Mandado de Segurança – Imposto sobre Transmissão ‘Causa Mortis’ e Doação – ITCMD. Autores que buscam o reconhecimento do direito à isenção do ITCMD “causa mortis” – Fração do imóvel a ser efetivamente transmitida que corresponde a metade ideal do bem, cujo valor não ultrapassa 5.000 UFESPs – Sentença de procedência – Recurso da Fazenda Estadual – Base de cálculo do ITCMD que deve corresponder à parcela do bem efetivamente transmitida – Inteligência dos artigos 38 do CTN, art. 9º da Lei Estadual nº 10.705/00, art. 1.792 do Código Civil – Isenção prevista no art. 6º, inciso I, “a”, da Lei Estadual nº 10.705/00 – Ilegalidade do § 4º do art. 6º do Decreto Estadual nº 46.655/02 – Decreto regulamentador que não poderia inovar em relação à lei – Precedentes desta Corte – Recurso improvido.


  
 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1004202-23.2019.8.26.0071, da Comarca de Bauru, em que é apelante ESTADO DE SÃO PAULO, são apelados SUELI CAMPOS MAJOLO MARTINS, NATALY MAJOLO MARTINS e SAMUEL MAJOLO MARTINS.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RICARDO DIP (Presidente) e JARBAS GOMES.

São Paulo, 21 de agosto de 2020.

AROLDO VIOTTI

Relator

Assinatura Eletrônica

VOTO Nº 43.150

APELAÇÃO Nº 1004202-23.2019.8.26.0071, de Bauru

APELANTE: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

APELADOS: SUELI CAMPOS MAJOLO MARTINS e OUTROS

JUÍZA 1ª INSTÂNCIA: ELAINE CRISTINA STORINO LEONI

Mandado de Segurança. Imposto sobre Transmissão ‘Causa Mortis’ e Doação – ITCMD. Autores que buscam o reconhecimento do direito à isenção do ITCMD “causa mortis”. Fração do imóvel a ser efetivamente transmitida que corresponde a metade ideal do bem, cujo valor não ultrapassa 5.000 UFESPs. Sentença de procedência. Recurso da Fazenda Estadual. Base de cálculo do ITCMD que deve corresponder à parcela do bem efetivamente transmitida. Inteligência dos artigos 38 do CTN, art. 9º da Lei Estadual nº 10.705/00, art. 1.792 do Código Civil. Isenção prevista no art. 6º, inciso I, “a”, da Lei Estadual nº 10.705/00. Ilegalidade do § 4º do art. 6º do Decreto Estadual nº 46.655/02. Decreto regulamentador que não poderia inovar em relação à lei. Precedentes desta Corte. Recurso improvido.

I. Ação Declaratória de Inexigibilidade de Tributo movida por SUELI CAMPOS MAJOLO MARTINS, SAMUEL MAJOLO MARTINS e NATALY MAJOLO MARTINS os dois últimos menores representados por sua genitora, a primeira autora – contra a FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Relatam em síntese que em razão do falecimento do esposo/genitor dos autores, Sr. Augusto César Martins, ajuizaram processo de Arrolamento do único bem imóvel deixado pelo “de cujus” e apresentaram ao Fisco a Declaração de Isenção do respectivo ITCMD, tendo em vista que o valor equivalente à fração do imóvel a ser transmitida para os coautores Samuel e Nataly metade ideal do bem (R$ 121.802,55) é inferior a 5.000 Ufesps. No entanto, os autores foram notificados a retificar a Declaração de ITCMD ao fundamento de divergência na base de cálculo do imóvel. Segundo a Fazenda Estadual, o imposto deve ser calculado sobre o valor venal do imóvel (R$ 243.605,10). Pedem a declaração de inexigibilidade do ITCMD calculado sobre o valor venal do imóvel em questão, bem assim a condenação da ré a receber a declaração do ITCMD calculado sobre a metade ideal do imóvel, reconhecendo-se, em consequência, o direito dos autores à isenção do aludido tributo, nos termos do art. 6º, inciso I, “a”, da Lei Estadual nº 10.705/00.

A tutela de urgência foi indeferida a fls. 39/40 e a r. sentença de fls. 67/73, de relatório adicionalmente adotado, julgou procedente a ação, “para o fim de declarar a base de cálculo do ITCMD correspondente ao valor venal estabelecido para a incidência do IPTU lançado no exercício, na fração de 50% do imóvel e veículo transmitidos com a consequente isenção ao recolhimento (…)”. Carreou à ré, ainda, o pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Sobreveio recurso de Apelação da Fazenda Estadual. Nas razões de fls. 83/87, busca a inversão do julgado, asseverando que: a) o valor a ser considerado, para fins de concessão da isenção, é o do imóvel, e não o valor a ser transmitido, nos termos do art. 6º, inciso I, da Lei Estadual nº 10.705/00, e conforme expressa previsão do § 4º do art. 6º do Decreto nº 46.655/02, acrescido pelo Decreto nº 56.693/11;b) “a lei é clara, não cabendo qualquer interpretação, ainda mais porque isenção encerra norma de disposição de receita, cuja interpretação deve ser restritiva” (fls. 86).

