CILADAS NO MERCADO DA TELEFONIA | CONHEÇA OS ENTENDIMENTOS DO STJ

Ciladas no mercado de telefonia

O Programa Nacional de Desestatização foi instituído em 1990 pela Lei 8.031, que permitiu a privatização de empresas controladas pela União. Em 1995, com a aprovação da Emenda Constitucional 8, o governo brasileiro deu início à flexibilização do setor de telecomunicações. Nesse mesmo ano, o Executivo encaminhou um projeto de lei ao Congresso, que resultou na chamada Lei Mínima (Lei 9.295/96) e na separação entre a telefonia fixa e a telefonia móvel. Em 1997, a Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472) criou a Anatel.

De lá para cá, muita coisa mudou. Após o processo de privatização, ocorrido em julho de 1998, que acabou com o monopólio do Sistema Telebrás, a acomodação de serviços e a criação de um ambiente competitivo, regulado pela Anatel, o Judiciário é cada vez mais chamado para resolver conflitos de mercado.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), desde então, vem proferindo decisões importantes para o consumidor, empresas e órgãos de governo. A obrigatoriedade de operadoras oferecerem outro aparelho ou reduzir multa em casos de perda de celular, por exemplo, foi um tema que chegou à pauta de julgamento.

Outros temas foram a validade da cobrança da assinatura básica mensal em telefonia fixa e a discussão acerca do prazo de validade do cartão pré-pago em telefonia móvel. Assuntos como a legitimidade dos Procons para impor multas por descumprimento de regras de serviço e o detalhamento da fatura telefônica também foram objeto de julgamento. São inúmeros os precedentes de interesse para os consumidores, empresários e governo.

Planos de fidelidade

Em um dos julgamentos sobre telefonia ocorridos neste ano, foi decidido que a operadora não pode exigir fidelidade com prazo superior a 12 meses. Em março, a Quarta Turma decidiu que é ilegal o contrato de comodato em que a operadora exige do consumidor prazo susperior a um ano.

A decisão se deu em recurso de uma operadora contra uma consumidora de Mato Grosso do Sul, que pediu rescisão contratual antes de cumprir a carência de 24 meses prevista no contrato (REsp 1.097.582).

Seguindo o voto do relator, ministro Marco Buzzi, a Turma considerou que a fidelidade exigida pelas operadoras, em si, não é ilegal, desde que em troca a empresa telefônica proporcione alguma vantagem efetiva ao cliente, seja na forma de redução no valor dos serviços ou de desconto na aquisição de aparelhos.

Mas o prazo superior a 12 meses foge à razoabilidade e fere o direito do consumidor de buscar ofertas melhores no mercado. Segundo o relator, a evolução dos sistemas de comunicação, a universalização do atendimento e a ampliação da cobertura tornaram os serviços muito dinâmicos, a ponto de não justificar a vinculação dos usuários a longos prazos contratuais.

O comodato praticado pelas operadoras funciona geralmente como uma espécie de empréstimo em que ocorre a transmissão da propriedade do aparelho depois de cumprido o prazo de carência ou após o pagamento de multa, nos casos de rescisão.

Perda do celular

Em outra importante decisão, ocorrida em 2009, o STJ entendeu que perda ou furto de celular obriga a operadora a fornecer outro aparelho ou reduzir a multa rescisória. 

Se o cliente ficar sem o celular em decorrência de caso fortuito ou força maior, devidamente comprovado, a empresa de telefonia deve fornecer gratuitamente outro aparelho pelo restante do período de carência ou, alternativamente, reduzir pela metade o valor da multa a ser paga pela rescisão do contrato. A decisão foi da Terceira Turma, ao dar parcial provimento ao recurso de uma operadora (REsp 1.087.783).

A discussão teve início em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, requerendo que a operadora se abstivesse de cobrar qualquer multa, tarifa, taxa ou outro valor por resolução de contrato de telefonia móvel decorrente de força maior ou caso fortuito, especialmente na hipótese de roubo ou furto do aparelho celular.

