Testamento

* Arthur Del Guércio Neto

A cena está armada. Família reunida na sala, logo após a morte de um ente querido. Todos tristes e chorando, quando, de maneira repentina, surge a notícia bombástica: "Ele deixou um testamento!" Quem nunca presenciou isso num filme ou novela? 

No Brasil, não há uma cultura de utilização do testamento, talvez pelo fato de que leve as pessoas a refletir sobre situações interligadas a algo que ninguém deseja: a morte! Essa pouca utilização faz com que o mesmo seja desconhecido, e até mesmo usado no mundo fictício como algo trágico. No entanto, a finalidade é evitar situações ensejadoras de grande discussão.

O testamento, cuja forma pública é a mais segura e juridicamente adequada, é o ato notarial pelo qual o testador faz suas declarações de última vontade, com efeito patrimonial ou não, para que surtam efeitos após a sua morte.

A liberdade de testar não é ampla e irrestrita. Encontra algumas limitações legais, como, por exemplo, a "legítima", fatia patrimonial correspondente à metade do patrimônio do testador, destinada aos seus denominados "herdeiros necessários", quais sejam, descendentes, ascendentes e cônjuge.

No entanto, respeitada a "legítima", quando for o caso, tem o testador a liberdade para deixar a qualquer pessoa, física ou jurídica, a outra metade patrimonial.

Disposições não patrimoniais também podem ser objeto de testamento, sendo exemplos corriqueiros o reconhecimento de um filho ou ainda a manifestação do desejo que o corpo seja cremado.

Com o testamento, o testador pode antecipar a solução de todos os eventuais problemas que possa vislumbrar, em decorrência de seu falecimento, criando um verdadeiro código de regras para valerem no seu pós-morte, com a enorme vantagem de não perder a disponibilidade sobre os bens em vida.

Conclui-se que, na novela em que todos vivem, a da vida real, longe de ser uma "bomba" ou algo conturbador de ambiente, o testamento público é o meio de evitar litígios e confusões, uma cautela a ser mais utilizada pela população!

Fonte: DAT – Diário do Alto Tietê I 25/08/2013.

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O valor do aluguel na ação renovatória envolvendo o contrato built to suit

* Sabrina Berardocco Carbone

Nada melhor que começar esse artigo com o sábio ensinamento de Pontes de Miranda1, para quem, renovar não é prorrogar. Quem prorroga não renova. Nem renova quem prorroga.

Parece óbvia tal afirmação, mas no campo prático essa obviedade não existe. Não é incomum, e a prática assim atesta, que nas ações renovatórias, os locatários pretendem, no fundo, não renovar a locação, no sentido de renovar o contrato, as condições, mas sim, de simplesmente prorrogar o pacto, tanto que deduzem pedido pleiteando "…manutenção das condições da locação, com valor reajustado para o período do contrato renovando…".

Não é raro encontrar decisões que efetivamente limitem o alcance da ação renovatória, cingindo-se apenas a arbitrar novo valor de aluguel sem alterar quaisquer condições do contrato, já que isto estaria dentro da disponibilidade dos contratantes.

Entretanto, há de se registrar que quando vão a litígio, é justamente porque não conseguiram se compor na esfera extrajudicial e precisam se socorrer do Poder Judiciário para intervir na vontade privada manifestada naquele contrato que encontra resistência das partes na renovação.

A prova pericial nas ações renovatórias é prova essencial para o arbitramento do valor do aluguel para o período renovando. Assim, a questão é: nos contratos built to suit a prova pericial abrangerá quais elementos tendo em vista a complexidade de tal negócio imobiliário?

Nesse contrato, o aluguel inicialmente fixado não é composto somente pelo uso e gozo, mas é composto visando a aquisição da coisa (terreno), sua adaptação (construção ou reforma) e entrega ao locatário.

Nota-se que o valor do aluguel na primeira fase do contrato built to suit é formado, geralmente, pelos seguintes elementos:

Após a entrega da obra e sua aceitação pelo locatário, entendemos que o contrato inicia uma nova fase, denominada por nós de "segunda", qual seja, a fase em que ao VI – valor do investimento deve estar acrescido do VUG – valor estimado pelo uso e gozo da coisa locada.

Então, no contrato built to suit, durante sua longa duração (geralmente acima de dez anos), o "aluguel" deve ser entendido em duas fases, a primeira, na qual o valor não contempla o uso e gozo da coisa, mas sim, o valor de sua aquisição e demais elementos de grande relevo financeiro e, a segunda, na qual, entregue a obra, o locatário passará efetivamente a pagar pela fruição da coisa até a extinção do prazo contratual.

O ponto central é entender tal dinâmica quando o contrato adentra para a terceira fase: a fase da renovação do pacto, seja na esfera judicial ou extrajudicial.

