CSM/SP: Registro de imóveis – Escritura pública de venda e compra de fração ideal – Imóvel em estado de condomínio geral – Ofensa à lei de condomínio edilício e incorporações imobiliárias – Óbice afastado – Apelação provida.


  
 

Apelação nº 1030348-02.2023.8.26.0576

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1030348-02.2023.8.26.0576
Comarca: SÃO JOSÉ DO RIO PRETO
PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1030348-02.2023.8.26.0576

Registro: 2023.0001057959

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1030348-02.2023.8.26.0576, da Comarca de São José do Rio Preto, em que são apelantes MARY ANGELA GOMES ALBANEZ FRANCO e JANIL APARECIDO LEONEL FRANCO, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 30 de novembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1030348-02.2023.8.26.0576

APELANTES: Mary Angela Gomes Albanez Franco e Janil Aparecido Leonel Franco

APELADO: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São José do Rio Preto

VOTO Nº 39.228

Registro de imóveis – Escritura pública de venda e compra de fração ideal – Imóvel em estado de condomínio geral – Ofensa à lei de condomínio edilício e incorporações imobiliárias – Óbice afastado – Apelação provida.

Trata-se de apelação interposta por Mary Angela Gomes Albanez Franco Janil Aparecido Leonel Franco contra a r. sentença que julgou procedente a dúvida suscitada em razão da recusa do 2º Oficial de Registro de Imóveis de São José do Rio Preto/SP em promover o registro de escritura de compra e venda de parte ideal correspondente a 16,666% ou 1/6 do imóvel objeto da matrícula no 36.276 da referida serventia extrajudicial, por considerar demonstrada a implantação de condomínio edilício irregular.

Os apelantes alegam, em síntese, que inexiste óbice ao registro pretendido, pois a fração ideal negociada não está vinculada a uma determinada localização, metragem ou numeração certa.

Afirmam que a lei prevê a possibilidade de instituição de condomínio voluntário sobre o imóvel, de modo que os condôminos sejam titulares de frações ideais e não, de áreas determinadas. Discordam da exigência de prévio registro da incorporação e instituição de condomínio, o que somente seria cabível na hipótese de condomínio edilício, o que não ocorreu (fls. 127/133).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 158/160).

É o relatório.

A escritura pública de venda e compra lavrada em 04 de dezembro de 2009 (fls. 22/24), rerratificada em 15 de agosto de 2011 (fls. 25/26), tem por objeto a alienação por venda de uma parte ideal correspondente a 16,666% ou 1/6 do imóvel objeto da matrícula no 36.276 do 2º Oficial de Registro de Imóveis de São José do Rio Preto/SP.

O Oficial de Registro negou o registro da escritura de venda e compra prenotada pelos apelantes por entender estar caracterizado um típico condomínio edilício, exigindo o ingresso do título “junto com o processo de instituição e convenção de condomínio”, na forma da Lei nº 4.591/1964 (nota devolutiva a fls. 70/71).

Não se desconhece a vedação de registro de formação de condomínio voluntário, que implique fraude ou qualquer outra hipótese de descumprimento da legislação de condomínios edilícios.

Ocorre que, in casu, a exigência formulada pelo registrador não se sustenta, pois a hipótese não envolve instituição de condomínio edilício, o que afasta a aplicação do art. 32 da Lei nº 4.591/1964.

A despeito do precedente trazido na Apelação nº 0032797-67.2011.8.26.0576, em que confirmada a necessidade de especificação de condomínio ou de eventual incorporação, há precedente mais recente firmado na Apelação Cível nº 1019470-78.2016.8.26.0506, da qual foi relator o então Corregedor Geral da Justiça, Des. Pinheiro Franco, no seguinte sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de venda e compra de fração ideal – Alienações anteriores de frações ideais do imóvel já devidamente registradas – Imóvel em estado de condomínio geral – Ausência de ofensa à lei das incorporações imobiliárias – Óbice afastado – Recurso provido.” (TJSP; Apelação Cível 1019470-78.2016.8.26.0506; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Ribeirão Preto – 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/04/2018; Data de Registro: 24/04/2018).

A propósito do tema, prevê o artigo 7º da Lei nº 4.591/1964 que:

“Art. 7º O condomínio por unidades autônomas instituir-se-á por ato entre vivos ou por testamento, com inscrição obrigatória no Registro de Imóvel, dele constando; a individualização de cada unidade, sua identificação e discriminação, bem como a fração ideal sobre o terreno e partes comuns, atribuída a cada unidade, dispensando-se a descrição interna da unidade”.

De seu turno, o artigo 1.332 do Código Civil assim dispõe:

“Art. 1.332. Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do disposto em lei especial:

I – a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns;

II – a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns;

III – o fim a que as unidades se destinam”.

