Agravo de Instrumento – Inventário – Planos de previdência privada VGBL – Inclusão em partilha – Contratação se deu quando a falecida já contava com mais de oitenta anos de idade – Valores depositados que, no caso, possui feição de ativo financeiro – Saldo dos planos que devem integrar a partilha – Colação de doações efetuadas aos herdeiros-agravados – Necessidade – Inexistência de cláusula de dispensa de colação seja no testamento seja no ato de liberalidade.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2011776-70.2017.8.26.0000, da Comarca de Piracicaba, em que são agravantes ANTONIETA USBERTI NASCIMENTO (E POR SEUS FILHOS) e ANA JULIA USBERTI GONDIM (MENOR(ES) REPRESENTADO(S)), são agravados MÁRCIA GONDIM CARNEIRO DA CUNHA E DIAS PACHECO (INVENTARIANTE), ROBERTO GONDIM CARNEIRO DA CUNHA, LUDIMILA BUENO CARNEIRO DA CUNHA e MARIA ZELIA GONDIM CARNEIRO DA CUNHA (ESPÓLIO).

ACORDAM, em 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento em parte ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores VITO GUGLIELMI (Presidente) e PERCIVAL NOGUEIRA.

São Paulo, 28 de setembro de 2017.

José Roberto Furquim Cabella

RELATOR

Assinatura Eletrônica

Agravo de Instrumento nº 2011776-70.2017.8.26.0000

Agravantes: Antonieta Usberti Nascimento e Ana Julia Usberti Gondim

Agravados: Márcia Gondim Carneiro da Cunha e Dias Pacheco, Roberto Gondim Carneiro da Cunha, Ludimila Bueno Carneiro da Cunha e Maria Zelia Gondim Carneiro da Cunha

Comarca: Piracicaba

Juiz de Direito: Pedro Paulo Ferronato

VOTO Nº 12126

AGRAVO DE INSTRUMENTO – Inventário – Planos de previdência privada VGBL – Inclusão em partilha – Contratação se deu quando a falecida já contava com mais de oitenta anos de idade – Valores depositados que, no caso, possui feição de ativo financeiro – Saldo dos planos que devem integrar a partilha – Colação de doações efetuadas aos herdeiros-agravados – Necessidade – Inexistência de cláusula de dispensa de colação seja no testamento seja no ato de liberalidade – Obrigatoriedade da colação nos termos do art. 2.002 e sgs. do CC – Valor da colação que deverá observar o disposto no art. 2.004 e deve ser atualizado até a data da abertura da sucessão – Decisão reformada nesse ponto, mantendo-se, contudo, o indeferimento no que toca à realização de avaliações judicial e contábil a fim de se apurar o valor atribuído pela inventariante ao bem imóvel e ao crédito que aludem as primeiras declarações – Recurso parcialmente provido.

Vistos.

Trata-se de agravo de instrumento interposto por Anna Júlia Usberti Gondim representada por sua genitora Antonieta Usberti Nascimento contra a r. decisão copiada a fls. 307/311 que, nos autos inventário dos bens deixados Maria Zélia Gondim Carneiro da Cunha, indeferiu o arrolamento do saldo do plano de previdência privada VGBL no acervo hereditário, dada sua natureza securitária; dispensou a colação das doações feitas em vida pela “de cujus” aos demais herdeiros necessários e entendeu como desnecessária a realização de avaliações judicial e contábil a fim de se apurar o valor atribuído pela inventariante ao bem imóvel e ao crédito que aludem as primeiras declarações.

Alega a recorrente que a r. decisão deve ser reformada. Isso porque, segundo entende, é necessário que sejam incluídas no acervo hereditário as verbas levantadas pelos herdeiros Roberto e Márcia a título de plano de previdência privada (VGBL), contratado pela falecida, bem como que seja determinada a colação dos valores que eles receberam a título de doação. Afirma que o testamento não excluiu da colação tais doações e que, consoante dispõe o art. 544 do Código Civil, a transmissão gratuita em vida constitui adiantamento de legítima. Insiste, também, na necessidade de realização de avaliações judicial e contábil dos créditos descritos pela inventariante. Pugna, assim, pela concessão de efeito suspensivo e, ao final, o provimento recursal, reformando-se integralmente a r. decisão guerreada.

