Processual civil – Direito civil – Embargos de divergência – Bem de família oferecido em garantia hipotecária pelos únicos sócios da pessoa jurídica devedora – Impenhorabilidade – Exceção – Ônus da prova


  
 

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 848.498 – PR (2016/0003969-4)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

EMBARGANTE : ADAIR BUENO DE GODOY

EMBARGANTE : VERA CONCEIÇÃO ORTEGA DE GODOY

ADVOGADOS : MARCUS VINICIUS ALI AMIN E OUTRO(S) – PR022264

RÔMULO MARTINS NAGIB – DF019015

LUIS GUSTAVO ORRIGO FERREIRA MENDES – DF045233

MARIELLE ORRIGO FERREIRA MENDES – DF043130

EMBARGADO : RAÍZEN COMBUSTÍVEIS S/A

ADVOGADOS : RENATA BARBOSA FONTES E OUTRO(S) – DF008203

AUGUSTO PASTUCH DE ALMEIDA E OUTRO(S) – PR029178

MARINA FONTES DE RESENDE E OUTRO(S) – DF044873

YVE CARPI DE SOUZA E OUTRO(S) – RJ120323

ADVOCACIA FONTES ADVOGADOS ASSOCIADOS S/S – DF061500

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. BEM DE FAMÍLIA OFERECIDO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA PELOS ÚNICOS SÓCIOS DA PESSOA JURÍDICA DEVEDORA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO. ÔNUS DA PROVA. PROPRIETÁRIOS.

1. O art. 1º da Lei n. 8.009/1990 instituiu a impenhorabilidade do bem de família, haja vista se tratar de instrumento de tutela do direito fundamental à moradia da família e, portanto, indispensável à composição de um mínimo existencial para uma vida digna, ao passo que o art. 3º, inciso V, desse diploma estabelece, como exceção à regra geral, a penhorabilidade do imóvel que tiver sido oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.

2. No ponto, a jurisprudência desta Casa se sedimentou, em síntese, no seguinte sentido: a) o bem de família é impenhorável, quando for dado em garantia real de dívida por um dos sócios da pessoa jurídica devedora, cabendo ao credor o ônus da prova de que o proveito se reverteu à entidade familiar; e b) o bem de família é penhorável, quando os únicos sócios da empresa devedora são os titulares do imóvel hipotecado, sendo ônus dos proprietários a demonstração de que a família não se beneficiou dos valores auferidos.

3. No caso, os únicos sócios da empresa executada são os proprietários do imóvel dado em garantia, não havendo se falar em impenhorabilidade.

4. Embargos de divergência não providos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento aos embargos de divergência, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª Região) e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

Sustentou oralmente o Dr. Hugo Lemes de Oliveira, pelos embargantes Adair Bueno de Godoy e Outra.

Consignada a presença do Dr. Rodrigo Zanatta Machado, representante da embargada Raízen Combustíveis S/A.

Brasília (DF), 25 de abril de 2018(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Trata-se de embargos de divergência interpostos contra acórdão proferido pela Terceira Turma, assim ementado:

AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. IMPENHORABILIDADE. BEM IMÓVEL. GARANTIA HIPOTECÁRIA. PESSOA JURÍDICA. ÚNICOS SÓCIOS. CÔNJUGES. PROPRIETÁRIOS DO IMÓVEL. BENEFÍCIO. ENTIDADE FAMILIAR. PRESUNÇÃO. PRECEDENTES.

1. Segundo a jurisprudência desta Corte, é possível a penhora de imóvel dado em garantia hipotecária de dívida contraída em favor de pessoa jurídica da qual são únicos sócios os cônjuges, proprietários do imóvel, pois o benefício gerado aos integrantes da família nesse caso é presumido.

2. Agravo interno não provido.

Sustentam dissídio jurisprudencial com acórdãos prolatados pela Quarta Turma:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NO BOJO DE DEMANDA DE EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR SOLVENTE – IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA – REEXAME DE PROVAS – SÚMULA 7/STJ – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONHECEU DO AGRAVO PARA NEGAR SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. INSURGÊNCIA DA EXEQUENTE.

