CSM/SP: Irresignação Parcial – Concordância com apenas parte das exigências formuladas pelo Sr. Oficial basta para prejudicar a dúvida – Apelação não conhecida – Análise, porém, das exigências, como forma de pautar futura prenotação – Carta de arrematação – Registro – Imóvel rural – Georreferenciamento – Imprescindibilidade para a precisa descrição do imóvel rural – Princípio da especialidade objetiva – Art. 176 da Lei 6015/73 e item 12.1 do Capítulo XX das NSCGJ – Arrematação – Registro – Ausência de cientificação, na execução, de terceiros credores hipotecários e com penhoras averbadas – Ausência de óbice ao registro, à míngua de expressa previsão legal do art. 698 do CPC de 1973 – Omissão que acarreta ineficácia da arrematação perante o terceiro que não foi cientificado – Quitação de tributos – Exigência do Sr. Registrador de comprovação de quitação de ITR – Impossibilidade – Item 119.1, Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ – Medida que constituiria vedada sanção política – Precedentes do Excelso Pretório e deste E. CSM.


  
 

Apelação nº 3003527-32.2013.8.26.0137

Espécie: APELAÇÃO
Número: 3003527-32.2013.8.26.0137
Comarca: CERQUILHO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 3003527-32.2013.8.26.0137

Registro: 2017.0000929537

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 3003527-32.2013.8.26.0137, da Comarca de Cerquilho, em que são partes é apelante DAMIÃO BIRATAN ALVES CORREA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE CERQUILHO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Não conheceram do recurso, v.u. Declarará voto convergente o Desembargador Ricardo Dip.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente sem voto), ADEMIR BENEDITO (VICE PRESIDENTE), PAULO DIMAS MASCARETTI(PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA), XAVIER DE AQUINO (DECANO), LUIZ ANTONIO DE GODOY(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 27 de novembro de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 3003527-32.2013.8.26.0137

Apelante: Damião Biratan Alves Correa

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Cerquilho

VOTO Nº 29.843

Irresignação Parcial – Concordância com apenas parte das exigências formuladas pelo Sr. Oficial basta para prejudicar a dúvida – Apelação não conhecida – Análise, porém, das exigências, como forma de pautar futura prenotação – Carta de arrematação – Registro – Imóvel rural – Georreferenciamento – Imprescindibilidade para a precisa descrição do imóvel rural – Princípio da especialidade objetiva – Art. 176 da Lei 6015/73 e item 12.1 do Capítulo XX das NSCGJ – Arrematação – Registro – Ausência de cientificação, na execução, de terceiros credores hipotecários e com penhoras averbadas – Ausência de óbice ao registro, à míngua de expressa previsão legal do art. 698 do CPC de 1973 – Omissão que acarreta ineficácia da arrematação perante o terceiro que não foi cientificado – Quitação de tributos – Exigência do Sr. Registrador de comprovação de quitação de ITR – Impossibilidade – Item 119.1, Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ – Medida que constituiria vedada sanção política – Precedentes do Excelso Pretório e deste E. CSM.

Cuida-se de recurso de apelação tirado de r. sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Cerquilho, que julgou procedente dúvida, para o fim de manter a recusa a registro de carta de arrematação.

O apelante afirma, em síntese, que o Sr. Oficial estaria criando entraves indevidos e burocráticos ao ato registral, ao exigir descrição do imóvel, com medidas, rumos norteadores e deflexões. Sustentou não ter entrado na posse do imóvel, para o que exigiu o MM. Juízo da execução prova de registro da carta de arrematação, de modo que estaria impossibilitado de adotar as providências necessárias para atender à exigência. Afirmou haver apresentado comprovantes de quitação da totalidade do ITR devido. Ponderou, por fim, que a falta de cientificação de terceiros credores hipotecários e titulares de penhoras averbadas incidentes sobre os imóveis não impediria o registro almejado, na esteira de julgados deste E. CSM.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento do recurso.

