Registro Público – Recurso em Mandado de Segurança – Recurso manejado sob a égide do NCPC – Cancelamento de procedimento do pedido de loteamento – Adquirente do terreno loteado – Aquisição de todos os lotes do empreendimento – Sub-rogação nos direitos do loteador – Legitimidade para o pedido de cancelamento do procedimento – Recurso provido – Ordem concedida – 1. De plano, vale pontuar que o presente agravo interno foi interposto contra decisão publicada na vigência do novo Código de Processo Civil, razão pela qual devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista, nos termos do Enunciado Administrativo nº 3 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC – 2. O pedido de cancelamento do procedimento de registro do loteamento pode ser requerido pelo loteador, ou quem por ele se sub-rogou e vedada a pretensão nos casos de comprovado inconveniente para o desenvolvimento urbano ou quando realizado algum melhoramento na área loteada e adjacências – 3. Hipótese de empresa incorporadora e administradora de negócios imobiliários que adquiriu todos os lotes do loteamento e se sub-rogou nos direitos do loteador, possuindo legitimidade para requerer o cancelamento do procedimento do registro do loteamento – 4. Cancelar o procedimento do pedido de registro de loteamento é diferente de pedir o cancelamento do registro do loteamento, hipótese em que a tradição para a Municipalidade já se operou; naquela outra não – 5. Recurso provido, para conceder a ordem de mandado de segurança.


  
 

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 60.343 – SP (2019/0072435-1)

RELATOR : MINISTRO MOURA RIBEIRO

RECORRENTE : CAMPER EMPREENDIMENTOS LTDA

ADVOGADOS : FERNANDO BRANDÃO ESCUDERO – SP303073

MARCO ANTONIO BATISTA DE MOURA ZIEBARTH – SP296852

DEUANY BERG FONTES – SP350245

RECORRIDO : MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

PROCURADOR : EDUARDO MIKALAUSKAS E OUTRO(S) – SP179867

EMENTA

REGISTRO PÚBLICO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. CANCELAMENTO DE PROCEDIMENTO DO PEDIDO DE LOTEAMENTO. ADQUIRENTE DO TERRENO LOTEADO. AQUISIÇÃO DE TODOS OS LOTES DO EMPREENDIMENTO. SUB-ROGAÇÃO NOS DIREITOS DO LOTEADOR. LEGITIMIDADE PARA O PEDIDO DE CANCELAMENTO DO PROCEDIMENTO. RECURSO PROVIDO. ORDEM CONCEDIDA.

1. De plano, vale pontuar que o presente agravo interno foi interposto contra decisão publicada na vigência do novo Código de Processo Civil, razão pela qual devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista, nos termos do Enunciado Administrativo nº 3 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.

2. O pedido de cancelamento do procedimento de registro do loteamento pode ser requerido pelo loteador, ou quem por ele se sub-rogou e vedada a pretensão nos casos de comprovado inconveniente para o desenvolvimento urbano ou quando realizado algum melhoramento na área loteada e adjacências.

3. Hipótese de empresa incorporadora e administradora de negócios imobiliários que adquiriu todos os lotes do loteamento e se sub-rogou nos direitos do loteador, possuindo legitimidade para requerer o cancelamento do procedimento do registro do loteamento.

4. Cancelar o procedimento do pedido de registro de loteamento é diferente de pedir o cancelamento do registro do loteamento, hipótese em que a tradição para a Municipalidade já se operou; naquela outra não.

5. Recurso provido, para conceder a ordem de mandado de segurança.

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, em dar provimento ao recurso para conceder a ordem de mandado de segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

Dr(a). MARCO ANTONIO BATISTA DE MOURA ZIEBARTH, pela parte RECORRENTE: CAMPER EMPREENDIMENTOS LTDA.

Brasília (DF), 18 de agosto de 2020(Data do Julgamento)

MINISTRO MOURA RIBEIRO

Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO MOURA RIBEIRO (Relator):

Os autos noticiam que no ano de 1982 foi postulado o registro do loteamento do imóvel matriculado sob o nº 100.360, do 11º Cartório de de Imóveis de São Paulo. Diante disso, a municipalidade de São Paulo pediu a averbação de área de passagem particular, uma praça e faixa sanitária.

Por escritura de venda e compra a CAMPER EMPREENDIMENTOS LTDA (CAMPER) adquiriu a gleba, que foi desmembrada em 14 áreas de 129,50 m², uma de 146,85 m² e outra de 378,05 m², que passaram a ter matrículas próprias, de nºs. 135.782 a 135.797.

Diante do seu desinteresse em manter o empreendimento, a CAMPER solicitou perante o 11º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo o cancelamento do procedimento de registro do loteamento, o que não foi acolhido.