1. É iterativa a jurisprudência deste e. Superior Tribunal de Justiça que entende ser admissível a penhora do bem de família hipotecado quando a garantia real for prestada em benefício da própria entidade familiar, e não para assegurar empréstimo obtido por terceiro ou pessoa jurídica, sendo vedado se presumir que a garantia fora dada em benefício da família, para, assim, afastar a impenhorabilidade do bem com base no art. 3º, V, da Lei n. 8.009/90. Alterar a conclusão do Tribunal de origem – de que a dívida decorrente da hipoteca não se reverteu em prol da família -, enseja o reexame de provas e, consequentemente a incidência da Súmula 7/STJ.

2. A impenhorabilidade do bem de família é irrenunciável pela vontade do seu titular por tratar-se de um princípio relativo às questões de ordem pública. O escopo da proteção ao bem de família é a proteção da própria entidade familiar e não do patrimônio do devedor em face de suas dívidas, devendo as exceções à impenhorabilidade serem interpretadas restritivamente à hipótese prevista em lei. Incidência da Súmula 83/STJ. Precedentes.

3. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no Ag 1355749/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 26/05/2015, DJe 01/06/2015)

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PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. IMÓVEL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. PROVA DE QUE O IMÓVEL PENHORADO É O ÚNICO DE PROPRIEDADE DO DEVEDOR. DESNECESSIDADE. EXCEÇÃO DO ART. 3º, V, DA LEI 8.009/90. INAPLICABILIDADE. DÍVIDA DE TERCEIRO. PESSOA JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO DE QUE A DÍVIDA FORA CONTRAÍDA EM FAVOR DA ENTIDADE FAMILIAR. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO.

1. Para que seja reconhecida a impenhorabilidade do bem de família, não é necessária a prova de que o imóvel em que reside a família do devedor é o único de sua propriedade.

2. Não se pode presumir que a garantia tenha sido dada em benefício da família, para, assim, afastar a impenhorabilidade do bem com base no art. 3º, V, da Lei 8.009/90.

3. Somente é admissível a penhora do bem de família hipotecado quando a garantia foi prestada em benefício da própria entidade familiar, e não para assegurar empréstimo obtido por terceiro.

4. Na hipótese dos autos, a hipoteca foi dada em garantia de dívida de terceiro, sociedade empresária, a qual celebrou contrato de mútuo com o banco. Desse modo, a garantia da hipoteca, cujo objeto era o imóvel residencial dos ora recorrentes, foi feita em favor da pessoa jurídica, e não em benefício próprio dos titulares ou de sua família, ainda que únicos sócios da empresa, o que afasta a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no inciso V do art. 3º da Lei 8.009/90.

5. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 988.915/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 15/05/2012, DJe 08/06/2012)

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Originalmente, a sociedade Raízen Combustíveis S.A., ora embargada, interpôs agravo de instrumento contra decisão que, em sede de execução hipotecária decorrente do inadimplemento, pelos ora embargantes, de contrato de confissão de dívida, declarou a impenhorabilidade do imóvel constrito (fls. 737-738).

O Tribunal estadual negou provimento ao recurso (fls. 811-821):

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE DECLAROU A IMPENHORABILIDADE DO BEM DADO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA. INSURGÊNCIA DO EXEQUENTE.

1. TESE DE PRECLUSÃO QUANTO À ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DO BEM DADO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA CONFORME ARTS. 471 E 473 DO CPC. AFASTADA. DECISÃO ANTERIOR QUE TÃO SOMENTE ANALISOU E INDEFERIU A SUBSTITUIÇÃO DA PENHORA.

2. ALEGAÇÃO DE RENÚNCIA À IMPENHORABILIDADE E APLICAÇÃO DO ART. 3º, INCISO V DA LEI Nº 8.009/90. INAPLICABILIDADE DESTE DISPOSITIVO. HIPOTECA DADA EM GARANTIA EM EMPRÉSTIMO CONTRAÍDO PELA SOCIEDADE E NÃO EM BENEFÍCIO DA FAMÍLIA. PRECEDENTES.

3. PROVA DE QUE O BEM É O ÚNICO IMÓVEL DE PROPRIEDADE DO DEVEDOR. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Em um primeiro momento, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do recurso especial, proferiu decisão, no sentido da impenhorabilidade do imóvel dado pelos sócios como garantia de empréstimo concedido à pessoa jurídica, adotando os fundamentos do acórdão recorrido, que afastou a presunção de reversão, em proveito da entidade familiar, dos valores auferidos.

