ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2246729-71.2020.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que são agravantes MARIA SAMPAIO FRANCO (ESPÓLIO) e FABIO DE MESQUITA SAMPAIO (INVENTARIANTE), é agravado O JUIZO.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores RUI CASCALDI (Presidente sem voto), CHRISTINE SANTINI E CLAUDIO GODOY.
São Paulo, 16 de novembro de 2020.
FRANCISCO LOUREIRO
Relator
Assinatura Eletrônica
Agravo de Instrumento nº 2246729-71.2020.8.26.0000
Processo de 1ª Inst. nº 0088844-44.2005.8.26.0100
Comarca: SÃO PAULO FORO CENTRAL
Juiz: RICARDO PEREIRA JUNIOR
Agvte: FABIO DE MESQUITA SAMPAIO
Agvdo: O JUÍZO
VOTO Nº. 36.955
INVENTÁRIO. Decisão que afastou o pedido de abatimento de dívidas do espólio da base de cálculo do ITCMD. Monte líquido tributável, correspondente ao monte-mor, deduzidas as dívidas e encargos do de cujus. Inteligência dos artigos 1.792 e 1.997 do Código Civil de 2002, que revogaram o art. 12 da Lei Estadual no 10.705/00. Há inúmeros precedentes que afastam o passivo da base de cálculo do ITCMD. A decisão agravada deve ser mantida, todavia, por fundamento diverso. Documentos que formam o instrumento deixam muito claro que as supostas dívidas, cujo abatimento se pretende, correspondem a honorários advocatícios. Os honorários que o agravante almeja afastar da base de incidência do ITCMD não correspondem a uma dívida do espólio, e sim a uma parcela do crédito indenizatório auferido nos autos da ação de desapropriação. Recurso não provido.
Cuida-se de Agravo de Instrumento, sem pedido de efeito suspensivo, tirado de decisão (fl. 3.879 dos autos físicos de primeira instância; fl. 68 destes autos digitais) que afastou pedido de abatimento de dívidas do espólio da base de cálculo do ITCMD nos autos da sobrepartilha dos bens deixados por MARIA SAMPAIO FRANCO.
Fê-lo o decisum recorrido, na parte que interessa ao presente recurso, nos seguintes termos:
“[…]
Fls. 3824/3829: Recolha-se o ITCMD nos termos estabelecidos no artigo 12 da Lei 10.705/2000, não cabendo, portanto, o abatimento de dívidas do espólio na base de cálculo do Imposto.
P. e Int.”
Aduz o agravante, em apertada síntese, que as dívidas do espólio não integram a base de cálculo do ITCMD. Sustenta que o artigo 12 da Lei Estadual n. 10.705/2000 foi tacitamente revogado.
Em razão do exposto, e pelo que mais argumenta às fls. 01/09, pede, ao final, o provimento do recurso.
Admitido o recurso com fundamento no parágrafo único do art. 1.015 do Código de Processo Civil vigente, de acordo com o qual cabe Agravo de Instrumento contra decisões interlocutórias proferidas no processo de inventário, diante da ausência de pedido de liminar, foi determinado seu processamento.
Não houve oposição ao julgamento virtual.
É o relatório.
O recurso não comporta provimento.
A questão devolvida ao conhecimento do Tribunal neste Agravo versa, em poucas palavras, sobre a base de cálculo do imposto de transmissão causa mortis (ITCMD).
Aludido imposto é espécie de tributo que recai sobre a herança transmitida e incide apenas sobre a parte do montemor transmitida aos herdeiros.
Na lição da melhor doutrina, “o imposto causa mortis tem essa denominação por incidir sobre a transmissão do domínio e da posse dos bens ’em razão da morte’, ou seja, pela abertura da sucessão aos herdeiros legítimos e testamentários. Dá-se, pois, com o óbito do autor da herança, aplicando-se o imposto pela alíquota vigente e conforme o valor atribuído ao bem nessa ocasião” (Sebastião Amorim e Euclides de Oliveira. Inventários e Partilhas, 23ª ed., São Paulo: Leud, 2013, p. 344).
A princípio, indevida a incidência do imposto de transmissão causa mortis (ITCMD) sobre o passivo do espólio.
Não desconheço o teor do artigo 12 da Lei Estadual nº 10.705/2000. Aludido dispositivo reproduzindo o teor do art. 21 da anterior Lei nº 9.591 estabelece para fins de cálculo do ITCMD que não são abatidas quaisquer dívidas que onerem o bem transmitido, nem as do espólio.
Note-se que somente pode ser computada para fins de cálculo do ITCMD a dívida que onere determinado bem do espólio, nos termos da lei. Tome-se como exemplo imóvel financiado. O valor para fins de cálculo do tributo será o do imóvel, sem abatimento do saldo devedor do preço garantido por alienação fiduciária ou hipoteca.
Isso não significa, porém, que todo e qualquer passivo do espólio, desvinculado de direito real sobre determinado bem, ingresse no cálculo do imposto.
