2ªVRP/SP: Ocorrendo equívoco do preposto, o qual foi corretamente orientado e fiscalizado, ato doloso do serventuário ou ainda um erro isolado e sem maior repercussão, tem-se aplicado o entendimento da insuficiência para configuração do ilícito administrativo do Registrador ou Tabelião em virtude da ausência de culpa e gravidade, respectivamente.

Processo 1079097-96.2018.8.26.0100

Espécie: PROCESSO
Número: 1079097-96.2018.8.26.0100

Processo 1079097-96.2018.8.26.0100 Pedido de Providências Tabelionato de Notas J.S.C.A. Juíza de Direito: Dra. Letícia Fraga Benitez VISTOS, Trata-se de expediente instaurado a partir de comunicação encaminhada por José Sidney Crespo Affonso, noticiando falsidade em reconhecimento de firma aposto em diversos documentos. O Sr. 12º Tabelião de Notas desta Capital manifestou-se às fls. 120/124. Designou-se audiência às fls. 149, oportunidade em que foram ouvidos Manoel Celestino dos Santos Nicolau, Jefferson de Souza, Rogério Manzanares Lindo e Delva Juliana Teixeira (fls. 177/194). O D. Representante do Ministério Público apresentou manifestação conclusiva às fls. 242/243. É o breve relatório. DECIDO. Positivou-se, na espécie, a ocorrência de abertura de cartões de assinatura em nome de José Sidney Crespo Affonso e sua ex-esposa, Sra. Julia Arzillo Affonso, com a utilização de documentos falsos, bem como o reconhecimento de firma em diversos documentos com base nos referidos cartões, cujos atos foram atribuídos ao 12º Tabelião de Notas da Capital. Consta da peça inicial que o interessado José Sidney Crespo Affonso já possuía cartão de assinatura arquivado perante à Serventia, mas que não efetuava qualquer reconhecimento desde 1998, tendo em vista que se encontra domiciliado no México desde 1999, com saída definitiva perante a Receita Federal em dezembro de 2000. Aduz, ainda, que, no ano de 2017 tomou conhecimento da existência de execuções de título extrajudicial em seu nome, as quais tinham por objeto dois contratos de locação celebrados em 2016 e 2017, em que o interessado figurava como fiador, contendo assinaturas falsas. Sendo assim, diligenciou junto à Unidade, momento em que constatou a abertura de novas fichas de assinatura em seu nome, no ano de 2005, e em nome de sua ex-esposa, Sra. Julia Arzilo Affonso, em 2017, em ambos os casos com a utilização de documentos falsos. Pois bem. Cumpre, primeiramente, frisar que o âmbito de atribuições do exercício desta Corregedoria Permanente dos Tabelionatos de Notas da Capital se desenvolve na esfera administrativa nesta 2ª Vara de Registros Públicos, limitado aos aspectos administrativos do serviço público delegado, com vistas a apurar eventual responsabilidade disciplinar do Delegatário. Vale dizer, não haverá formação de convencimento judicial para anulação dos atos notariais ou sobre responsabilidade civil. Impende ressaltar, ainda, que os fatos ocorreram quando o Delegatário anterior era o responsável pela Serventia, sendo certo que a renúncia à delegação, em nosso sentir, não acarretaria a perda de objeto do presente pedido de providências, uma vez que as supostas infrações remetem à período anterior à renúncia. Feita estas observações iniciais, após detalhada análise da documentação carreada aos autos e dos esclarecimentos prestados, bem como diante da oitiva dos envolvidos, reputo que, de fato, o antigo Delegatário tomou todas as precauções havidas por necessárias para a abertura das fichas de assinatura e para os reconhecimentos de firma, ora em análise. A despeito das alegações ventiladas pelo interessado, certo é que os documentos apresentados para a abertura das fichas de firma (fls. 127/128) demonstravam ser aparentemente verdadeiros (fls. 113/116), não indicando erro grosseiro, rasuras ou manejo de alterações. Ademais, a ausência do dígito verificador no documento de identificação de fls. 113, por si só, não configura falha suficiente à ensejar ilícito funcional, observando-se haver congruência da assinatura traçada na ficha com aquela existente na cédula, bem como correspondência entre a fisionomia do usuário e a fotografia estampada no RG. Observe-se, ainda, no ponto, que o item 182, do Capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça apenas faculta ao Tabelião a exigência de renovação das assinaturas ou o preenchimento de outra ficha-padrão. Assim é que, havendo perfeita conferencia entre os padrões de assinatura do documento apresentado para reconhecimento de firma e a ficha padrão arquivada na unidade, em que pese tenha sido aberta em 2005, de fato, não seria obrigatória a nova abertura de cartão de assinatura. Ainda, nessa senda, extraí-se dos autos que José Sidney Crespo Affonso possuía cartão de assinatura na serventia desde 1987, sendo que, à época, não era exigida a reprografia do documento de identidade exibido, razão pela qual, quando da abertura do novo cartão em 2005, inexistente qualquer documento de identificação arquivado na Serventia para que fosse realizada eventual comparação. Sendo assim, em que pese a fraude perpetrada, verifica-se que foram atendidos todos os requisitos previstos nos itens 178 e 179 do Capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça, tendo em vista que as fichas de assinatura juntadas aos autos contêm todos os elementos necessários, com especial destaque para: a) nome do depositante, endereço, profissão, nacionalidade, estado civil, filiação e data do nascimento; b) indicação do número de inscrição no CPF e do registro de identidade c) data do depósito da firma; d) assinatura do depositante, aposta 2 (duas) vezes; e) cópia reprográfica do documento de identidade apresentado para preenchimento da ficha-padrão, devidamente arquivado com a ficha-padrão para fácil verificação. Observa-se, ainda, que, após ser comunicado da ocorrência dos fatos pelo Interessado, cuidou o Sr. Notário de apontar uma restrição nos referidos cartões de assinatura, exigindo-se o comparecimento pessoal para novos reconhecimentos de firma, a fim de que se evitar novas fraudes, em observância ao disposto no item 188 do Capítulo XIV das Normas da Corregedoria Geral de Justiça. Por oportuno, importante ressaltar a presteza, tanto do ex-Delegatário quanto do Senhor Interino atualmente responsável pela Serventia, em atender as ordens deste Juízo, providenciando a juntada de toda a documentação que se fez necessária para apuração dos fatos. Em resumo, neste expediente verificatório não foi apurada ausência de orientação e, tampouco fiscalização, da parte do Sr. Tabelião; pelo contrário, o quadro probatório é indicativo à existência de orientação e fiscalização. Ausente, portanto, culpa, está excluída a possibilidade de instauração de processo administrativo disciplinar e futura imposição de sanção administrativa. Com efeito, os precedentes desta Corregedoria Permanente fixaram a possibilidade da responsabilização disciplinar do Oficial ou Tabelião somente no caso da possibilidade de comportamento (culposo) com aptidão para impedir ato contrário ao ordenamento jurídico (erro praticado pelo Titular ou preposto). Assim, ocorrendo erro de preposto, que poderia ser evitado com a orientação e ou fiscalização do Titular da Delegação, ocorre sua responsabilização administrativa-disciplinar; a exemplo de equívocos repetidos, situações perceptíveis com um mínimo de diligência e erros crassos que denotem clara falta de orientação ou fiscalização. De outra parte, ocorrendo equívoco do preposto, o qual foi corretamente orientado e fiscalizado, ato doloso do serventuário ou ainda um erro isolado e sem maior repercussão, tem-se aplicado o entendimento da insuficiência para configuração do ilícito administrativo do Registrador ou Tabelião em virtude da ausência de culpa e gravidade, respectivamente. Neste sentido é a recente decisão da Câmara Especial do Tribunal de Justiça, no Recurso Administrativo nº 0048142-07.2015.8.26.0100, j. 07.08.2017, como se observa do seguinte extrato do voto do Desembargador Salles Abreu, Presidente da Seção de Direito Criminal, como segue: “Há de se observar a concorrência de elementos objetivo e subjetivo para a caracterização da infração disciplinar do notário. Ou seja, a conduta havida por infração disciplinar ou funcional, deve-se observar uma conduta dolosa ou culposa do notário ou seu preposto, observando-se, neste último caso, uma falha no dever de cuidado na verificação da legalidade e legitimidade do ato. Mais que isto, a responsabilidade administrativa somente surge com a existência de uma conduta ilícita no aspecto dos deveres administrativos, sendo certo que tal qualificação da ilicitude não pode ser irrazoável ou mesmo fugir ao princípio da legalidade. Não se pode considerar ilícito administrativo a conduta que, em seu aspecto material e legal, não comporta nenhuma ilicitude conhecível de ofício, mas que tem seu regime de confronto vinculado à questão da eficácia ou ineficácia privada do ato, ou mesmo da aferição da divergência entre a vontade declarada e a vontade real do declarante. Embora a configuração do ilícito administrativo não se sujeite objetivamente ao princípio da tipicidade, não se pode esvaziar o conceito formal de culpa para se configurar a conduta culposa punível no âmbito administrativo.” Em suma, os elementos probatórios coligidos nos autos não autorizam a formação de convencimento judicial no sentido da adoção de providência censório-disciplinar em relação ao serviço correicionado, não se vislumbrando responsabilidade funcional apta a ensejar instauração do procedimento administrativo, de tudo se inferindo que a fraude não contou, à evidência, com a conivência da Serventia. Ante todo o exposto, à míngua de medida correcional a ser instaurada, determino o arquivamento dos autos. De outra parte, determino o bloqueio definitivo das ficha de firma em nome de José Sidney Crespo Affonso (fls. 127) e Julia Arzilo Affonso (fls. 128). No mais, como já houve comunicação do fato à Autoridade Policial, assim, desnecessário outras providências atinentes ao artigo 40 do Código de Processo Penal. Ciência ao Sr. Tabelião e ao Ministério Público. Encaminhe-se cópia desta decisão à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente sentença como ofício. I.C. ADV: DELVA JULIANA TEIXEIRA (OAB 179788/ SP)