Contudo, verificando que os únicos sócios da empresa devedora eram os proprietários do imóvel, deu provimento ao agravo regimental, intentado pela ora embargada, para reconhecer a penhorabilidade desse bem.

Em agravo interno, a Terceira Turma manteve esse entendimento, tendo sido interpostos os presentes embargos de divergência.

3. Cinge-se a controvérsia, portanto, à possibilidade de penhora do imóvel dado em garantia hipotecária de dívida contraída em favor de pessoa jurídica, da qual são únicos sócios os proprietários do bem (são casados), em virtude da presunção do benefício gerado aos integrantes da família.

No tocante ao primeiro paradigma – AgRg no Ag 1.355.749/SP -, não se verifica similitude fática, tendo em vista que, naquele caso, a penhora do imóvel foi determinada em razão de dívida de terceiro, não tendo sido o proprietário do imóvel nem mesmo sócio da pessoa jurídica executada.

É o que se verifica do seguinte trecho do voto condutor do acórdão proferido pelo Tribunal a quo:

O imóvel em questão foi dado em hipoteca como garantia hipotecária de dívida contraída por Starmoto Ltda, da qual sequer o agravante é sócio (fls. 46/52).

Dessarte, não se conhece dos embargos de divergência quanto a esse aresto.

4. Em relação ao segundo julgado paradigmático – REsp 988.915/SP -, encontra-se comprovada a divergência, tendo em vista: a) a similitude fática, uma vez que a controvérsia, naquele caso concreto, disse respeito exatamente à mesma questão ora aventada, qual seja a possibilidade de excussão do bem de família oferecido em hipoteca pelos únicos sócios da pessoa jurídica devedora; e b) a dissensão das decisões cotejadas.

4.1. Com efeito, a Lei n. 8.009/1990 instituiu a impenhorabilidade do bem de família como instrumento de tutela do direito fundamental à moradia da família e, portanto, indispensável à composição de um mínimo existencial para uma vida digna.

O art. 1º da referida lei dispõe:

Art. 1º. O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Por sua vez, o artigo 3º desse diploma legal estabelece as exceções à regra geral, preconizando, no inciso V, a penhorabilidade do imóvel que tiver sido oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.

A jurisprudência desta Casa, sensível à importância social do direito à moradia, interpretou esse dispositivo legal no sentido da necessidade de comprovação, pelo credor, de que a dívida contraída pela pessoa jurídica tenha sido revertida em benefício da própria entidade familiar.

Na mesma linha, entendeu que, ainda que a titularidade do imóvel pertencesse a um dos sócios da pessoa jurídica, em favor da qual fora instituída a hipoteca, a exceção legal não estaria automaticamente configurada, demandando, da mesma forma, prova de que os proprietários do imóvel dado em garantia teriam se favorecido com o montante auferido.

Nessa direção, entre outros, os seguintes precedentes:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. 1. PENHORA. IMÓVEL RESIDENCIAL. ÚNICO BEM. IMPENHORABILIDADE. BEM DE FAMÍLIA. LEI N. 8.009/1990. A MORTE DO DEVEDOR NÃO FAZ CESSAR AUTOMATICAMENTE A IMPENHORABILIDADE DO IMÓVEL CARACTERIZADO COMO BEM DE FAMÍLIA. GARANTIA ESTENDIDA À FAMÍLIA. SÚMULA 83/STJ. 2. IMÓVEL DOS SÓCIOS DADO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA. IMPENHORABILIDADE. SITUAÇÃO DIVERSA DA EXCEÇÃO PREVISTA NA LEI 8.009/1990, ART. 3º, V. SÚMULA 83/STJ. 3. ÚNICO IMÓVEL UTILIZADO PELA ENTIDADE FAMILIAR. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. SÚMULA N. 7/STJ. 4. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. A morte do devedor não faz cessar automaticamente a impenhorabilidade do imóvel caracterizado como bem de família nem o torna apto a ser penhorado para garantir pagamento futuro de seus credores.