O pedido liminar foi indeferido (fls. 321/323).

A contraminuta foi juntada a fls. 325/333.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça apresentou parecer a fls. 336/339, opinando pelo provimento do recurso.

Houve oposição ao julgamento virtual (cf. fls. 324).

É, em síntese, o relatório.

Respeitada a convicção do MM. Juiz, a r. decisão deve ser parcialmente reformada.

Segundo consta dos autos, são herdeiros necessários da “de cujus” Maria Zélia Gondim Carneiro da Cunha: a inventariante Márcia Gondim Carneiro da Cunha e Dias Pacheco (filha), Roberto Carneiro da Cunha (filho) e a neta, ora agravante, Ana Julia Usberti Gondim, que representa o filho pré-morto Nelson Gondim Carneiro da Cunha.

Pelo que se extrai dos documentos constantes nos autos originários (fls. 402/408), a falecida mantinha duas aplicações VGBL junto ao BrasilPrev, contratadas em 03.10.2010 e em 03.07.2014, tendo indicado, como beneficiários, os agravados, Márcia e Roberto.

Não se desconhecem os precedentes deste Tribunal segundo os quais estes valores não seriam partilháveis e estariam sujeitos exclusivamente à regulamentação própria.

É certo que o art. 79 da Lei nº 11.196/05 dispõe que “No caso de morte do participante ou segurado dos planos e seguros de que trata o art. 76 desta Lei, os seus beneficiários poderão optar pelo resgate das quotas ou pelo recebimento de benefício de caráter continuado previsto em contrato, independentemente da abertura de inventário ouprocedimento semelhante”. Porém tal previsão legal deve ser interpretada sistematicamente com as regras da sucessão hereditária. Vale dizer: a sujeição, ou não, do saldo destas aplicações ao regime sucessório comum depende da análise particular de cada caso. Isso porque, segundo ensina Mauro Fiterman,

“(…) esses complexos contratos de previdência privada tem-se caracterizado, a cada novo momento, como multifacetários. Essas facetas todas acabam por retirar desses contratos a essência daquilo que os afastou da condição herança, com base em um exame do conteúdo material do tema, podendo, por vezes servir a violação dos direitos decorrentes da necessariedade como principia, violando o instituto da colação. Observe-se que, pela análise formal do tema, um indivíduo poderia transferir valor superior a metade de seus bens, indicando como beneficiário desse valor um dos seus herdeiros necessários ou até mesmo terceiros. Por se tratar de uma previdência privada, esse valor recebido pelo herdeiro não estaria sujeito a colação. Evidente que tal postura rompe com a finalidade do instituto da colação antes explicitada, uma vez que, notadamente, a postura estaria violando a boa-fé objetiva como principia, consagrando-se o abuso do direito nos termos do disposto no art. 187 do CC/2002 (Os complexos contratos de previdência privada e a colação: por um exame da teoria do abuso do direito, Revista dos Tribunais, ano 104, v. 953, março 2015, p. 107-109).

Em outras palavras, contratos deste jaez podem não ser meras previdências privadas, e sim aplicações financeiras, que podem servir de instrumento para desigualar a herança entre os herdeiros necessários, o que não se pode admitir.

Assim, caso se evidencie que o importe destinado a estes títulos não preservou o seu caráter previdenciário e ostenta natureza de investimento financeiro, deve-se partilhar aos sucessores civis os valores acumulados em plano de previdência complementar, em detrimento dos beneficiários regulamentares ou expressamente indicados pelo de cujus.

Pois bem.

No caso concreto, das primeiras declarações apresentadas a fls. 15 e complementadas a fls. 204, consta que o patrimônio deixado pela “de cujus” – incluindo os valores deixados a título de previdência VGBL (R$ 204.014,09 – fls. 127) -, estaria avaliado em cerca de R$ 519.000,00.

Ora, neste quadro, tem-se inequívoca a contratação de plano de previdência complementar VGBL com a finalidade de exclusivo investimento financeiro, visto que os aportes a ele destinados montam quase que a metade do referido patrimônio. De se ressaltar, também, que a falecida contratou referidas aplicações VGBL junto ao BrasilPrev, em 03.10.2010 e em 03.07.2014, ou seja, quando ela já contava com avançada idade (mais de oitenta anos – fls. 06). Por tais razões que não se entende prevalecer o regramento previdenciário ou securitário.