Fonte: DJe/SP de 03.06.2019.7

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Registro Civil de Pessoas Jurídicas – Atas de assembleias – Prazos de antecedência mínima para a convocação e realização de eleição que não foram respeitados – Inobservância de regra estatutária que obsta a averbação das atas – Recurso improvido.

Número do processo: 1025037-37.2016.8.26.0071

Ano do processo: 2016

Número do parecer: 382

Ano do parecer: 2017

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1025037-37.2016.8.26.0071

(382/2017-E)

Registro Civil de Pessoas Jurídicas – Atas de assembleias – Prazos de antecedência mínima para a convocação e realização de eleição que não foram respeitados – Inobservância de regra estatutária que obsta a averbação das atas – Recurso improvido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso interposto pela Associação dos Moradores e Amigos do Vale do Igapó – AMAVI contra a sentença de fls. 82/83, que manteve os óbices à averbação de diversas atas da assembleia apresentadas ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de Bauru.

Sustenta a recorrente, em resumo, que o prazo de antecedência mínima não foi observado porque as assembleias tiveram que ser marcadas aos sábados para que houvesse um número maior de participantes. Além disso, entende que o processo eleitoral restou convalidado porque não houve impugnação aos atos praticados.

A Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 138/139).

É o relatório. Opino.

A recorrente se insurge contra a negativa de averbação de atas de assembleias.

As averbações foram negadas porque não foram observados os prazos de antecedência mínima previstos no artigo 41 do Estatuto Social da Associação para a convocação e a realização da eleição (fls. 52).

Analisadas as razões recursais, é forçoso reconhecer que a desqualificação das atas de assembleias foi correta.

No âmbito administrativo, cabe ao Oficial analisar a regularidade dos atos praticados sob o prisma da Lei e do Estatuto.

E, como não foram observados os prazos de antecedência previstos no Estatuto Social, correta a negativa de averbação.

A realização das assembleias aos sábados não é circunstância que autoriza a flexibilização da regra cogente que trata dos prazos mínimos previstos no Estatuto Social. Tampouco importa se os atos não foram impugnados pelos interessados, pois sob o prisma dos registros públicos, exige-se a observâncias estrita das normas legais e do Estatuto Social.

Ante o exposto, o parecer que submeto a Vossa Excelência propõe, respeitosamente, que se negue provimento ao recurso.

Sub censura.

São Paulo, 13 de novembro de 2017.