2. “Ainda que dado em garantia de empréstimo concedido a pessoa jurídica, é impenhorável o imóvel de sócio se ele constitui bem de família, porquanto a regra protetiva, de ordem pública, aliada à personalidade jurídica própria da empresa, não admite presumir que o mútuo tenha sido concedido em benefício da pessoa física, situação diversa da hipoteca prevista na exceção consignada no inciso V, do art. 3º, da Lei n. 8.009/1990”(REsp 302.186/RJ, Rel. Ministro Barros Monteiro, Rel. p/ Acórdão Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 11/12/2001, DJ 21/2/2005, p. 182)

3. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que compete às instâncias ordinárias exercer juízo acerca da necessidade ou não de dilação probatória, haja vista sua proximidade com as circunstâncias fáticas da causa, cujo reexame é vedado no âmbito do recurso especial, consoante o enunciado n. 7 da Súmula deste Tribunal.

4. Agravo interno desprovido.

(AgInt no AREsp 1130591/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 15/12/2017)

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PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. IMÓVEL OFERECIDO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA PELO SÓCIO. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. FINANCIAMENTO EM PROVEITO DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA. EXCEÇÃO DO ART. 3º, V, DA LEI N. 8.009/1990 NÃO CONFIGURADA. I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II – O acórdão recorrido está em confronto com orientação desta Corte, segundo a qual somente é possível a penhora do bem de família oferecido em garantia, nos termos do inciso V, do art. 3º da Lei n. 8.009/90, na hipótese de a garantia ter sido prestada em benefício da entidade familiar, não de terceiro. III – Recurso especial provido.

(REsp 1370312/RJ, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/03/2017, DJe 21/03/2017)

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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE BEM CONSIDERADO COMO DE FAMÍLIA. HIPOTECA CONSTITUÍDA PELO COMPANHEIRO DA EMBARGANTE COMO GARANTIA DE DÍVIDA DA PESSOA JURÍDICA DA QUAL COMPÕE O QUADRO SOCIETÁRIO. IMPENHORABILIDADE. NÃO INCIDÊNCIA DA EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 3º, V, DA LEI N. 8.009/90. ÔNUS DA PROVA DO EXEQUENTE. INEXISTÊNCIA DE QUAISQUER DOS VÍCIOS PREVISTO NO ART. 535 DO CPC. PRETENSÃO DE REFORMA DA DECISÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.

(EDcl no AgRg no REsp 1.292.098/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/12/2014, DJe de 16/12/2014)

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Agravo no agravo de instrumento. Recurso especial. Impenhorabilidade do bem de família. Dívida de pessoa jurídica garantida por hipoteca.

– Ainda que dado em garantia de empréstimo concedido a pessoa jurídica, é impenhorável o imóvel de sócio se ele constitui bem de família, porquanto a regra protetiva, de ordem pública, aliada à personalidade jurídica própria da empresa, não admite presumir que o mútuo tenha sido concedido em benefício da pessoa física, situação diversa da hipoteca prevista na exceção consignada no inciso V, do art. 3º, da Lei n. 8.009/90. (Resp 302.186/RJ, DJ 21/02/2005).

Agravo não provido.

(AgRg no Ag 1067040/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/11/2008, DJe 28/11/2008)

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CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO MOVIDA CONTRA PESSOA JURÍDICA. IMÓVEL DE SÓCIO DADO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA DA EMPRESA. IMPENHORABILIDADE. LEI N. 8.009/90, ART. 3º, V. EXEGESE.

I. Ainda que dado em garantia de empréstimo concedido a pessoa jurídica, é impenhorável o imóvel de sócio se ele constitui bem de família, porquanto a regra protetiva, de ordem pública, aliada à personalidade jurídica própria da empresa, não admite presumir que o mútuo tenha sido concedido em benefício da pessoa física, situação diversa da hipoteca prevista na exceção consignada no inciso V, do art. 3º, da Lei n. 8.009/90.

II. Embargos de declaração recebidos como agravo, mas desprovidos.

(AgRg no REsp 1026182/MT, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 04/08/2009, DJe 31/08/2009)

4.2. Contudo, no caso, os únicos sócios da empresa executada são os proprietários do imóvel dado em garantia, o que já ensejou jurisprudência divergente nesta Corte Superior, demandando, portanto, a manifestação da Segunda Seção, com vistas a promover a unicidade na interpretação e na conformação da lei federal.

De um lado, colacionam-se os seguintes julgados, que concluíram pela impenhorabilidade do bem de família nessas circunstâncias:

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. IMÓVEL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. PROVA DE QUE O IMÓVEL PENHORADO É O ÚNICO DE PROPRIEDADE DO DEVEDOR. DESNECESSIDADE. EXCEÇÃO DO ART. 3º, V, DA LEI 8.009/90. INAPLICABILIDADE. DÍVIDA DE TERCEIRO. PESSOA JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO DE QUE A DÍVIDA FORA CONTRAÍDA EM FAVOR DA ENTIDADE FAMILIAR. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO.