Para a ministra Nancy Andrighi, relatora, a solução do caso passa pela equalização dos direitos, obrigações e interesses das partes contratantes à nova realidade surgida após a ocorrência de evento inesperado e imprevisível, para o qual nenhuma delas contribuiu: “De um lado a recorrente, que subsidiou a compra do aparelho pelo consumidor, na expectativa de que este tomasse seus serviços por um período mínimo. De outro, o cliente, que, ante a perda do celular por caso fortuito ou de força maior e na impossibilidade ou desinteresse em adquirir um novo aparelho, se vê compelido a pagar por um serviço que não vai utilizar.”

Fornecimento de aparelho

Segundo a ministra, as circunstâncias permitem a revisão do contrato. “Ainda que a perda do celular por caso fortuito ou força maior não possa ser vista como causa de imediata resolução do contrato por perda de objeto, é inegável que a situação ocasiona onerosidade excessiva para o consumidor”, acrescentou.

Ao decidir, a ministra levou em conta ser o consumidor parte hipossuficiente na relação comercial, o que deixa duas opções à operadora: dar em comodato um aparelho ao cliente durante o restante do período de carência, a fim de possibilitar a continuidade na prestação do serviço e, por conseguinte, a manutenção do contrato; ou aceitar a resolução do contrato, mediante redução, pela metade, do valor da multa devida, naquele momento, pela rescisão.

A relatora ressaltou que, caso seja fornecido um celular, o cliente não poderá se recusar a dar continuidade ao contrato, sob pena de se sujeitar ao pagamento integral da multa rescisória. “Isso porque, disponibilizado um aparelho para o cliente, cessarão os efeitos do evento [perda do celular] que justifica a redução da multa”, concluiu Nancy Andrighi.

Demonstração de crédito

Em 2011, o STJ proferiu decisão vedando às concessionárias de serviço de telefonia móvel condicionar a habilitação de linha no plano básico à apresentação de comprovantes de crédito no nome do interessado (REsp 623.325).

No caso, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra uma operadora, por considerar abusiva a prática de condicionar a habilitação de celular pós-pago, cuja tarifa geralmente é menor que a do pré-pago, à inexistência de restrição de crédito dos consumidores ou à apresentação do cartão bancário.

O STJ entendeu que a prática desrespeitava o usuário e descumpria a função social do serviço. Os direitos das empresas de atuarem no livre mercado e sem intervenção estatal deveria se harmonizar com o direito do usuário de não ser discriminado quanto às condições de acesso e fruição do serviço.

De acordo com as normas do setor, o serviço de telefonia móvel celular submete-se ao regime de direito privado e não está sujeito ao princípio de universalização. Segundo o ministro Teori Albino Zavaschi, que era o relator do processo, o princípio da livre iniciativa – ou da intervenção estatal mínima, ou do regime privado da prestação do serviço – não é absoluto.

“Ao contrário, como todo princípio, ele assume, por sua natureza, caráter relativo, uma vez que sua aplicação não dispensa, nem pode dispensar, um sistema metódico de harmonização com outros princípios de mesma hierarquia, igualmente previstos na própria Lei 9.472, como o do respeito ao usuário e da função social do serviço de telefonia (artigo 127),” disse ele.

Tarifa básica em telefonia fixa

O STJ, em reiteradas decisões, que culminaram na edição da Súmula 356, fixou o entendimento de que “é legítima a cobrança da tarifa básica pelo uso dos serviços de telefonia fixa”. Em vários precedentes, usuários pediam devolução dos valores pagos por uma contraprestação por serviço não oferecida – cobrança sem que chamadas fossem feitas.

O entendimento do Tribunal é que a cobrança da tarifa foi prevista expressamente no edital de desestatização das empresas federais para que os interessados, com base nessa autorização, efetuassem propostas.

Além de ser legal e contratual, justifica-se pela necessidade de a concessionária manter disponibilizado o serviço de telefonia ao assinante, de modo contínuo e ininterrupto, já que lhe são exigidos dispêndios financeiros para garantir a eficiência.