Confiram-se, nesse sentido, os seguintes precedentes desta Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. Direito de sucessão. Pretensão das filhas do ‘de cujus’ de obrigar a companheira do falecido, beneficiária de plano de previdência privada, a restituir a metade do valor recebido, sob alegação de prejuízo à legítima. Sentença de improcedência. Inconformismo das autoras. Acolhimento. Valores depositados em conta destinada à previdência privada (VGBL) que, no caso, possui feição de mero ativo financeiro, o qual integra o acervo hereditário. Falecido que transferiu grande parcela de seu patrimônio para referido fundo de investimento quando já contava com avançada idade e indicou a ré como exclusiva beneficiária. Impossibilidade de se atribuir, no caso, caráter de previdência privada ou de seguro de vida. Ausência de risco e de capital segurado. Ré que, na condição de beneficiária, levantou o valor consistente na soma dos aportes realizados pelo falecido. Feição de mero investimento que impõe a procedência do pedido, sob pena de se possibilitar fraude à sucessão legítima. Ônus da sucumbência carreado à ré. Procedência da ação. Sentença reformada. Recurso provido (Apelação 1015490-23.2014.8.26.0562, Rel. Viviani Nicolau, 3ª Câmara de Direito Privado, j. 19/05/2015)

Agravo de instrumento. Inventário. Decisão que excluiu da sucessão, por sua natureza, aplicações em VGBL e PGBL. Planos de previdência complementar com entidades abertas e seguros de pessoa com cobertura por sobrevivência que não se sujeitam à sucessão hereditária apenas se preservada a natureza própria dos ajustes. Inteligência do art. 792 do Código Civil e 79 da Lei 11.196/05. Impossibilidade, porém, de se utilizar da sua natureza previdenciária ou securitária para, havendo real investimento, burlar as disposições sucessórias. Caso concreto em que contratados os planos e realizados aportes pelo de cujus quanto já contava com mais de setenta anos de idade e vivia de renda, indicando como beneficiários companheira e apenas um dos filhos. Saldo dos planos que devem integrar a partilha. Decisão reformada. Recurso provido (TJSP; Agravo de Instrumento 2013559-34.2016.8.26.0000; Relator (a): Claudio Godoy; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 26/04/2016; Data de Registro: 27/04/2016)

Diante disso, os saldos dos planos de previdência privada em questão devem integrar a partilha.

Na sequência, também prospera a insurgência da agravante acerca da necessidade de se trazer à colação os valores doados aos herdeiros-agravados.

A colação é conceituada como sendo “uma conferência dos bens da herança com outros transferidos pelo de cujus, em vida, aos seus descendentes, promovendo o retorno ao monte das liberalidades feitas pelo autor da herança antes de falecer, para uma equitativa apuração das quotas hereditárias dos sucessores legitimários” (DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 1.380).

Tal matéria está tratada nos artigos 2.002 a 2.012 do CC, dentre os quais destaca-se o art. 2.002: “Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação. Parágrafo único. Para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos será computado na parte indisponível, sem aumentar a disponível.

A colação, portanto, tem por fim igualar, na proporção estabelecida no próprio Código Civil, as legítimas dos descendentes, haja vista que as doações do ascendente ao descendente implicam em adiantamento da legítima (art. 544 do CC).

Na sequência, o mencionado diploma dispõe, ainda, que “são dispensadas da colação as doações que o doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo da doação. A dispensa da colação pode ser outorgada pelo doador em testamento, ou no próprio título de liberalidade” (art. 2.005 e 2.006).

Pois bem.

Em 29 de abril de 2009, a “de cujus”, por testamento público, determinou “(…) que toda a parte disponível de seus bens, quer móveis, imóveis, veículos automotores, direitos e haveres, semoventes, inclusive dinheiros em contas correntes, poupanças e aplicações financeiras diversas, fique pertencendo, em igualdade, aos seus filhos Márcia Gondim Carneiro da Cunha e Dias Pacheco e Roberto Gondim Carneiro da Cunha, de modo que, com a outra metade, se satisfaçam as legítimas de todos os demais herdeiros necessários, inclusive a dos ora instituídos no disponível (…)” (fls. 29/30).

