CSM/SP: PROVIMENTO CSM Nº 2583/2020

O Presidente do Tribunal de Justiça, Desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, em 01/12/2020, determinou a republicação do Provimento CSM Nº 2583/2020.

PROVIMENTO CSM Nº 2583/2020

Dispõe sobre o horário de expediente judiciário e a força de trabalho presencial na vigência do Sistema Escalonado de Retorno ao Trabalho Presencial (Provimento CSM nº 2564/2020) e dá outras providências.

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no uso de suas atribuições,

CONSIDERANDO a edição da Resolução CNJ nº 322/2020, de 1º de junho de 2020;

CONSIDERANDO o julgamento pelo Conselho Nacional de Justiça, do Ato Normativo n.º 0004117-63.2020.2.00.0000, Relator Ministro Dias Toffoli, no dia 10 de julho de 2020, na 35ª Sessão Virtual Extraordinária;

CONSIDERANDO que a pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19) e declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) persiste;

CONSIDERANDO a regressão parcial da pandemia da Covid-19 no Estado de São Paulo e a flexibilização das regras de isolamento e distanciamento social pelo Poder Executivo do Estado de São Paulo;

CONSIDERANDO que, a despeito das sérias ações do Poder Executivo estadual, o panorama da Covid-19 no Estado de São Paulo ainda exige atenção;

CONSIDERANDO a necessidade de manutenção das medidas aptas a preservar a integridade física e a saúde de magistrados, servidores, terceirizados, membros do Ministério Público, advogados, defensores públicos, colaboradores e jurisdicionados;

CONSIDERANDO que as medidas reguladoras até o momento implementadas se mostraram eficientes, no âmbito do Tribunal de Justiça, tanto na preservação da saúde, como na prestação dos serviços que lhe são afetos;

CONSIDERANDO que a ênfase ao enfrentamento da questão sanitária não tem trazido prejuízo à prestação jurisdicional, como revela a destacada produtividade do Tribunal de Justiça durante o período da pandemia, contabilizando-se, até 25 de outubro de 2020, a prática de mais de 18 milhões de atos, sendo 2 milhões de sentenças e 616 mil acórdãos;

CONSIDERANDO o disposto nos artigos 1º, caput, 4º, caput, e 11, § 3º, 15, 28 e 32, todos do Provimento CSM nº 2564/2020, de 06 de julho de 2020;

CONSIDERANDO, por fim, que, de acordo com o 14º balanço do Plano São Paulo, de 09 de outubro de 2020, houve evolução de várias regiões do estado para a fase 4 (verde) e estabilização de outras tantas na fase 3 (amarela);

RESOLVE:

Art. 1º. Estende-se o prazo de vigência do Provimento CSM nº 2564/2020 para o dia 17 de janeiro de 2021, prorrogável, se necessário, por ato da Presidência do Tribunal de Justiça, enquanto subsistir a necessidade de prevenção ao contágio pelo novo coronavírus.

2º. A partir de 03 de novembro de 2020, enquanto permanecer o Sistema Escalonado de Retorno ao Trabalho Presencial, o horário de expediente judiciário presencial especial e em caráter excepcional será único, de 6 horas, das 13h às 19h, mantida a jornada de 08 horas, entre 9h e 19h, para as equipes em teletrabalho.

Parágrafo único. Nos dias em que escalado para expediente presencial, o servidor estará dispensado do teletrabalho, bem como de compensação futura de horas.

Art. 3º. A partir de 03 de novembro de 2020, o limite diário de comparecimento de magistrados por prédio destinado às atividades do primeiro grau previsto no caput do artigo 11 do Provimento CSM nº 2564/2020, mantidas as demais regras vigentes, passará a ser o seguinte:

I. Comarcas nas Fases 2 (laranja) e 3 (amarela): 30% (trinta por cento) de magistrados por prédio.

II. Comarcas nas Fases 4 (verde) e 5 (azul): 40% (quarenta por cento) de magistrados por prédio.

Art. 4. As Presidências das Seções de Direito Criminal, Privado e Público deliberarão sobre o horário de ingresso de Magistrados nos prédios a elas vinculados.

Art. 5º. A partir de 03 de novembro de 2020, as unidades integrantes das regiões classificadas nas fases 4 (verde) e 5 (azul) deverão formar as equipes presenciais segundo os seguintes parâmetros:

I. Cartórios:

a. 1 coordenador(a) ou chefe

b. 1 a 2 servidores(as) para atendimento ao público

c. 3 a 4 servidores(as) para o trabalho interno

d. 2 a 4 funcionários(as) cedidos pela Prefeitura

II. Distribuidores, Protocolos e unidades do Colégio Recursal:

a. 2 a 3 servidores(as), um(a) dos(as) quais ocupante de cargo de chefia, se houver

b. 4 a 6 servidores(as), um(a) dos(as) quais ocupante de cargo de chefia, se houver, nos casos de Distribuidores e Protocolos dos Fóruns Centrais da Comarca da Capital