Contra essa rejeição do Cartório de Registro de Imóveis, a CAMPER apresentou pedido de providência perante a 1ª Vara de Registro Público pretendendo o cancelamento do registro do loteamento existente na matrícula n° 100.360.

O pedido foi julgado procedente, determinando o cancelamento do loteamento (e-STJ, fl. 344).

Em recurso administrativo do Município de São Paulo, o Corregedor Geral de Justiça, Desembargador Pereira Caldas, deu provimento a irresignação para impedir o cancelamento do loteamento (e-STJ, fls. 390/397).

Contra esse ato, a CAMPER impetrou mandado de segurança, sob o argumento de que a decisão proferida no pedido de providência viola direito líquido e certo previsto nos artigos 23 e 29, ambos da Lei nº 6.766/79, que expressamente permitem ao loteador, ou àquele sub-rogado a essa condição, requerer o cancelamento do registro do loteamento enquanto nenhum lote houver sido objeto de contrato, só podendo o Poder Público se opor ao cancelamento se demonstrado inconveniente para o desenvolvimento urbano ou se já tiver realizado melhoramento na área loteada ou adjacências, circunstancias não observadas no caso concreto.

Alegou que adquiriu o imóvel como um todo, efetuando dois pagamentos: um referente a totalidade dos lotes e outro sobre terreno independente, que corresponderia a futura área pública do loteamento a ser implementado, e acrescentou que a escritura de compra e venda apontou a negociação de um único terreno, qual seja, aquele destinado ao empreendimento. Sustentou que, diante do seu objetivo social e pela forma como foi realizada a compra e venda, a intenção foi a de assumir a qualidade de loteador, em sub-rogação. Defendeu que o cancelamento não acarretará enriquecimento ilícito pela reversão de bens públicos para o seu patrimônio, porque o espaço destinado a praça, rua e faixa sanitária ainda não teriam sido passado ao Poder Público. Por fim, asseverou inexistir fundamento legal para Municipalidade discordar do pretendido cancelamento.

Ao apreciar a pretensão, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por maioria, denegou a ordem, cujo acórdão encontra-se assim ementado:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Pretendido cancelamento de registro de loteamento regularizado pela municipalidade — Lei n° 6.766/79, artigo 23 — Efetiva impugnação do município – Pedido de cancelamento formulado pela compradora dos lotes – Ausente sub-rogação de direitos – Pedido que deve ser formulado pela empreendedora contando com anuência da municipalidade – Áreas públicas incorporadas – Ausente direito de incorporação – Empreendimento, por sinal, regularizado por ação do município – Ausente direito líquido e certo quanto à pretensão – Pressupostos da ação constitucional não atendidos e, referente ao mérito, pretensão sem amparo na lei 6.766/79 – Legalidade da decisão atacada – Cancelamento que não se justifica – SEGURANÇA DENEGADA (e-STJ, fl. 542).

Irresignada, a CAMPER interpôs recurso ordinário, defendendo seu direito líquido e certo para pleitear o cancelamento do registro loteamento, na qualidade de loteador, considerando que adquiriu o empreendimento, a totalidade do imóvel, sub-rogando-se nos direitos e deveres, à luz dos arts. 23 e 29 da Lei n° 6.766/79. Ressaltou que com o cancelamento não haverá reversão de bens públicos para o seu patrimônio, pelo fato da rua, praça e faixa sanitária do empreendimento não terem sido ainda revertidos para o domínio público. Por fim, asseverou que esse ato não terá impacto sobre o desenvolvimento urbano, tampouco interesse da Municipalidade, porque nenhuma obra ou melhoramento foi ali realizado ou nas suas redondezas.

O Município de São Paulo apresentou contrarrazões defendendo a inviabilidade do mandado de segurança, seja por inexistir direito líquido e certo a ser amparado, assim como por não deter legitimidade para o pedido de cancelamento do registro do loteamento, cuja capacidade é exclusiva do loteador.

Instado a se manifestar, o Ministério Púbico Federal, representado pelo Subprocurador-Geral da República ANTONIO CARLOS MARTINS SOARES, ofertou parecer pelo provimento do recurso, apontando que comprovada a compra e venda e ausente o interesse público, é perfeitamente possível a reversão do bem público em favor do particular, nos termos do artigo 23 da Lei 6.766/79 sem que o Município de São Paulo precise autorizar qualquer operação (e-STJ, fl. 633).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO MOURA RIBEIRO (Relator):

De plano, vale pontuar que o recurso ora em análise foi interposto na vigência do NCPC, razão pela qual devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista, nos termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.

A pretensão recursal está no reconhecimento da legitimidade do adquirente de todos os lotes de um loteamento, não implementado, para requerer o cancelamento do procedimento do seu registro.

A ordem merece acolhimento.