E, em 2014, conforme se extrai da declaração de imposto de renda da falecida (fls. 109), os herdeiros Márcia e Roberto dela receberam doações no valor de R$ 19.800,00 e R$ 21.800,00, respectivamente.

Como se vê, o testamento foi lavrado em data anterior à data em que efetuadas as doações aos herdeiros supramencionados e, a despeito de ter previsto que a parte disponível dos bens da requerida ficará pertencendo aos agravados, nada dispôs acerca da dispensa da colação dos valores a eles doados. Tampouco há, nos autos, documento relativo ao ato de liberalidade, no qual poderia também ter sido consignada referida dispensa, de forma que, tais valores, diante da ausência de disposição expressa, constituem adiantamento da legítima e devem ser trazidos à colação.

Segundo a lição de Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim, “a dispensa há de ser consignada, às expressas, no ato de liberalidade, como proclama, aliás, Carlos Maximiliano, com a costumeira segurança: ‘A dispensa da colação há de ser expressa. Não basta a presumida, nem a virtual” (Inventários e Partilhas, 23ª ed., Leud, São Paulo, 2013, p. 328).

Ainda sobre o tema, WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO ensina: “A colação é geralmente compulsória. Todo descendente que, em vida do ascendente, haja sido por ele beneficiado, se obriga a conferir o que recebeu, quando falecer o autor da liberalidade. Mas, pode este dispensar a conferência, desde que determine, em termos claros e explícitos, saiam de sua metade os dotes e as doações”, completando o mesmo autor que “essa dispensa, porém, há de ser outorgada no próprio título constitutivo da liberalidade, ou então por testamento  Código Civil, art. 1789. Só nesses casos taxativos vale a dispensa, não podendo esta manifestar-se de outro modo, ainda que autêntico” (Curso de Direito Civil, Direito das Sucessões, 6º volume, Ed. Saraiva, págs. 298/299).

Nesse mesmo sentido, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald destacam que “considerando que a regra geral é tratar a doação de ascendente para descendente, ou entre cônjuges/companheiros, como antecipação de herança, exigindo que se apresente a coisa no inventário, a dispensa de colação precisa ser expressa, constando no próprio ato de liberalidade, não podendo, sequer, lhe ser superveniente. A posterior inserção da cláusula de dispensa de colação é nula, mantida a obrigação de colacionar. Não constando, expressamente, do ato de doação a dispensa, tratar-se-á o ato como antecipação da legítima, impondo ao beneficiário a colação no inventário” (Curso de Direito Civil Sucessões, Ed. JusPodim, 2ª ed., 2016, vol. 7, p. 577).

Assim, os valores doados pela falecida aos herdeiros Márcia e Roberto devem ser trazidos à colação. E, no que concerne ao valor de colação dos bens doados, será aquele que lhes atribuir o ato de liberalidade, ou seja, será considerado o valor quando da data doação (art. 2.004, caput do CC), mas a jurisprudência já decidiu que esse valor deve ser atualizado até a data da abertura da sucessão.

Nesse sentido:

Inventário – Colação – Fixação do valor do bem à época da liberalidade – Inteligência do art. 2.004 do Código Civil – Correção até a data de abertura da sucessão – Precedentes – Decisão reformada – Recurso provido. (Ag. 2011517-12.2016.8.26.0000; Relator(a): Giffoni Ferreira; Comarca: Suzano; Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 01/04/2016; Data de registro: 01/04/2016)

Por fim, quanto ao mais, desnecessárias, ao menos nesse momento, as providências pleiteadas pela agravante, relativas à avaliação do bem imóvel descrito nas primeiras declarações e perícia contábil do crédito lá discriminado.

Isso porque, como bem salientou o MM. Juiz na decisão agravada, não há, nos autos, nenhum elemento de convicção a infirmar a veracidade do valor atribuído, pela inventariante, ao bem imóvel e, quanto ao crédito de R$ 101.788,77, referente ao Processo 0012691-71.2011.8.26.0451, este pode ser verificado pelo simples acesso aos autos do processo mencionado, no qual, inclusive, figuram os mesmos patronos, representantes da agravante nestes autos.

