CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Pretensão de registro de formal de partilha – Descrição precária do imóvel na transcrição de origem – Necessidade de retificação – Incongruência entre a descrição do título e o assento imobiliário – Quebra do princípio da especialidade objetiva – Recurso desprovido.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 0010422-67.2013.8.26.0361

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0010422-67.2013.8.26.0361, da Comarca de Mogi das Cruzes, em que são apelantes MOMOKO NISHIOKA e MAURÍCIO COELHO DE MELLO, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE MOGI DAS CRUZES.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 16 de outubro de 2014.

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação Cível n° 0010422-67.2013.8.26.0361

Apelantes: Momoko Nishioka e Maurício Coelho de Mello

Apelado: 2º Oficial do Cartório de Registro de Imóveis de Mogi das Cruzes

VOTO N° 34.097

Registro de imóveis – Dúvida – Pretensão de registro de formal de partilha – Descrição precária do imóvel na transcrição de origem – Necessidade de retificação – Incongruência entre a descrição do título e o assento imobiliário – Quebra do princípio da especialidade objetiva – Recurso desprovido.

Momoko Nishioka e Maurício Coelho de Mello interpuseram recurso administrativo contra a r. sentença que manteve a recusa de registro de formal de partilha, que atribuía, à primeira – casada com o segundo – os direitos contratuais, com eficácia real, referentes a dois lotes de terreno sob os números 315 e 316, da quadra 12, do loteamento Jardim Universo, inscritos no 1º Oficial do Registro de Imóveis de Mogi das Cruzes, sob n° 53, Livro 8-C, averbação 117.

A recusa baseou-se no fato de que a descrição dos dois lotes, tal como feita no formal de partilha, não se coaduna com a certidão oriunda do 1º Oficial do Registro de Imóveis. Além disso, por se tratar de loteamento bastante antigo – 1952 -, não há memorial descritivo dos lotes, mas apenas planta do parcelamento. Dessa maneira, não é possível aferir as medidas laterais e dos fundos, nem a angulação dos vértices, o que demanda retificação.

Os apelantes afirmam que o título foi regularmente expedido, de acordo com as prescrições legais à época em que feita a partilha. Dizem que possuem direito adquirido ao registro do título e lembram que, após suscitada a dúvida, juntaram outras certidões, relativas ao imóvel.

É o relatório.

O registro do formal de partilha, tal como pretendido, feriria os princípios da legalidade e da especialidade objetiva.

Quanto ao primeiro princípio, o da legalidade, ele seria ferido caso se adotasse o entendimento de ser possível o registro desconsiderando-se as prescrições legais atuais. Vale dizer, haveria ferimento se aceita a tese de direito adquirido, defendida pelos recorrentes.

No sistema dos registros públicos vige o princípio tempus regit actum, segundo o qual, na qualificação do título, incidem as exigências contemporâneas ao registro, e não as que vigoravam quando de sua lavratura. Pouco importa, assim, que o formal de partilha fosse regular ao tempo em que expedido. Para ser registrado, precisaria se adequar à legislação em vigor no momento do registro.

No que respeita ao principio da especialidade objetiva, ele apenas seria respeitado se o título descrevesse o imóvel tal como no assento e, também, se esse assento contivesse perfeita individualização do bem.

Para Afrânio de Carvalho, o princípio da especialidade do imóvel significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro (Registro de Imóveis: comentários ao sistema de registro em face da Lei 6015/73, 2a ed., Rio de Janeiro, 1977, p. 219). Por isso, o imóvel deve estar perfeitamente descrito no título objeto de registro de modo a permitir sua exata localização e individualização, não se confundindo com nenhum outro.

Narciso Orlandi Neto, ao citar Jorge de Seabra Magalhães, lembra que “as regras reunidas no princípio da especialidade impedem que sejam registrados títulos cujo objeto não seja exatamente aquele que consta do registro anterior. É preciso que a caracterização do objeto do negócio repita os elementos de descrição constantes do registro” (Narciso Orlandi Neto, Retificação do Registro de Imóveis, Juarez de Oliveira, pág. 68).

É certo que caberia mitigação no princípio da especialidade, caso o título – formal de partilha – espelhasse a antiga transcrição. Mas nem isso ocorre no caso. Enquanto a certidão oriunda do 1º Registro de Imóveis menciona dois lotes de terreno, o formal de partilha, ao tratar de deles, discrimina-os como um só imóvel, não obstante a ausência de qualquer procedimento de unificação. E, mais, como ressalta o Oficial, traz medidas laterais inéditas, que não constam do assento.

A situação não melhora com os documentos trazidos no curso do processo, que, de mais a mais, não integram o título e, portanto, não podem ser admitidos.

Por meu voto, à vista do exposto, nega-se provimento ao recurso.

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Fonte: DJE/SP | 03/12/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Carta de sentença extraída de ação de desapropriação – Imóvel localizado em área rural – Necessidade de apresentação de certidão do INCRA de que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas – Exigência correta apresentada pelo oficial, em observância aos princípios da legalidade e da especialidade objetiva – Sentença de procedência mantida – Recurso não provido.

ACÓRDÃOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 0001532-10.2014.8.26.0037

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0001532-10.2014.8.26.0037, da Comarca de Araraquara, em que é apelante AUTOVIAS S/A, é apelado 2° OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE ARARAQUARA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U., de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 16 de outubro de 2014.

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação Cível n° 0001532-10.2014.8.26.0037

Apelante: Autovias S/A

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Araraquara

VOTO N° 34.087

Registro de imóveis – Dúvida – Carta de sentença extraída de ação de desapropriação – Imóvel localizado em área rural – Necessidade de apresentação de certidão do INCRA de que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas – Exigência correta apresentada pelo oficial, em observância aos princípios da legalidade e da especialidade objetiva – Sentença de procedência mantida – Recurso não provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Araraquara, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa de registro da carta de sentença extraída dos autos da ação de desapropriação por utilidade pública, sob o fundamento de que o § 3° do artigo 225 da Lei de Registros Públicos dispõe que em se tratando de título derivado de autos judiciais referente a imóveis rurais, deve ser providenciada a certificação com precisão posicional pelo INCRA, e de que o fato de se tratar de modo originário de aquisição da propriedade não dispensa o atendimento ao princípio da especialidade objetiva.

A apelante afirma que a desapropriação é forma originária de aquisição da propriedade, o que significa inexistir qualquer vínculo com o título anterior de propriedade, conforme precedentes e doutrina neste sentido. Diz que não se aplica ao caso em tela o artigo 2º do Decreto n° 5.570/2005, que alterou o Decreto nº 4.449/2002, porque a ação de desapropriação não tem por escopo e nem versa sobre a identificação de um imóvel rural, seus limites e confrontações, e sim sobre a incorporação do bem ao patrimônio público, e que a situação seria diversa se se tratasse, por exemplo, de ação de retificação de área. Acrescenta que não se aplica ao caso vertente os parágrafos 5º e 6º do artigo 176 da Lei de Registros Públicos, porque a exigência de apresentação de parecer do INCRA certificando que a ‘poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas’, é prevista apenas para as hipóteses do parágrafo 3º do mesmo dispositivo legal, cujo rol é taxativo e não inclui a desapropriação, e que o imóvel está perfeitamente identificado e individualizado, portanto, não há que se falar em violação do princípio da especialidade.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

Não se controverte que a desapropriação é forma originária de aquisição da propriedade e que não há vínculo com o título anterior de propriedade, porém, tal situação não dispensa o Oficial do dever de qualificar o título que lhe é apresentado, à luz dos princípios que regem os registros públicos.

Os dispositivos legais transcritos pelo Oficial para justificar a exigência, além do artigo 176 e §§ 5º e 6º, da Lei 6.015/73, indicado na nota de devolução, são o artigo 9º e §1°, do Decreto n° 4.449/2002, e o artigo 2º do Decreto n° 5.570/2005, que alterou o Decreto n° 4.449/2002, que assim dispõem, respectivamente:

“Art. 9º – A identificação do imóvel rural, na forma do § 3º do art.176 e do § 3° do art. 225 da Lei n° 6.015, de 1973, será obtida a partir de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitada e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo, inclusive manual técnico, expedido pelo INCRA.”

“§ 1º – Caberá ao INCRA certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio.”

“Art. 2° – A identificação do imóvel rural objeto de ação judicial, conforme previsto no § 3° do art. 225 da Lei n° 6.015, de 31 de dezembro de 1973, será exigida nas seguintes situações e prazos:

I – imediatamente, qualquer que seja a dimensão da área, nas ações ajuizadas a partir da publicação deste Decreto;

II – nas ações ajuizadas antes da publicação deste Decreto, em trâmite, serão observados os prazos fixados no art. 10 do Decreto n° 4.449, de 2002.”

Verifica-se pelos documentos apresentados que o imóvel desapropriado está localizado em área rural, e, o fato de se tratar de ação de desapropriação, não dispensa, a exemplo da ação de usucapião e outras que consistem em forma originária de aquisição da propriedade, a apresentação de memorial descritivo e planta, para a perfeita caracterização e individualização do imóvel, tanto que tal providência foi tomada pela apelante no curso da ação, em cumprimento às prescrições legais, portanto, não há que se falar em não aplicação dos dispositivos legais acima mencionados e na desnecessidade de observar o princípio da especialidade objetiva para permitir o ingresso do título no fólio real.

Este é o entendimento pacífico do Conselho Superior da Magistratura e da doutrina, como consta da Apelação Cível n° 0001027-46.2011.8.26.0062, julgada em 17/1/13, e que teve como relator o então Corregedor Geral da Justiça Desembargador José Renato Nalini, cuja cópia foi juntada pelo Oficial suscitante a fls. 59/60, na qual vários precedentes neste sentido são mencionados, além da menção ao magistério de Miguel Maria de Serpa Lopes, para quem é exigível ‘o requisito da individuação da coisa desapropriada’, nada obstante a aquisição originária da propriedade (Tratado de Registros Públicos”, 3ª ed. Rio de Janeiro, p. 174).