O artigo 23 da Lei nº 6.766/79 disciplina as hipóteses admitidas para se cancelar do registro do loteamento:

Art. 23. O registro do loteamento só poderá ser cancelado:

I – por decisão judicial;

II – a requerimento do loteador, com anuência da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, enquanto nenhum lote houver sido objeto de contrato;

III – a requerimento conjunto do loteador e de todos os adquirentes de lotes, com anuência da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, e do Estado.

§ 1º – A Prefeitura e o Estado só poderão se opor ao cancelamento se disto resultar inconveniente comprovado para o desenvolvimento urbano ou se já se tiver realizado qualquer melhoramento na área loteada ou adjacências.

§ 2º – Nas hipóteses dos incisos Il e III, o Oficial do Registro de Imóveis fará publicar, em resumo, edital do pedido de cancelamento, podendo este ser impugnado no prazo de 30 (trinta) dias contados da data da última publicação. Findo esse prazo, com ou sem impugnação, o processo será remetido ao juiz competente para homologação do pedido de cancelamento, ouvido o Ministério Público.

§ 3º – A homologação de que trata o parágrafo anterior será precedida de vistoria judicial destinada a comprovar a inexistência de adquirentes instalados na área loteada.

O pedido de cancelamento do procedimento do registro do loteamento pode ser requerido pelo loteador, ou quem por ele se sub-rogou, vedada a pretensão nos casos de comprovado inconveniente para o desenvolvimento urbano ou quando realizado algum melhoramento na área loteada e adjacências.

Observa-se que a legitimidade para o pedido de cancelamento procedimento do registro do loteamento necessita da anuência de todos aqueles que detêm direito sobre o terreno no qual se implementará o empreendimento: se não comercializado nenhum lote, basta o loteador, proprietário da totalidade do terreno; ou se alienada alguma fração, o seu adquirente deve anuir no pedido.

VICENTE CELESTE AMADEI e VICENTE DE ABREU AMADEI esclarecem:

Consensual é o cancelamento por concurso de vontade, i.e. Por consenso entre o loteador, a Municipalidade e os adquirentes de lotes quando houver unidades objeto de contrato.

[…]

Só pela vontade unilateral do loteador não há cancelamento de loteamento; todavia, sem a manifestação expressa de sua vontade, também não há que se falar em cancelamento voluntário de loteamento.

O loteador é o primeiro interessado no loteamento; se loteamento há, é em primeiro lugar , pela vontade empreendedora de fracionamento imobiliário do loteador. Logo, em campo de cancelamento consensual de parcelamento urbano, a manifestação de vontade do loteador é o primeiro pressuposto (in Como Lotear uma Glebaed. Millennium, 4ª ed., Campinas: 2014, p.363)

Colhe-se dos autos que o imóvel objeto do loteamento, matriculado no 11º Registro de Imóveis de São Paulo sob o nº 100.360, foi desmembrado em 16 unidades independentes, com matrículas próprias (e-STJ, fls. 195/199).

Essas 16 unidades foram a adquiridas pela CAMPER, como faz prova a escritura de venda e compra e as respectivas certidões de ônus, juntadas às e-STJ, fls. 201/232 e 297/305. As averbações realizadas apontam, inclusive, que todos os lotes constam do pedido de loteamento, cuja planta AU/16/2623/81 foi aprovada pela Municipalidade.

Nas suas informações, o Oficial Registrador apontou que os desmembramentos se deram em virtude da alienação de terreno então matriculado sob o nº 100.360, que já estava em processo de regularização do loteamento e de acordo com a planta AU/16/2623/81, aprovada pela municipalidade.

Veja-se:

Esclareça-se, por oportuno, que as matrículas 135.782 a 135.797 não foram ensejadas em função da regularização do loteamento como afirmado pelo interessado, mas sim como decorrência do registro da compra e venda definitiva dos lotes levada a efeito em 18 de maio de 1982, conforme registro nº 5 da matrícula 100.360 (e-STJ, fl. 193).

Diante disso, fica comprovado que a CAMPER adquiriu a totalidade do terreno no qual seria implementado o loteamento. E mais, o desmembramento dos lotes, nos termos da planta AU/16/2623/81, do processo administrativo de regularização, não dá ensejo a outra conclusão, a não ser a de que ela comprou o imóvel e o empreendimento.

Não foi a simples compradora da totalidade dos lotes para depois revendê-los, mas assumiu a implementação do loteamento.

Merece destaque, por oportuno, que a CAMPER tem por objeto social a administração, incorporação,venda e permuta de imóveis próprios, conforme contrato social juntado a e-STJ, fl. 56.

