Registro de Imóveis – Escritura de compra e venda de imóvel – Compradora solteira que declara conviver em união estável com companheiro divorciado, sob o regime da comunhão parcial de bens – Princípio da especialidade subjetiva – Apresentação de escritura declaratória de união estável – Exigência de registro da união estável no Livro E do Registro Civil das Pessoas Naturais e no Livro nº 3 (Registro Auxiliar) do Registro de Imóveis que, no caso concreto, não se sustenta – Dúvida improcedente – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1044002-05.2018.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado PATRÍCIA LACZYNSKI DE SOUZA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 16 de maio de 2019.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1044002-05.2018.8.26.0100

Apelante: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Apelado: PATRÍCIA LACZYNSKI DE SOUZA

VOTO Nº 37.738

Registro de Imóveis – Escritura de compra e venda de imóvel – Compradora solteira que declara conviver em união estável com companheiro divorciado, sob o regime da comunhão parcial de bens – Princípio da especialidade subjetiva – Apresentação de escritura declaratória de união estável – Exigência de registro da união estável no Livro E do Registro Civil das Pessoas Naturais e no Livro nº 3 (Registro Auxiliar) do Registro de Imóveis que, no caso concreto, não se sustenta – Dúvida improcedente – Recurso não provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra a sentença[1] proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, que julgou improcedente dúvida suscitada e afastou o óbice apresentado em relação ao registro de escritura pública de compra e venda, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 80.980 junto àquela serventia, lavrada pelo 2º Tabelião de Notas da Capital, a fls. 89/91 do Livro 2.737.

Alega o apelante, em síntese, que na escritura de compra e venda levada a registro a adquirente do imóvel declarou-se convivente em união estável, sob o regime da comunhão parcial de bens. Assim, entende obrigatória a apresentação de escritura declaratória de união estável do casal comprador, assim como a comprovação de seu registro no Livro E do Registro Civil das Pessoas Naturais e no Registro de Imóveis de seu domicílio[2].

Apesar de regularmente intimada, a apelada deixou de ofertar contrarrazões[3].

A Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não provimento da apelação[4].

É o relatório.

Na escritura de compra e venda levada a registro[5], a outorgada compradora foi qualificada como solteira, convivente em união estável sob o regime da comunhão parcial de bens, com Eduardo de Lima Caldas, conforme escritura lavrada, em 01 de agosto de 2012, pelo 1º Tabelião de Notas desta Capital. O Oficial de Registro de Imóveis negou o ingresso do título em virtude da ausência do prévio registro de escritura declaratória de união estável no Livro “E” do Registro Civil das Pessoas Naturais e no Registro de Imóveis da Comarca do domicílio dos companheiros[6].

A interpretação adotada pelo Sr. Oficial de Registro de Imóveis encontra respaldo nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça que, em seu Capítulo XX, Tomo II, determinam que será averbada na matrícula do imóvel a união estável declarada judicialmente ou estabelecida por escritura pública registrada no Livro “E” do Registro Civil das Pessoas Naturais (item 11, “b”, 5), assim:

“85. As escrituras antenupciais e as escrituras públicas que regulem regime de bens na união estável serão registradas no Registro de Imóveis da comarca em que os cônjuges ou companheiros têm ou tiverem seu último domicílio sem prejuízo de sua averbação obrigatória no lugar da situação dos imóveis de propriedade ou dos que forem sendo adquiridos.

85.1. O registro da convenção antenupcial ou da escritura pública envolvendo regime de bens na união estável mencionará, obrigatoriamente, os nomes e a qualificação dos cônjuges ou companheiros, as disposições ajustadas quanto ao regime de bens e a data em que se realizou o casamento ou da escritura pública, constante de certidão que deverá ser apresentada com a escritura. Se essa certidão não for arquivada em cartório, deverão ainda ser mencionados no registro o cartório em que se realizou o casamento, o número do assento, o livro e a folha em que tiver sido lavrado ou do registro da escritura envolvendo a união estável no Livro “E” do Registro Civil das Pessoas Naturais”.