Afrânio de Carvalho, na clássica obra “Registro de Imóveis”, ao tratar do tema da especialidade objetiva, ensina que O mandamento da individuação do imóvel, lançado no regulamento dos registros públicos, abrange tanto os atos contratuais como os judiciais, e é vazado em termos, ao mesmo tempo, peremptórios e claros, pois indicam o meio pelo qual deve fazer-se a individuação. Devido à sua objetividade, torna-se fácil cumprir o preceito, que requer o suficiente para identificar o imóvel, tanto rural, como urbano…“, e que “Além de abranger a generalidade dos atos, contratuais e judiciais, o mandamento compreende também a generalidade dos imóveis, rurais e urbanos, exigindo a cabal individuação de todos para a inscrição no registro”. Mais adiante, o menciona autor conclui: “Assim, o requisito registral da especialização do imóvel, vertido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro. O corpo certo imobiliário ocupa um lugar determinado no espaço, que é o abrangido por seu contorno, dentro do qual se pode encontrar maior ou menor área, contanto que não sejam ultrapassadas as reais definidoras da entidade territorial.” (Editora Forense, 4ª ed., p. 206).

O título apresentado para registro não observa o princípio da legalidade, pois, ainda que, apenas a título de argumentação, se considere não aplicável ao caso ora examinado os parágrafos 5º e 6º do artigo 176 da Lei 6.015/73, sob o argumento da apelante de que o § 3º deste mesmo dispositivo legal é restrito aos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento, não há dúvida de que se aplica o § 3° do artigo 225 da mesma Lei, o qual, a exemplo do citado artigo 176, está previsto no artigo 9º do nº 4.449/2002, além de o artigo 2º do Decreto nº 5.570/2005, que alterou o Decreto n° 4.449/2002, também trazer previsão da necessidade de identificação do imóvel, nos termos do mesmo § 3° do artigo 225 da Lei de Registros Públicos, e que assim dispõe: “Nos autos judiciais que versam sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidas a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a 4 (quatro) módulos fiscais.”

A exigência legal de apresentação do certificado do INCRA e que tem o fim verificar se a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra e se este atende às exigências técnicas, visa atender e incrementar a especialização objetiva.

Neste mesmo sentido foi decidido na Apelação Cível n° 0000002-95.2011.8.26.0450, julgada em 13/12/2012, cujo relator foi o então Corregedor Geral da Justiça Desembargador José Renato Nalini, ao tratar do tema em caso análogo e referente à ação de usucapião, transcrito no r. parecer da digna Procuradora de Justiça:

‘(…) O georreferenciamento almeja a evolução do registro imobiliário, impondo a necessidade de certificação técnica antes do ingresso do título judicial. Jomar Juarez Amorin destaca essa importância nos seguintes termos: No plano jurídico, o georreferenciamento pode ser conceituado como técnica descritiva aplicável aos imóveis rurais, para fins cadastrais. A consequência inegável é o incremento da especialização objetiva do registro imobiliário; ou seja: com a aplicação da descrição georreferenciada se alcança um novo nível de linguagem na especialização do bem matriculado. (…) Antes de ingressar na matrícula como linguagem técnico-descritiva, o georreferenciamento deve ser precedido de ato administrativo de certificação. Assim, o memorial descritivo acompanhado de Anotação de Responsabilidade Técnica é exibido ao INCRA pelo profissional previamente credenciado, para que o órgão federal certifique principalmente a inexistência de sobreposição na linha poligonal (A retificação de registro imobiliário e o georreferenciamento ao sistema geodésico brasileiro. In: Direito imobiliário brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p.1134). Nestes termos, o registro da sentença deve ser precedido do ato administrativo da alçada da autarquia federal. (…)’ (DJ: 22/02/2013).

À vista do exposto, nego provimento ao recurso.

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Fonte: DJE/SP | 03/12/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


CSM/SP: Registro de imóveis – Escritura de compra e venda – Aquisição de bem por menor incapaz – Origem desconhecida dos recursos – Necessidade de alvará judicial – Verificação, pelo ministério público e pelo órgão jurisdicional, da efetiva proteção do interesse do menor – Menor representado apenas pelo pai, sem justificativa para ausência da mãe na escritura – Impossibilidade de registro – Recurso provido.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 0072005-60.2013.8.26.0100

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0072005-60.2013.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado D.S.C. (REPRESENTADO POR SEUS GENITORES CARLOS EDUARDO CRISCUOLO E MARCELA REGINA DA SILVA).

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “POR MAIORIA DE VOTOS, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. VENCIDO O DESEMBARGADOR GERALDO PINHEIRO FRANCO, QUE DECLARARÁ VOTO. DECLARARÃO VOTOS VENCEDORES OS DESEMBARGADORES ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO E RICARDO MAIR ANAFE.” , de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 7 de outubro de 2014.