1. Para que seja reconhecida a impenhorabilidade do bem de família, não é necessária a prova de que o imóvel em que reside a família do devedor é o único de sua propriedade.

2. Não se pode presumir que a garantia tenha sido dada em benefício da família, para, assim, afastar a impenhorabilidade do bem com base no art. 3º, V, da Lei 8.009/90.

3. Somente é admissível a penhora do bem de família hipotecado quando a garantia foi prestada em benefício da própria entidade familiar, e não para assegurar empréstimo obtido por terceiro.

4. Na hipótese dos autos, a hipoteca foi dada em garantia de dívida de terceiro, sociedade empresária, a qual celebrou contrato de mútuo com o banco. Desse modo, a garantia da hipoteca, cujo objeto era o imóvel residencial dos ora recorrentes, foi feita em favor da pessoa jurídica, e não em benefício próprio dos titulares ou de sua família, ainda que únicos sócios da empresa, o que afasta a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no inciso V do art. 3º da Lei 8.009/90.

5. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 988.915/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 15/05/2012, DJe 08/06/2012)

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RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL DOS SÓCIOS DADO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA DE DÍVIDA CONTRAÍDA EM FAVOR DA EMPRESA. IMPENHORABILIDADE RECONHECIDA.

1. A exceção do inciso V do art. 3º da Lei 8.009/90 deve se restringir aos casos em que a hipoteca é instituída como garantia da própria dívida, constituindo-se os devedores em beneficiários diretos, situação diferente do caso sob apreço, no qual a dívida foi contraída pela empresa familiar, ente que não se confunde com a pessoa dos sócios.

2. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 1022735/RS, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 18/02/2010)

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PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA – BEM DE FAMÍLIA – IMPENHORABILIDADE – IMÓVEL DE PROPRIEDADE DE SOCIEDADE COMERCIAL RESIDÊNCIA DOS DOIS ÚNICOS SÓCIOS – EMPRESA FAMILIAR – PRECEDENTES.

1. A Lei n. 8.009/90 estabeleceu a impenhorabilidade do bem de família, incluindo na série o imóvel destinado à moradia do casal ou da entidade familiar, a teor do disposto em seu art. 1º.

2. Sendo a finalidade da Lei n. 8.009/90 a proteção da habitação familiar, na hipótese dos autos, demonstra-se o acerto da decisão de primeiro grau, corroborada pela Corte de origem, que reconheceu a impenhorabilidade do único imóvel onde reside a família do sócio, apesar de ser da propriedade da empresa executada, tendo em vista que a empresa é eminentemente familiar.

Recurso especial improvido.

(REsp 1024394/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/03/2008, DJe 14/03/2008)

De outro lado, verifica-se que a jurisprudência mais recente desta Corte Superior tem adotado posicionamento no sentido da penhorabilidade do bem de família:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. NÃO RECONHECIMENTO. EMPRESA FAMILIAR. PESSOA JURÍDICA. DÍVIDA EM PROL DA FAMÍLIA. SÚMULA Nº 568/STJ. INVERSÃO DO JULGADO. AFASTAMENTO DO PROVEITO FAMILIAR. REEXAME DE PROVAS.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. É firme a orientação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o imóvel ofertado pelo sócio em garantia de dívida contraída pela pessoa jurídica em benefício da família é penhorável, nos termos da exceção prevista no art. 3º, inc. V, da Lei nº 8.009/1990. Precedentes.

3. Afastar a premissa reconhecida pelos julgadores de origem, no sentido de que a dívida foi contraída em benefício da família, é providência vedada em recurso especial pelo óbice da Súmula nº 7/STJ.

4. Agravo interno não provido.

(AgInt no AREsp 1106676/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 02/02/2018)

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AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/73) – AÇÃO ORDINÁRIA – IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE, RECONSIDERANDO DECISÃO DO MINISTRO RESPONSÁVEL PELO NURER DA 2ª SEÇÃO, CONHECEU DO AGRAVO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. INSURGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.