Paula Lopes Gomes

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer da MMª. Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso administrativo. Publique-se. São Paulo, 14 de novembro de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça – Advogados: CLEVERSON LUZZI, OAB/SP 250.734, AURÉLIA CARRILHO MORONI SIMAS, OAB/SP 153.224.

Diário da Justiça Eletrônico de 22.01.2018

Decisão reproduzida na página 011 do Classificador II – 2018


Fonte: INR Publicações

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Apelação – Entidade beneficente – Recebimento de doações – Imposto de Transmissão Causa Mortis ou Doação – ITCMD – Cobrança – Impossibilidade – Pretensão voltada à desconstituição do ato administrativo consistente na cobrança de ITCMD incidente sobre doações nacionais e advindas do exterior – Admissibilidade – Concessão de isenção pelo próprio ente tributante que enseja o reconhecimento da condição de beneficente e, portanto, imune ao ITCMD sobre doações, nos termos do art. 150, VI, “c”, da Constituição Federal – No que tange às doações internacionais, a despeito da edição da Lei Estadual nº 10.705/2000, alterada pela Lei Estadual n° 10.992/2001, a inexistência de Lei Complementar Federal inviabiliza a cobrança do tributo – Além da natureza de norma geral em matéria tributária, e Lei Complementar Federal teria o condão de fixar a competência nacional entre os Estados – A Constituição Federal não definiu a competência para a exação tributária – Inconstitucionalidade da cobrança já reconhecida pelo Órgão Especial deste E. Tribunal de Justiça, na Arguição de Inconstitucionalidade nº 0004604-24.2011.8.26.0000 – Majoração da verba honorária, nos termos do disposto no art. 85, § 11, do CPC/15 – Sentença mantida – Recurso não provido.

Apelação – Entidade beneficente – Recebimento de doações – Imposto de Transmissão Causa Mortis ou Doação – ITCMD – Cobrança – Impossibilidade – Pretensão voltada à desconstituição do ato administrativo consistente na cobrança de ITCMD incidente sobre doações nacionais e advindas do exterior – Admissibilidade – Concessão de isenção pelo próprio ente tributante que enseja o reconhecimento da condição de beneficente e, portanto, imune ao ITCMD sobre doações, nos termos do art. 150, VI, “c”, da Constituição Federal – No que tange às doações internacionais, a despeito da edição da Lei Estadual nº 10.705/2000, alterada pela Lei Estadual n° 10.992/2001, a inexistência de Lei Complementar Federal inviabiliza a cobrança do tributo – Além da natureza de norma geral em matéria tributária, e Lei Complementar Federal teria o condão de fixar a competência nacional entre os Estados – A Constituição Federal não definiu a competência para a exação tributária – Inconstitucionalidade da cobrança já reconhecida pelo Órgão Especial deste E. Tribunal de Justiça, na Arguição de Inconstitucionalidade nº 0004604-24.2011.8.26.0000 – Majoração da verba honorária, nos termos do disposto no art. 85, § 11, do CPC/15 – Sentença mantida – Recurso não provido. (Nota da Redação INR: ementa oficial)

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1029325-82.2016.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado ARCO – ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE.

ACORDAM, em 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FLORA MARIA NESI TOSSI SILVA (Presidente sem voto), BORELLI THOMAZ E ANTONIO TADEU OTTONI.

São Paulo, 8 de maio de 2019.