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação Cível n° 0072005-60.2013.8.26.0100

Apelante: Ministério Público

Apelado: Diego da Silva Criscuolo (menor representado pelos genitores)

VOTO N° 34.086

Registro de imóveis – Escritura de compra e venda – Aquisição de bem por menor incapaz – Origem desconhecida dos recursos – Necessidade de alvará judicial – Verificação, pelo ministério público e pelo órgão jurisdicional, da efetiva proteção do interesse do menor – Menor representado apenas pelo pai, sem justificativa para ausência da mãe na escritura – Impossibilidade de registro – Recurso provido.

Vistos.

Trata-se de recurso de apelação, interposto pelo Ministério Público contra sentença que julgou improcedente dúvida suscitada pelo 17° Oficial do Registro de Imóveis de São Paulo.

O interessado, menor absolutamente incapaz, representado por seu pai, levou a registro escritura de compra e venda de imóvel. O registro foi negado pelo Oficial, sob a justificativa de que, no procedimento disciplinar de n° 2013/96323, um notário foi apenado, justamente por não exigir alvará para lavrar escritura pública de compra e venda de imóvel adquirido por menor, com recursos próprios.

Ainda assim, o Oficial fez a ressalva de que a questão é controvertida, pois a aquisição de bens a favor do menor aumentaria o seu patrimônio e viria, portanto, em seu benefício. E ressalvou, também, o fato de que não houve descrição de doação na escritura, razão pela qual não poderia fiscalizar eventual falta de recolhimento de ITCMD.

Mesmo diante dessas ressalvas, o Oficial negou o registro, justamente em razão da decisão exarada no procedimento disciplinar acima mencionado.

O interessado, representado por seu pai – a mãe só outorgou procuração a advogado quando da apresentação de contrarrazões -, argumentou que a decisão em que se baseou o Oficial não tem caráter normativo e foi tomada em um caso isolado, em que o menor adquiriu o bem com recursos próprios.

Disse que, aqui, está adquirindo o imóvel com recursos outros. Obtemperou, também, que nem o art. 1.691 do Código Civil nem o item 41, ‘e’ do Cap. XIV, das NSCGJ exigem o alvará judicial, pois a aquisição é feita no interesse do menor. A autorização só seria necessária para alienar ou gravar de ônus reais imóveis dos filhos menores. Por fim, quanto ao recolhimento de tributo (ITCMD), não caberia ao Oficial fiscalizá-lo, uma vez que a escritura não se refere a doação.

O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida, mas a sentença dispôs que não há restrição legal à aquisição de bens para filhos menores, em seu interesse. Quanto à questão tributária, dado que a escritura não mencionou a existência de doação, não caberia ao Oficial questionar a origem dos recursos para aquisição do imóvel nem o recolhimento de ITCMD.

A Procuradoria de Justiça recorreu, observando que a mãe do menor não compareceu à escritura e que o título não retrata a realidade inerente aos negócios realizados. Se, conforme alegação de fl. 34, o bem foi adquirido por recursos outros, entende o Ministério Público que a escritura deveria expor qual negócio possibilitou ao menor ter recursos para comprar o imóvel. Observou, ademais, que não há como presumir que o negócio foi feito em benefício do menor, dado que ele pode estar sendo usado, por exemplo, para propiciar a ocultação de patrimônio, lavagem de dinheiro, fraude contra credores ou sonegação fiscal.

Em contrarrazões, o interessado reiterou os mesmos argumentos, acrescentando que a apuração sobre a origem financeira do numerário usado na compra do bem é questão que escapa ao Oficial. Citou pretenso precedente do Superior Tribunal de Justiça, mas sequer o identificou (fl. 66).

É o relatório.

Observa-se, de início, que na escritura pública de compra e venda de fls. 21/23 o menor está representado apenas por seu pai. Não se faz qualquer menção à mãe ou à razão pela qual ela não compareceu ao ato notarial.

É certo, contudo, que o art. 1.690, em consonância com o art. 1.634, inciso V, também do Código Civil, prescreve que compete aos pais e, na falta de um deles, ao outro, com exclusividade, representar os filhos menores de dezesseis anos. E o parágrafo único, por sua vez, diz que os pais devem decidir em comum às questões relativas aos filhos e a seus bens; havendo divergência, poderá qualquer deles recorrer ao juiz para a solução necessária.

Aqui, não se verifica nenhuma razão para que a mãe tenha deixado de comparecer na escritura. Não há falta dela – veja-se que outorgou procuração na fase de contrarrazões -, impedimento ou incapacidade, fatos que poderiam justificar a exclusividade da representação pelo pai.

Logo, apenas por essa razão já não se poderia registrar a escritura, tal como elaborada.

Não se trata apenas disso, contudo. O alvará judicial era mesmo necessário para a aquisição do imóvel pelo filho menor.

