Processual civil – Recurso ordinário em mandado de segurança – Prazo prescricional – Termo inicial – Data da prática da conduta ilegal – Art. 261 do Estatuto dos Servidores Estaduais de São Paulo – Ocorrência da prescrição – Recurso ordinário provido.


  
 

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO INICIAL. DATA DA PRÁTICA DA CONDUTA ILEGAL. ART. 261 DO ESTATUTO DOS SERVIDORES ESTADUAIS DE SÃO PAULO. OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. (STJ – RMS nº 46.429 – São Paulo – 2ª Turma – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJ 27.11.2014)

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de recurso ordinário interposto por Douglas Eduardo Dualibi em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Na hipótese dos autos, o ora recorrente impetrou mandado de segurança contra ato do Corregedor Geral de Justiça do Estado de São Paulo proferido em procedimento administrativo – que impôs a sanção de multa pela prática de conduta atentatória a atividade notarial – por entender que não pode ser punido após a ocorrência da prescrição administrativa.

A Corte de origem denegou a segurança em acórdão assim sintetizado (e-STJ fl. 478):

Processo Administrativo Disciplinar – Tabelião de Notas – Escritura pública de procuração irregular – Prescrição da punibilidade – Termo a quo.

O prazo prescricional para a aplicação de penalidade administrativa inicia-se quando a autoridade competente para instaurar o processo administrativo disciplinar toma conhecimento de possível irregularidade a ser apurada.

Segurança denegada.

Nas razões do recurso ordinário, o recorrente sustenta a nulidade da multa administrativa que lhe foi imposta em face da prescrição. Alega que “o prazo prescricional não pode ter seu início em 2011, data do conhecimento do fato pela Corregedoria Geral da Justiça, nem em qualquer outra data, ainda que para exercício da ‘atividade de fiscalizar e punir o notário faltoso'” (e-STJ fl. 492). Para tanto, expõe a obrigatoriedade do termo inicial do prazo prescricional ser a data do evento.

Nas contrarrazões, o Estado de São Paulo defende a manutenção da sanção imposta pelo processo administrativo que apurou a prática de conduta atentatória a atividade notarial. Afirma a impossibilidade de reconhecimento da prescrição, pois não há contagem de prazo durante o tempo em que a falta funcional imputada ao impetrante/recorrente estava translúcida.

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo não provimento do recurso ordinário.

É o relatório. Passo a decidir.

A pretensão merece acolhida.

No caso dos autos, o Tribunal de origem declarou que: i) a escritura maculada foi lavrada em 2005 enquanto o procedimento administrativo foi iniciado em 2011; ii) o prazo prescricional das infrações sujeitas à multa é de dois anos, conforme disposto na Lei Estadual n° 10.261/68.

Apesar dessas declarações, o Tribunal a quo decidiu pela não ocorrência da prescrição no caso dos autos. Considerou que o termo inicial do prazo ocorreu quando a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo tomou conhecimento da prática do ato irregular. Para tanto, indicou dois fundamentos, quais sejam: i) a norma presente no artigo 261, parágrafo único, da Lei Estadual n° 10.261/68; e ii) a norma contida no artigo 142, § 1º, da Lei n° 8.112/90, aplicada ao caso dos autos por analogia. A propósito, confira-se o seguinte trecho do acórdão a quo (e-STJ fls. 479/480):

Registra-se, desde logo, ter a douta Procuradoria Geral de Justiça vem observado que “Não se disputa neste mandamus a aplicação subsidiária da Lei n° 10.261/68 quanto ao prazo prescricional de dois anos para as infrações sujeitas à pena de multa (cf. O entendimento da douta Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo expresso as fls. 420). A questão que se discute é o termo a quo da prescrição, que é contemplado expressamente tanto na Lei Estadual n° 10.261/68 (artigo 261, parágrafo 1º, quando na Lei Federal n° 8.112/90 (artigo 142, parágrafo 1º), utilizada por analogia no caso em apreço”.

Sem embargo da argumentação expendida pela D. Defesa, a punibilidade da falta disciplinar prescreve em dois anos e, ex vi do artigo 261, § único do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo, o prazo da prescrição iniciou-se no dia em que a autoridade tomou conhecimento da existência da falta.

Na espécie, o prazo teve início na data em que a administração, exercida pela Corregedoria, tomou conhecimento da prática da infração disciplinar, para adotar providências e responsabilizar o agente-Tabelião.

