CSM|SP: Registro de Imóveis – Recusa de ingresso de título – Resignação parcial – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação


  
 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1000786-69.2017.8.26.0539, da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo, em que são partes é apelante DINAIR ANTÔNIO MOLINA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SANTA CRUZ DO RIO PARDO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram por prejudicada a dúvida e não conheceram do recurso, v.u. Declarará voto convergente o Desembargador Ricardo Dip.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 19 de dezembro de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1000786-69.2017.8.26.0539

Apelante: Dinair Antônio Molina

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo

VOTO Nº 29.874

Registro de Imóveis – Recusa de ingresso de título – Resignação parcial – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação – Correta descrição dos imóveis envolvidos em operações de desdobro e fusão – Princípio da especialidade objetiva – Manutenção das exigências – Exibição de certidões negativas de débitos federais, previdenciários e tributários municipais – Inteligência do item 119.1. do Cap. XX das NSCGJ – Precedentes deste Conselho – Afastamento das exigências – Exibição de certidões de ações reais, pessoais reipersecutórias e de ônus reais – Exigência que encontra amparo na letra “c” do item 59 do Capítulo XIV das NSCGJ e na Lei nº 7.433/1985 – Manutenção das exigências.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Dinair Antônio Molina contra a sentença de fls. 67/69, que julgou prejudicada a dúvida suscitada e manteve a recusa ao registro de instrumento particular de compra e venda apresentado no Registro de Imóveis e Anexos de Santa Cruz do Rio Pardo.

Sustenta o apelante, em resumo, que as exigências formuladas pelo registrador não podem prosperar (fls. 72/77).

A Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não provimento da apelação (fls. 89/91).

É o relatório.

De acordo com a nota devolutiva de fls. 43/44, os seguintes motivos impedem a inscrição do instrumento particular de compra e venda de fls. 13/17:

I) O instrumento ora mencionado deve: a) conter a descrição da área remanescente da matrícula n° 410; b) conter a descrição originária e remanescente da matrícula n° 6.343; c) ter todas as folhas rubricadas pelas partes e testemunhas; d) ser retificado para constar que o imóvel adquirido (item II) e fundido (item IV) é irregular; e) ser retificado para constar que o imóvel adquirido (item II) não contém benfeitorias;

II) A certidão e memorial descritivo do desdobro devem ser retificados para constar que os imóveis originário, desdobrado e remanescente são irregulares e que o imóvel descrito no item 2 (com 69,28m²) não contém benfeitorias;

III) A certidão e memorial descritivo da fusão devem ser retificados para constar que os imóveis fundido (com 450,11m²) e descrito no item 2 (com 69,28m²) são irregulares e que este ultimo não contém benfeitorias;

IV) Devem ser apresentadas, em nome da transmitente: a) certidão negativa de débitos federais e previdenciários, ou, se o caso, a dispensa pela adquirente e declaração do alienante (no instrumento particular), sob pena de responsabilidade civil e penal, de que o imóvel encontra-se livre e desembaraçado de quaisquer ônus reais, judiciais ou extrajudiciais, e sobre a existência de outras ações reais e pessoais reipersecutórias, relativas ao imóvel, e de outros ônus reais incidentes sobre o mesmo; b) certidão negativa de débitos tributários municipais; c) certidão negativa de distribuição de ações expedidas pela Justiça Federal, pela Justiça Estadual e pela Justiça do Trabalho, ou a dispensa pelos adquirentes e declaração do alienante (no instrumento particular), sob pena de responsabilidade civil e penal, de que o imóvel encontra-se livre e desembaraçado de quaisquer ônus reais, judiciais ou extrajudiciais, e sobre a existência de outras ações reais e pessoais reipersecutórias, relativas ao imóvel, e de outros ônus reais incidentes sobre o mesmo; d) certidão negativa de débitos trabalhistas expedidas pelo Tribunal Superior do Trabalho, ou a expressa ciência dos adquirentes no sentido de que poderão obter a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas – CNDT (CLT, art. 642-A); e) as certidões das matriculas nºs 410 e 6.343 (expedidas há menos de 30 dias).

Como concluído pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, verifica-se que houve resignação parcial em relação a essa nota devolutiva, pois a exigência relativa à apresentação das certidões das matriculas nº 410 e 6.343, expedidas há menos de 30 dias, embora tenha contado com a concordância do apelante (fls. 50), não foi cumprida.