Ocorre que, a despeito dos entendimentos em sentido contrário, a matéria ganhou nova interpretação. Como ficou consignado no voto proferido nos autos da Apelação nº 1101111-45.2016.8.26.0100[7]:

“São requisitos da união estável a convivência pública, contínua e duradoura entre duas pessoas, estabelecida com o objeto de constituição de família, ou como previsto no art. 1723 do Código Civil:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

§ 1° A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

§ 2° As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável“.

Os requisitos enumerados no Código Civil para a constituição de união estável não contemplam a celebração de ato formal, ou a realização de cerimônia revestida de formalidades específicas.

Diante disso, e ao contrário do casamento, a união estável tem como característica própria a informalidade, ou informalismo, para a sua formação.

A ausência de formalismo, ademais, é apontada por Euclides de Oliveira como um dos requisitos da união estável (“União Estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do Código Civil”, 6º ed., São Paulo: Editora Método, 2003, p. 122), esclarecendo o autor:

A união estável é tipicamente livre na sua formação. Independe de qualquer formalidade, bastando o fato em si, de optarem, homem e mulher, por estabelecer vida em comum. Bem o diz ANTONIO CARLOS MATHIAS COLTRO, assinalando que a união de fato se instaura ‘a partir do instante em que resolvem seus integrantes iniciar a convivência como se fossem casados, renovando dia a dia tal conduta, e recheando-a de afinidade e afeição, com vistas à manutenção da intensidade.

Na união estável basta o mútuo consentimento dos conviventes, que se presume do seu comportamento convergente e da contínua renovação pela permanência” (Euclides de Oliveira, obra citada, p. 124).

A informalidade para a constituição da união estável, entretanto, convive com a exigência de observação de formas específicas para que certos atos e negócios jurídicos produzam os efeitos que deles se pretende.

Assim ocorre, em especial, quanto aos atos e negócios jurídicos que têm como característica a constituição de direitos reais sobre imóveis que são oponíveis “erga omnes” por força da publicidade decorrente de seu registro.

Desse modo, para o julgamento da dúvida suscitada, devem ser diferenciados os atos e negócios jurídicos relacionados aos direitos da personalidade cuja oponibilidade em relação a terceiros prescindem de cerimônia e forma prescritas em lei, como ocorre com a constituição de família por meio da união estável, e os atos e negócios jurídicos que demandam publicidade específica, por meio de sua inscrição em Registro Público, como ocorre com os direitos reais imobiliários” (grifos no original).

No caso concreto, o que se pretende pelo registro da escritura de compra e venda é tornar público o direito de propriedade que foi adquirido pela outorgada compradora por meio de contrato de compra e venda de imóvel e, assim, conferir ao referido direito oponibilidade “erga omnes”.

A propósito, constou do voto anteriormente referido que:

“A necessidade de indicação do estado civil do titular do direito real permanece presente porque a união estável pode coexistir com o casamento, desde que constituída com pessoa separada de fato, como previsto no § 1º do art. 1.723 do Código Civil:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecidacom o objetivo de constituição de família.

§ 1° A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente“.

Em outros termos, a união estável pode ser mantida tanto entre duas pessoas solteiras, viúvas, separadas ou divorciadas, como entre pessoas casadas, desde que separadas de fato de seus respectivos cônjuges.

Bem por isso, não há como admitir no Registro Imobiliário que tem como finalidade precípua a de promover a publicidade dos direitos reais inscritos, com estrita observação do princípio da especialidade subjetiva para que possam produzir efeitos “erga omnes”, que o titular de direito dessa natureza seja qualificado simplesmente como “companheiro”, ou “em união estável”, sem que se indique seu real estado civil que pode, em tese, ser o de casado.

Em sendo casado não poderá o titular do direito real ser, ao mesmo tempo, qualificado como “companheiro” ou “em união estável”, ressalvado prévio reconhecimento judicial da existência da união estável, porque o Registro de Imóveis não comporta a simultânea inscrição de direitos de propriedade que sejam conflitantes entre si.

Desse modo, ou titular do direito é qualificado no Registro de Imóveis como solteiro, viúvo, separado ou divorciado e mantendo união estável, do que não decorrerá eventual direito conflitante entre eventual cônjuge e companheiro, ou é casado e, em consequência, não poderá ser qualificado também como “em união estável”, pois neste caso os direitos do cônjuge e do companheiro poderão ser incompatíveis entre si, exceto se o reconhecimento da união estável decorrer de ação judicial que atinja o imóvel.