É o relatório.

Preambularmente, nos moldes da jurisprudência absolutamente sedimentada desta Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, o recurso mostra-se prejudicado pela falta de ataque à totalidade dos óbices levantados pelo Sr. Oficial. É que a concordância tácita do recorrente com qualquer das objeções cartorárias é suficiente para impedir que se lavre o ato pretendido, ainda que parte das restrições seja revista judicialmente.

A análise das exigências formuladas, todavia, é de rigor, como forma de pautar futuras prenotações.

De início, imprescindível a precisa descrição dos imóveis rurais em voga. Conforme mencionado pelo Sr. Registrador, faltam medidas, rumos norteadores e deflexões, a obstar a individualização do bem, ideia central do georreferenciamento, como meio de dar concretude ao princípio da especialidade objetiva.

Consoante prevê o art. 176, §§3º e 4º, da Lei 6015/73:

§ 3º Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea do item 3 do inciso II do § 1º será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.

§ 4º A identificação de que trata o § 3o tornar-se-á obrigatória para efetivação de registro, em qualquer situação de transferência de imóvel rural, nos prazos fixados por ato do Poder Executivo.

O §2º do artigo compilado ainda reforça a absoluta impossibilidade de registro da transferência do imóvel pelos Registradores, à míngua de georreferenciamento:

“§ 2º Após os prazos assinalados nos incisos I a IV do caput, fica defeso ao oficial do registro de imóveis a prática dos seguintes atos registrais envolvendo as áreas rurais de que tratam aqueles incisos, até que seja feita a identificação do imóvel na forma prevista neste Decreto:

II – transferência de área total;”

A matéria está igualmente disciplinada pelo item 12.1, Capítulo XX, das NSCGJ:

12.1. O acesso ao fólio real de atos de transferência, desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais dependerá de apresentação de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA) ou Registro de Responsabilidade Técnica (RRT) no Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional estabelecida pelo INCRA, observados os prazos regulamentares.7  12.1.1. A descrição precária do imóvel rural, desde que identificável como corpo certo, não impede o registro de sua alienação ou oneração, salvo quando sujeito ao georreferenciamento ou, ainda, quando a transmissão implique atos de parcelamento ou unificação, hipóteses em que será exigida sua prévia retificação.

Impositivo, pois, o georreferenciamento para a hipótese em questão, como, aliás, sedimentou este Egrégio Conselho Superior, em acórdão que tive a oportunidade de relatar:

“Registro de Imóveis – Escritura pública de venda e compra Georreferenciamento – Necessidade – Exigência ratificada – Princípio da especialidade objetiva – Juízo negativo de qualificação registral prestigiado pelos arts. 176, § 4.º, da Lei nº 6.015, de 1973, 9.º, caput, e 10, IV e § 2.º, II, do Decreto 4449/02 – Dúvida inversa procedente – Sentença confirmada – Recurso desprovido.

A identificação do bem adquirido, na matrícula, está em desconformidade com o georreferenciamento pelo sistema geodésico brasileiro, método descritivo introduzido pela Lei nº 10.267/2001 – regulamentada pelo Decreto nº 4.449/2002, parcialmente modificado pelos Decretos nº 5.570/2005 e n. 7.620/2011 –, que, inegavelmente, representa um aperfeiçoamento do princípio da especialidade objetiva, devido à técnica cartográfica empregada, com potência para individuar o imóvel de modo a separá-lo de qualquer outro na superfície terrestre.