DJALMA LOFRANO FILHO

RELATOR

Assinatura Eletrônica

Apelação Cível nº 1029325-82.2016.8.26.0053

Apelante: Estado de São Paulo

Apelado: Arco – Associação Beneficente

Comarca: São Paulo

Juiz: Sergio Serrano Nunes Filho

RELATOR: Djalma Lofrano Filho

Voto nº 15013

APELAÇÃO. ENTIDADE BENEFICENTE. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS OU DOAÇÃO – ITCMD. COBRANÇA. IMPOSSIBILIDADE. Pretensão voltada à desconstituição do ato administrativo consistente na cobrança de ITCMD incidente sobre doações nacionais e advindas do exterior. Admissibilidade. Concessão de isenção pelo próprio ente tributante que enseja o reconhecimento da condição de beneficente e, portanto, imune ao ITCMD sobre doações, nos termos do art. 150, VI, “c”, da Constituição Federal. No que tange às doações internacionais, a despeito da edição da Lei Estadual nº 10.705/2000, alterada pela Lei Estadual n° 10.992/2001, a inexistência de Lei Complementar Federal inviabiliza a cobrança do tributo. Além da natureza de norma geral em matéria tributária, e Lei Complementar Federal teria o condão de fixar a competência nacional entre os Estados. A Constituição Federal não definiu a competência para a exação tributária. Inconstitucionalidade da cobrança já reconhecida pelo Órgão Especial deste E. Tribunal de Justiça, na Arguição de Inconstitucionalidade nº 0004604-24.2011.8.26.0000. Majoração da verba honorária, nos termos do disposto no art. 85, § 11, do CPC/15. Sentença mantida. Recurso não provido.

Vistos.

Trata-se de recurso de apelação interposto nos autos da ação de rito ordinário ajuizada por Associação Beneficente – ARCO em face da Fazenda do Estado de São Paulo. Na sentença de fls. 870/873, foi julgado procedente o pedido visando à anulação do auto de infração e imposição de multa AIIM nº 4.064.757-2, lavrado por descumprimento ao artigo 31, inciso II, alínea “d” do RITCMD. A parte vencida foi condenada ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atribuído à causa.

Inconformada, a Fazenda do Estado de São Paulo postulou a reforma da r. sentença, aos seguintes argumentos: a) a imunidade constitucional está garantida desde que preenchidos os requisitos legais previstos para tanto, tais como aqueles descritos no Decreto nº 46.655/02 e Portaria CAT nº 15/03 e seus anexos; b) o apelado não demonstrou o atendimento aos requisitos, sequer ingressou com pedido administrativo, no que concerne ao período da autuação; c) invocou as regras dos artigos 9º e 14, ambos do Código Tributário Nacional; d) as imunidades configuram privilégios de natureza constitucional e não podem estender-se além das hipóteses expressamente previstas na Constituição; e) necessidade de formalização de requerimento administrativo e da juntada dos documentos exigidos em lei para a comprovação da imunidade, nos termos dos artigos 176, 179 do Código Tributário Nacional e 150, § 6º, da Constituição Federal; f) o apelado obteve a isenção no período de 29.5.2013 até 28.5.2014, mas não existe qualquer requerimento de isenção para o período anterior, objeto da autuação; g) a isenção de caráter especial deve ser concedida anteriormente ao não recolhimento do tributo; h) invocou a regra do art. 4º, I, “b” da Lei 10.705/00; h) legalidade da multa exigida, também com relação aos percentuais cobrados, com fundamento nos arts. 31, II, “d” e 38, II, “a”, do Decreto 46.655/2002, especialmente do seu caráter punitivo, não podendo ser reformada pelo Poder Judiciário, sob pena de ofensa à tripartição dos poderes (fls. 875/911).

O recurso foi respondido a fls. 923/944.

É o relatório.

Cuida-se de pretensão jurisdicional apresentada por Associação Beneficente ARCO contra a Fazenda do Estado de São Paulo, voltada à declaração de nulidade do auto de infração e imposição de multa AIIM nº 4.064.757-2, lavrado por descumprimento ao artigo 31, inciso II, alínea “d” do RITCMD. Ou seja, por deixar de recolher o ITCMD de 4% sobre doações recebidas de 2010 a 2013, provindas do exterior, inclusive (fls. 55).

A questão versada nos autos é atinente à imunidade que a apelada alega ter, de modo tornar inexigíveis os valores de ITCMD que integraram o auto de infração lavrado contra si.

A Constituição, em seu artigo 150, inciso VI, alínea “c”, prevê que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre “patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”.

A tributação está amplamente definida nos contornos constitucionais, de modo que qualquer alteração legislativa que a confronte pode encampar a ilegalidade, principalmente nos campos da liberdade e propriedade.

A Constituição da República, também conhecida no Direito Tributário como Carta das Competências Tributárias, a par de definir a aptidão dos entes políticos para a instituição de tributos, também limita o exercício das referidas competências por meio de uma série de princípios constitucionais tributários.

Aliados a esses princípios, que limitam a atividade de tributação estatal, há também alguns valores que o ordenamento jurídico, por meio da Constituição Federal, adotou como relevantes, ao excluí-los da cobrança, cobrindo-os com o manto da imunidade tributária.