Por tudo isso, de rigor a reforma parcial da r. decisão agravada, para determinar que os valores disponíveis dos planos VGBL contratados pela “de cujus” devem integrar a partilha e que os valores doados em vida pela falecida, em favor dos agravados, sejam trazidos à colação por se tratarem de adiantamento da legítima.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou parcial provimento ao recurso.

José Roberto Furquim Cabella

Relator

Assinatura Eletrônica

Dados do processo:

TJSP – Agravo de Instrumento nº 2011776-70.2017.8.26.0000 – Piracicaba – 6ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. José Roberto Furquim Cabella – DJ 07.11.2017

Fonte: INR Publicações.

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Agravo de Instrumento – Inventário – Determinação de retificação das declarações para inclusão dos valores existentes em nome da inventariante (esposa) em previdência privada (VGBL) – Insurgência da parte sob alegação de que se trata de bem particular, de natureza securitária, excluído da sucessão – Decisão mantida.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2034728-43.2017.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que são agravantes SANDRA REGINA KARCHER MONTEIRO e ALEX KARCHER MONTEIRO, é agravado O JUÍZO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento aorecurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores FRANCISCO LOUREIRO (Presidente sem voto), AUGUSTO REZENDE E RUI CASCALDI.

São Paulo, 18 de setembro de 2017.

Enéas Costa Garcia

Relator

Assinatura Eletrônica

Agravo de Instrumento nº 2034728-43.2017.8.26.0000

Agravantes: Sandra Regina karcher Monteiro e Alex Karcher Monteiro

Agravado: O Juízo

Interessados: Patrícia Martins Monteiro e Selma Marins Monteiro

Comarca: São Paulo

Juiz: Henrique Maul Brasilio de Souza

Voto nº 1.111

AGRAVO DE INSTRUMENTO – Inventário – Determinação de retificação das declarações para inclusão dos valores existentes em nome da inventariante (esposa) em previdência privada (VGBL) – Insurgência da parte sob alegação de que se trata de bem particular, de natureza securitária, excluído da sucessão – Decisão mantida – Afastamento da alegação absoluta do caráter securitário – Necessidade de aferição da natureza da verba, que pode atuar como simples aplicação financeira, caso em que sujeita ao regime geral dos bens comuns, inclusive reconhecimento da meação e partilha. Recurso desprovido.

Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de liminar, nos autos de inventário, tirado da decisão (fls. 103/104) que determinou inclusão, no plano de partilha, dos valores existentes, até abertura da sucessão, em plano de previdência privada (VGBL) mantido em nome da agravante.

Sustenta a agravante que as aplicações em fundos de previdência privada têm natureza securitária e como tal não integram a herança, não cabendo partilha. Afirma que a decisão agravada acabou por determinar indevidamente inclusão no monte-mor de bem pertencente exclusivamente à agravante. Invoca o art. 794 do Código Civil e cita precedentes em abono da sua tese.

Deferida a liminar de efeito suspensivo (fls. 143), o recurso foi regularmente processado e respondido pela parte agravada (fls. 146/150).

É o Relatório.

O inconformismo da parte não procede, devendo ser mantida a decisão agravada.

A controvérsia reside na natureza dos valores constantes de fundo de previdência privada e sua inclusão na herança para fins de partilha.

Em que pese determinação legal no sentido de que referidos valores não se sujeitam ao processo de inventário, devendo ser atribuído o montante existente ao beneficiário indicado, aplicando-se subsidiariamente as regras relativas ao seguro, o fato é que a jurisprudência vem adotando entendimento no sentido de aferir em cada caso a natureza da operação realizada, especialmente verificando se não haveria, por meio da constituição do fundo, burla às limitações do direito de testar (v.g. preservação da legítima) ou direitos de terceiros.

Atribuir de forma absoluta o caráter de indenização securitária aos valores constantes do fundo poderia dar ensejo a que a parte destinasse grande parte de seu patrimônio, violando a legítima dos herdeiros necessários, a beneficiário que não poderia ser de outra forma contemplado.

De outro lado, dada a forma de funcionamento destes fundos, muitas vezes estes valores funcionam como verdadeira aplicação financeira, inclusive ofertados por gerentes como opção mais vantajosa que as demais aplicações, permitindo resgate parcial e imediato, com dedução de imposto, etc.