III. Cartórios das UPJs, DIPO, DECRIM, DEPRE e DEIJ:

a. 1 coordenador(a) ou chefe

b. 5 servidores(as) para atendimento ao público

c. 6 servidores(as) para o trabalho interno

IV. Setores Técnicos:

a. 2 a 4 psicólogos(as) judiciários(as)

b. 2 a 4 assistentes sociais judiciários(as)

§ 1º. Além do reescalonamento consignado no caput deste dispositivo, os gestores realizarão novos ajustes, para mais ou para menos, segundo a fase de enquadramento da região no Plano São Paulo, a partir do primeiro dia útil subsequente à divulgação do novo balanço pelo Governo do Estado de São Paulo. Nesse redimensionamento, observar-se-ão os parâmetros acima, em relação às fases 4 (verde) e 5 (azul), e os critérios do artigo 15 do Provimento CSM 2564/2020, no que diz respeito às fases 2 (laranja) e 3 (amarela).

§ 2º. Excepcionalmente, autoriza-se a composição das equipes com número inferior aos mínimos estabelecidos para as diferentes fases do Plano São Paulo caso a unidade não possua servidores suficientes para o devido atendimento, inclusive por força da incidência das situações do artigo 5º do Provimento CSM nº 2564/2020 ou em razão de afastamentos decorrentes de contágio pela Covid-19.

§ 3º. Mantêm-se as autorizações pontuais já concedidas pelo Tribunal em relação ao redimensionamento e à composição das equipes presenciais.

Art. 6º. Os aumentos das equipes previstos neste provimento não afastam a necessidade de observância das regras de segurança à saúde estabelecidas nos protocolos de retorno ao trabalho presencial da SGP/Diretoria de Saúde e da SAAB.

Art. 7º. Aplica-se o disposto nos artigos 28 (alterado pelo artigo 5º do Provimento CSM nº 2567/2020) e 32, ambos do Provimento CSM nº 2564/2020, aos Plantões Extraordinário e Judiciário Especial (recesso de final de ano).

Art. 8º. Este provimento entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE. CUMPRA-SE.

São Paulo, 26 de outubro de 2020.

(aa) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Presidente do Tribunal de Justiça; LUIS SOARES DE MELLO NETO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça; RICARDO MAIR ANAFE, Corregedor Geral da Justiça; JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO, Decano; GUILHERME GONÇALVES STRENGER, Presidente da Seção de Direito Criminal; PAULO MAGALHÃES DA COSTA COELHO, Presidente da Seção de Direito Público, e DIMAS RUBENS FONSECA, Presidente da Seção de Direito Privado (DJe de 02.12.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

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Recurso Administrativo – Alteração de convenção de condomínio aprovada por 2/3 dos condôminos – Inclusão da proibição de locação ou ocupação das unidades por três ou mais estudantes com divisão de despesas, fixando prazo para a extinção de locações nessas condições vigentes – Exigência de aprovação unânime, nos termos do art. 1.351, parte final do Código Civil, mantida pelo Juiz Corregedor – Recurso busca a averbação da alteração aprovada por 2/3 dos condôminos ou com a exclusão da alínea questionada, com pedido instauração de incidente de inconstitucionalidade – Arguição de incidente de inconstitucionalidade não conhecida – Competência do Órgão Especial limitada a declarações de inconstitucionalidade em processo judicial, não se aplicando a procedimentos administrativos voltado contra a negativa de registro, nos termos do art. 13, I do RITJSP – Incidente de inconstitucionalidade dirigido a atos normativos emitidos pelo Poder Público, não se aplicando a deliberações privadas, conforme art. 97 da Constituição Federal – Mérito – Mudança da convenção de condomínio que atinge o direito particular de fruição da unidade, restringindo as prerrogativas do art. 1.228 do Código Civil, caracterizando limitação particular ao livre uso da unidade – Eventual abuso no uso das unidades por locatários que pode ser sancionada de forma específica, nos termos dos arts. 1.336, IV e § 2º e 1.337 do Código Civil e do art. 19 da Lei n. 4.591/1964, não justificando no caso concreto a supressão de direitos inerentes à propriedade sem aprovação unânime dos condôminos – Exigência de aprovação da alteração estatutária de forma unânime mantida – Pedido recursal subsidiário de averbação da alteração com supressão da alínea questionada inviável – Alteração do título que exige aprovação pela assembleia condominial – Parecer pelo não provimento do recurso, mantendo a exigência.