A jurisprudência deste Conselho Superior é tranquila no sentido de que a concordância, ainda que tácita, com qualquer das exigências feitas pelo registrador ou o atendimento delas no curso da dúvida, ou do recurso contra a decisão nela proferida, prejudica-a:

A dúvida registrária não se presta para o exame parcial das exigências formuladas e não comporta o atendimento de exigência depois de sua suscitação, pois a qualificação do título é feita, integralmente, no momento em que é apresentado para registro. Admitir o atendimento de exigência no curso do procedimento da dúvida teria como efeito a indevida prorrogação do prazo de validade da prenotação e, em consequência, impossibilitaria o registro de eventuais outros títulos representativos de direitos reais contraditórios que forem apresentados no mesmo período. Em razão disso, a aquiescência do apelante com uma das exigências formuladas prejudica a apreciação das demais matérias que se tornaram controvertidas. Neste sentido decidiu este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n.º 60.460.0/8, da Comarca de Santos, em que foi relator o Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, e na Apelação Cível n.º 81.685-0/8, da Comarca de Batatais, em que foi relator o Desembargador Luís de Macedo (Apelação Cível n.º 220.6/6-00). (grifei)

Desse modo, a dúvida está prejudicada.

Ainda assim, deve-se analisar a questão de fundo, a fim de evitar que, cumpridas as exigências não impugnadas, o interessado venha a ter que se valer, novamente, do procedimento.

Não se trata de consulta, em tese, mas de análise de caso concreto. O Conselho não atua como mero órgão consultivo, mas como regulador de uma situação de fato. Uma vez resolvida a controvérsia, o tema não será mais levado à Corregedoria Permanente, dado que o Oficial já terá orientação clara sobre como proceder.

Ao contrário do exercício de função jurisdicional, cuja essência é teleológica, a função administrativa, exercida no âmbito do julgamento das dúvidas, tem caráter disciplinador. Enquanto, na função jurisdicional, visa-se ao julgamento do mérito, com posterior formação de coisa julgada e impossibilidade de rediscussão para as partes, o julgamento das dúvidas não se presta somente a decidir o caso concreto, mas a servir de orientação aos registradores para casos análogos.

Logo, por esses dois ângulos é importante a análise do mérito, ainda que prejudicada a dúvida: a) evita-se a nova suscitação; b) fixa-se orientação para casos similares.

Passa-se ao exame das exigências, anotando-se que item I, letra “c”, da nota devolutiva (todas as folhas do título devem ser rubricadas pelas partes e testemunhas) foi reconsiderado (fls. 3) e o item IV, letra “e”, não foi impugnado.

As exigências relacionadas no item I da nota devolutiva, que tratam de aspectos que devem ser mencionados no instrumento apresentado (letra “a” – descrição da área remanescente da matrícula n° 410; letra “b” – descrição originária e remanescente da matrícula n° 6.343; letra “d” – constar que o imóvel adquirido e fundido é irregular; e letra “e” – constar que o imóvel adquirido não contém benfeitorias) devem ser todas mantidas.

As descrições dos bens envolvidos no desdobro e na fusão (tanto da situação original como da situação que se pretende criar), assim como a referência às eventuais benfeitorias existentes nos terrenos devem realmente constar no título, ainda que essas informações estejam inseridas em documentos que o tenham acompanhado. Essas providências encontram fundamento no princípio da especialidade objetiva, que exige a caracterização detalhada e precisa dos imóveis matriculados.

Por esses mesmos motivos também devem ser mantidos os óbices descritos nos itens II (retificação da certidão e do memorial descritivo do desdobro para constar que os imóveis originário, desdobrado e remanescente são irregulares e que o imóvel descrito no item 2 não contém benfeitorias) e III (retificação da certidão e do memorial descritivo da fusão para constar que o imóvel fundido e o imóvel descrito no item 2 são irregulares e que este ultimo não contém benfeitorias) da nota devolutiva. Atende ao princípio da especialidade objetiva a retificação das descrições, a fim de que conste que os imóveis envolvidos no desdobro e na fusão não são retangulares o que pressupõe ângulos internos retos e lados opostos congruentes. São, em verdade, quadriláteros irregulares.

Tem razão o registrador ao determinar a apresentação de certidões de ações reais, pessoais reipersecutórias e de ônus reais (item IV, letra “c” da nota devolutiva), exigência que encontra guarida na letra “c” do item 59 do Capítulo XIV das NSCGJ e na Lei 7.433/1985.

Referidas certidões não podem ser dispensadas nem mesmo por ocasião da lavratura de escritura pública relativa a imóvel, pois tem como finalidade conferir segurança jurídica à transação imobiliária.

Se nem mesmo o tabelião, dotado de fé pública, pode dispensar a apresentação de certidão de ações reais, pessoais reipersecutórias e de ônus reais, com mais razão deve o registrador exigir a sua apresentação dos particulares.

Por outro lado, não se justifica a exibição de CNDs (item IV, letras “a” e “b” da nota devolutiva), diante da contemporânea compreensão do C. CSM, iluminada por diretriz estabelecida pela Corte Suprema [1], a dispensá-las, porquanto a exigência, uma vez mantida, prestigiaria vedada sanção política [2].

A confirmação da exigência importaria, na situação em apreço, uma restrição indevida ao acesso de título à tábua registral, imposta como forma oblíqua, instrumentalizada para, ao arrepio e distante do devido processo legal, forçar o contribuinte ao pagamento de tributos [3].