A esse respeito, cabe salientar que é possível aplicar, de forma analógica, a Lei Federal n° 8.112/90 em face da falta de regulamentação específica sobre determinada questão na legislação própria do ente federativo. Nesse sentido, os seguintes precedentes:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR MUNICIPAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCESSÃO DE LICENÇA. ACOMPANHAMENTO DE CÔNJUGE. SEM ÔNUS. SILÊNCIO NA LEI MUNICIPAL. ANALOGIA COM O REGIME JURÍDICO ÚNICO OU DIPLOMA ESTADUAL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. QUESTÕES SIMILARES. ANÁLISE DE CADA CASO. PARCIMÔNIA. CASO CONCRETO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. […] 2. A jurisprudência do STJ firmou a possibilidade de interpretação analógica em relação à matéria de servidores públicos, quando inexistir previsão específica no diploma normativo do Estado ou do município. Precedentes: RMS 30.511/PE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, DJe 22.11.2010; e RMS 15.328/RN, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 2.3.2009. 3. O raciocínio analógico para suprir a existência de lacunas já foi aplicado nesta Corte Superior de Justiça, inclusive para o caso de licenças aos servidores estaduais: RMS 22.880/RJ, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJe 19.5.2008. […] Recurso ordinário provido. (RMS 34.630/AC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 26/10/2011)

PROCESSUAL CIVIL. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. VERIFICAÇÃO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. […] 2. Silente o Estatuto dos Servidores Estaduais quanto ao direito de remoção, aplica-se subsidiariamente o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais, Lei 8.112/1990. 3. Agravo Regimental não provido. (AgRg no REsp 1233201/MA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/04/2011, DJe 18/04/2011)

DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. LICENÇA SINDICAL. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO-CABIMENTO. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DAS REGRAS DA LEI 8.112/90. CABIMENTO. RECURSO IMPROVIDO. […] 2. Inexistindo, no plano estadual, diploma legal válido que discipline a matéria relativa à licença de servidores públicos para o desempenho de mandato classista, cabe a aplicação, por analogia, das regras previstas na Lei 8.112/90, que trata do Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais. […] 4. Recurso ordinário improvido. (RMS 22.880/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 18/03/2008, DJe 19/05/2008)

Em um primeiro momento, não haveria reparos a fazer no acórdão a quo. Afinal, no Estatuto dos Servidores Públicos Federais, o termo inicial do prazo prescricional dos procedimentos administrativos disciplinares é o momento em que a Administração toma ciência da conduta irregular. A propósito, os seguintes precedentes:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORA PÚBLICA. INASSIDUIDADE HABITUAL. ART. 132, III, DA LEI 8.112/90. DEMISSÃO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DA ADMINISTRAÇÃO. OCORRÊNCIA. INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO. ARTS. 116, VI, 142, § 1.º E 143, DA LEI N.º 8.112/90. DATA EM QUE O FATO SE TORNOU CONHECIDO PELA ADMINISTRAÇÃO, E NÃO NECESSARIAMENTE PELA AUTORIDADE COMPETENTE PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. SEGURANÇA CONCEDIDA. […] 2. O termo inicial da prescrição punitiva estatal começa a fluir na exata data do conhecimento da irregularidade, praticada pelo servidor, por alguma autoridade do serviço público e não, necessariamente, pela autoridade competente para a instauração do processo administrativo disciplinar. Precedente. […] 5. Mandado de segurança concedido. (MS 20.162/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/02/2014, DJe 24/02/2014)

MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL. INEQUÍVOCO CONHECIMENTO DOS FATOS PELA ADMINISTRAÇÃO, MAS NÃO PELA AUTORIDADE COMPETENTE PARA APURAR A INFRAÇÃO. […]. ORDEM CONCEDIDA, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL. VOTOS COM FUNDAMENTAÇÃO DIVERGENTE, MAS ACORDES NA CONCLUSÃO. […] 2. O art. 142, I da Lei 8.112/90 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos da União) funda-se na importância da segurança jurídica no domínio do Direito Público, instituindo o princípio da inevitável prescritibilidade das sanções disciplinares, prevendo o prazo de 5 anos para o Poder Público exercer o jus puniendi na seara administrativa, quanto à sanção de demissão. 3. A Terceira Seção desta Corte pacificou o entendimento de que o termo inicial do prazo prescricional da Ação Disciplinar é a data em que o fato se tornou conhecido da Administração, mas não necessariamente por aquela autoridade específica competente para a instauração do Processo Administrativo Disciplinar (art. 142, § 1º da Lei 8.112/90). Precedentes. […] 8. Ordem concedida, em conformidade com o parecer ministerial, mas com fundamentos distintos, nos termos dos votos proferidos. Agravo Regimental prejudicado. (MS 14.446/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2010, DJe 15/02/2011)