A obrigação do usuário em pagar tarifa mensal pela assinatura do serviço decorre da política tarifária instituída por lei, sendo que a Anatel pode fixá-la por ser reguladora do setor, amparada no que consta do contrato de concessão, com respaldo no artigo 103, parágrafos 3º e 4º, da Lei 9.472 (REsp 926.159; REsp 993.283).

Detalhamento da fatura eletrônica

Se a cobrança de tarifa básica pelo uso de serviços de telefonia fixa resultou na edição da Súmula 356, o detalhamento de fatura revogou a Súmula 357 do STJ, que tinha o seguinte enunciado: “A pedido do assinante, que responderá pelos custos, é obrigatória a partir de 1º de janeiro de 2006, a discriminação de pulsos excedentes e ligações de telefone fixo para celular” (REsp 1.074.799).

Em julgamento conforme o rito da Lei dos Recursos Repetitivos, a Primeira Seção pacificou o entendimento, em 2009, de que, a partir de 1º de agosto de 2007, data da implementação total do Sistema Telefônico Fixo Comutado (Resolução 426), é obrigatório o fornecimento de fatura detalhada de todas as ligações na modalidade local, independentemente de ser dentro ou fora da franquia contratada. O fornecimento da fatura é gratuito e de responsabilidade da concessionária.

A solicitação para o fornecimento da fatura discriminada sem ônus para o assinante só precisa ser feita uma única vez, marcando para a concessionária o momento a partir do qual o consumidor pretende obter o serviço. Segundo o relator, ministro Francisco Falcão, não teria sentido obrigar o consumidor a solicitar mensalmente o detalhamento de sua fatura.

Atuação dos Procons

Também em 2009, o STJ aplicou decisão que beneficia os consumidores e intimida as operadoras em relação ao descumprimento de cláusulas de serviços. A Segunda Turma reiterou a legitimidade dos Procons para aplicar multas por descumprimento de suas determinações. A decisão se deu em questão em que foi suscitado conflito de atribuições entre o Procon e a Anatel (REsp 1.138.591). 

Uma empresa concessionária foi multada por ter descumprido a determinação do órgão de defesa do consumidor quanto à instalação de linha telefônica no prazo estipulado de dez dias. Ela pediu a desconstituição da multa com o argumento de que tal competência era da Anatel.

Para a concessionária, o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) contrariou o artigo 19, IV e VII, da Lei 9.472 e o artigo 19, parágrafo único, do Decreto 2.338/97, pois a atuação dos órgãos de defesa do consumidor dependeria de prévia coordenação da Anatel, sob pena de usurpar a competência da agência reguladora.

Ao analisar a questão, o relator, ministro Castro Meira, considerou que a atuação do Procon é sempre legítima quando se trata de aplicar as sanções administrativas previstas em lei, no regular exercício do poder de polícia que lhe foi conferido no Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.

Tal competência, entretanto, segundo ele, não exclui o exercício da atividade regulatória setorial realizada pelas agências criadas por lei. O foco das agências não se restringe à tutela particular do consumidor, mas abrange a execução do serviço público em seus vários aspectos, como sua continuidade e universalização, a preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão e a modicidade tarifária.

Ações coletivas

A Anatel é a autarquia especial que regula o setor. Segundo o STJ, em decisão proferida em 2010, ela é parte obrigatória nas ações coletivas que envolvam as concessionárias de telefonia. E, como pertence à União, a competente para processar as ações é a Justiça Federal (CC 113.902; Ag 1.195.826).

A atuação da Anatel está amparada no artigo 21, inciso XI, da Constituição Federal, que diz que “a lei disporá sobre a organização dos serviços, a criação e aspectos institucionais de um órgão regulador”, que foi a Lei 9.472. Conforme ainda a Constituição, é competência da União legislar sobre telecomunicação e radiodifusão, o que restringe a participação de estados e municípios para disciplinar matérias relativas ao setor.