Caracterizaria, em síntese, restrição a interesses privados em desacordo com a orientação do E. STF, a qual se alinhou este C. CSM, e, nessa trilha, incompatível com limitações inerentes ao devido processo legal, porque mascararia uma cobrança por quem não é a autoridade competente, longe do procedimento adequado à defesa dos direitos do contribuinte, em atividade estranha à fiscalização que lhe foi cometida, ao seu fundamento e fins legais, dado que as obrigações tributárias em foco não decorrem do ato registral buscado.

Conforme Humberto Ávila, “a cobrança de tributos é atividade vinculada procedimentalmente pelo devido processo legal, passando a importar quem pratica o ato administrativo, como e dentro de que limites o faz, mesmo que e isto é essencial não haja regra expressa ou a que seja prevista estabeleça o contrário.” [4]

Na mesma direção, sob inspiração desses precedentes, segue o subitem 119.1. do Cap. XX das NSCGJ, consoante o qual, “com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais.

Finalmente, a certidão negativa de débitos trabalhistas (CNDT) não é exigida nem mesmo por ocasião da lavratura de escritura pública.

Nos termos do item 42 do Capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça o tabelião tem somente o dever de cientificar as partes envolvidas de que é possível obter a CNDT, instituída pela Lei 12.440/2011, que criou o artigo 642-A da CLT.

Como a apresentação da CNDT não é exigida na lavratura de uma escritura pública, com menos razão é possível impor tal formalidade ao registro de instrumento particular.

Com tais observações, dou por prejudicada a dúvida e não conheço do recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação 1000786-69.2017.8.26.0539 SEMA

Dúvida de registro

VOTO 52.315 (com divergência)

1. Registro, para logo, perfilhar o resumo processual lançado autos pelo digno Relator da espécie.

2. Peço reverente licença para, entretanto, não aderir à “análise de mérito” a que se dedicou o digno Relator após afirmar não conhecer do recurso.

Ao registrador público, tendo afirmada, per naturam legemque positam, a independência na qualificação jurídica (vide arts. 3º e 28 da Lei n. 8.935, de 18-11-1994), não parece possam impor-se, nesta esfera de qualificação, “orientações” prévias e abstratas de caráter hierárquico.

Assim, o registrador tem o dever de qualificação jurídica e o direito de efetivá-la com independência profissional, in suo ordine.

Vem a propósito que a colenda Corregedoria Geral da Justiça paulista, em seu volumoso código de normas, enuncia:

“Os oficiais de Registro de Imóveis gozam de independência jurídica no exercício de suas funções e exercem essa prerrogativa quando interpretam disposição legal ou normativa. (…)” (item 9º do cap. XX das “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”).

Se o que basta não bastara, calha que os órgãos dotados de (controversa) potestas para editar regras técnicas relativas aos registros públicos são os juízes competentes para o exercício da função correcional (o que inclui a egrégia Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo; cf. inc. XIV do art. 30 da Lei n. 8.935/1994). Essa função de corregedoria dos registros, em instância administrativa final no Estado de São Paulo, não compete a este Conselho Superior da Magistratura, Conselho – a cuja auctoritas tributo meu respeito- não detém, ao revés do que respeitavelmente entendeu o venerando voto de relação, “poder disciplinador” sobre os registros e as notas (v., a propósito, os incs. XVII a XXXIII do art. 28 do Regimento Interno deste Tribunal).

Averbo, por fim, que a admitir-se a pretendida força normativa da ventilada “orientação”, não só os juízes corregedores permanentes estariam jungidos a observá-la, mas também as futuras composições deste mesmo Conselho.

Deste modo, voto no sentido de que não se conheça do recurso, excluindo-se a r. incursão no mérito do caso.

É como voto.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público

Notas:

[1] ADI n.º 173/DF e ADI n.º 394/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 25.9.2008.

[2] Apelação Cível n.º 0013759-77.2012.8.26.0562, rel. Des. Renato Nalini, j. 17.1.2013; Apelação Cível n.º 0021311-24.2012.8.26.0100, rel. Des. Renato Nalini, j. 17.1.2013; Apelação Cível n.º 0013693-47.2012.8.26.0320, rel. Des. Renato Nalini, j. 18.4.2013; Apelação Cível n.º 9000004-83.2011.8.26.0296, rel. Des. Renato Nalini, j. 26.9.2013; e Apelação Cível n.º 0002289-35.2013.8.26.0426, rel. Des. Hamilton Elliot Akel, j. 26.8.2014.

[3] A respeito da proscrição das sanções políticas, cf. Hugo de Brito Machado, in Curso de Direito Tributário. 32.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 509-511.

[4] Sistema constitucional tributário. 5.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 173.

(DJe de 19.07.2018 – SP)

Fonte: 26º Tabelionato de Notas | 24/07/2018.

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