Artigo: O direito de acrescer entre donatários casados na comunhão universal de bens – Por José Flávio Bueno Fischer

* José Flávio Bueno Fischer

O artigo 551 do Código Civil reza que, “salvo declaração em contrário, à doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual”. É a denominada doação conjuntiva, que estabelece que um bem doado a mais de uma pessoa deve ser distribuído em partes iguais, salvo manifestação contrária do doador no momento da liberalidade.Já o parágrafo único do dispositivo legal em questão prevê que, “se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo”. Isto é, se os beneficiados na doação são marido e mulher, a regra é o direito de acrescer, e, portanto, o bem doado subsiste, na totalidade, para o cônjuge sobrevivente, não integrando o inventário e, consequentemente, excluindo o direito sucessório dos herdeiros.

Neste sentido, leciona Ricardo Fiuza: “No caso dos donatários casados entre si, há uma perfeita mutualidade legal para o direito de acrescer: o cônjuge sobrevivo assume, por direito exclusivo, em substituição, a proporção igualitária do outro que faleceu, subsistindo a totalidade da doação em seu favor, não passando o bem aos herdeiros necessários” (FIUZA, Ricardo. Novo Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 489) .
Assim, a configuração do direito de acrescer entre cônjuges exige, além da morte de um deles, que os donatários sejam (i) casados entre si; (ii) que o bem tenha sido doado aos dois, tendo ambos comparecido e aceitado o ato; e, (iii) que não tenha sido individualizado, pelo doador, o percentual de cada donatário.

O legislador não faz distinção quanto ao regime dos bens do casal para a incidência do direito de acrescer, na medida em que, preenchidos os requisitos acima, ele se configura em qualquer regime, até mesmo na separação convencional de bens. Inclusive, conforme Maria Berenice Dias, “apesar de a lei falar em marido e mulher, às claras que também se aplica quando os beneficiários vivam em união estável”. (DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 234) .

Polêmica, porém, é a situação dos donatários casados pelo regime da comunhão universal de bens. E é aqui que existem posições contrárias na doutrina e na jurisprudência. Se ambos, marido e mulher, comparecem no momento da liberalidade, não há dúvida quanto à incidência do artigo 551, parágrafo único. O problema reside quando a doação é feita a pessoa casada na comunhão universal de bens, sem cláusula de incomunicabilidade, e seu cônjuge não comparece ao ato de doação.

A comunhão universal de bens tem como regra a comunicabilidade de todo o patrimônio do casal (artigo 1.667, CC), salvo as hipóteses previstas no artigo 1.668, em especial o inciso I, que prevê que, “são excluídos da comunhão, os bens doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar”. Desta forma, alguns doutrinadores e parte da jurisprudência entendem que se a doação é feita a pessoa casada pelo regime da comunhão universal de bens, sem cláusula de incomunicabilidade, presume-se, por força do regime, que tenha sido feita a ambos, independente de ter comparecido ao ato somente um dos membros do casal donatário.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 75.600, decidiu exatamente neste sentido, que dado o bem a um dos cônjuges, sem cláusula de incomunicabilidade, nem outra restrição, no regime da comunhão, entende-se que a doação foi feita a ambos.[1]

Nesta linha, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento da Apelação Cível nº 9145289-64.2007.8.26.0000, decidiu que embora não tenham figurado expressamente marido e mulher na escritura, operou-se doação em comum por força do regime de bens do casamento, o que torna aplicável o art. 1.178 do CC/1916, com redação idêntica ao artigo 551 do atual Código Civil. [2]

Entretanto, em sentido contrário, alguns estudiosos e outra parte da doutrina entendem que a incidência do artigo 551, parágrafo único, está condicionada a ter figurado como donatários ambos os cônjuges, inclusive no regime da comunhão universal de bens. Isto porque a doação a um cônjuge, com cláusula de comunicabilidade ao outro por força do regime, não é o mesmo que doação a ambos os cônjuges. Na primeira situação, há somente um donatário, sendo o outro cônjuge-meeiro pela comunhão. No segundo caso, ambos são donatários. Apenas na segunda hipótese, portanto, haverá o direito de acrescer, subsistindo a totalidade da doação para o cônjuge sobrevivo.

É o que diz o Superior Tribunal de Justiça nos julgamentos do REsp 324593/SP[3] e do REsp 6.358/SP[4].  Nestes julgados, a Corte Superior decidiu que prevalece a aplicação do parágrafo único do artigo 551 somente se a aceitação da doação ocorreu por ambos donatários, marido e mulher.