Na análise de um recurso em que uma operadora teria instalado torres de telefonia sem observar as regras municipais, o STJ decidiu que não é razoável que uma operadora restrinja suas atividades por força de legislação de município, tendo em vista o artigo 19 da Lei 9.472, que atribuiu competência exclusiva à Anatel para a matéria (AgRg na MC 11.870). A intromissão de outros órgãos nas atividades reguladas é uma excepcionalidade.

“O surgimento superveniente de determinação municipal em confronto com ato da agência reguladora impõe análise pormenorizada da proposição técnica, revelando-se temerário o cumprimento de determinação local em detrimento de atividades essenciais e do interesse da coletividade", afirmou o ministro Luiz Fux (MC 3938) na ocasião de um julgado.

No mesmo sentido decidiu a ministra Denise Arruda, em um recurso em que se definiu que lei estadual não pode legislar sobre serviços de telecomunicações. No caso, uma lei de Santa Catarina estabeleceu regra determinando a discriminação das ligações locais nas faturas de telefonia fixa, o que foi considerado ilegal (RMS 17.112).

Interferência excepcional

Como medida excepcional de interferência na esfera do órgão regulador, o STJ admitiu em 2012 a possibilidade de o Poder Judiciário intervir na fixação dos valores cobrados das empresas prestadoras de serviços de telefonia fixa a título de VU-M, tarifa que é devida por essas empresas quando se conectam às redes de telefonia móvel (REsp 1.275.859; REsp 1.334.843; REsp 1.171.688).

O entendimento dizia respeito à divergência firmada entre a Tim e a GVT em relação à legitimidade de o Poder Judiciário, em antecipação de tutela, fixar provisoriamente os valores cobrados a título de VU-M. A Tim objetivava a fixação dos valores que foram determinados pela Anatel no âmbito do procedimento de arbitragem firmado entre a GVT e a concessionária Vivo.

Por outro lado, a GVT alegava que esses valores eram excessivos e poderiam prejudicar seu funcionamento, o que prejudicaria os consumidores, razão pela qual requeria a determinação dos valores com base em estudo realizado por renomada empresa de consultoria econômica privada, os quais eram inferiores aos estabelecidos pela Anatel.

Em seu voto, o relator, ministro Mauro Campbell Marques, afirmou que a Lei Geral de Telecomunicações expressamente confere às concessionárias de telefonia relativa liberdade para fixar os valores das tarifas de interconexão VU-M, desde que tais valores não estejam em desacordo com os interesses difusos e coletivos envolvidos, consistentes na proteção dos consumidores e na manutenção das condições de livre concorrência no mercado.

Para o relator, “a discussão judicial desses valores não afasta a regulamentação exercida pela Anatel, visto que a atuação do referido órgão de regulação setorial abrange, sobretudo, aspectos técnicos que podem melhorar a qualidade do serviço oferecido ao consumidor pelas concessionárias de telefonia fixa e móvel”.

Estruturação em rede

A partir desse entendimento, foi negado provimento aos recursos especiais para determinar a manutenção da decisão de antecipação de tutela concedida pelo juízo federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, a qual determinou a aplicação dos valores sugeridos pela empresa de consultoria, mais condizentes com os interesses difusos envolvidos.

A indústria de telecomunicações é, essencialmente, estruturada em rede. Assim, cada agente econômico que atua neste mercado necessita de uma rede para funcionar, ou seja, de uma infraestrutura necessária à prestação de serviços de telecomunicações.

Embora seja possível que cada empresa possua sua própria rede, essa hipótese não é racionalmente viável, tendo em vista principalmente o alto custo em que incorreriam as empresas prestadoras do serviço para a duplicação da infraestrutura, o que, aliado ao fato de o Brasil possuir dimensões continentais, inviabilizaria a universalização dos serviços de telecomunicações.

De acordo com o ministro Mauro Campbell, as taxas de interconexão, desde que não discriminatórias ou nocivas ao ambiente de liberdade concorrencial instaurado entre as concessionárias de telefonia, podem variar de acordo com as características da rede envolvida.