Ocorre que, conforme o § 4.º do art. 176 da Lei nº 6.015/1973, “a identificação de que trata o § 3.º tornar-se-á obrigatória para efetivação de registro, em qualquer situação de transferência de imóvel rural, nos prazos fixados por ato do Poder Executivo.” (grifei)

Nem se argumente que o ato registral pretendido independe de especialização objetiva do bem imóvel pelo novo sistema descritivo, imposta, no caso dos autos, tendo em vista a dimensão de área constante da matrícula, correspondente a 265,07 hectares – a prevalecer, enquanto inocorrente a retificação, em cotejo com eventual realidade extrarregistral diversa -, e o comando emergente do art. 10, IV, do Decreto nº 4.449/2002, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto nº 7.620/2011, in verbis:

Art. 10. A identificação da área do imóvel rural, prevista nos §§ 3º e 4º do art. 176 da Lei nº 6.015, de 1973, será exigida nos casos de desmembramento, parcelamento, remembramento e em qualquer situação de transferência de imóvel rural, na forma do art. 9º, somente após transcorridos os seguintes prazos:

IV – dez anos, para os imóveis com área de duzentos e cinquenta a menos de quinhentos hectares” (Apelação n 0001745-94.2015.8.26.0614, Rel. Des. Pereira Calças, j. 18/10/16)

Ao recorrente compete adotar as providências necessárias para o georreferenciamento, inclusive com uso das medidas judiciais que se mostrarem úteis a tanto, se o caso, à vista da alegação de que não adentrou na posse do bem.

De outro bordo, a ausência de cientificação de qualquer terceiro que figure como senhorio direto, credor com garantia real, ou com penhora anteriormente averbada, nos moldes do art. 698 da Lei Processual Civil vigente ao tempo dos fatos, cuja ideia veio grafada no art. 889 do Novo Diploma Processual Civil, não acarreta vício à arrematação, que será, outrossim, ineficaz perante terceiros que não tenham sido cientificados a tempo e modo. Válida, porém, para todos os efeitos, de tal arte que tal motivo não ensejaria óbice ao registro.

Cumpre rememorar a sedimentada orientação jurisprudencial acerca do tema, consolidada em decisão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

“Por fim, alega a recorrente que o acórdão impugnado violou o art. 698 do CPC ao invalidar a arrematação em virtude da ausência de intimação do credor hipotecário sobre a hasta pública. Isso porque referido dispositivo deveria ter sua aplicação conjugada com o art. 619 do mesmo diploma legal, resultando, apenas, na ineficácia da arrematação em relação ao credor com garantia real, e não na sua invalidade. Em outras palavras, a arrematação é plenamente válida para o processo em que se realizou, porém é ineficaz em relação ao credor hipotecário, de modo que o bem passa ao arrematante com o gravame.

Conquanto o art. 698 do CPC possua redação incisiva (“não se efetuará”), fato é que não aponta cominação específica de nulidade pela sua inobservância, o que traz a lume a regra do art. 244 do CPC, a recomendar que se considere válido o ato se, realizado de forma diversa da prevista, alcançar sua finalidade e ainda não redundar em prejuízo.

A respeito, leciona ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS que o art. 698 do CPC: “[…] não disciplinou nenhum caso de nulidade absoluta por interesse público, nem é norma cogente que obrigue decretação, de ofício, de nulidade. Usando tais expressões, o art. 698 faz entender que, antes da praça, dando pela falta, o juiz deve mandar fazer a intimação, não para que se evite nulidade, mas a prejudicial ineficácia, com relação ao credor hipotecário e senhorio direto.” (Manual de Direito Processual Civil, vol. 2, 10ª ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 166.)

Essa ineficácia vem expressamente consignada no art. 619 do CPC e também no art. 826 do Código Civil de 1916 (correspondente ao art. 1.501 do CC/2002), o que afasta a ocorrência de prejuízo para o credor hipotecário. Leia-se, a propósito, a lição de AMÍLCAR DE CASTRO:

“E o art. 619, com perfeita técnica jurídica, estabelece que a alienação será ineficaz em relação ao beneficiário do ônus, que não houver sido intimado. Não será nula, porque o beneficiário do ônus não tem necessidade de anulá-la. Se a alienação não extingue o ônus, está claro que o beneficiário deste não tem interesse, de qualquer espécie, em anulá-la, podendo, como pode, exercer normalmente suas ações de seqüela e preferência.