Nestes casos, não há incidência tributária e o fato que, em tese, poderia ser tributável, não gera o direito ao sujeito ativo de exigir a exação.

Não é demais anotar que as imunidades tributárias, conforme posicionamento do Excelso Supremo Tribunal Federal, quando atinentes a direitos fundamentais das pessoas, caracterizam-se como cláusula pétreas, reformáveis apenas mediante a instituição de nova assembleia constituinte.

Neste contexto, a Constituição elegeu algumas pessoas, bens, situações e valores para estarem protegidas, a salvo da tributação. Portanto, qualquer ato ou fato jurídico, legislativo ou administrativo que desrespeitar a Constituição da República será tido como inconstitucional.

Na hipótese vertente, observa-se que o valor eleito como caro pela Constituição da República é a assistência social, cuja interpretação deve ser sempre a mais generosa: “in dubio pro imunitate”.

Além disso, o particular que empreende na assistência social ajuda o Estado em suas funções primordiais, merecendo incentivo por meio de imunidade tributária.

E tendo em vista que a Constituição, por ser rica e minuciosa em matéria tributária, indica até mesmo as espécies tributárias, a imunidade deve recair sobre todos os impostos, sem exceção a nenhum deles.

Portanto, o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações ITCMD, incidente nas operações comum de doação, está abrangido pela imunidade.

Dispõe a Constituição da República o seguinte:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(…)

III – cobrar tributos:

(…)

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;” – destaques acrescidos.

De maneira que esses valores, essenciais para a atividade assistencial da população carente, não poderão ser alvo de tributação, também em virtude da regra imunizante.

No caso em exame, para solucionar a dúvida sobre a caracterização da entidade como beneficente, basta anotar que a própria apelante concedeu em 2014, concedeu isenção com período de validade de maio de 2013 a maio de 2014 (fls. 54), obtida ainda a renovação de setembro de 2015 a setembro de 2017.

Em outras palavras, a entidade beneficente recorrente obteve isenção de ITCMD sobre as doações recebidas pelo período de 29.5.2013 a 28.5.2014, conforma documentado a fls. 54 dos autos originais. Postulada nova benesse (fls. 116/184), a isenção fora renovada para o período de 8.9.2015 a 7.9.2017.

Constata-se, ainda, que possui o certificado de entidade beneficente perante o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, reiteradamente renovados.

Além disso, nem sequer há previsão de tributação de valores doados advindos do exterior. Dispõe a Constituição da República o seguinte:

Artigo 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

(…)

§ 1.º O imposto previsto no inciso I:

(…)

III – terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:

a) se o doador tiver domicilio ou residência no exterior;

Como se vê, o ITCMD é um imposto estadual, previsto na Constituição Federal, especificamente no artigo 155, inciso I, § 1º.

Entretanto, a Carta Maior deixou a cargo da lei complementar federal a instituição da competência quando o doador ou o “de cujus” forem residentes ou domiciliados no exterior ou o inventário tenha sido lá processado.

Todavia, não foi editada a referida lei complementar federal e, desta forma, não existe competência de qualquer dos órgãos para instituir o ITCMD sobre heranças e doações recebidas no exterior ou de pessoa lá residente.

Desse modo, somente por meio de lei complementar esta ainda não promulgada, repita-se – poderiam ser reguladas as heranças e doações e, portanto, sofrer incidência do ITCMD. Essa lei complementar é de suma importância para compatibilização entre normas nacionais e estrangeiras, a fim de evitar possível bitributação realizada pelo Brasil e pelo país do domicílio do doador/falecido.

Observa-se que, na contramão das previsões da Constituição Federal, os Estados criaram leis próprias que disciplinam essa cobrança, a exemplo do Estado de São Paulo, que, por meio da Lei Estadual nº 10.705/2000, exige dos contribuintes o recolhimento do ITCMD sobre esses fatos geradores.

A lei complementar que poderia autorizar a cobrança do ITCMD ainda não existe. Logo, qualquer cobrança deve ser considerada ilegal.