Com efeito, o item 41, ‘e’ do Cap. XIV, das NSCGJ, dispõe que o Tabelião de Notas, antes da lavratura de qualquer ato, deve:

“exigir os respectivos alvarás, para os atos que envolvam espólio, massa falida, herança jacente ou vacante, empresário ou sociedade empresária em recuperação judicial, incapazes, sub-rogação de gravames e outros que dependam de autorização judicial para dispor ou adquirir bens imóveis ou direitos a eles relativos, sendo que, para a venda de bens de menores incapazes, o seu prazo deverá estar estabelecido pela autoridade judiciária.”

O item é composto de duas partes distintas. A primeira parte diz que o Tabelião deve “exigir os respectivos alvarás, para os atos que envolvam espólio, massa falida, herança jacente ou vacante, empresário ou sociedade empresária em recuperação judicial, incapazes, sub-rogação de gravames e outros que dependam de autorização judicial para dispor ou adquirir bens imóveis ou direitos a eles relativos”. A segunda parte afirma que “para a venda de bens de menores incapazes, o seu prazo deverá estar estabelecido pela autoridade judiciária.”

Ora, em nenhum momento o item dispõe que não é necessário alvará para a aquisição de imóvel por menor incapaz. Ao contrário, é claro ao afirmar a exigência de alvará para atos que envolvam incapazes e outros que dependam de autorização judicial para dispor ou adquirir bens imóveis ou direitos a ele relativos.

A ressalva da segunda parte do em nada infirma o que foi dito. Aliás, o dispositivo apenas repete o art. 220, parágrafo único, das NSCGJ – Cartórios Judiciais. Trata-se, tão somente, de uma precaução a mais, dada a relevância, perante o ordenamento, da alienação de bem de menor incapaz. Exigem as Normas que, no caso específico de alvará para alienação, o prazo deverá estar estabelecido pela autoridade judiciária. De onde se conclui que, nos demais casos, embora necessário o alvará, não se exige a indicação de prazo.

Visto que as Normas não dispensam a apresentação de alvará, resta verificar se o Código Civil o faz.

A resposta também é negativa.

Na dicção do art. 1.691, os pais não podem alienar, ou gravar de ônus real, os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz.

O interessado aduz que não se tratou de alienar nem de gravar de ônus real imóvel de menor. Ao contrário, cuidou-se de adquirir patrimônio em seu favor, o que vai ao encontro de seu melhor interesse. Nada se perdeu, mas se acresceu ao patrimônio do incapaz. Daí porque seria desnecessária autorização judicial.

O argumento não convence, contudo. O negócio de compra e venda do imóvel implicou a contração de obrigação – pagamento do preço de R$ 191.279,07 – que ultrapassa, obviamente, os limites da mera administração, não havendo qualquer comprovação de necessidade ou evidente interesse do incapaz, o que, justamente, deveria ter sido feito mediante pedido de alvará, quando o Juiz verificaria a presença de tais requisitos.

Não se indicou, na escritura, de onde provieram os recursos para a compra do imóvel (o menor tinha onze anos de idade ao tempo da lavratura da escritura). Há de se presumir, portanto, que se trataram de recursos próprios do menor. Essa a única conclusão que permite a leitura do título.

Caso se tratasse de doação, bastaria que se expusesse o negócio na escritura. Tratar-se-ia de uma doação modal, seguida de compra e venda, em nexo de interdependência. Recolher-se-ia o ITCMD relativo à doação e não haveria qualquer problema, pois, aí sim, estaria ressalvada a possibilidade de fraude e não haveria dúvida acerca do melhor interesse do menor.

Porém, como disse o interessado, trataram-se de “recursos outros” (fl. 34), que, por opção sua, não estão esclarecidos na escritura.

Se de fato não cabe ao Tabelião perscrutar a origem dos recursos do menor, ao se optar por não esclarecer, no ato da escritura, a origem dos recursos, não se deixou alternativa outra que não a de se presumir que eles estão incorporados ao patrimônio do menor. Vale dizer, são recursos do incapaz.

Ora, se são recursos do incapaz e se, como visto, o ato implicou a contração de obrigação que ultrapassa os limites da simples administração, é evidente que o alvará era necessário. Há uma série de circunstâncias que o juiz deve verificar para concluir que negócio de tal monta interessa mesmo ao incapaz ou se é necessário, ainda mais porque, na verdade, como nem observado pelo Ministério Público, há possibilidade de que ele esteja sendo usado para encobrir fraude contra credores ou ao fisco.

Mesmo os aspectos relativos ao negócio em si deveriam ter sido apreciados pelo Ministério Público e pelo Juiz, no melhor interesse do menor. Cite-se, ainda que na esfera jurisdicional, trecho do Acórdão do Agravo de Instrumento n. 152.031.4-0 – Rel. Des. Zélia Maria Antunes Alves, onde se esclarecem as razões pelas quais a intervenção é pertinente:

Agravo de Instrumento – Alvará – Aquisição de imóvel, com numerário de menor absolutamente incapaz – Avaliações elaboradas por imobiliárias – Inadmissibilidade – Necessidade de proteção do patrimônio do menor – Determinação de avaliação judicial, para aferição do real valor do bem – Recurso provido.