Quando o contrato entra nessa terceira fase, as partes, comumente, entram em choque porque os interesses, que antes eram convergentes, passam a ser divergentes, buscando o locador aumentar o valor do aluguel e o locatário em reduzi-lo. Ainda pode ser objeto de litígio a pretensão de alteração das condições contidas no próprio contrato, que não envolve só a locação, mas também todos os outros elementos que integram o contrato do tipo built to suit.

Para o locador, a lei 8.245/91, criou mecanismos limitadores da defesa a ser apresentada quanto à pretensão do locatário, nos termos do artigo 72.

Diz a lei que a contestação ficará adstrita quanto à matéria de fato aos acontecimentos que ela elegeu. Ocorre que, com a evolução da sociedade, da economia e dos negócios imobiliários, o locador não pode, a nosso ver, ficar adstrito às situações descritas na lei, ainda mais, em se tratando de contrato built to suit com a conjugação de vários elementos e situações não previstas no referido dispositivo legal.

Todas as críticas que já se fez pela opção legislativa de inclusão desse contrato na lei de locação, aqui se ratificam, pois realçam a vulnerabilidade da lei frente às situações contempladas no contrato em estudo.

Assim, o que se pretende é chamar a atenção para a instrução do processo nas demandas renovatórias. Terá o juiz que ter a sensibilidade e conhecimentos necessários para conduzir a demanda e não restringir a defesa às matérias descritas no transcrito artigo 72 da lei 8.245/91, por se mostrarem insuficientes na discussão e arbitramento do novo valor do aluguel para o período renovando?

Poderão ambas as partes pretender alterar as condições básicas do contrato que, quando da contratação fizeram sentido, mas que não se mostram mais presentes para o novo período?

Neste sentido, Vera Helena de Mello Franco2, aponta de uma maneira muito interesse a visão dos economistas aos contratos, no que diz respeito aos seus efeitos, que vale a pena a transcrição para futura reflexão. Vejamos:

Para os economistas os contratos de duração continuada ou de trato sucessivo, e aquele de execução diferida, podem ser considerados incompletos, dada a possibilidade de que eventos futuros e imprevisíveis possam afetar o adimplemento das prestações acordadas, quer pela insuficiência de informações, quer pela falta da sua previsão.

O fundamento para tanto reside no fato de que, no momento da transação, as partes não podem prever todas as variáveis que possam vir no futuro a incidir sobre o contrato durante sua execução. Esta impossibilidade de previsão pode conduzir ao aumento dos 'custos de transações', assim entendidos, conforme a lição de Rachel Sztajn, 'aqueles incorridos nas transações, ainda quando não representados por dispêndios financeiros (isto é, movimentação de caixa), derivados ou impostos pelo conjunto de medidas tomadas para realizar uma determinada operação ou transação. Incluem-se no conceito de custo de transação o esforço com a procura de bens ou serviços em mercado; a análise comparativa de preço e qualidade entre os bens ofertados; a segurança quanto ao adimplemento da operação; a certeza de que o adimplemento será perfeito e a tempo; eventuais garantias que sejam requeridas na hipótese de eventual inadimplemento ou adimplemento imperfeito; a redação de instrumentos contratuais que reflitam todas as tratativas e eventos possíveis que possam afetar as prestações respectivas, que desenhem com clareza os direitos, deveres e obrigações das partes (…).

Como se vê, a visão dos economistas muito mais se adequa ao contrato built to suit, do que a visão da lei 8.245/91 que limita o espectro de discussão nas demandas renovatórias. Caberá, ao Poder Judiciário, quando instado a se manifestar sobre outras questões que não só aquelas limitadas pelo artigo 72 da referida lei, enfrentá-las de forma a estancar os pontos divergentes e apaziguar as partes, outorgando-lhes uma prestação jurisdicional integral. Relegar a discussão a um novo processo, ou ainda, a uma nova composição extrajudicial é, em nossa opinião, fazer letra morta aos princípios da economia processual, durabilidade razoável do processo, da segurança jurídica e da justiça social.

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1 – VAT (valor da aquisição do terreno) + (2) VCM (valor da construção e mão-de-obra) + (3) VAD (valor da administração da obra) + (4) VIA (valor estimado pela imobilização de ativo) = Valor do investimento (VI) a ser restituído pelo locatário, que não se confunde com o aluguel.

2 – In FRANCO, Vera Helena de Mello. Teoria Geral do Contrato, confronto com o direito europeu futuro, 1.ed., São Paulo: RT, 2011

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* Sabrina Berardocco Carbone é advogada no escritório Advocacia Salomone.

Fonte: Migalhas I 27/08/2013.   

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