Corroborando este entendimento, vale a lição de Pontes de Miranda: “No art. 1178, parágrafo único, estabelece-se o direito do cônjuge sobrevivo à totalidade da doação. Nada tem isso com a sorte da doação conforme o regime matrimonial de bens. O que o parágrafo único faz entender-se é que, se os donatários são cônjuges, a parte do cônjuge que premorre passa ao sobrevivo. Nada tem isso com a doação a um dos cônjuges, se o regime é da comunhão de bens, ou outro regime. O parágrafo único supõe pluralidade, aí duas pessoas, que foram os outorgados, e em atenção à situação jurídica entre eles estatui que toda a doação vai ao que está vivo. Se já a haviam recebido, não há invocabilidade do parágrafo único”. (Tratado de Direito Privado – Parte Especial, Tomo XLVI, Ed. Borsoi, Rio de Janeiro, 1964, p. 237) (grifo nosso)
Há, portanto, duas correntes distintas em relação a incidência do artigo 551, parágrafo único, do Código Civil,  quando a doação é feita a pessoa casada pelo regime da comunhão universal de bens, sem cláusula de incomunicabilidade: I) uma que entende pela incidência do artigo mesmo que tenha comparecido ao ato somente um dos membros do casal, uma vez que, por força do regime de casamento, considera-se a doação como feita a ambos; e, II) a outra que entende pela incidência do artigo somente se tiverem comparecido ao ato, aceitando-o, marido e mulher, eis que doação a um cônjuge, com cláusula de comunicabilidade ao outro por força do regime, não é o mesmo que doação a ambos os cônjuges. O artigo exige pluralidade de outorgados e, em atenção à situação jurídica entre eles, estatui que toda a doação vai ao que está vivo.

Face esta controvérsia jurídica, nasce o problema: como deve agir o tabelião para resguardar o interesse e a vontade das partes, bem como prevenir futuros litígios, quando estiver diante de uma doação a pessoa casada na comunhão universal de bens?

Entendemos que o notário, como agente da paz social, deve esclarecer o doador acerca da divergência doutrinária e jurisprudencial sobre o tema, orientando-o no sentido de que ambos os cônjuges donatários devem aceitar a doação e firmar a escritura acaso sua vontade seja garantir a incidência e eficácia do artigo 551, parágrafo único, do Código Civil, com a consequente subsistência da totalidade da doação ao cônjuge sobrevivo.

Ainda que alguns possam considerar despicienda tal medida, ao compartilharem da corrente que entende pela incidência do referido artigo mesmo que tenha comparecido ao ato somente um dos cônjuges, o notário, ao orientar ambos os cônjuges a aceitar a doação, estará afastando o risco de futura interpretação judicial negando o direito de acrescer por ter comparecido na escritura apenas um dos donatários, a exemplo das duas decisões do Superior Tribunal de Justiça acima citadas.

É claro que se outra for a vontade do doador, de beneficiar apenas um dos cônjuges, a doação poderá ser feita com cláusula de incomunicabilidade, transformando o bem doado em exclusivo do donatário. Neste caso, não há que se falar em incidência do direito de acrescer.
Agindo assim, o tabelião estará resguardando preciosos pilares da função notarial: a preservação da vontade das partes, a prevenção de litígios e a paz social.

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[1] (Relator(a):  Min. ALIOMAR BALEEIRO, Primeira Turma, julgado em 18/06/1973, DJ 14-09-1973 PP-06742 EMENT VOL-00921-02 PP-00423).

[2] (Relator(a): João Carlos Garcia; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 16/11/2010; Data de registro: 11/01/2011; Outros números: 994070289993).

[3] (Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/09/2003, DJ 01/12/2003, p. 347)

[4] ( Rel. Ministro DIAS TRINDADE, TERCEIRA TURMA, julgado em 29/04/1991, DJ 17/06/1991, p. 8204)

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* José Flávio Bueno Fischer, 1º Tabelião de Novo Hamburgo/RS, ex-presidente do CNB-CF e membro do Conselho de Direção da UINL.

Fonte: Notariado | 26/06/2015.

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Questão esclarece acerca da necessidade de autorização do Incra para a adjudicação, por estrangeiro, de imóvel rural.

Imóvel rural. Aquisição por estrangeiro. Adjudicação. Incra – autorização.

Nesta edição do Boletim Eletrônico esclarecemos dúvida acerca da necessidade de autorização do Incra para a adjudicação, por estrangeiro, de imóvel rural. Veja nosso posicionamento sobre o assunto:

Pergunta: Um cidadão italiano, residente no Brasil, adquiriu, por adjudicação, um imóvel rural com área de 05 (cinco) Módulos de Exploração Indefinida. Pergunto: é necessária a autorização do Incra, ou ela pode ser dispensada em virtude da aquisição ser judicial? Em caso positivo, a autorização deve ser anterior à adjudicação?