O recurso foi contrariado a fls. 97/99, subindo os autos. Nesta instância, a D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento do recurso (fls. 113/115). Este, em síntese, o relatório.

II. O recurso não comporta acolhimento.

O “Imposto sobre Transmissão ‘Causa Mortis’ e Doação” – ITCMD tem embasamento no artigo 155, inciso I da Constituição Federal, cujo teor é o seguinte: “Art. 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I – transmissão ‘causa mortis’ e doação, de quaisquer bens ou direitos;”.

O Código Tributário Nacional, ao disciplinar o fato gerador e a base de cálculo do ITCMD, assim dispõe:

“Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:

I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;

II – a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;

III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.

Parágrafo único. Nas transmissões causa mortis, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários.” (g.n.)

(…)

“Art. 38. A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.” (sublinhou-se)

Foi esse imposto, no Estado de São Paulo instituído pela Lei estadual nº 10.705, de 28 de dezembro de 2000 [1]

“Artigo 2º – O imposto incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito havido:

I – por sucessão legítima ou testamentária, inclusive a sucessão provisória;

(…)

§ 2º – Compreende-se no inciso I deste artigo a transmissão de bem ou direito por qualquer título sucessório, inclusive o fideicomisso.”.

“Artigo 9º – A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo).” (g.n.).

A hipótese de incidência do imposto estadual, no caso dos autos, é a sucessão que tem por objeto bem imóvel.

A sucessão está disciplinada nos artigos 1.784 e seguintes do Código Civil. No que tange às dívidas inerentes à herança, soa artigo 1.792: “O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados.”.

Por algo “kafkiana” que se afigure a disciplina arrecadatória do imposto, inegável é que as categorias e princípios de direito privado não podem ser alterados em seu conteúdo pelo legislador tributário (artigos 109 e 110 do Código Tributário Nacional [2].

Inafastável, assim, a conclusão de que o ITCMD “causa mortis” deve incidir apenas sobre os bens que forem efetivamente transmitidos aos sucessores. Significa dizer que o imposto não deverá incidir sobre aqueles que, excluídos do monte-mor, não forem de fato transmitidos aos sucessores neste caso, a metade ideal do imóvel que, pertencente à viúva meeira, não é objeto da sucessão (art. 1.829, inciso I, do Código Civil).

Incontroverso nos autos que o valor venal do imóvel em questão é de R$ 243.605,10 (duzentos e quarenta e três mil, seiscentos e cinco reais e dez centavos). Considerando que a fração do imóvel efetivamente transmitido aos coautores Samuel e Nataly corresponde à metade ideal do bem, a fração a ser transmitida é de R$ 121.802,55 (cento e vinte e um mil, oitocentos e dois reais e cinquenta e cinco centavos).

A teor do art. 6º, inciso I, alínea “a”, da Lei Estadual n° 10.705/00, fica isenta do ITCMD a transmissão “causa mortis” de imóvel de residência cujo valor não ultrapasse 5.000 (cinco mil UFESPs), e que os herdeiros nele residam e não tenham outro imóvel. É precisamente este o caso dos autos: o valor da fração do imóvel transmitida aos coautores Samuel e Nataly não ultrapassa 5.000 UFESPs [3], tendo restando inconteste que os autores mantém residência neste imóvel, e que não dispõem de outra propriedade imobiliária.

Não passou desapercebida a regra prevista no § 4º do art. 6º do Decreto Estadual nº 46.655/02 [4], que aprovou o “Regulamento do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos RITCMD”, “in verbis”.

“Artigo 6º – Fica isenta do imposto (Lei 10.705/00, art. 6º, na redação da Lei 10.992/01):

I – a transmissão “causa mortis”:

a) de imóvel de residência, urbano ou rural, cujo valor não ultrapassar 5.000 (cinco mil) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo – UFESPs e os familiares beneficiados nele residam e não tenham outro imóvel;

(…)

§ 4º – Relativamente às hipóteses previstas nas alíneas “a” e “b” do inciso I, considera-se o valor total e as características de cada imóvel, e não o valor correspondente ao quinhão de cada herdeiro ou legatário.” (sem sublinhas no original).

Tem-se que o decreto, neste ponto, feriu-se de ilegalidade, nas exata medida em que extrapolou os limites da Lei Estadual nº 10.705/2000. É ressabido que decreto não pode inovar no tocante à definição da base de cálculo de tributo, devendo ater-se à lei em sentido formal que se preordena a regulamentar.