“Em se tratando de operação de venda e compra, por menor, absolutamente incapaz, com numerário próprio, representado por sua mãe, de rigor, para prevenir possível prejuízo, seja o bem imóvel, a ser adquirido, avaliado, por perito nomeado pelo Juízo.

Não basta, ao contrário do entendimento pela MM. Juíza “a quo”, embora louvável sua preocupação com os gastos com a perícia, a serem suportados pela própria menor, ora agravada, a juntada de avaliações, simples e sucintas, elaboradas por 03 (três) imobiliárias distintas, apresentadas por sua representante.

Tais avaliações, ainda que não se discuta a idoneidade das empresas que as realizaram, em razão de solicitadas por pessoa diretamente interessada na transação, não substituem, para o fim a que se destinam – compra de imóvel com numerário pertencente a menor, cujos interesses devem ser acima de tudo protegidos, a avaliação por perito judicial.

Impõe-se, na espécie, para a proteção e segurança do patrimônio da menor, ora agravada, total controle e pleno conhecimento, pelo Juízo e pelo Ministério Público, órgãos incumbidos pelo Estado de zelar pelos interesses dos incapazes, de todas as circunstâncias e pormenores do negócio, principalmente, o valor de mercado do imóvel.

Em assim sendo, imprescindível a avaliação judicial, por perito especializado, com descrição pormenorizada do imóvel e do local onde se situa, e, com indicação fundamentada de seu real valor de mercado.”

Não bastasse isso, ao contrário do que sustentou a sentença, o precedente trazido pelo Oficial tratou, sim, de hipótese similar à dos autos. Veja-se o trecho relevante do parecer, devidamente aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Renato Nalini, que fundamentou o apenamento disciplinar de Tabelião que não exigiu o alvará para a lavratura de escritura pública:

“A questão posta em exame refere-se à ocorrência de ilícito administrativo na hipótese do Tabelião não exigir alvará judicial para lavratura de escritura pública de compra e venda na qual os compradores tenham a situação jurídica de menores.

A exigência constava expressamente no item 12, “e”, do Capítulo XIV, do Tomo II, das NSCGJ, vigente à época (atualmente a previsão está contida no art. 41, “e”, do Capítulo XIV, das NSCGJ, no qual existe previsão da necessidade de autorização judicial para aquisição de bens imóveis ou direitos e ele relativos por incapazes).

É fato incontroverso e documentalmente provado a lavratura da escritura pública pelo recorrente sem a observação das normas incidentes na espécie (a fls. 05/07).

A norma administrativa tem seu fundamento no art. 1.691, 2ª parte, do Código Civil, o qual estabelece a necessidade de prévia autorização judicial para atos de administração extraordinária do patrimônio de incapazes.

A situação posta nos autos tem sua qualificação jurídica justamente na norma em comento, porquanto ao se considerar a titularidade dos recursos financeiros pelas menores, obviamente, cabia prévia autorização judicial para prática do ato justamente para a proteção dos interesses das incapazes, notadamente quanto ao valor do bem e o interesse dos menores em sua aquisição, sobretudo diante do dever de sustento da representante legal (genitora).”

Ante o exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO ao recurso, julgando procedente a dúvida.

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação Cível nº 0072005-60.2013.8.26.0100

Apelante: Ministério Público

Apelado: Diego da Silva Criscuolo (menor representado pelos genitores)

Voto nº: 26.777

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO DO DESEMBARGADOR PINHEIRO FRANCO, PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL

Sem embargo da tese lançada pelo E. Desembargador Relator, e sempre com o devido respeito, entendo ser caso de negar provimento ao recurso.

Busca-se o ingresso no registro imobiliário de escritura de venda e compra de imóvel adquirido por menor representado pelo pai.

O registro foi obstado pelo Registrador, por entender necessário alvará judicial, presumindo que o bem foi adquirido com recursos próprios do menor, uma vez inexistente qualquer referência sobre eventual doação.

A r. sentença ressaltou que a exigência de alvará se dá para alienação, como medida protetiva ao menor, sendo que a compra não exige alvará. Desta sorte, o Juízo a quo determinou o registro do título.

Há, de fato, omissão quanto à origem do numerário. O interessado informou que se valeu de “recursos outros”, consistentes na doação modal acoplada à compra e venda. Isso implicou no recolhimento do ITBI e não do ITCMD.

Na minha ótica, cabe ao registrador fiscalizar apenas o recolhimento dos tributos incidentes sobre os fatos geradores consubstanciados no título. E não existe no ato notarial em exame elemento a identificar o fato gerador do imposto de transmissão relativo à doação.

A origem do numerário não interessa ao direito civil, mas ao fisco, consoante precedente trazido aos autos. E não se pode presumir a existência de fraude.

O registrador só pode exigir o tributo vinculado ao título.

Pois bem.

A presunção é de que a aquisição foi feita em favor do menor (lógica do razoável), que foi representado pelo pai. E o poder familiar pode ser exercido pelo pai ou mãe ou por ambos (artigos 1630 e seguintes do CC e artigo 21 do ECA).