É certo que o art. 826 do CC declara que a arrematação ‘não será válida’, mas estas três palavras o que significam é que a arrematação ‘não será operante’, relativamente ao beneficiário do ônus: para este será como se não existisse. Como coisa realizada entre terceiros, é ineficaz relativamente ao credor não intimado, conquanto possa ser válida entre o executado e o terceiro adquirente.” (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p. 149.)

Não por outra razão é que o Banco Bamerindus, em suas contrarrazões ao presente recurso especial, consignou que seu objetivo era “RETORNAR o imóvel livre para que pudesse levá-lo a alienação judicial em sua Execução”razão pela qual requereu “a ineficácia da arrematação perante ele, credor hipotecário”, embora o resultado trazido pelo acórdão recorrido tenha, igualmente, atendido seu objetivo.

Não se desconhece que o parágrafo único do art. 694 do CPC previa, como uma das possibilidades de desfazimento da arrematação, a inobservância da regra insculpida no art. 698. Com o advento da Lei n. 11.382/2006, a matéria passou a ser tratada no § 1º, e optou o legislador pela supressão de efeitos da arrematação em vez de seu desfazimento. Essa alteração legislativa, por certo, objetivou fazer com que ambos os dispositivos (arts. 619 e 698) gravitem em torno da mesma ideia de ineficácia da arrematação.

Assim, inexistindo cominação de nulidade pela inobservância da intimação do credor hipotecário, determinada pelo art. 698 do CPC, e não havendo demonstração de prejuízo, tem esta Corte aplicado o princípio do aproveitamento racional dos atos processuais, evitando a declaração de nulidade.

A tese da recorrente encontra eco na jurisprudência do STJ. Com efeito, vários são os precedentes que afastam a nulidade da arrematação realizada sem a prévia do credor hipotecário, ressalvando apenas a ineficácia em relação a ele. Nesse sentido: AgRg na MC n. 16.022/SP, Terceira Turma, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe de 14.5.2010; REsp n. 704.006/ES, Quarta Turma, relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJ de 12.3.2007; AgRg no REsp n. 345.902/SP, Quarta Turma, relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJ de 2.4.2007; REsp n. 55.016/MG, Terceira Turma, relator Ministro Menezes Direito, DJ de 31.3.1997; e REsp n. 1.269.474/SP, Terceira Turma, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe de 13.12.2011, este último assim ementado:

“PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. IMÓVEL. PENHORA. INDISPONIBILIDADE. ART. 53, § 1º, DA LEI 8.212/91. NOVA PENHORA EM OUTRO PROCESSO. POSSIBILIDADE. ARREMATAÇÃO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO CREDOR HIPOTECÁRIO. EFICÁCIA DO ATO FRENTE AO EXECUTADO E AO ARREMATANTE. ALIENAÇÃO JUDICIAL DE BEM PENHORADO. LAPSO TEMPORAL RAZOÁVEL ENTRE A AVALIAÇÃO DO BEM E A HASTA PÚBLICA. REAVALIAÇÃO. DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE. SIMPLES ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA.

[…]

3. A arrematação levada a efeito sem intimação do credor hipotecário é inoperante relativamente a este, não obstante que seja eficaz entre executado e arrematante. Precedentes.

[…]

5. Recurso especial provido.”

Fica assegurado o direito de regresso do arrematante contra o devedor.” (RESP 1.219.329 RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 29/4/14)

Por fim, também descabida a imposição de comprovação da adimplência do ITR, como condição para o registro. A exigência está fundada no item 59.2 do Capítulo XX das NSCGJ, que, a seu turno, remete ao art. 9º, §5º, do Decreto 4449/02:

“59.2. A descrição georreferenciada constante do memorial descritivo certificado pelo INCRA será averbada para o fim da alínea “a” do item 3 do inciso II do parágrafo 1º do artigo 176 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, medianterequerimento do titular do domínio nos termos do parágrafo 5º do artigo 9º do Decreto nº 4.449, de 30 de outubro de 2002, e apresentação de documento de aquiescência da unanimidade dos confrontantes tabulares na forma do parágrafo 6º do mesmo artigo, exigido o reconhecimento de todas as suas firmas.”