Em São Paulo, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça, na Arguição de Inconstitucionalidade nº 0004604-24.2011.8.26.0000, já declarou a inconstitucionalidade da cobrança do ITCMD sobre a transmissão de bens imóveis ou móveis, corpóreos ou incorpóreos, localizados no exterior, bem como de doador ou de de cujus domiciliados ou residentes fora do país ou, ainda, no caso de inventário processado no exterior, com a seguinte ementa:

I – Arguição de inconstitucionalidade. A instituição de imposto sobre transmissão ‘causa mortis’ e doação de bens localizados no exterior deve ser feita por meio de Lei Complementar. Inteligência do art. 155, §1°, inciso III, Aline b, da Constituição Federal. II – O Legislador Constituinte atribuiu ao Congresso Nacional um maior debate político sobre os critérios de fixação de normas gerais de competência tributária para instituição do imposto sobre transmissão de bens – móveis/imóveis, corpóreos/incorpóreos – localizados no exterior, justamente com o intuito de evitar conflitos de competência, geradores de bitributação, entre os Estados da Federação, mantendo uniforme o sistema de tributos. III – Inconstitucionalidade da alínea ‘b’ do inciso II do art. 4º da Lei paulista n° 10.705, de 8 de dezembro de 2000, reconhecida. Incidente de inconstitucionalidade procedente.” (TJSP; Arguição de Inconstitucionalidade 0004604-24.2011.8.26.0000; Relator (a): Guerrieri Rezende; Órgão Julgador: Órgão Especial; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 8ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 30/03/2011; Data de Registro: 07/04/2011).

O embasamento apresentado pelos Estados para esta violação está no artigo 24, § 3º, da Constituição Federal, ou seja, na ausência de uma lei federal estabelecendo regras gerais, poderia o Estado atuar com competência plena – basicamente tomando o lugar da União em razão de sua inércia para atender seus interesses locais.

Todavia, a situação excepcional não pode ser aqui aplicada, pois, no caso concreto, não há inércia de um ente federativo, mas sim inércia de toda a Federação, por não promulgar uma lei complementar que regule a situação das doações e heranças provenientes do exterior.

Hugo de Brito Machado elucida também que, nos casos em que o doador tem domicílio ou residência no exterior e, quando o autor da herança possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve seu inventário processado no exterior, será a cobrança regulada em lei complementar.

Todavia, na ausência de referida lei, entende que esse imposto não poderia ser instituído, por força do disposto no art. 146, inciso III, da CF (MACHADO, Hugo de Brito. “Curso de Direito Tributário”. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 376).

Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não tenha se manifestado sobre o tema expressamente, em situação similar, envolvendo adicionais do imposto de renda e do ICMS sobre navegação aérea, decidiu pela incompetência dos Estados, diante da exigência de lei complementar para a instituição dos impostos. Em ambos os casos, o STF determinou ser inconstitucional a prática por ausência da lei complementar, conforme as ADIn 28-4-SP e ADIn 1600-8, respectivamente.

No caso específico do ITCMD, a posição do Tribunal de Justiça de São Paulo é de ser inadmissível a sua cobrança diante da ausência da lei complementar (neste sentido, Apelação nº 300231-06.2013.8.26.071, j. 1º de setembro de 2014).

Tem-se, pois, que os Estados não dispõem de competência tributária para suprir ausência de lei complementar exigida pela Constituição Federal.

Conclui-se, portanto, que com relação aos valores doados advindos do exterior, não há hipótese para cobrança e, quanto aos demais, era mesmo imperioso o reconhecimento da imunidade.

Com tais considerações, a sentença que julgou procedente o pedido deverá ser integralmente mantida, por seus próprios e bem lançados fundamentos jurídicos.

Prejudicada, portanto, a argumentação sobre a legalidade da multa exigida.

Por fim, desprovido o recurso, os honorários advocatícios arbitrados na r. sentença ficam majorados para 11% sobre o valor atribuído à causa, com a atualização descrita na sentença, em atenção ao art. 85, § 11, do CPC/15 e ao trabalho adicional realizado nesta instância.

Diante do exposto, nega-se provimento ao recurso de apelação.

DJALMA LOFRANO FILHO

Relator – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1029325-82.2016.8.26.0053 – São Paulo – 13ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Djalma Lofrano Filho – DJ 22.05.2019

Fonte: INR Publicações

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