Número do processo: 1019834-60.2018.8.26.0577

Ano do processo: 2018

Número do parecer: 231

Ano do parecer: 2020

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1019834-60.2018.8.26.0577

(231/2020-E)

Recurso Administrativo – Alteração de convenção de condomínio aprovada por 2/3 dos condôminos – Inclusão da proibição de locação ou ocupação das unidades por três ou mais estudantes com divisão de despesas, fixando prazo para a extinção de locações nessas condições vigentes – Exigência de aprovação unânime, nos termos do art. 1.351, parte final do Código Civil, mantida pelo Juiz Corregedor – Recurso busca a averbação da alteração aprovada por 2/3 dos condôminos ou com a exclusão da alínea questionada, com pedido instauração de incidente de inconstitucionalidade – Arguição de incidente de inconstitucionalidade não conhecida – Competência do Órgão Especial limitada a declarações de inconstitucionalidade em processo judicial, não se aplicando a procedimentos administrativos voltado contra a negativa de registro, nos termos do art. 13, I do RITJSP – Incidente de inconstitucionalidade dirigido a atos normativos emitidos pelo Poder Público, não se aplicando a deliberações privadas, conforme art. 97 da Constituição Federal – Mérito – Mudança da convenção de condomínio que atinge o direito particular de fruição da unidade, restringindo as prerrogativas do art. 1.228 do Código Civil, caracterizando limitação particular ao livre uso da unidade – Eventual abuso no uso das unidades por locatários que pode ser sancionada de forma específica, nos termos dos arts. 1.336, IV e § 2º e 1.337 do Código Civil e do art. 19 da Lei n. 4.591/1964, não justificando no caso concreto a supressão de direitos inerentes à propriedade sem aprovação unânime dos condôminos – Exigência de aprovação da alteração estatutária de forma unânime mantida – Pedido recursal subsidiário de averbação da alteração com supressão da alínea questionada inviável – Alteração do título que exige aprovação pela assembleia condominial – Parecer pelo não provimento do recurso, mantendo a exigência.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

1. Trata-se de recurso administrativo interposto como apelação pelo Condomínio Edifício Turim, visando a reforma da sentença de primeiro grau que, em pedido de providências, julgou procedente a dúvida suscitada pela Oficiala do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de São José dos Campos, mantendo a exigência da aprovação unânime pelos condôminos em assembleia das alterações da convenção que limitam a fruição das unidades individuais, e afastando a exigência de autorização dos credores com garantia fiduciária estabelecida sobre algumas das unidades (fl. 276/277).

O recurso sustenta, em resumo, impossibilidade do reconhecimento pelo registrador da inconstitucionalidade da deliberação e a alteração pretendida exige aprovação de 2/3 dos condôminos. Afirma que a sentença não pode declarar a inconstitucionalidade da restrição ao direito de propriedade, e, alternativamente, requer a instauração de incidente de inconstitucionalidade, nos termos do art. 13, d do Regimento Interno do Tribunal de Justiça. No mérito, afirma que a alteração caracteriza simples restrição ao direito de propriedade, não exigindo unanimidade para aprovação, e que a alteração não visa discriminar estudantes, mas sim resguardar os atuais moradores do comportamento antissocial que gere incompatibilidade de convivência com os demais condôminos. Sustenta a eficácia da convenção perante os condôminos, nos termos da Súmula 260 do Superior Tribunal de Justiça, com pedido subsidiário de averbação da convenção riscando-se a “alínea do artigo que trata da instituição de pensionato ou república” (fl. 287/292).

O recurso foi inicialmente remetido ao Conselho Superior da Magistratura (fl. 317).

A Procuradoria Geral da Justiça opinou pela incompetência do Conselho Superior da Magistratura, por se tratar de ato de averbação e, no mérito, pelo não provimento do recurso (fl. 323/327).

Por decisão monocrática, reconheceu-se a incompetência do Conselho Superior da Magistratura, e o encaminhamento dos autos à Corregedoria Geral da Justiça (fl. 332/333).

É o relatório.

Passo a opinar.

2. Trata-se de apelação, recebida como recurso administrativo nos termos do art. 246 do Código Judiciário, pelo qual o condomínio recorrente busca reverter sentença que acolheu parcialmente a dúvida suscitada pelo oficial de registros, entendendo pela necessidade de aprovação unânime da alteração da convenção que proíbe a locação das unidades autônomas para mais de três estudantes, na forma de república ou pensionato.

A nota de devolução da Oficiala de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de São José dos Campos indicou, como motivos da recusa de averbação da alteração da convenção de condomínio e de seu regulamento geral, os seguintes:

“Pretende-se a inclusão das seguintes disposições:

Artigo 11 – Além das restrições legais e daquelas acima estipuladas, é terminantemente vedado aos condôminos ou pessoas que ocupem as unidades:

(…)

b) Instituir pensionato ou república, neste conceito incluído especialmente, mas não exclusivamente, a locação de unidade para três ou mais estudantes com a intenção de dividir despesas.

Artigo 37 – O pensionato ou república existente na data da aprovação desta Convenção poderá ser mantida pelo prazo máximo de 30 meses, salvo se, na hipótese de locação residencial, o contrato dispuser de prazo menor.

Em análise ao texto dos artigos acima, entendeu-se que a inclusão destas proibições requer a aprovação da unanimidade dos condôminos, uma vez que gera limitação ao direito de propriedade do condômino e altera a destinação inicial ‘livre’ dada aos apartamentos.

O artigo 37º ao permitir o pensionato ou república existente na data da aprovação da convenção pelo prazo máximo de 30 meses, tal dispositivo além de estar conflitante com o artigo 11º, alínea ‘b’ da convenção apresentada que veda tal instituição, o mesmo afronta as disposições do artigo 1.351 do Código Civil que dispõe: ‘…a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação da unanimidade dos condôminos.

