor. Não há, pois, razão para que se exija pacto antenupcial e não é caso de aplicar a Súmula n° 377 do Supremo Tribunal Federal, pela qual no regime da separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento. Esta regra é restrita aos casos em que a lei brasileira impõe o regime de bens da separação, nos termos do artigo 1.641 do Código Civil e artigo 258, parágrafo único, do Código Civil revogado e, mesmo que não fosse, a recorrente e seu cônjuge não se enquadram em nenhuma das imposições legais deste regime obrigatório.

Além do mais, o próprio Supremo Tribunal Federal amenizou tal entendimento, exigindo prova do esforço comum na aquisição do patrimônio havido na constância do casamento, e, de acordo com o teor da certidão do registro imobiliário, a recorrente adquiriu a nua propriedade e seus genitores o usufruto do imóvel por escritura pública de compra e venda datada de 11 de setembro de 2001, ou seja, quatro meses após a data do casamento, em clara indicação de não ter sido a aquisição fruto do esforço comum do casal.

Em suma, não há comunicabilidade de bens por força do regime que rege o casamento da recorrente, o qual foi celebrado na Itália, cuja certidão de registro foi expedida pelo Consulado da República Federativa do Brasil em Milão e a transcrição foi regularmente providenciada, razão pela qual não é caso de exigir a anuência do cônjuge para a lavratura da escritura de compra e venda do imóvel.

À vista do exposto, o parecer que respeitosamente submeto ao elevado exame de Vossa Excelência, é de que seja dado provimento ao recurso, a fim de que a escritura pública de compra e venda do imóvel matriculado sob n° 200.808 do Registro de Imóveis de Itanhaém, seja lavrada mediante dispensa da anuência do cônjuge da titular do domínio da nua propriedade.

Sub Censura.

São Paulo, 7 de abril de 2014

ANA LUIZA VILLA NOVA

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer da MMª Juíza Assessora da Corregedoria, e, por seus fundamentos, que adoto, dou provimento ao recurso. São Paulo, 15.04.2014. – (a) – HAMILTON ELIIOT AKEL – Corregedoria Geral da Justiça.

Fonte: INR Publicações – Publicado em PARECERES DOS JUÍZES AUXILIARES DA CGJ nº 026 |  07/04/2015.

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