Por todos esses motivos, o Provimento nº 37/2004 da Eg. Corregedoria Nacional de Justiça delimita seu alcance e efeitos e discrimina as diferentes hipóteses para registro da união estável no Livro “E” do Registro Civil das Pessoas Naturais.

Em razão da informalidade para sua constituição e, em regra, para sua dissolução, o art. 1º do Provimento nº 37/2004 da Corregedoria Nacional de Justiça prevê que o registro da união estável no Registro Civil das Pessoas Naturais é faculdade dos companheiros:

Art. 1º. É facultativo o registro da união estável prevista nos artigos 1.723 a 1.727 do Código Civil, mantida entre o homem e a mulher, ou entre duas pessoas do mesmo sexo“.

Sendo facultativo, não deve esse registro ser exigido para que um dos companheiros, ou ambos, pratiquem atos ou negócios jurídicos compatíveis com a autonomia da vontade.

Também em decorrência da informalidade para sua constituição e dissolução, e por independer de outra publicidade para sua existência, o art. 5º do Provimento nº 37/2004 da Corregedoria Nacional de Justiça determina que o registro da união estável no Livro “E” do Registro Civil das Pessoas Naturais produzirá efeitos patrimoniais entre os companheiros, não prejudicando terceiros que não tiverem participado da escritura pública:

Art. 5º. O registro de união estável decorrente de escritura pública de reconhecimento ou extinção produzirá efeitos patrimoniais entre os companheiros, não prejudicando terceiros que não tiverem participado da escritura pública“.

Por seu turno, para preservação da segurança jurídica que os registros públicos visam proporcionar nas relações sociais, o art. 8º do Provimento nº 37/2004 da Corregedoria Nacional de Justiça determina que a união estável com pessoa casada não poderá ser inscrita no Livro “E” do Registro Civil das Pessoas Naturais, exceto se separada judicial ou extrajudicialmente, ou se a declaração da união estável decorrer de sentença judicial transitada em julgada:

Art. 8º. Não poderá ser promovido o registro, no Livro E, de união estável de pessoas casadas, ainda que separadas de fato, exceto se separadas judicialmente ou extrajudicialmente, ou se a declaração da união estável decorrer de sentença judicial transitada em julgado“.

Ao delimitar o alcance e os efeitos, e discriminar as hipóteses em que admitido o registro da união estável no Livro “E” do Registro Civil das Pessoas Naturais, o Provimento nº 37/2014 da Eg. Corregedoria Nacional de Justiça serve de parâmetro para o ingresso união estável nos demais Registros Públicos que, como exposto, não pode ser causa para a concomitante inscrição de direitos reais de igual natureza, entre cônjuge e companheiro, que sejam conflitantes entre si” (grifos no original).

São esses os parâmetros que devem nortear a fixação dos requisitos para o ingresso, no Registro de Imóveis, de título em que o titular do direito inscrito se declare como “companheiro”, ou “em união estável”. Assim, a existência da união estável deve estar amparada em declaração conjunta dos companheiros, ou em sentença judicial transitada em julgado, na medida em que a declaração unilateral de vontade, ou seja, de que há ou foi mantida união estável, somente obriga quem a realizou, sem criar ou prejudicar direito de terceiro que dela não tiver participado.

Também se faz necessário que conste no título o real estado civil do titular do direito, isto é, solteiro, casado, viúvo, separado ou divorciado.

Não sendo casado, não há vedação para que o titular de direito inscrito seja qualificado conforme seu estado civil, com indicação de que mantém união estável desde que também constem no registro o nome do respectivo companheiro e o restante de sua qualificação.

Em sendo o titular do direito casado ao tempo da aquisição do direito real, sua inscrição no Registro Imobiliário com indicação de que mantém união estável e consignação do nome e qualificação do companheiro dependerá da apresentação de prova de que a união estável foi declarada por sentença judicial transitada em julgado, em que reconhecido que se trata de bem comum dos companheiros, podendo essa prova ser feita por certidão do processo ou por demonstração do registro da união estável no Livro “E” do Registro Civil das Pessoas Naturais, pois esse registro também dependerá da prova da declaração judicial da união estável.