Contudo, cabe salientar que, de fato, o Estatuto dos Servidores Públicos de São Paulo não tratava expressamente do momento em que ocorre o termo inicial do prazo prescricional para imposição de sanção administrativa. Nesse sentido, confira-se a redação original do artigo 261 da Lei Estadual n° 10.261/68:

Artigo 261 – Prescreverá:

I – em 2 (dois) anos, a falta sujeita à pena de repreensão, multa ou suspensão; e

II – em 5 (cinco) anos, a falta sujeita à pena de demissão, de demissão a bem do serviço público e de cassação de aposentadoria e disponibilidade. Parágrafo único – A falta também prevista em lei penal, como crime, prescreverá juntamente com este.

Porém, em face das alterações promovidas pela Lei Complementar Estadual n° 942/03, atualmente há expressa menção de que o prazo prescricional começa no dia em que a falta é cometida. A propósito, confira-se a nova redação do dispositivo mencionado (sem destaques no original):

Artigo 261 – Extingue-se a punibilidade pela prescrição:

I – da falta sujeita à pena de repreensão, suspensão ou multa, em 2 (dois) anos;

II – da falta sujeita à pena de demissão, de demissão a bem do serviço público e de cassação da aposentadoria ou disponibilidade, em 5 (cinco) anos;

III – da falta prevista em lei como infração penal, no prazo de prescrição em abstrato da pena criminal, se for superior a 5 (cinco) anos. (NR)

§ 1º – A prescrição começa a correr:

1 – do dia em que a falta for cometida;

2 – do dia em que tenha cessado a continuação ou a permanência, nas faltas continuadas ou permanentes.

§ 2º – Interrompem a prescrição a portaria que instaura sindicância e a que instaura processo administrativo.

§ 3º – O lapso prescricional corresponde:

1 – na hipótese de desclassificação da infração, ao da pena efetivamente aplicada;

2 – na hipótese de mitigação ou atenuação, ao da pena em tese cabível.

§ 4º – A prescrição não corre:

1 – enquanto sobrestado o processo administrativo para aguardar decisão judicial, na forma do § 3º do artigo 250;

2 – enquanto insubsistente o vínculo funcional que venha a ser restabelecido.

§ 5º – Extinta a punibilidade pela prescrição, a autoridade julgadora determinará o registro do fato nos assentamentos individuais do servidor.

§ 6º – A decisão que reconhecer a existência de prescrição deverá desde logo determinar, quando for o caso, as providências necessárias à apuração da responsabilidade pela sua ocorrência.

Dessa forma, considerando a orientação jurisprudencial do STJ já firmada e a mudança legislativa estadual, são necessárias as seguintes ponderações: i) durante o período em que o Estatuto dos Servidores Estaduais de São Paulo não dispunha do termo inicial do prazo prescricional, esse será o momento em que a Administração tomou ciência da conduta ilegal por força da aplicação analógica da Lei n° 8.112/90; ii) a partir do momento em que esse Estatuto dos Servidores Estaduais foi modificado para tratar expressamente do termo inicial do prazo prescricional, esse passou a ser o dia em que a prática irregular foi cometida.

Da leitura dos autos, infere-se que a escritura irregular foi lavrada em 2005. Ou seja, a prática do ato irregular se deu após a mudança do Estatuto dos Servidores. Assim é necessária a conclusão de que o prazo prescricional começou quando da prática do ato maculado.

Ademais, o procedimento administrativo disciplinar iniciou-se somente em 2011. Ou seja, em momento posterior ao lapso de dois anos previsto no art. 261, inc. I, do Estatuto dos Servidores Estaduais. Verifica-se, então, a configuração da prescrição da pretensão punitiva administrativa do Estado de São Paulo.

Portanto, o acórdão a quo deve ser reformado para declarar a nulidade da ato que impôs multa ao ora recorrente.

Ante o exposto, dou PROVIMENTO ao recurso ordinário em mandado de segurança.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília (DF), 21 de novembro de 2014.

MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES – Relator.

Fonte: Grupo Serac – Boletim Eletrônico INR nº 6709 | 01/12/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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