Transparência

Com o fim de atender o princípio da transparência, o STJ decidiu em um recurso que cabe ao denunciante, em processo administrativo para apuração de descumprimento de obrigação, ter amplo conhecimento dos fatos e decisões tomadas pelos dirigentes (REsp 1.073.083).

No caso, a Sociedade Brasileira de Prestadores de Serviços de Telecomunicações (Sitel) protocolou representação contra uma operadora por ela ter bloqueado os serviços prestados por suas associadas.

Após o resultado do processo, a denunciante foi impedida de ter vista dos autos e ingressou com mandado de segurança na Justiça para que fosse reconhecida a nulidade da decisão.

A Anatel alegou sigilo, com base nos artigos 19, 22 e 174 da LGT, e sustentou que o conceito de “parte” previsto pelas normas não incluía o denunciante, de forma que era justificável o não acesso ao processo.

O STJ decidiu que a Sitel, na qualidade de denunciante e interessada no desenrolar do processo, tem não só o direito de exigir a apuração dos fatos relatados e ser informada sobre as providências adotadas, como também de ter acesso ao próprio processo em trâmite.

Segundo o relator, ministro Castro Meira, no processo administrativo, o termo “parte” abrange administração e o administrado, tendo este o conceito mais largo que a parte do processo civil. Os administrados, segundo o ministro, são todos aqueles que detêm interesse difuso ou coletivo na matéria, em interesse próprio ou como substituto. E, no caso, denunciante é parte.

A notícia refere-se aos seguintes processos:

REsp 1097582

REsp 1087783

REsp 623325

REsp 926159

REsp 993283

REsp 1074799

REsp 1138591

CC 113902

Ag 1195826

MC 11870

MC 3938

RMS 17.112

REsp 1275859

REsp 1334843

REsp 1171688

REsp 1073083

Fonte: STJ | 11/08/2013.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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STJ publica matéria especial sobre “Novos tempos, um novo direito”. Saiba como o STJ julga processos que envolvam a internet.

Com o advento da internet, várias novas demandas surgiram no Judiciário. Lesões de direitos e novas figuras jurídicas passaram a existir muito antes de leis que contivessem regras e sanções específicas para o que acontece no universo virtual. Crimes e ilegalidades já previstos pelo ordenamento também acharam na internet um novo meio para se realizar.

Separados pelos especialistas, há dois tipos de crimes cibernéticos: os puros, aqueles que só podem se realizar com o uso da informática e precisam de uma legislação específica, como ações de hackers ou criação de vírus; e os que já existiam antes da nova tecnologia e simplesmente encontraram mais uma forma de realização, como estelionato, exploração sexual de menores e plágio, já previstos em lei.

Entre novos métodos e várias analogias, adequações e revisões, o direito virtual foi ganhando espaço e passou a estar muito presente no dia a dia do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No curso do processo

O entendimento sobre prazos judiciais teve que ser debatido no STJ. Depois que os tribunais começaram a disponibilizar o andamento processual via internet, várias ações questionavam se essa informação poderia ser considerada para o cálculo dos prazos. Os ministros definiram, em um primeiro momento, que as informações seriam apenas um auxílio à parte e aos advogados, não valendo oficialmente para início de prazo nem para justificar eventuais perdas de prazo recursal (REsp 989.711).

Porém, em decisão recente, a Corte Especial entendeu que, com o crescente uso por parte dos advogados, tornando a página do andamento sua principal fonte de consulta, e após a publicação da Lei do Processo Eletrônico (Lei 11.419/06), as informações processuais veiculadas nas páginas dos tribunais devem ser consideradas oficiais (REsp 1.324.432).

O pagamento de custas processuais realizado pela internet também é uma questão a ser pacificada no STJ. Recentemente, a Quarta Turma admitiu a validade do pagamento através do internet banking, uma vez que é impossível fechar os olhos às facilidades e à celeridade que essas modalidades de operação proporcionam (REsp 1.232.385). No outro sentido, a Terceira Turma afirmou em decisão também recente que os comprovantes bancários emitidos pela internet não têm fé pública e só possuem veracidade para o correntista e o banco (AREsp 4.753).