Outra situação possível é da aquisição de bem a título oneroso por companheiro que seja casado, com posterior averbação de separação ou divórcio. Nesse caso, a averbação da existência da “união estável”, com o nome e qualificação do companheiro, poderá ser feita depois do registro da partilha decorrente da dissolução do casamento, observando-se, sempre, que a declaração da existência da união estável dependerá de ato bilateral, ou seja, deverá ser feita pelos dois companheiros, ou deverá decorrer de sentença transitada em julgado em que reconhecido que se trata de bem comum entre os companheiros.

Além disso, em todas as hipóteses em que admitida a inscrição da união estável deverá constar no registro do imóvel o regime de bens adotado, se diverso da comunhão parcial de bens, que é o regime legal (art. 1.725 do Código Civil) e será presumido em caso de silêncio.

Nesse cenário, é possível concluir, observados os requisitos imprescindíveis à inscrição da união estável sem risco de inscrição de direitos de propriedade presumidamente conflitantes, e diante da informalidade para sua constituição e dissolução, que não se mostra necessária a prévia obrigação de registro de escritura pública declaratória no Registro de Imóveis, como se pacto antenupcial fosse, ou de prévio registro no Livro “E” do Registro Civil das Pessoas Naturais, exceto se esse registro for utilizado como prova de que a união estável foi declarada por meio de sentença judicial transitada em julgado, em sendo um dos companheiros casado.

No mais, os documentos necessários à confirmação da qualificação dos companheiros, ao que consta dos autos, foram apresentados ao Tabelião de Notas que lavrou a escritura pública levada a registro, como expressamente consignado na r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente, ora recorrida.

No referido título, a compradora se qualificou, no que pertine ao seu estado civil, como solteira, convivente em união estável com Eduardo de Lima Caldas, divorciado. Ainda, apresentou cópia da escritura de declaração de união estável, com participação do companheiro[8].

Destarte, não há obstáculo ao registro do título em que a adquirente do direito a ser inscrito está identificada como convivente em união estável, independentemente do prévio registro da união estável no Livro nº 3 Registro Auxiliar do Registro de Imóveis do domicílio dos companheiros, ou no Livro “E” do Registro Civil das Pessoas Naturais, desde que observados os requisitos indicados, tal como efetivamente ocorre no caso em análise.

Diante do exposto, nego provimento ao apelo.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Fls. 59/62.

[2] Fls. 69/74.

[3] Fls. 79.

[4] Fls. 86/87.

[5] Fls. 02/05.

[6] Fls. 01 e 06/07.

[7] REGISTRO DE IMÓVEIS – Formal de Partilha – Herdeiros que se declararam como mantenedores de uniões estáveis – Princípio da especialidade subjetiva – Herdeiros que devem ser qualificados com as indicações de seus estados civis – Necessidade, ainda, de apresentação das anuências dos respectivos companheiros com as declarações de uniões estáveis, uma vez que, no presente caso concreto, não participaram da ação de inventário – Dúvida procedente, mas por fundamento distinto daquele adotado pelo Sr. Oficial de Registro de Imóveis para a recusa do registro – Recurso não provido, com determinação. (TJSP; Apelação Cível 1101111-45.2016.8.26.0100; Relator(a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 10/04/2018; Data de Registro: 17/04/2018).

[8] Fls. 12.

Fonte: DJe/SP de 05.06.2019

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1VRP/SP: necessidade de comprovante de pagamento do valor proporcional do ITBI, que representa o excesso de meação.