Dessa forma, a CAMPER se sub-rogou nos direitos do loteador, tal como define o art. 29 da Lei nº 6.766/79:

Art. 29 Aquele que adquirir a propriedade loteada mediante ato inter vivos, ou por sucessão causa mortis, sucederá o transmitente em todos os seus direitos e obrigações, ficando obrigado a respeitar os compromissos de compra e venda ou as promessas de cessão, em todas as suas cláusulas, sendo nula qualquer disposição em contrário, ressalvado o direito do herdeiro ou legatário de renunciar à herança ou ao legado.

Por conseguinte, nos termos do disposto inciso II do art. 23 da Lei nº 6.766/79, a CAMPER tem legitimidade para requerer o cancelamento do procedimento do registro do loteamento:

Art. 23. O registro do loteamento só poderá ser cancelado:

[…]

II – a requerimento do loteador, com anuência da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, enquanto nenhum lote houver sido objeto de contrato;

[…]

É certo que o art. 22 da Lei nº 6.766/79 estabelece que desde a data de registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo.

Ocorre que, in casu, pelo que consta das matrículas juntadas aos autos, não houve o registro do loteamento, que se encontra na fase de aprovação dos projetos perante a Municipalidade de São Paulo, razão pela qual não há que se falar que a passagem particular, a praça e a faixa sanitária tenham passado para o domínio público.

Não se operou a tradição, a transmissão da propriedade.

Na fase em que se encontra o procedimento administrativo, é aplicável o art. 17 da referida legislação, pelo qual a destinação dos espaços públicos descritos no projeto do loteamento poderão ser alterados em caso de cancelamento do registro loteamento.

Veja-se:

Art. 17 Os espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, não poderão ter sua destinação alterada pelo loteador, desde a aprovação do loteamento, salvo as hipóteses de caducidade da licença ou desistência do loteador, sendo, neste caso, observadas as exigências do art. 23 desta Lei.

Sobre a questão, ARNALDO RIZZARDO aponta:

Uma vez cancelado o registro, em tese, as vias e os espaços públicos voltam a integrar o domínio do proprietário, mesmo no caso de lotes prometidos vender ou já vendidos ficarem encravados em área maior, pois, consoante o art.22, integram a propriedade do Município enquanto registrado o loteamento (in Promessa de Compra e Venda e Parcelamento do Solo Urbano10ª ed., São Paulo: RT, 2014, p. 91).

Ficou constatado nos autos que não houve nenhum tipo de obra ou melhoramento no imóvel objeto do loteamento ou nos seus arredores, tampouco ação do Poder do Público, ou seja, o terreno encontra-se da mesma forma tal como na época do início do procedimento, razão pela qual a municipalidade não teria motivação para obstar o pedido de cancelamento, pois o § 1º do art. 25 da Lei 6.766/79 limita esse ato da administração pública se houver inconveniente comprovado para o desenvolvimento urbano ou se já se tiver realizado qualquer melhoramento na área loteada ou adjacências.

Não se pode olvidar, por fim, que a propriedade deve atender a sua função social, defina no § 2º do art. 182 da Constituição Federal quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

Nas lições de Bernardo Gonçalves Fernandes:

Nesse sentido, a função social da propriedade é elemento integrador do conceito de propriedade como seu objeto constitutivo, não se confundindo com os elementos limitadores do direito de propriedade. Isto é, não poderá ser juridicamente considerado proprietário aquee que não der ao bem uma destinação compatível e harmoniosa ao exercício do bem, fixando condutas que podem, até mesmo, colidir com os interesses do proprietário, mas que se não atendidas, desnaturam a sua própria condição. (in Curso de Direito Constitucional, 11ª ed., Salvador:Ed. JusPodivm, 2019, p. 545)

O parcelamento de imóvel projetado nos anos 80 não deve atender as necessidades urbanísticas ou possa garantir o bem-estar dos habitantes da cidade de São Paulo nos dias atuais, razão pela qual não se justifica o impedimento para o loteador cancelar o empreendimento idealizado há quase 40 anos, que não foi registrado, tal como pretende a municipalidade.

Cancelar o procedimento do pedido de registro de loteamento é diferente de pedir o cancelamento do registro do loteamento, hipótese em que a tradição para a Municipalidade já se operou; naquela outra não.

Assim, deve ser restabelecida a sentença da lavra da Juíza TANIA MARA AHUALLI, de e-STJ, fls. 340/344.

Por essas razões, CONHEÇO do recurso em mandado de segurança e a DOU PROVIMENTO, para CONCEDER A ORDEM, reconhecendo a legitimidade da CAMPER para requerer o cancelamento do procedimento do registro do loteamento objeto do imóvel cuja matrícula mãe é de nº 100.360, do 11º Registro de Imóveis de São Paulo.

É como voto. – – /

Dados do processo:

STJ – RMS nº 60.343 – São Paulo – 3ª Turma – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJ 26.08.2020

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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