Na lição de José Marcelo Tossi Silva:

“(…) somente com o término da construção do edifício e a instituição do condomínio edilício é promovida a divisão do imóvel, que passa a ser dotado, de forma concomitante, de partes de propriedade comum e partes de propriedade exclusiva de cada condômino, o que constitui o direito de propriedade autônoma consistente no condomínio edilício.” Ou seja, é o registro da instituição do condomínio que “põe fim à comunhão sobre o todo anteriormente existente e constitui o regime do condomínio edilício, com atribuição aos adquirentes, com exclusividade, das respectivas unidades autônomas vinculadas às frações ideais que lhes foram anteriormente alienadas, bem como atribuição, aos mesmos adquirentes, da participação na fração do terreno e nas coisas comuns do todo que correspondem a cada unidade.” (“Incorporação Imobiliária”, Ed. Atlas, 2010).

Ora, da análise da matrícula nº 36.276 (fls. 97/103), depreende-se que o imóvel está registrado em nome de diversas pessoas, as quais adquiriram conjuntamente referido bem e depois, ao longo do tempo, foram alienando e partilhando suas respectivas frações ideais.

E muito embora tenha constado da matrícula (R.1) que “os segundos permutantes farão aprovar junto ao poder público municipal, projeto de construção de um edifício residencial que terá a denominação de EDIFÍCIO HORTENCIA, no terreno desta matrícula, que será composto de seis (6) apartamentos tipo, com três pavimentos, sendo dois apartamentos por pavimento, em pagamento do imóvel objeto desta escritura os segundos permutantes entregarão aos primeiros permutantes, totalmente pronto e acabado, livre de quaisquer ônus ou despesas o apartamento nº 11 situado no 1º pavimento do referido edifício”, o fato é que o direito obrigacional inscrito não implica a automática instituição de condomínio edilício, que decorre de um ato de vontade e depende da presença de características que o diferenciem do imóvel adquirido em condomínio voluntário por mais de uma pessoa.

Tais características estão relacionadas à efetiva vinculação entre o terreno e as construções que constituem as unidades autônomas e na coexistência de partes de propriedade exclusiva, que podem ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, e outras partes que são de propriedade comum dos condôminos e que não podem ser alienadas separadamente ou divididas. Não é essa a hipótese dos autos.

Consoante ensina Enéas Costa Garcia:

“É imprescindível que a instituição de condomínio decorra da manifestação de vontade. Nas hipóteses de condomínio decorrentes de negócios jurídicos, como incorporação, aquisição de prédio pronto para instituir condomínio, a vontade manifestada no negócio já é suficiente para a constituição. Quando se trata de instituir o condomínio a partir da divisão de imóvel comum, submetido ao regime do condomínio geral, imprescindível a concordância de todos os cotitulares (…).

O importante é que exista essa manifestação de vontade no sentido de criar o condomínio edilício, pois a simples aquisição ou recebimento por liberalidade de imóvel construído por unidades autônomas e pronto para se transformar em condomínio edilício não bastaria para instituí-lo se não houver ato necessário de manifestação de vontade.” (Condomínio e Incorporação Imobiliária, Celso Maziteli Neto … [et al.] 1ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020 Coleção Direito Imobiliário, Vol. II, p. 49).

Referido doutrinador reforça a ideia, citando a lição de Caio Mário da Silva Pereira:

“Um prédio recebido em comum por diversos herdeiros, não obstante formar-se de apartamentos independentes, é propriedade (individual ou coletiva) regida pelo Código Civil. Propriedade horizontal haverá no momento em que, por destinação do proprietário ou por convenção entre coproprietários, se institua, com subordinação às exigências da lei especial, mediante um ato de vontade ou por meio de uma declaração de vontade, e cumpre que se revista da necessária autenticidade e publicidade o ato institucional, uma vez que, se o novo regime dominial afeta fundamentalmente o interesse e as relações entre as partes, repercute com frequência na órbita patrimonial alheia e deve ser conhecido do público ou presumido tal” (ob. cit., p. 49).

Considerando, pois, que o título apresentado a registro tem por objeto fração ideal do terreno, sem que haja referência a uma unidade autônoma específica e a partes comuns, bem como porque, a despeito da certidão a fls. 32, nunca houve averbação de construção no imóvel, vigoram para a hipótese em análise as regras do condomínio comum, em que os condôminos, embora tenham, cada um, sua fração ideal, são, ao mesmo tempo, proprietários do todo e não, de uma determinada área ou unidade autônoma do edifício.

Em outras palavras, porque a fração ideal alienada (1/6 ou 16,666%) corresponde exatamente àquela já registrada em nome dos vendedores, sem modificação na divisão anteriormente registrada em favor de cada condômino, a exigência formulada pelo registrador não merece subsistir.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 07.03.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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