A vedação aos condôminos ou pessoa que ocupem as unidades de instituir pensionato ou república a pessoas de unidades para três ou mais estudantes com a intenção de dividir despesas, são cláusulas abusivas e discriminatórias, afrontando o direito de propriedade constitucionalmente garantido aos condôminos, pois não cabe ao condomínio e sim ao proprietário da unidade decidir quanto a quem deve alugar sua propriedade, podendo gerar futuros prejuízos ao condomínio e aos condôminos das unidades autônomas, principais envolvidos na vida do condomínio, uma vez que os proprietários que se sentirem limitados poderão pleitear em juízo, com base no art. 187 do Código Civil, o reconhecimento do abuso e a anulação da convenção.” (fl. 75/76)

Indica a insuficiência da aprovação da alteração por 2/3 dos condôminos, sendo necessária a unanimidade (fl. 79).

3. Em primeiro plano, afasta-se a pretensão recursal de instauração de incidente de inconstitucionalidade, nos termos do art. 13, I, d do Regimento Interno do Tribunal de Justiça.

O pedido de providências caracteriza procedimento de natureza administrativa, limitando-se a competência do C. Órgão Especial para os incidentes de inconstitucionalidade em matéria jurisdicional. Bem por isto, tal competência é prevista no inciso I do art. 13 do Regimento Interno, que prevê a competência judicial do Órgão Especial, enquanto a competência administrativa tem suas matérias listadas no inciso II do mesmo dispositivo, não se observando ali a previsão do conhecimento de incidente de inconstitucionalidade em procedimento administrativo.

Além disto, a instauração do incidente de inconstitucionalidade dirige-se à apreciação de ato normativo do Poder Público em afronta ao texto constitucional, não se dirigindo a deliberações assembleares privadas. Não há, assim, que se falar em declaração de inconstitucionalidade em controle judicial concentrado de decisão tomada por órgão deliberativo de natureza privadas, mas apenas o reconhecimento de sua nulidade, ainda que por fundamento da ofensa ao texto constitucional.

O fato da decisão de primeiro grau afirmar ofensa à Constituição Federal como fundamento não se equipara à declaração de inconstitucionalidade de ato normativo emanado do Poder Público, afastando-se do procedimento desta última quanto à reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal).

Não conhecida, por tais fundamentos, a arguição de instauração do incidente de inconstitucionalidade.

4. Aprecio o mérito do recurso administrativo.

Por primeiro, observe-se que o objeto de apreciação neste procedimento não diz respeito à constitucionalidade ou não da alteração da convenção pretendida pelo condomínio recorrente. Limita-se tão somente à aferição da possibilidade da alteração da convenção do condomínio pretendida na forma que realizada, respeitando-se o princípio da legalidade. Não se ingressa, assim, no mérito quanto ao conteúdo da modificação buscada, mas apenas avalia-se sua legalidade quanto ao cumprimento do princípio da legalidade em relação aos quóruns necessários para a aprovação da modificação.

Então, a questão a se decidir, limitada a cognição administrativa decorrente do pedido de providências, é se a alteração da convenção de condomínio que impõe a restrição à locação de apartamentos do condomínio para mais de três estudantes que dividam despesas, na forma de pensionato ou república, caracteriza alteração sujeita ao quórum especial do art. 1.351 do Código Civil, que dispõe:

“Art. 1.351. Depende de aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende de aprovação pela unanimidade dos condôminos.”

A constituição de condomínio edilício traduz, aos proprietários, direitos comuns e particulares exercidos em relação ao imóvel, ora considerado em sua estrutura coletiva, composta de partes comuns no verdadeiro condomínio, ora considerado em seu direito particular e individual de propriedade sobre as unidades autônomas que o compõe (art. 1.331, § 1º do Código Civil).

Da aquisição de unidade autônoma em condomínio decorre, em relação ao proprietário, não só limitações no exercício de seu direito individual em respeito à propriedade comum e às regras de convivência social, mas também garantias de mantença das características essenciais da unidade individual, seja em seu aspecto físico, considerando a construção em si, seja em seu aspecto jurídico-econômico, considerando o exercício do direito de fruição, de gozo e de disposição previstos no art. 1.228 do Código Civil.

O adquirente de imóvel em condomínio edilício tem prévio conhecimento da convenção de condomínio, na qual se estabelecem as características do imóvel e seu uso, envolvendo não só as particularidades físicas, aí considerados os legítimos interesses econômicos que possam ter embasado a decisão de aquisição. Ou seja, aquilo que se pode fazer e aquilo que não se pode fazer da unidade autônoma devem estar previa e claramente previstas na convenção, pois interferem no exercício futuro das prerrogativas legais atribuídas ao proprietário pelo citado art. 1.228 do Código Civil.

Daí que alterações que venham a limitar ou proibir o livre uso ou a livre exploração econômica da unidade imobiliária, respeitadas normas cogentes e as limitações previamente fixadas na convenção de condomínio exigem, por expressa disposição da parte final do art. 1.351 do Código Civil, a concordância unânime dos condôminos. Não por se tratar de uma alteração simples da destinação do prédio ou da unidade, mas por significar alteração do direito de fruir de forma lícita da propriedade.