Em razão destes fatos a jurisprudência busca identificar se no caso concreto existe efetiva natureza securitária ou se apenas estar-se-ia diante de aplicação financeira comum, bem integrante do patrimônio.

A respeito do tema: “Agravo de instrumento. Inventário. Decisão que excluiu da sucessão, por sua natureza, aplicações em VGBL e PGBL. Planos de previdência complementar com entidades abertas e seguros de pessoa com cobertura por sobrevivência que não se sujeitam à sucessão hereditária apenas se preservada a natureza própria dos ajustes. Inteligência do art. 792 do Código Civil e 79 da Lei 11.196/05. Impossibilidade, porém, de se utilizar da sua natureza previdenciária ou securitária para, havendo real investimento, burlar as disposições sucessórias. Caso concreto em que contratados os planos e realizados aportes pelo de cujus quanto já contava com mais de setenta anos de idade e vivia de renda, indicando como beneficiários companheira e apenas um dos filhos. Saldo dos planos que devem integrar a partilha. Decisão reformada. Recurso provido” (TJSP  1ª Câmara de Direito Privado  Agravo de Instrumento nº 2013559-34.2016.8.26.0000  Rel. Claudio Godoy  j. 26/04/2016).

Enfim, analisadas as circunstâncias do caso é possível que os valores mantidos pelo de cujus em fundos de previdência privada (VGBL ou PGBL) sejam incluídos na relação de bens da herança para partilha, caso se constate sua utilização como forma comum de aplicação financeira.

No caso sub judice a situação é ligeiramente distinta, pois o mencionado fundo estaria em nome da agravante, cônjuge do de cujus.

A questão, portanto, passa pela determinação da existência de meação do falecido nestes valores que integram o fundo.

No caso sub judice o casamento havia sido celebrado pelo regime da comunhão universal. Inclusive a determinação para investigação da existência do bem sub judice se fundou neste aspecto.

Novamente se coloca o tema da natureza destas verbas de previdência privada, pois mesmo na comunhão universal excluem-se da comunhão as pensões e outras rendas semelhantes (art. 1.668, V c.c art. 1.659, VII do CC).

O entendimento atual vai se firmando no sentido de que os valores utilizados como simples aplicação, ainda que em nome de somente um dos cônjuges, se comunicam, não se tratando da exceção do pensionamento.

Mesmo a exceção dos proventos do trabalho pessoal (art. 1.659, VI) tem recebido interpretação restritiva, no sentido de que somente o direito ao salário não se comunica, mas a partir do momento em que este se converte em aplicação financeira haveria comunhão.

Especificamente quanto aos fundos de pensão no regime matrimonial da comunhão tem sido reconhecido o direito à meação:

“SEPARAÇÃO LITIGIOSA. PLANO DE PARTILHA. SENTENÇA QUE HOMOLOGOU O PLANO DE PARTILHA DOS BENS PERNTENCENTES AO CASAL. REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. PRETENSÃO DO RÉU À EXCLUSÃO DA PARTILHA DE VALORES REFERENTES A PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA, VALORES RECEBIDOS NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO E VERBAS RESCISÓRIAS. A previdência privada contratada durante a constância do casamento configura investimento financeiro, caracterizando-se como acervo comum, portanto, em condições de integrar a partilha. Trata-se de um investimento realizado através de aportes financeiros advindos do patrimônio comum do casal. Isto porque uma vez recebidos os vencimentos eles se incorporam ao patrimônio comum do casal em razão do regime de comunhão universal de bens (…)” (TJSP  10ª Câmara de Direito Privado  Ap. nº 0101194-35.2008.8.26.0011  Rel. Carlos Alberto Garbi  j. 17/11/2015).

No caso sub judice não se vislumbra específica natureza previdenciária da verba, não se afastando de simples investimento financeiro, em relação ao qual o de cujus teria direito de meação, razão pela qual a decisão agravada não merece reparos.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

Enéas Costa Garcia

Relator

Dados do processo:

TJSP – Agravo de Instrumento nº 2034728-43.2017.8.26.0000 – São Paulo – 1ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Enéas Costa Garcia – DJ 20.09.2017

Fonte: INR Publicações.

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