Processo 1043473-49.2019.8.26.0100

Espécie: PROCESSO
Número: 1043473-49.2019.8.26.0100

Processo 1043473-49.2019.8.26.0100 – Dúvida – Registro de Imóveis – Décimo Cartório de Registro de Imóveis – Maria Emília Vanzolini – Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Maria Emília Vanzolini, tendo em vista a negativa em se proceder ao registro da escritura de divórcio consensual e partilha de seus bens e de Atílio Oliveira Moretti. Após superada a exigência concernente ao recolhimento do ITCMD, que foi afastada em razão da alegação do divorciando de que a doação do valor em espécie efetuada pela ex cônjuge Maria Emília havia sido a única doação recebida no exercício de 2018, restou apenas um óbice, qual seja, necessidade de comprovante de pagamento do valor proporcional do ITBI, que representa o excesso de meação, vez que a suscitada recebeu patrimônio acima de sua cota parte. Juntou documentos às fls.05/42. A suscitada apresentou impugnação às fls.43/48. Argumenta que o registrador considerou apenas os bens imóveis que integravam o patrimônio comum do casal, todavia, deveria ser considerada a totalidade dos bens objeto da partilha, consequentemente não há que se falar em excesso de meação por parte da interessada, vez que os valores dos bens recebidos por ela foi inferior àqueles recebidos pelo divorciando. Apresentou documentos às fls.49/51. O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls.54/55). É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. Com razão o Registrador bem como o D. Promotor de Justiça. De acordo com a doutrina sobre o ITBI: “O que se tributa é a transmissão da propriedade de bem imóvel realizada através de um negócio jurídico oneroso, tais como compra e venda, dação em pagamento ou permuta.” (Registro Imobiliário: dinâmica registral / Ricardo Dip, Sérgio Jacomino, organizadores. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. – (Coleção doutrinas essenciais: direito registral; v.6 – p. 1329 – g.n) Assim diz o Regulamento do Imposto sobre Transmissão “Inter Vivos” (Anexo do Decreto Municipal 55.196/14): “Art. 2º Estão compreendidos na incidência do Imposto: (…) VI – o valor dos imóveis que, na divisão de patrimônio comum ou na partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges separados ou divorciados, ao cônjuge supérstite ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerando, em conjunto, apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou monte-mor;” Logo, a incidência do ITBI se verifica quando há reposição, ou seja, transferência de outro bem para igualar a partilha, o que daria caráter oneroso à transação. De acordo com o ensinamento de Yussef Cahali (Divórcio e Separação, 9º ed., RT, 2000, pg.164): a) “quando os interessados (cônjuges) recebem partes iguais, constitui a partilha (na separação amigável) ato meramente declarativo da propriedade. Mas se um recebe acima do que lhe caberia em sua meação, sem dúvida, ocorre transmissão de propriedade imobiliária e devido é o respectivo tributo fiscal” ; b) “o fato gerador do imposto ora analisado é a diferença nos quinhões e meação sobre bens imóveis. Se a partilha dos bens imóveis fosse feita, igual por igual, inexistiria tributação. Esta incide apenas sobre as diferenças nos quinhões e meação. No caso somam-se os valores dos imóveis. Metade a metade em meação aos cônjuges. Se houver valor acima da respectiva meação o imposto incidirá sobre a diferença. A lei tributa a diferença recebida a mais em imóveis” (op. cit., pág. 167)” Na presente hipótese considerando somente os bens imóveis que integravam o patrimônio do casal por ocasião da partilha, a suscitada ficou com imóveis de maior valor, sendo que a partilha restou igualada pelos bens móveis e dinheiro em espécie, o que caracteriza a onerosidade da transição e consequentemente o excesso de meação. Por fim, vale ressaltar que cumpre ao registrador fiscalizar o pagamentos dos impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados em razão do ofício, na forma do art. 289 da Lei nº 6.015/73, sob pena de responsabilização pessoal do Oficial Delegado, e dentre estes impostos se encontra o ITBI, cuja prova de recolhimento deve instruir a carta de sentença, salvo hipótese de isenção devidamente demonstrada. Diante do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Maria Emília Vanzolini, consequentemente mantenho o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo, com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: LUCIANA VANZOLINI MORETTI (OAB 223792/SP)

Fonte: DJe/SP de 05.06.2019

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Recurso Administrativo – Pedido de cancelamento de registro – Registro que foi feito em cumprimento de ordem judicial e não após qualificação de título judicial – Regularidade da conduta do registrador – Via eleita inadequada para a revogação da ordem judicial – Pedido de providências improcedente – Recurso não provido.

Número do processo: 1045301-51.2017.8.26.0100

Ano do processo: 2017

Número do parecer: 400

Ano do parecer: 2017

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1045301-51.2017.8.26.0100

(400/2017-E)

Recurso Administrativo – Pedido de cancelamento de registro – Registro que foi feito em cumprimento de ordem judicial e não após qualificação de título judicial – Regularidade da conduta do registrador – Via eleita inadequada para a revogação da ordem judicial – Pedido de providências improcedente – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Cuida-se de recurso tirado da sentença que julgou improcedente pedido de providências, negando o cancelamento de registro reputado nulo, a teor de que tal registro se deu em cumprimento de ordem judicial.