É cediço que menores incapazes dependem de autorização para alienar bens imóveis, não para adquirir na forma da lei civil.

Ora, na aquisição não há risco, salvo em situações especiais, comprovadas. E mais: se o dinheiro era do menor, o alvará deveria ter sido exigido no momento do levantamento, junto ao banco, não no momento da prática do ato notarial “data venia”.

Não toca ao tabelião o controle da origem.

Mesmo que tenha havido doação, ao tabelião não cabe controlar essa situação, vez que negócio jurídico dessa natureza não se materializou no ato.

Destarte, o procedimento do tabelião está correto e o título apto a registro.

Pelo meu voto, pois, pedindo licença para divergir no caso do E. Desembargador Relator, nego provimento ao recurso.

PINHEIRO FRANCO

Presidente da Seção de Direito Criminal

Conselho Superior da Magistratura

Apelação Cível n° 0072005-60.2013.8.26.0100

Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo

Apelado: D. S. C. (representado por Carlos Eduardo Criscuolo e Marcela Regina da Silva

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR

VOTO N. 28.103

1. Nestes autos de dúvida, o Ministério Público interpôs apelação contra sentença dada pela Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo, corregedora permanente do 17º Ofício de Registro de Imóveis da Capital. Essa sentença julgou improcedente a dúvida, para que se pudesse proceder ao registro stricto sensu de transmissão de domínio por compra e venda.

2. O eminente Desembargador Relator prove à apelação para que, reformada a sentença, não se proceda ao registro stricto sensu. Segundo seu voto, esse registro tem de ser recusado não só porque o comprador, menor absolutamente incapaz, foi representado apenas por seu pai (conquanto não houvesse razão para a mãe deixasse de comparecer à escritura pública), como ainda porque não se apresentou alvará judicial que autorizasse a aquisição do imóvel, que não se pode considerar mero ato de administração. Além disso, o eminente Relator determina que se extraiam peças dos autos, para que a corregedoria permanente tome providências disciplinares contra a tabeliã que lavrou a escritura pública.

O registro stricto sensu realmente tem de ser recusado. Tratando-se do patrimônio de filhos sob pátrio poder, o Cód. Civil, art. 1.691, caput, só concede aos pais os poderes para praticar atos ordinários de administração. No caso, o ato ordinário de administração não parece ter-se configurado, uma vez que não se conseguiu apurar a proveniência do numerário empregado para que o incapaz pagasse o preço. Ademais, o filho absolutamente incapaz havia de ter sido representado por ambos os pais, já que não havia óbice para que algum deles comparecesse (CC/2002, art. 1.690).

Não se está a dizer que a autorização judicial deva ser exigida em todo e qualquer negócio jurídico que implique aquisição imobiliária por menor. Em primeiro lugar, pode haver aquisições imobiliárias de valor tão reduzido, que não seja exigível sequer a escritura pública (CC/2002, arts. 107-108), e em tais casos não é equitativo supor que se faça necessária a intervenção do Poder Judiciário. Em segundo lugar, como diz expressamente o art. 1.690, caput, o alvará judicial só imprescindível, em todo e qualquer caso, quando se tratar de alienação ou oneração de imóvel, ou de obrigação que extrapole os limites da mera administração. Obviamente, nem toda aquisição imobiliária se enquadra nesse último caso, de modo que nem sempre se faz necessária a autorização judicial. Contudo, é justamente por isso (ou seja, porque em alguns casos a aquisição imobiliária pode ser ato de mera administração, e em outros não) que o tabelião precisa tomar alguma declaração acerca das circunstâncias em que o numerário foi adquirido e está sendo empregado pelo menor.

Tampouco se afirma que preocupações de ordem tributária (por exemplo, o pagamento do imposto sobre doações) ou criminal (por exemplo, o controle da lavagem de dinheiro) sempre justifiquem a intervenção do juiz, ou impeçam que o tabelião qualifique o negócio jurídico com independência jurídica e livremente se decida pela lavratura do ato. Finalmente, também não se pode concluir que o CC/2002, art. 1.691, leve em conta a existência ou não de prejuízo para o menor, para que haja exigência ou não da autorização judicial. Só está a declarar que, neste caso concreto, a solução correta está na negativa do registro stricto sensu.

Entretanto, não está patente que tenha ocorrido infração funcional por parte da tabeliã. As Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça – NSCGJ, tomo II, cap. XIV, 41, e, determinam que o tabelião de notas tem de exigir alvará para atos que envolvam incapazes, é verdade. Contudo, é também certo que o CC/2002, art. 1.691, não declara explicitamente que toda e qualquer aquisição imobiliária extrapole a mera administração. Dessa maneira, nesse específico caso só se pode considerar a explicitação contida nas NSCGJ como recomendação, mas não como uma extensão que afirme aquilo o que a própria lei não diz. Também ao notário – que é profissional do Direito dotado de independência jurídica (Lei 8.935/1994, art. 28) – sobra, aí, espaço para julgar da necessidade, no caso concreto, da autorização judicial, e o erro nessa avaliação (como o próprio equívoco quanto à incidência do art. 1.690) não pode ser considerado, ipso facto, violação a dever funcional. À semelhança do que se passaria se um juiz, nessa mesma hipótese, houvesse concedido autorização na verdade incabível, não se pode aceitar a conclusão de que a punição deva decorrer até mesmo de um equívoco notarial que não seja aberrante: “(…) nas hipóteses em que a conduta é inferida e não descrita, notadamente naquelas infrações contra os princípios da Administração Pública, impõe-se a análise do fato ao ângulo da razoabilidade, por isso que, não obstante a indeterminação do conceito, assentou-se em notável sede clássica, que se não se sabe o que é razoável, é certo o que não é razoável, o bizarro, o desproporcional.” (STJ, REsp 721.190, Rel. Luiz Fux, j. 13.12.2005).