A limitação da exploração econômica da unidade, fixando-se para que categoria de pessoas o proprietário pode ou não locar sua unidade, ou que características ou qualidades tenham tais locatários ou, ainda, quantos são a contratar a locação, traduz uma alteração significativa do elemento econômico que compõe a propriedade como um todo e, por certo, presume-se que fora considerada na formação da vontade do adquirente da propriedade. Afinal, a aquisição de um imóvel em condomínio, por exemplo, em área com grande procura de estudantes, para fins de locação e utilização do bem como forma de investimento, traduz exercício legítimo constitucionalmente assegurado, não podendo as prerrogativas econômicas dos proprietários sobre tal bem ser alteradas por deliberação dos outros condôminos que, também ao adquirir suas unidades, aceitaram as regras fixadas para tal exploração.

Não se trata, assim, de mera regulação do uso da propriedade individual em benefício da coletividade condominial, posto que produz interferência significativa na fruição interna da propriedade exclusiva.

E, por isto, sua alteração exige a concordância unânime dos condôminos, nos termos do art. 1.351, parte final do Código Civil.

Concretamente, observar-se que o art. 10, a da atual convenção de condomínio prevê o direito de o condômino utilizar a unidade de acordo com a finalidade do prédio, no caso, residencial (fl. 94). E por uso residencial há de se entender, em favor do proprietário, o direito de locar o imóvel a quem quer que seja, conforme lhe autoriza o art. 1.335, I do Código Civil.

Embora o art. 35 da convenção registrada autorize a modificação da mesma pelo voto de 2/3 dos condôminos, a previsão não pode prevalecer sobre a regra do art. 1.351, do Código Civil, com natureza de norma cogente. Não há, portanto, como se registrar a alteração da convenção que não atenda o requisito legal.

Nem o argumento contido nas razões de recurso, no sentido da mudança se justificar na tentativa de evitar comportamentos antissociais de estudantes locatários, autoriza a alteração sem a unanimidade dos condôminos. Eventual comportamento que caracterize infração às normas legais e convencionais a respeito da civilidade, da segurança, do sossego, dentre outros, resolve-se no âmbito do poder disciplinar do condomínio como coletividade, fundamentado não só na convenção, mas também no regulamento interno e nas disposições específicas do Código Civil (art. 1.336, IV e seu § 2º e art. 1.337, ambos do Código Civil; art. 19 da Lei n. 4.591/1964).

Desta forma, eventual uso abusivo ou ilícito da unidade individual sujeita-se, por normas legais expressas, a sanções genéricas da lei e específicas da convenção e regulamento. Não se justifica a limitação do exercício da propriedade plena como mecanismo para se impedir condutas que a própria lei veda. A lei autoriza que se puna quem utiliza de forma abusiva da unidade imobiliária; não a limitação a usos legítimos deferidos também pela lei ao proprietário, salvo se todos os condôminos concordarem com a restrição posterior à instituição do condomínio.

Por fim, impossível o acolhimento do pedido subsidiário contido no recurso de ingresso do título com exclusão da alínea da convenção questionada pela registradora.

Tratando-se o título de ata de assembleia geral, impossível seu registro com qualquer alteração que não provenha de deliberação válida dos proprietários, em nova assembleia regular, não se admitindo alteração, ainda que por simples supressão, por ato do síndico ou do registrador imobiliário.

Desta forma, sem a alteração do estatuto pela própria assembleia de condôminos, impossível a averbação do título com qualquer modificação.

5. Por tais fundamentos, o parecer que apresentado à elevada consideração de Vossa Excelência, é pelo conhecimento da apelação como recurso administrativo, nos termos do art. 246 do Código Judiciário, e, no mérito, pelo não provimento do recurso.

Sub censura,

São Paulo, 12 de junho de 2020

PAULO ROGÉRIO BONINI

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, conheço da apelação como recurso administrativo, nos termos do art. 246 do Código Judiciário, e a ele nego provimento. São Paulo, 17 de junho de 2020. (a) RICARDO ANAFE, Corregedor Geral da Justiça – Advogada: EVELYN REUSING, OAB/SP 68.955.