“§ 5º O memorial descritivo, que de qualquer modo possa alterar o registro, resultará numa nova matrícula com encerramento da matrícula anterior no serviço de registro de imóveis competente, mediante requerimento do interessado, contendo declaração firmada sob pena de responsabilidade civil e criminal, com firma reconhecida, de que foram respeitados os direitos dos confrontantes, acompanhado da certificação prevista no § 1º deste artigo, do CCIR e da prova de quitação do ITR dos últimos cinco exercícios, quando for o caso.”

Frise-se a explícita ressalva ao final do dispositivo (“quando for o caso”). E, na hipótese versada, a questão há de ser analisada sob a ótica do item 119.1, Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ:

“119.1. Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais.”

Poder-se-ia argumentar, ainda, que a exigibilidade adviria do art. 21 da Lei 9393/96:

“Art. 21. É obrigatória a comprovação do pagamento do ITR, referente aos cinco últimos exercícios, para serem praticados quaisquer dos atos previstos nos arts. 167 e 168 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei dos Registros Públicos),observada a ressalva prevista no caput do artigo anterior, in fine.”

Todavia, consagrou o Excelso Pretório a impossibilidade de se impor comprovação de quitação tributária como condição para a prática de atos civis, a caracterizar inadmissível sanção política (ADI n.º 173/DF e ADI n.º 394/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 25.9.2008).

Para o mesmo Norte aponta a jurisprudência deste E. CSM, como se vê do seguinte aresto, de minha relatoria:

“Não se justifica, igualmente, por variadas e diferentes causas, a exibição de CNDs (certidões negativas de débitos previdenciários e tributários), seja porque também sem relação com o registro pretendido, seja porque originária a aquisição da propriedade e, por isso, inocorrente alienação de imóvel, pressuposto de incidência do art. 47, I, b, da Lei nº 8.212/1991 http://www.kollemata.com.br/ – _edn22, seja diante da contemporânea compreensão do C. CSM, iluminada por diretriz estabelecida pela Corte Suprem, a dispensá-la, porquanto a exigência, uma vez mantida, prestigiaria vedada sanção política.

Em atenção a esse último fundamento, a confirmação da exigência importaria, na situação em apreço, uma restrição indevida ao acesso de título à tábua registral, imposta como forma oblíqua, instrumentalizada para, ao arrepio e distante do devido processo legal, desvinculada da inscrição visada e contrária à eficiência e segurança jurídica ínsitas ao sistema registral, forçar, constranger o contribuinte ao pagamento de tributo.

Caracterizaria, em síntese, restrição a interesses privados em desacordo com a orientação do E. STF, a qual se alinhou este C. CSM, e, nessa trilha, incompatível com limitações inerentes ao devido processo legal, porque mascararia uma cobrança por quem não é a autoridade competente, longe do procedimento adequado à defesa dos direitos do contribuinte, em atividade estranha à fiscalização que lhe foi cometida, ao seu fundamento e fins legais, dado que as obrigações tributárias em foco não decorrem do ato registral intencionado.

Conforme Humberto Ávila, “a cobrança de tributos é atividade vinculada procedimentalmente pelo devido processo legal, passando a importar quem pratica o ato administrativo, como e dentro de que limites o faz, mesmo que – e isto é essencial – não haja regra expressa ou a que seja prevista estabeleça o contrário.”