O STJ também reconheceu, em julgamento de recurso repetitivo (REsp 1.046.376), a validade da notificação de exclusão da pessoa jurídica do Programa de Recuperação Fiscal pela internet. Desde que tivesse feito a notificação, a Receita Federal ficaria desobrigada de intimar pessoalmente o contribuinte. A disposição também está na Súmula 335 do Tribunal.

E-mail

Nos idos de 1999, as primeiras demandas envolvendo correio eletrônico surgiram. Em um dos primeiros casos, uma mulher tentava reverter decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) que a proibia de mandar mensagens eletrônicas difamando seu ex-marido. Para ela, a decisão agredia o direito de sigilo de correspondência, uma vez que as mensagens foram violadas para a determinação de seu conteúdo. Como o caso se enquadrava em sigilo postal, assunto constitucional, ele não pôde ser analisado pelo STJ (MS 6.113).

Outro caso curioso envolvendo o correio eletrônico analisava a responsabilidade do provedor de correio eletrônico na transmissão de mensagens ofensivas à moral de usuário pelo simples fato de não conseguir identificar o praticante da ofensa. Para a Terceira Turma, a culpa em casos assim é exclusiva do usuário da conta de e-mail (REsp 1.300.161).

ICMS e ISS

Entre as situações levantadas no STJ, há também o recolhimento de impostos. Um dos casos mais debatidos foi o recolhimento de ICMS pelos provedores de acesso à internet. Em um primeiro momento, seria suficiente para autorizar a cobrança o fato de a relação entre o prestador de serviço e o usuário ser de natureza negocial, visando possibilitar a comunicação desejada (REsp 323.358). Porém, ao considerar que o serviço prestado pelos provedores é de valor adicionado e que a concessionária de serviços de telecomunicações já recolhe o tributo, o entendimento mudou (EREsp 456.650) e a Súmula 334 foi editada para uniformizar a questão.

O Tribunal também foi questionado quanto à incidência de ISS sobre os mesmos serviços, uma vez que foi considerado de valor adicionado, ou seja, sua atividade é de monitoramento do acesso de usuários e provedores de informação à internet, sendo apenas uma espécie de fornecedor de infraestrutura. Porém, para incidência do imposto, é necessário que o serviço esteja previsto no Decreto-Lei 406/68, expressamente relacionado na lista constante na legislação. Como não está e não há nenhuma identidade entre o serviço prestado e os previstos, o imposto não pôde ser cobrado (REsp 674.188).

Uma rede de fofocas

Descuidos com fotos e vídeos que mostram pessoas, famosas ou não, em situações desfavoráveis não encontram mais barreiras e em minutos chegam a qualquer um. Foi assim que aconteceu com uma famosa apresentadora de televisão, que foi flagrada com seu namorado na praia e teve que entrar na Justiça para que as imagens fossem retiradas do ar.

Curiosamente, o caso também foi analisado por um outro lado que não o dos protagonistas do vídeo. Um usuário da rede entrou com pedido no STJ para que tivesse o direito de acesso à internet. Ele queria reverter decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que havia restringido o acesso ao portal de vídeos YouTube, mas entrou com um habeas corpus, ação que visa proteger a liberdade de locomoção do ser humano, não compatível com o caso e por isso foi negada (HC 74.225).

Uma ação envolvendo famosa festa à fantasia de uma escola de nível superior também chegou à Corte Superior. As fotos de um casal fazendo sexo foram divulgadas no dia seguinte à festa. A estudante fotografada entrou então com uma ação de investigação prévia, antes de entrar com os pedidos de indenização por danos morais, contra a empresa de auditoria responsável pela festa e alguns provedores de acesso. Preliminarmente o pedido foi negado no STJ (MC 12.452).

Sites de relacionamento

Sites de relacionamento como o Facebook e o Orkut estão muito presentes no dia a dia das pessoas e também são usados de maneira inadequada, causando, principalmente, constrangimentos ao espalhar boatos, brincadeiras de mau gosto e afins.