Diário da Justiça Eletrônico de 22.06.2020

Decisão reproduzida na página 065 do Classificador II – 2020

Fonte: INR Publicações

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Recurso Especial – Civil – Venda de quinhão de coisa comum indivisa – Direito de preferência – Negativa de prestação jurisdicional – Não ocorrência – Inobservância ao direito de preempção dos demais condôminos – Ausência de notificação prévia – Ciência inequívoca que se deu apenas com o registro da escritura pública de compra e venda – Dissonância entre o preço do negócio e aquele estampado no título translativo registrado em cartório – Prática de preço simulado – Abuso do direito – Ofensa à boa-fé objetiva – Prevalência do documento lavrado pelo tabelião e levado a registro – Recurso especial conhecido e desprovido – 1. O propósito recursal consiste em definir, além da negativa de prestação jurisdicional: i) a forma pela qual deve se dar a notificação que viabilize o direito de preferência do condômino na aquisição de parte ideal de coisa comum indivisa; e ii) o parâmetro do valor do negócio a ser considerado para tal fim – 2. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide, de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional – 3. Nos termos do art. 504 do CC/2002, é garantido ao condômino o direito de preferência na aquisição de fração ideal de coisa comum indivisa, em iguais condições ofertadas ao terceiro estranho à relação condominial, desde que o exerça no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da ciência. Tal conhecimento deve ser possibilitado pelo coproprietário alienante, em decorrência de imposição legal, através de prévia notificação, judicial, extrajudicial ou outro meio que confira aos demais comunheiros ciência inequívoca da venda e dos termos do negócio, consoante o previsto nos arts. 107 do CC/2002 e 27, in fine, da Lei nº 8.245/1991, este último aplicado por analogia – 4. Aperfeiçoada a venda (no caso imobiliária) ao terceiro, com a lavratura de escritura pública e o respectivo registro no Cartório de Registro de Imóveis, sem a devida observância ao direito de preempção, surge para os coproprietários preteridos o direito de ajuizamento de ação anulatória ou de direito de preferência c/c adjudicação compulsória, desde que o faça dentro do prazo decadencial de 180 (cento e oitenta) dias, contados do registro da escritura, cuja publicidade implica a presunção de ciência acerca da venda e das condições do negócio estampadas no título – 5. Praticado preço simulado pelas partes, fazendo constar da escritura pública preço a menor, que não reflita o valor real do negócio, deve prevalecer aquele exarado na escritura devidamente registrada para fins do direito de preferência, sendo que o registro do título (que tem como atributo dar publicidade da alienação imobiliária a toda a sociedade, conferindo efeito erga omnes) é o ato substitutivo da notificação, que deveria ter sido anteriormente remetida ao coproprietário, mas não foi, não podendo o condômino alienante valer-se da própria torpeza, a qual denota o abuso do direito infringente da boa-fé objetiva – 6. Recurso especial conhecido e desprovido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.628.478 –MG (2016/0252768-1)

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE

RECORRENTE : SERSA –PARTICIPACOES E EMPREENDIMENTOS AGROPECUARIOS S.A

RECORRENTE : MARCIO ANTUNES FILGUEIRA

RECORRENTE : MARIA DE FATIMA FILGUEIRA PEREIRA

RECORRENTE : CILSON NOGUEIRA DE LIMA

RECORRENTE : CLENIO ANTONIO GONCALVES

RECORRENTE : REJANE MARQUES OLIVEIRA GONCALVES

ADVOGADOS : BERNARDO RIBEIRO CAMARA –MG076740

JOAO ALMEIDA CUNHA RIBEIRO DE OLIVEIRA E OUTRO(S) –MG094771

RECORRIDO : JOSE ROBERTO BARBOSA

RECORRIDO : ARILMA APARECIDA GONCALVES BARBOSA

ADVOGADOS : CRISTINA BONTEMPO ALVARES E OUTRO(S) –MG145391

ELEUSA APARECIDA RAMOS –MG147942

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. VENDA DE QUINHÃO DE COISA COMUM INDIVISA. DIREITO DE PREFERÊNCIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. INOBSERVÂNCIA AO DIREITO DE PREEMPÇÃO DOS DEMAIS CONDÔMINOS. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. CIÊNCIA INEQUÍVOCA QUE SE DEU APENAS COM O REGISTRO DA ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA. DISSONÂNCIA ENTRE O PREÇO DO NEGÓCIO E AQUELE ESTAMPADO NO TÍTULO TRANSLATIVO REGISTRADO EM CARTÓRIO. PRÁTICA DE PREÇO SIMULADO. ABUSO DO DIREITO. OFENSA À BOA-FÉ OBJETIVA. PREVALÊNCIA DO DOCUMENTO LAVRADO PELO TABELIÃO E LEVADO A REGISTRO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO.

1. O propósito recursal consiste em definir, além da negativa de prestação jurisdicional: i) a forma pela qual deve se dar a notificação que viabilize o direito de preferência do condômino na aquisição de parte ideal de coisa comum indivisa; e ii) o parâmetro do valor do negócio a ser considerado para tal fim.

2. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide, de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional.

3. Nos termos do art. 504 do CC/2002, é garantido ao condômino o direito de preferência na aquisição de fração ideal de coisa comum indivisa, em iguais condições ofertadas ao terceiro estranho à relação condominial, desde que o exerça no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da ciência. Tal conhecimento deve ser possibilitado pelo coproprietário alienante, em decorrência de imposição legal, através de prévia notificação, judicial, extrajudicial ou outro meio que confira aos demais comunheiros ciência inequívoca da venda e dos termos do negócio, consoante o previsto nos arts. 107 do CC/2002 e 27, in fine, da Lei n. 8.245/1991, este último aplicado por analogia.