Alega, em síntese, que é visível a falsificação criminosa do documento levado a registro e que o ilícito foi endossado pela sentença recorrida. Aduz, ainda, que o contrato de compra e venda apresentava erros grosseiros, os quais foram ignorados quando apresentado o título em segunda oportunidade, e que o registro feriu princípios da especialidade, continuidade e legalidade.

Opino.

Em que pesem os argumentos do recorrente, não se cuida de endossar qualquer ilegalidade e tampouco qualquer ato criminoso nesta esfera administrativa.

Cuida-se de verificar, objetivamente, se a conduta do Registrador implicou ou não inobservância das normas vigentes. E a resposta é negativa.

O atento registrador, quando prenotou a carta de sentença expedida em ação de adjudicação compulsória, procedeu à qualificação do título judicial, recusando o registro a teor de haver ofensa ao princípio da continuidade (nota de devolução de fls. 128/129).

Entretanto, deparou-se com a reapresentação do título, desta vez acompanhado de ordem judicial expressa no sentido de que o registro deveria ser realizado, sob pena de multa diária (fls. 130).

Sobre o tema, confira-se brilhante exposição do i. magistrado Gustavo Henrique Bretas Marzagão, em parecer aprovado pelo em. desembargador Hamilton Elliot Akel, nos autos do Proc. CG n. 167.709/2013:

“Distinguem-se título e ordem judicial.

O título judicial, embora com alguma mitigação (CSM: Apelação Cível n° 1025290-06.2014.8.26.0100, relator Des. Elliot Akel), também se sujeita à qualificação do registrador. Já a ordem judicial, salvo hipóteses excepcionais de patente ilegalidade, tem de ser necessariamente cumprida, sob pena de desobediência.

Assim, ao receber um título judicial (formal de partilha, certidão de penhora, carta de arrematação), o registrador – respeitados alguns limites como, por exemplo, a não incursão no mérito judicial – é livre para qualificá-lo negativamente sem que isso configure descumprimento de ordem judicial.

Todavia, se o MM. Juízo que expediu o título examinar e afastar a recusa do registrador e, ato contínuo, determinar-lhe a ingresso no registro de imóveis, o que antes era um título torna-se uma ordem judicial, cujo cumprimento não pode ser postergado, sob pena de desobediência” (CGJSP: 12.566/2013, DJ: 07/03/2013, Relator: José Renato Nalini).

Exatamente a hipótese do caso em exame, em que, após qualificação negativa do título judicial, sobreveio decisão judicial que afastou as razões do Registrador e determinou o ingresso registral.

Com o advento da ordem judicial, superada a fase de qualificação do título, não restando outra alternativa ao Registrador que não cumpri-la e, assim, promover o registro do título.

Não se ignoram as nulidades decorrentes de possível prática delitiva. Entretanto, a questão deverá ser solucionada na esfera adequada, ou seja, mediante recurso perante o Tribunal de Justiça local, tirado da decisão que ensejou o registro, sem prejuízo de eventual ação autônoma. De qualquer forma, na esfera administrativa não há nenhuma outra providência a ser tomada, não sendo possível falar sequer em bloqueio da matrícula nesta sede, uma vez que o registro foi decorrente do estrito cumprimento de ordem judicial.

Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de negar provimento ao recurso. Outrossim, sugere-se que seja acolhida a manifestação de fls. 191, da Procuradoria Geral de Justiça, a fim de serem remetidas cópias dos autos ao Ministério Público e ao Tribunal de Justiça, ambos do Estado de Alagoas.

Sub censura.

São Paulo, 29 de novembro de 2017.

Tatiana Magosso

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo, pelas razões expostas, o parecer, para o fim de negar provimento ao recurso. Determino, outrossim, extração de cópias dos autos, a serem remetidas ao Ministério Público e ao Tribunal de Justiça, ambos do Estado de Alagoas. Publique-se. São Paulo, 29 de novembro de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça – Advogado: MAURÍCIO RODRIGUES DA COSTA, OAB/SP 196.327.

Diário da Justiça Eletrônico de 22.01.2018

Decisão reproduzida na página 012 do Classificador II – 2018


Fonte: INR Publicações

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