Resposta: A questão faz referência a aquisição de imóvel rural por pessoa física, através de título identificado como “Carta de Adjudicação”, expedida pelo Judiciário, sem qualquer indicação quanto a sua origem, que pode estar (i) em ação de execução de dívidas (art. 647, inc. I, c.c. os arts. 685-A e 685-B, do CPC); (ii) em procedimento judicial de exercício de direito de preferência (art. 1.119, do CPC); (iii) no direito sucessório, para herdeiro único (art. 1.031, § 1º, do CPC); (iv) ainda no direito sucessório, para o credor do Espólio (art. 1.017, § 4º., do CPC); (v) nas ações de obrigação de fazer, que envolvam direitos sobre transmissão de direito real sobre imóveis (art. 1.418, do CCivil, e artigos 16 e 22, do Decreto-lei 58/37).

Dentre as acima apontadas, salvo melhor juízo, somente as adjudicações decorrente do que temos no art. 1.031, § 1º., do CPC, é que dispensam do Oficial qualquer análise quanto a necessidade de atendimento ao disposto na Lei 5.709/71, e em seu Decreto regulamentador, de número 74.965/74, cujas bases atêm-se a requistos para que um estrangeiro venha a adquirir imóvel rural em nosso País.

A dispensa comentada no parágrafo anterior, se justifica pelo que temos no art. 1º., § 2º., da mencionada Lei, e também no citado Decreto, que, de forma clara, mostram que as restrições ali em trato, não se aplicam aos casos de sucessão legítima, levando-nos, aí, ao entendimento de que, se a adjudicação mostrar a entrega de um imóvel rural, independentemente de sua área, ao único herdeiro legítimo deixado pelo titular de direitos sobre referido bem, mesmo que de nacionalidade estrangeira, não vai precisar o Oficial Imobiliário se preocupar com o que temos nas citadas bases legais, pelas razões aqui já apontadas.

Com isso, podemos afirmar que todas as demais Cartas de Adjudicação, expedidas pelo Judiciário, que venham a mostrar pessoas físicas estrangeiras como adjudicantes, e a envolver imóvel rural, ficam sujeitas ao que estão a ditar sobredita lei 5.709/71, e respectivo Decreto regulamentador, de número 74.965/74, para que possam ter regular ingresso no sistema registral.

Quando a situação mostrar enquadramento no que tais normas legais estão a determinar, a qual poderá exigir autorização do INCRA, ou até mesmo do Conselho de Defesa Nacional (antes Conselho de Segurança Nacional), dependendo do caso, não deve o Oficial se preocupar com a data em que as mesmas foram expedidas, ou seja, se antes ou depois da adjudicação propriamente dita, bastando para ele Oficial que o interessado mostre que o órgão competente se manifestou de forma favorável para que ele, como estrangeiro, tenha em seu patrimônio, área rural, decorrente de adjudicação formalizada em juízo.

Finalizando, recomendamos sejam consultadas as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça de seu Estado, para que não se verifique entendimento contrário ao nosso. Havendo divergência, proceda aos ditames das referidas Normas, bem como a orientação jurisprudencial local.

Fonte: IRIB.

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TRF/4ª REGIÃO: Imóvel único de família não pode ser objeto de penhora judicial

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) negou, na última semana, recurso da Caixa Econômica Federal (CEF) que pedia a penhora judicial do apartamento de um casal de Laguna (SC). Segundo a 4ª Turma, o imóvel não pode ser apreendido por se tratar da única residência dos réus.

O casal era sócio proprietário e fiador da construtora Frontal Engenharia e Comércio, no início da década de 1990, quando a mesma contraiu um empréstimo com a Caixa. Em 1996, a empresa se tornou inadimplente, levando o banco a cobrar a dívida por via judicial.

Os empresários entraram com processo de embargos à execução alegando indisponibilidade do apartamento por se configurar bem de família utilizado como residência. A CEF afirmou que os réus utilizam o imóvel apenas para veranear, uma vez que alugam outro em Florianópolis.

Segundo o relator do processo, desembargador federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, “há uma série de comprovantes de despesas que demonstram a ocupação do imóvel [de Laguna], como conta de luz, de telefone e internet”. Para o magistrado, “se um tem importância secundária certamente é o de Florianópolis, por ser alugado”.

Fonte: TRF/4ª REGIÃO | 22/07/2015.

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