4. Aperfeiçoada a venda (no caso imobiliária) ao terceiro, com a lavratura de escritura pública e o respectivo registro no Cartório de Registro de Imóveis, sem a devida observância ao direito de preempção, surge para os coproprietários preteridos o direito de ajuizamento de ação anulatória ou de direito de preferência c/c adjudicação compulsória, desde que o faça dentro do prazo decadencial de 180 (cento e oitenta) dias, contados do registro da escritura, cuja publicidade implica a presunção de ciência acerca da venda e das condições do negócio estampadas no título.

5. Praticado preço simulado pelas partes, fazendo constar da escritura pública preço a menor, que não reflita o valor real do negócio, deve prevalecer aquele exarado na escritura devidamente registrada para fins do direito de preferência, sendo que o registro do título (que tem como atributo dar publicidade da alienação imobiliária a toda a sociedade, conferindo efeito erga omnes) é o ato substitutivo da notificação, que deveria ter sido anteriormente remetida ao coproprietário, mas não foi, não podendo o condômino alienante valer-se da própria torpeza, a qual denota o abuso do direito infringente da boa-fé objetiva.

6. Recurso especial conhecido e desprovido.

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial, mas lhe negar provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília, 03 de novembro de 2020 (data do julgamento).

MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:

Trata-se de recurso especial interposto por SERSA –PARTICIPAÇÕES E EMPREENDIMENTOS AGROPECUÁRIOS S.A. e OUTROS contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Compulsando os autos, verifica-se que JOSÉ ROBERTO BARBOSA e ARILMA APARECIDA GONÇALVES BARBOSA ajuizaram ação anulatória de negócio jurídico cumulada com declaratória de direito de preferência em desfavor de SERSA –PARTICIPAÇÕES E EMPREENDIMENTOS AGROPECUÁRIOS S.A., MÁRCIO ANTUNES FILGUEIRA, MARIA DE FÁTIMA FILGUEIRA PEREIRA, CILSON NOGUEIRA DE LIMA, CLÊNIO ANTÔNIO GONÇALVES e REJANE MARQUES OLIVEIRA GONÇALVES, visando a desconstituição da venda, realizada pela primeira corré para os dois últimos corréus, de fração de imóvel indiviso de que são coproprietários os autores, exercendo, ademais, o seu direito de preferência.

O Juízo de primeiro grau proferiu sentença de improcedência dos pedidos, sobrevindo reforma pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, mediante recurso de apelação, para julgar procedente o pedido de anulação da alienação, determinando, com isso, a expedição de mandado de registro de aquisição da cota-parte indivisa em prol dos autores.

O acórdão está assim ementado (e-STJ, fl. 506):

APELAÇÃO CÍVEL –AÇÃO ANULATÓRIA –ATO JURÍDICO – COMPRA E VENDA –DIREITO DE PREFERÊNCIA –CONDÔMINO – ALIENAÇÃO DE PARTE DO IMÓVEL PARA TERCEIRO –AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO –EXERCÍCIO DO DIREITO DE PREFERÊNCIA –DEPÓSITO DO VALOR DA COMPRA E VENDA –ANULAÇÃO DO NEGÓCIO –TRANSMISSÃO COMPULSÓRIA – SENTENÇA REFORMADA.

–Evidenciado ser o imóvel em condomínio indivisível, o condômino que desejar alienar sua fração ideal deve obrigatoriamente notificar os demais condôminos para que possam exercer o direito de preferência na aquisição, nos termos do art. 504 do Código Civil.

–O condômino que não teve a oportunidade de exercer o direito de preferência poderá fazê-lo após a alienação do imóvel, depositando o preço e havendo para si a parte vendida sem seu prévio conhecimento.

–Havendo dúvidas sobre o valor do imóvel deverá ser tomado como aquele utilizado da Escritura Pública de Compra e Venda, tendo em vista ser o que dá ciência aos terceiros em relação ao montante da negociação.

Os embargos de declaração opostos pelos réus foram rejeitados.

Nas razões do recurso especial (e-STJ, fls. 551-566), interposto com fundamento na alínea do permissivo constitucional, os recorrentes apontam a existência de afronta aos arts. 489, § 1º, IV, e 1.022, II, do Código de Processo Civil de 2015; e 504, 884 e 1.322 do Código Civil.

Sustentam, em caráter preliminar, haver negativa de prestação jurisdicional e, no mérito, ter sido devidamente realizada a notificação aos demais condôminos (recorridos) necessária ao exercício do direito de preferência da cota-parte da coisa indivisa, sendo prescindível a sua efetivação através de notificação formal, visto que a lei não exige forma específica para a consecução do ato. Aduzem, além disso, que o preço a ser pago pelo coproprietário deve corresponder ao valor de avaliação do imóvel ou o montante pelo qual foi realizada a venda.

Contrarrazões às fls. 572-594 (e-STJ), nas quais os recorridos, além de refutarem as mencionadas teses recursais, asserem que o contrato particular de compra e venda juntado aos autos na contestação é simulado.

Admitido o recurso especial na origem, os autos ascenderam a esta Corte Superior.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):

O propósito recursal consiste em definir, além da negativa de prestação jurisdicional: i) a forma pela qual deve se dar a notificação que viabilize o direito de preferência do condômino na aquisição de parte ideal de coisa comum indivisa; e ii) o parâmetro do valor do negócio a ser considerado para tal fim.