Atitudes do tipo trouxeram algumas ações ao STJ. A importância e a responsabilidade do provedor do serviço foram questionadas em algumas delas. Será que por oferecer o serviço, o provedor deve responder pelo conteúdo nele postado? De acordo com o ministro Sidnei Beneti, não. Ele não seria o responsável pelo dano gerado, mas não pode omitir-se, tendo que retirar o material do ar, fazendo cessar a ofensa (REsp 1.306.066, REsp 1.175.675).

Em decisão no outro sentido, o ministro Marco Buzzi considerou que as ferramentas de controle oferecidas pelo proprietário de site de relacionamento contra a prática de abusos devem ser realmente eficazes. Ao não desenvolvê-las, o provedor assume integralmente o ônus pela má utilização dos serviços e responde pelos danos causados (AREsp 121.496).

Senhas roubadas de sites de relacionamento também geraram muito constrangimento pela internet afora. Em recente caso, o ministro Raul Araújo acatou o pedido preliminar de provedor de acesso responsável por um site de relacionamento para suspensão do processo. A empresa afirma não ser responsável pela invasão e alteração de perfis de usuários nem pela divulgação de material constrangedor postado desse modo (Rcl 11.654).

Um mundo chamado Google

O maior provedor da internet, proprietário do site de busca mais famoso da rede e de serviços populares como o correio eletrônico Gmail, o provedor de vídeos YouTube e outros, também é parte em várias ações no STJ.

Em recente inquérito, a ministra Nancy Andrighi determinou que a empresa quebrasse o sigilo das comunicações por e-mail de vários investigados acusados de formação de quadrilha, corrupção passiva e ativa, fraude à licitação, lavagem de dinheiro, advocacia administrativa e tráfico de influência.

A empresa também esteve envolvida em ações de danos morais por demorar a retirar conteúdo ofensivo do ar. O diretor de uma faculdade em Minas Gerais recebeu indenização de R$ 20 mil porque não foram retiradas do ar as páginas de um blog criado por estudantes e hospedado no servidor Blogspot, de propriedade da empresa.

Na análise da questão no STJ, a ministra Nancy Andrighi reconheceu a relação de consumo entre o provedor e o usuário, porém estabeleceu limites para a responsabilidade da empresa, que deve garantir o sigilo, a segurança e inviolabilidade dos dados cadastrais, mas precisa remover conteúdo ilícito assim que solicitado (REsp 1.192.208).

Não faltam pessoas, incluindo muitos famosos, querendo que resultados de pesquisa com o seu nome não apareçam mais. Foi o caso de Xuxa, que processou a empresa exigindo que não aparecessem mais resultados de pesquisa com os termos “Xuxa” e “pedófila” ou equivalentes. Muitos dos resultados para a pesquisa referem-se ao filme nacional Amor Estranho Amor, de Walter Hugo Khouri.

Segundo a ministra Nancy Andrighi, o provedor de pesquisa “não inclui, hospeda, organiza ou de qualquer outra forma gerencia as páginas virtuais indicadas nos resultados disponibilizados, limitando-se a indicar links onde podem ser encontrados os termos de busca fornecidos pelo próprio usuário”. Com a decisão, o Google não precisa restringir suas pesquisas, uma vez que não se pode reprimir o direito da sociedade à informação (REsp 1.316.921).

Foi também em uma ação da Google, envolvendo o site de relacionamentos Orkut, que foi determinado o prazo de 24 horas para a retirada do ar de material considerado ofensivo. No caso, um perfil falso denegria a imagem de uma mulher e foi denunciado por ferramenta do próprio site, mas demorou mais de dois meses para que o conteúdo fosse retirado do ar (REsp 1.323.754).

Os casos citados são apenas alguns exemplos de como o ambiente virtual tem criado novas relações jurídicas. Pelo ineditismo, rapidez e mutabilidade das situações, cada uma dessas questões prepara a Justiça para novas análises e consequentes mudanças, necessárias para atender à demanda da população.

A notícia refere-se aos seguintes processos:

 
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