3. Ante o exposto, dou provimento ao recurso.

ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO

Presidente da Seção de Direito Privado

Apelação Cível n. 0072005-60.2013.8.26.0100

Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo

Apelado: D.S.C (menor), representado por Carlos Eduardo Criscuolo e Macela Regina da Silva

TJSPVoto n° 19.451

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR

Registro de Imóveis.

Recurso contra decisão que julgou improcedente a dúvida e determinou o registro de escritura de compra e venda de imóvel em que figura como comprador menor de idade, representado apenas pelo genitor – Ausência de referência, na escritura, da origem do dinheiro usado na aquisição do bem – Necessidade de alvará judicial – Inteligência dos artigos 1.690 e 1.691 do Código Civil, artigo 289 da Lei de Registros Públicos e artigo 134 do CTN.

Dá-se provimento.

1. Cuida-se de apelação contra decisão proferida pelo Juízo Corregedor Permanente do 17° Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, Capital, que deferiu o registro de escritura de compra e venda de imóvel mesmo sendo o adquirente menor de idade, inexistindo alvará judicial a autorizar o aludido negócio jurídico, celebrado exclusivamente pelo genitor.

É o relatório.

2. Respeitado entendimento contrário do Excelentíssimo Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça, é mesmo o caso de provimento do recurso, tal como fundamentado pelo Excelentíssimo Desembargador Relator, Digníssimo Corregedor Geral da Justiça.

Com efeito, o artigo 1.690 do Código Civil exige a presença “dos pais” na celebração de negócios jurídicos pelos filhos menores (trata-se de um requisito de validade, especialmente em negócios jurídicos envolvendo altos valores); “na falta de um deles” caberá ao outro representar o filho menor com exclusividade. In casu, não constou da escritura pública que a mãe havia outorgado procuração para concretização do negócio jurídico, não se podendo presumir essa concordância materna. A escritura omite questão importantíssima para a validade da própria compra e venda (requisito subjetivo – capacidade do agente).

Demais, da escritura pública de compra e venda (fl. 21/23) nada consta a respeito da origem do dinheiro usado na aquisição do bem imóvel.

Conclui-se, por conseguinte, que os recursos utilizados na compra eram do próprio menor. Nessa hipótese, indispensável autorização judicial, ex vi do disposto no artigo 1.691 do Código Civil, pois o ato extrapola os limites da “simples administração”.

E, ainda que o dinheiro não fosse, in thesis, do menor, tal como mencionado a fl. 34, porque adquirido o bem com o dinheiro dos pais “objetivando garantir um melhor futuro para os seus filhos”, não comportaria registro o título em questão, por não haver notícia do recolhimento do imposto incidente sobre a doação (ITCMD).

Com efeito, o artigo 289 da Lei 6.015/73 dispõe que: “no exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício”.

A doação do dinheiro para o fim específico de aquisição do imóvel estaria intimamente ligada à compra e venda, podendo-se dizer que um não existiria sem o outro. Tratando-se, em realidade, de um negócio jurídico complexo, caberia ao Oficial “fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos”. Caso contrário, poderia incidir a solidariedade prevista no artigo 134, VI, do Código Tributário Nacional.

A propósito, ensina Afrânio de Carvalho que “ao invés de serem celebradas duas escrituras, com excesso de formalismo, celebra-se uma única, em que se reúnem a doação e a compra e venda, tendo o título plena validade para o registro” [1].

Todavia, para que fosse possível tal registro, haveria de ser exigida a prova do recolhimento do imposto respectivo (ITCMD), além do ITBI devido por força da compra e venda.

Por epítome, inexistindo alvará judicial bem como participação expressa da genitora (artigos 1.690 e 1.691 do Código Civil), e tampouco havendo prova do recolhimento do imposto relativo à suposta doação do dinheiro para a compra do imóvel (artigo 289 da Lei de Registros Públicos), correta a recusa de ingresso do título ao fólio real.

3. Ante o exposto, pelo arrimo esposado, pelo meu voto, dá-se provimento ao recurso.

Ricardo Anafe

Presidente da Seção de Direito Público

Notas:

[1] CARVALHO, Afrânio de, Registro de Imóveis, 3ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1.982, p. 111.

Fonte: DJE/SP | 03/12/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.