Na mesma direção, sob inspiração desses precedentes, escudado no ideal de protetividade dos direitos do contribuinte, na eficácia e na função bloqueadora próprios do princípio do devido processo legal, segue o subitem 119.1. do Cap. XX das NSCGJ, consoante o qual, “com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais.”

Com essas considerações, suficientes para afastar, in concreto, toda e qualquer exigência ligada à comprovação de pagamento ou de inexistência de débitos fiscais desatrelados do registro idealizado, é oportuno, em acréscimo, e particularmentequanto ao ITR (imposto sobre propriedade territorial rural), tendo em vista o comando emergente do art. 21, caput, da Lei nº 9.393/1966, realçar, à luz do acima argumentado, adesnecessidade de comprovação de seu pagamento, a ser fiscalizado e perseguido pela União, pela Fazenda Pública Federal ou, nos termos do art. 153, § 4.º, III, da CF, pelos Municípios. Dela (a comprovação), portanto, independe o registro.” (Apelação nº 0002001-88.2012.8.26.0146, j. 21/6/16)

Em idêntico sentido, Apelação Cível n.º 0013759-77.2012.8.26.0562, rel. Des. Renato Nalini, j. 17.1.2013; Apelação Cível n.º 0021311-24.2012.8.26.0100, rel. Des. Renato Nalini, j. 17.1.2013; Apelação Cível n.º 0013693-47.2012.8.26.0320, rel. Des. Renato Nalini, j. 18.4.2013; Apelação Cível n.º 9000004-83.2011.8.26.0296, rel. Des. Renato Nalini, j. 26.9.2013; e Apelação Cível n.º 0002289-35.2013.8.26.0426, rel. Des. Hamilton Elliot Akel, j. 26.8.2014.

Desta feita, por meu voto, deixo de conhecer do recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação Cível 3003527-23.2013.8.26.0137 SEMA

Dúvida de registro

VOTO 52.040 (com divergência):

1. Acompanho a conclusão do respeitável voto de Relatoria.

2. Peço reverente licença, entretanto, para não aderir à “análise de mérito” a que se lançou apósafirmar não conhecer do recurso.

3. Ao registrador público, tendo afirmada, per naturam legemque positam, a independência naqualificação jurídica (vide arts. 3º e 28 da Lei n. 8.935, de 18-11-1994), não parece possam impor-se, nessa esfera de qualificação, “orientações” prévias e abstratas de caráter hierárquico.

Assim, o registrador tem o dever de qualificação jurídica e o direito de efetivá-la com independência profissional, in suo ordine.

4. Vem a propósito que a colenda Corregedoria Geral da Justiça paulista, em seu código de normas, enuncia:

“Os oficiais de Registro de Imóveis gozam de independência jurídica no exercício de suas funções e exercem essa prerrogativa quando interpretam disposição legal ou normativa. (…)” (item 9º do cap. XX das “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”).

5. Se o que basta não bastara, calha que os órgãos dotados de potestas para editar regrastécnicas relativas aos registros públicos são os juízescompetentes para o exercício da função correcional (o que inclui a egrégia Corregedoria Geral da Justiça; cf. inc. XIV do art. 29 da Lei n. 8.935/1994). Essa função de corregedoria dos registros, em instância administrativa final no Estado de São Paulo, nãocompete a este Conselho Superior da Magistratura, Conselho que, a meu ver, não detém, ao revés do que respeitavelmente entendeu o venerando voto de relação, “poder disciplinador” sobre os registros e as notas (v., a propósito, os incs. XVII a XXXIII do art. 28 do Regimento Interno deste Tribunal).

6. Averbo, por fim, que a admitir-se a pretendida força normativa da ventilada “orientação”, não só os juízes corregedores permanentes estariam jungidos a observá-la, mas também as futuras composições deste mesmo Conselho.

Deste modo, voto no sentido de que se exclua a r. “orientação para casos similares”.

É, da veniam, o meu voto.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público (DJe de 22.01.2018 – SP)

Fonte: INR Publicações.

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