2. A meu sentir, a lei estadual não prevalece sobre o Código Civil de 2.002 (lei posterior de abrangência federal), cujas disposições revogam as previsões em sentido contrário de diploma anterior.
Estabelece expressamente o artigo 1.792 do CC/2002 que o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança. A norma é complementada pelo artigo 1.997, segundo o qual a herança responde pelo pagamento das dívidas.
Basta pensar na hipótese em que o passivo deixado pelo autor da herança supera o ativo.
Se os herdeiros fossem compelidos a pagar imposto sobre herança cujo valor das dívidas superassem o dos bens e direitos transmitidos, responderiam pelos encargos do de cujus além das forças da herança.
Não se pode perder de vista que o ITCMD é espécie de imposto que visa a tributar justamente o enriquecimento dos herdeiros.
Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim já apontavam a tendência da doutrina e da jurisprudência em admitir que, para o cálculo do monte líquido tributável, deveriam ser deduzidos os débitos do falecido, despesas e honorários do advogado (cfr. Inventários e partilhas Direito das Sucessões: Teoria e prática, 17a ed., São Paulo, 2004, p. 420).
Há diversos precedentes do Tribunal de Justiça de São Paulo nesse sentido (cfr. Agravo de Instrumento no 610.357-4/6-00, 1a Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Vicentini Barroso, j. 01.09.2009, Agravo de Instrumento no 589.003-4/5-00, 9ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. José Luiz Gavião de Almeida, j. 02.12.2008).
Há inúmero precedentes que afastam o passivo da base de cálculo do ITCMD. Reproduzo, aqui, a ementa de apenas um V. Acórdão recentíssimo:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO.
Controvérsia acerca da composição da base de cálculo do imposto mortis causa (ITCMD). Incidência tributária que deve se dar sobre o monte-mor líquido transmitido aos herdeiros, deduzidas as dívidas e encargos deixados pelo de cujus. Inteligência dos artigos 1.792 e 1.997 do Código Civil. Revogação tácita do artigo 12 da Lei Estadual no 10.705/00. Precedentes desta Câmara e do E. Tribunal.
DECISÃO PRESERVADA. AGRAVO DESPROVIDO.” (TJ-SP, Agravo de Instrumento nº 2033513-27.2020.8.26.0000, 3ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Donegá Morandini, j. 05/06/2020, V. U.).
No mesmo sentido, há inúmeros outros julgados.
A soma de tais circunstâncias permite concluir, em tese, que as dívidas que oneram o monte-mor não devem integrar a base de incidência do ITCMD.
Sucede que o caso concreto se reveste de peculiaridade que autoriza a manutenção da decisão que desafiou a interposição deste Agravo, mas por fundamento diverso daquele adotado pelo MM. Juízo de Primeiro Grau.
Explico.
Os documentos que formam o instrumento deixam muito claro que as supostas dívidas, cujo abatimento se pretende, correspondem a honorários advocatícios (cfr. fls. 13/68 destes autos digitais).
Cumpre mencionar que o objeto da sobrepartilha é crédito que supera a cifra de R$ 13 milhões de reais, fruto de indenização fixada em ação de desapropriação.
Os herdeiros (todos legatários) indicaram os honorários de aproximadamente R$ 4,5 milhões de reais como passivo.
Chama atenção que alguns dos legatários são advogados que receberam parte dos honorários que se pretende deduzir do valor da indenização para fins de recolhimento do ITCMD (fls. 69/76 deste Agravo).
Diante de tal cenário, fácil concluir que os honorários pagos não constituem propriamente passivo do da herança, especialmente porque parte dos advogados que receberam os honorários são legatários.
Os honorários que o agravante almeja afastar da base de incidência do ITCMD não correspondem a uma dívida do espólio, e sim a uma parcela do crédito indenizatório auferido nos autos da ação de desapropriação.
Sob esse enfoque, as circunstâncias do caso concreto autorizam a manutenção da decisão impugnada.
Lembro que apenas as dívidas que oneram o monte-mor devem ser decotadas da base de incidência do ITCMD.
Não é esse o caso dos honorários, que não se traduzem como dívida do monte. Os honorários, insisto, correspondem a uma parcela do valor da indenização que ensejou a sobrepartilha.
A indenização é devida ao espólio, e sobre o seu valor incide o imposto de transmissão.
Os herdeiros em razão da saisine devem os honorários contratuais aos advogados que ajuizaram a ação de desapropriação.
Não há como abater os honorários diretamente do valor da herança.
Em suma, os honorários devem integrar a base de cálculo para fins de recolhimento do ITCMD.
Nego provimento ao recurso.
FRANCISCO LOUREIRO
Relator – – /
Dados do processo:
TJSP – Agravo de Instrumento nº 2246729-71.2020.8.26.0000 – São Paulo – 1ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Francisco Loureiro – DJ 19.11.2020
Fonte: INR Publicações
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias
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