1. É iterativa a jurisprudência deste e. Superior Tribunal de Justiça que entende ser admissível a penhora do bem de família hipotecado quando a garantia real for prestada em benefício da própria entidade familiar, e não para assegurar empréstimo obtido por terceiro ou pessoa jurídica, sendo vedado se presumir que a garantia fora dada em benefício da família, para, assim, afastar a impenhorabilidade do bem com base no art. 3º, V, da Lei n. 8.009/90.

2. Conforme já decidiu esta Corte Superior, será presumido o benefício gerado à entidade familiar nas hipóteses em que a dívida for contraída por empresa cujos únicos sócios são marido e mulher, ou quando se tratar de firma individual, salvo nos casos em que o proprietário do bem objeto da constrição comprovar que o benefício não foi revertido para a família.

3. Agravo interno desprovido.

(AgInt no AgInt no AREsp 927.036/MG, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 24/10/2017, DJe 10/11/2017)

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AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. BEM DE FAMÍLIA DADO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA DE DÍVIDA CONTRAÍDA POR EMPRESA FAMILIAR. PRESUNÇÃO DE QUE O NEGÓCIO JURÍDICO GARANTIDO PELO IMÓVEL REVERTEU EM BENEFÍCIO DA ENTIDADE FAMILIAR. IMPOSSIBILIDADE DE SE INVOCAR O FAVOR LEGAL DE IMPENHORABILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.

1. “A impenhorabilidade do imóvel único residencial, nas hipóteses em que oferecido como garantia hipotecária de dívida contraída por empresa familiar, somente é oponível quando seus proprietários demonstrarem que a família não se beneficiou do ato de disposição” (REsp nº 1.421.140/PR, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJe 20/6/2014). Nos casos de sociedade empresária cujos únicos sócios são marido e mulher, como na hipótese dos autos, há presunção de que os integrantes da família se beneficiaram do contrato. Precedentes.

2. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no REsp 1480892/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/09/2015, DJe 16/09/2015)

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RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO INDUSTRIAL. BEM DE FAMÍLIA OFERECIDO EM GARANTIA REAL HIPOTECÁRIA. PESSOA JURÍDICA. SÓCIOS MARIDO E MULHER. HIPÓTESE DE EXCEÇÃO À REGRA DA IMPENHORABILIDADE PREVISTA NO ART.3º, V, DA LEI N. 8.009/1990. PROVIMENTO.

1. É autorizada a penhora do bem de família quando dado em garantida hipotecária da dívida contraída em favor da sociedade empresária, da qual são únicos sócios marido e mulher. Precedente: REsp 1.413.717 / PR, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, DJe 29/11/2013).

2. Recurso Especial provido.

(REsp 1435071/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/05/2014, DJe 06/06/2014)

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CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. DESCABIMENTO. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 283/STF. BEM DE FAMÍLIA OFERECIDO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA. PESSOA JURÍDICA DEVEDORA. ÚNICOS SÓCIOS. MARIDO E MULHER. EMPRESA FAMILIAR. DISPOSIÇÃO QUE REVERTEU EM BENEFÍCIO DA UNIDADE FAMILIAR. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO. ÔNUS DA PROVA. PROPRIETÁRIOS.

1 – Execução ajuizada em 27/3/2002. Recurso especial concluso ao Gabinete em 21/11/2013.

2 – Controvérsia que se cinge em definir se é passível de excussão o bem de família oferecido em hipoteca pelos únicos sócios da pessoa jurídica devedora.

[…]

7 – O benefício gerado aos integrantes da família é presumido quando se trata de dívida contraída por empresa cujos únicos sócios são marido e mulher.

8 – A impenhorabilidade do imóvel único residencial, nas hipóteses em que oferecido como garantia hipotecária de dívida contraída por empresa familiar, somente é oponível quando seus proprietários demonstrarem que a família não se beneficiou do ato de disposição.

9 – Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido.

(REsp 1421140/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/06/2014, DJe 20/06/2014)

De fato, o entendimento firmado nesta particular hipótese (a garantia real ser prestada pelos sócios da empresa familiar) teve início com o julgamento, pela Terceira Turma, do REsp 1.413.717/PR, de relatoria da eminente Ministra Nancy Andrighi, cujo acórdão foi assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. BEM DE FAMÍLIA OFERECIDO EM GARANTIA REAL HIPOTECÁRIA. PESSOA JURÍDICA, DEVEDORA PRINCIPAL, CUJOS ÚNICOS SÓCIOS SÃO MARIDO E MULHER. EMPRESA FAMILIAR. DISPOSIÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA QUE SE REVERTEU EM BENEFÍCIO DE TODA UNIDADE FAMILIAR. HIPÓTESE DE EXCEÇÃO À REGRA DA IMPENHORABILIDADE PREVISTA EM LEI. ARTIGO ANALISADO: 3º, INC. V, LEI 8.009/1990.