De se concluir, assim, que os coautores Samuel e Nataly fazem jus à isenção do ITCMD incidente sobre a transmissão “causa mortis” da parcela do imóvel que lhes cabe, nos termos do art. 6º, inciso I, alínea “a”, da Lei Estadual n° 10.705/00, acima transcrito.

Nesse sentido, da jurisprudência deste Tribunal de Justiça:

“APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA – ITCMD – BASE DE CÁLCULO – ALTERAÇÃO POR DECRETO – IMPOSSIBILIDADE. 1. Fisco Estadual que por meio de Decreto n.º 55.002/2009 adotou valor venal para fins de lançamento do ITBI como base de cálculo do ITCMD. Ofensa ao princípio da legalidade. Lei Estadual n.º 10.705/2000 que prevê o valor venal para fins de IPTU como base de cálculo mínima. Alteração que, de fato, criou nova base de cálculo sem, contudo, haver o mínimo respaldo legal. Precedentes desta Corte.. 2. Direito à isenção de recolhimento do ITCMD, pois no caso concreto foi realizada a transferência de apenas 50% do imóvel objeto da partilha de bens deixados pelo de cujus. Recurso da impetrante provido. Remessa necessária desprovida.” (Apelação nº 1017436-29.2019.8.26.0053, 5ª Câmara de Direito Público, Rel. o Des. NOGUEIRA DIEFENTHALER, j. 16.04.2020)

“MANDADO DE SEGURANÇA – ITCMD – Pretensão à isenção do imposto nos termos do artigo 6º, I, b, da Lei Estadual 10.705/00 – Transmissão de 50% do imóvel – Considera-se apenas a parte ideal que será transmitida aos herdeiros para verificação da isenção do valor venal da fração a ser acrescida ao patrimônio deles – Inteligência do art. 38 do Código Tributário Nacional e §1º do artigo 9º da Lei Estadual 10.705/00 – Sentença concessiva da segurança Recurso não provido.” (Apelação nº 1004614-88.2019.8.26.0576, 6ª Câmara de Direito Público, Rel. o Des. REINALDO MILUZZI, j. 11.10.2019)

“APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. PRETENSÃO À ISENÇÃO DE RECOLHIMENTO DO ITCMD SOBRE A FRAÇÃO DO IMÓVEL TRANSMITIDA. POSSIBILIDADE. Interpretação mais razoável do art. 6º, I, a, da Lei Estadual n.º 10.705/00, com a redação dada pela LE n.º 10.992/01, que leva à conclusão de que a base de cálculo para fins de isenção deve ser o valor do efetivo acréscimo patrimonial. Interpretação literal que geraria distorção, havendo bases de cálculo distintas para a tributação e para a isenção. Precedentes. Sentença mantida. Apelação e remessa necessária desprovidas.” (Apelação nº 1002204-33.2019.8.26.0099, 10ª Câmara de Direito Público, Rel. o Des. MARCELO SEMER, 02.09.2019)

“Apelação cível e remessa necessária – Mandado de segurança – Direito Tributário – ITCMD sobre fração herdada do imóvel, excluída a fração da meação do viúvo – Isenção tributária – Ordem concedida. Pretensão de consideração do quinhão transmitido (metade) como base de cálculo do ITCMD para fins de isenção Possibilidade Inteligência do art. 6º, inc. I, a, da Lei nº Estadual nº 10.705/00 e art. 38 do CTN Precedentes desta Corte. R. Sentença mantida. Recurso voluntário e remessa necessária desprovidos.” (Apelação nº 1020880-50.2018.8.26.0071, 6ª Câmara de Direito Público, Rel. o Des. SIDNEY ROMANO DOS REIS, j. 15.03.2019)

Mantém-se, portanto, a solução conferida à espécie em primeiro grau, no sentido de que o ITCMD “causa mortis”, na hipótese dos autos, deve incidir apenas sobre a parcela do imóvel que será efetivamente transmitida aos coautores Samuel e Nataly, excluindo-se da base de cálculo do imposto a metade ideal do bem pertencente à coautora Sueli, viúva meeira.

III. Pelo exposto, negam provimento ao recurso.

Eventual inconformismo em relação à presente decisão será objeto de julgamento virtual, ficando cientes as partes de que discordância quanto a essa modalidade de julgamento deverá ser manifestada quando da interposição do recurso.

AROLDO VIOTTI

Notas:

[1] https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2000/compilacao-lei-10705-28.12.2000.html

[2]. “Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.”

“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”

[3] 5.000 x R$ 25,07 (valor da UFESP em 2017) = R$ 125.350,00.

[4] https://legislacao.fazenda.sp.gov.br/Paginas/dec46655.Aspx – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1004202-23.2019.8.26.0071 – Bauru – 11ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Aroldo Viotti – DJ 11.09.2020

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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