1. Embargos do devedor opostos em 24/06/2008, do qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 19/08/2013.

2. Discute-se a penhorabilidade de bem de família quando oferecido em garantia real hipotecária de dívida de pessoa jurídica da qual são únicos sócios marido e mulher.

3. O STJ há muito reconhece tratar-se a Lei 8.009/1990 de norma cogente e de ordem pública, enaltecendo seu caráter protecionista e publicista, assegurando-se especial proteção ao bem de família à luz do direito fundamental à moradia, amplamente prestigiado e consagrado pelo texto constitucional (art. 6º, art. 7º, IV, 23, IX, CF/88).

4. Calcada nessas premissas, a jurisprudência está consolidada no sentido de que a impenhorabilidade do bem de família, na hipótese em que este é oferecido em garantia real hipotecária, somente não será oponível quando tal ato de disponibilidade reverte-se em proveito da entidade familiar. Precedentes.

5. Vale dizer, o vetor principal a nortear em especial a interpretação do inc. V do art. 3º da Lei 8.009/1990 vincula-se à aferição acerca da existência (ou não) de benefício à entidade familiar em razão da oneração do bem, de tal modo que se a hipoteca não reverte em vantagem à toda família, favorecendo, v.g., apenas um de seus integrantes, em garantia de dívida de terceiro (a exemplo de uma pessoa jurídica da qual aquele é sócio), prevalece a regra da impenhorabilidade como forma de proteção à família – que conta com especial proteção do Estado; art. 226, CF/88 – e de efetividade ao direito fundamental à moradia (art. 6º, CF/88).

6. É indiscutível a possibilidade de se onerar o bem de família, oferecendo-o em garantia real hipotecária. A par da especial proteção conferida por lei ao instituto, a opção de fazê-lo está inserida no âmbito de liberdade e disponibilidade que detém o proprietário. Como tal, é baliza a ser considerada na interpretação da hipótese de exceção.

7. Em se tratando de exceção à regra da impenhorabilidade – a qual, segundo o contorno conferido pela construção pretoriana, se submete à necessidade de haver benefício à entidade familiar -, e tendo em conta que o natural é a reversão da renda da empresa familiar em favor da família, a presunção deve militar exatamente nesse sentido e não o contrário. A exceção à impenhorabilidade e que favorece o credor está amparada por norma expressa, de tal modo que impor a este o ônus de provar a ausência de benefício à família contraria a própria organicidade hermenêutica, inferindo-se flagrante também a excessiva dificuldade de produção probatória.

8. Sendo razoável presumir que a oneração do bem em favor de empresa familiar beneficiou diretamente a entidade familiar, impõe-se reconhecer, em prestígio e atenção à boa-fé (vedação de venire contra factum proprium ), a autonomia privada e ao regramento legal positivado no tocante à proteção ao bem de família, que eventual prova da inocorrência do benefício direto é ônus de quem prestou a garantia real hipotecária.

9. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, provido.

(REsp 1413717/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/11/2013, DJe 29/11/2013)

Naquele voto lapidar, foi salientado que a oneração do bem de família, mediante o seu oferecimento em garantia hipotecária, está inserida no âmbito de liberdade e disponibilidade do proprietário, o que deve ser levado em consideração na interpretação da hipótese de exceção prevista no art. 3º, inciso V, da Lei n. 8.009/1990.

Desse modo, o cuidado com a preservação do bem de família não deve afastar, peremptoriamente, a observância e o prestígio a valores comezinhos do Direito, tal como a boa-fé objetiva.

Nessa linha de intelecção, ressoando deveras natural que a garantia de dívida de empresa, cujo quadro societário é composto exclusivamente pelo marido e pela mulher, se reverta em favor do casal e, consequentemente, em benefício da entidade familiar, deve a presunção militar nesse sentido.

Constitui-se ônus dos prestadores da garantia real hipotecária, portanto, comprovar a não ocorrência do benefício direto à família, mormente tendo em vista que a imposição de tal encargo ao credor contrariaria a própria organicidade hermenêutica, inferindo-se flagrante também a excessiva dificuldade de produção probatória.

Dessarte, em prestígio e atenção à boa-fé (vedação de venire contra factum proprium ), à autonomia privada e ao regramento legal positivado no tocante à proteção ao bem de família, concluiu-se que, à vista da jurisprudência do STJ – e também em atenção ao disposto na Lei 8.009/1990 -, o proveito à família é presumido quando, em razão da atividade exercida por empresa familiar, o imóvel onde reside o casal (únicos sócios daquela) é onerado com garantia real hipotecária para o bem do negócio empresarial.

No mesmo sentido, foi o voto vencido da ilustre Ministra Maria Isabel Gallotti, proferido no julgamento do acórdão paradigma (REsp 988.915/SP), do qual se extraem os seguintes excertos:

[…] não há como afastar a realidade de que a quitação da dívida da empresa beneficiará direta e integralmente o patrimônio das duas pessoas que prestaram a hipoteca. Se houvesse outros sócios, a conclusão seria diferente, porque a empresa (e consequentemente outros sócios além dos dadores da garantia) seria a beneficiária direta da quitação, não revertendo o valor do bem integralmente em proveito do casal, mas apenas na proporção de suas quotas na empresa.

[…]

Observo que a jurisprudência, no nobre escopo de proteger o direito à moradia familiar, não deve descurar do princípio da boa-fé objetiva, basilar no Código Civil. Quanto menos valor for dado à vontade manifestada pelo devedor, no ato de constituição da garantia hipotecária, sendo ela invalidada no momento em que chamada a cumprir sua finalidade de garantir o pagamento da dívida, mais dificuldade terão os microempresários para conseguir crédito para desenvolver sua atividade econômica. A jurisprudência aparentemente protetiva acaba por prejudicar aqueles mesmos a quem, em princípio, pretendeu a Lei 8.009/90 resguardar, assegurando-lhes o direito de contar com bem apto a servir de garantia.

De fato, tal interpretação é a mais consentânea, não apenas em relação ao direito positivado, mas também no que tange aos princípios que regem o ordenamento jurídico pátrio.

Nelson Rosenvald, ao discorrer sobre os deveres das partes na relação obrigacional, leciona que:

Os deveres de conduta são conduzidos ao negócio jurídico pela boa-fé, destinando-se a resguardar o fiel processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra. Eles incidem tanto sobre o devedor quanto sobre o credor, mediante resguardo dos direitos fundamentais de ambos, a partir de uma ordem de cooperação, proteção e informação, em via de facilitação do adimplemento, tutelando-se a dignidade do devedor e o crédito do titular ativo. (Código Civil comentado. São Paulo: São Paulo, 2010, p. 483.)

Nessa ordem de ideias, não é concebível que o Poder Judiciário chancele a inobservância ao princípio nemo venire contra factum proprium, admitindo que a parte adote comportamento contraditório, ora ofertando o bem à penhora, ora invocando a sua impenhorabilidade, sendo certo que a Lei n. 8.009/1990 tem o escopo de resguardar o direito à moradia e não o de estimular a astúcia.

Dessarte, pode-se assim sintetizar o tema: a) o bem de família é impenhorável quando for dado em garantia real de dívida por um dos sócios da pessoa jurídica, cabendo ao credor o ônus da prova de que o proveito se reverteu à entidade familiar; e b) o bem de família é penhorável quando os únicos sócios da empresa devedora são os titulares do imóvel hipotecado, sendo ônus dos proprietários a demonstração de que não se beneficiaram dos valores auferidos.

5. No caso, consoante consignado pela Terceira Turma, os únicos sócios da empresa devedora eram os proprietários do imóvel dado em garantia da dívida contraída pela pessoa jurídica, não tendo havido prova de que os integrantes da família não foram beneficiados.

Dessarte, deve prevalecer o entendimento perfilhado no acórdão embargado.

6. Ante o exposto, nego provimento aos embargos de divergência. Sem honorários recursais.

É o voto.

Dados do processo:

STJ – EAREsp nº 848.498 – Paraná – 2ª Seção – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJ 07.06.2018

Fonte: INR Publicações.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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