Relativamente à suscitada preliminar, fundada em nulidade do aresto hostilizado por deficiência na prestação jurisdicional, verifica-se que o Tribunal estadual manifestou-se clara e devidamente acerca de todas as questões precípuas alegadas pelas partes, inexistindo, com isso, negativa de prestação jurisdicional.

Adentrando a análise do mérito, registra-se que a controvérsia precípua recai sobre o direito de preferência do coproprietário na aquisição do quinhão de coisa comum indivisível previsto no art. 504 do CC/2002, que assim dispõe:

Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência.

Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se as partes forem iguais, haverão a parte vendida os comproprietários, que a quiserem, depositando previamente o preço.

Na mesma diretriz, estabelece o art. 1.322 do CC/2002, in verbis:

Art. 1.322. Quando a coisa for indivisível, e os consortes não quiserem adjudicá-la a um só, indenizando os outros, será vendida e repartido o apurado, preferindo-se, na venda, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, e entre os condôminos aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, não as havendo, o de quinhão maior.

Parágrafo único. Se nenhum dos condôminos tem benfeitorias na coisa comum e participam todos do condomínio em partes iguais, realizar-se–á licitação entre estranhos e, antes de adjudicada a coisa àquele que ofereceu maior lanço, proceder-se–á à licitação entre os condôminos, a fim de que a coisa seja adjudicada a quem afinal oferecer melhor lanço, preferindo, em condições iguais, o condômino ao estranho.

Da leitura do dispositivo legal primevo (art. 504), denota-se que o comunheiro que pretende alienar o seu quinhão a terceiro estranho ao condomínio deve, antes de efetivada a venda, dar ciência aos demais condôminos, os quais terão preferência na aquisição da quota, desde que assim requeiram, no prazo decadencial de 180 (cento e oitenta) dias, depositando o preço equivalente àquele ofertado ao terceiro.

Nessa óptica, leciona Carlos Roberto Gonçalves (Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, volume 3, 17ª edição, São Paulo: Saraiva Educação, 2020, livro digital):

A venda de parte indivisa a estranho somente se viabiliza, portanto, quando: a) for comunicada previamente aos demais condôminos; b) for dada preferência aos demais condôminos para aquisição da parte ideal, pelo mesmo valor que o estranho ofereceu; c) os demais condôminos não exercerem o direito de preferência dentro do prazo legal. O direito de preferência é de natureza real, pois não se resolve em perdas e danos. O condômino que depositar o preço haverá para si a parte vendida. Tal não ocorrerá se este fizer contraproposta diferente da que ofereceu o estranho.

Como se vê, é vedado ao coproprietário em coisa comum indivisa vender o seu quinhão a estranhos, caso outro condômino tenha interesse, tanto por tanto. O alienante somente se desonera dessa obrigação legal, se notificar, devida e previamente, os demais consortes e não houver manifestação no prazo legal ou houver desinteresse na aquisição.

No caso dos autos, ressai incontroversa a condição de indivisão do imóvel, bem como o ajuizamento da ação anulatória consubstanciada no aludido direito de preferência dentro do prazo decadencial de 180 (cento e oitenta) dias.

Em relação à notificação, saliente-se que esta deve ser, em regra, judicial ou extrajudicial, de modo expresso e com comprovante de recebimento, a fim de demonstrar a inequívoca ciência, por parte dos outros condôminos, da intenção de venda. Nesse sentido, assenta-se a doutrina:

Para que um condômino venda sua parte ideal a estranhos sobre coisa indivisível, deve oferecê-la aos demais condôminos para que possam livremente exercer seu direito de preferência a essa compra. Por tal razão, deve ser dado conhecimento dessa venda por instrumento que liberará o condômino vendedor de responsabilidade. Esse instrumento pode ser uma interpelação judicial ou extrajudicial, por Cartório de Títulos e Documentos ou por carta protocolada, ou com ciência de recebimento em sua cópia, sempre provando que esse conhecimento foi dado.

(AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: contratos típicos e atípicos, volume 4, São Paulo: Saraiva Educação, 2019, livro digital)

Nada impede, contudo, que, nos termos do art. 107 do CC/2002, o conhecimento aos outros consortes se dê por meios informais, uma vez que a lei não prevê forma específica para tal ato, muito embora se entreveja certa dificuldade de se comprovar a ciência inequívoca mediante outra prova que não seja a documental.

Aliás, tal cognição já se encontra positivada no art. 27, in fine, da Lei n. 8.245/1991, que regulamenta o direito de preferência na relação locatícia, aplicando-se à hipótese dos autos (art. 504 do CC/2002) por analogia.

Confira-se, a propósito, a redação do dispositivo legal:

Art. 27. No caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar-lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca. (Sem grifo no original)

Importa ponderar, outrossim, que a validade da notificação pressupõe a informação expressa não só da intenção de venda da fração ideal de titularidade do coproprietário alienante, mas também das condições do negócio ofertadas ao terceiro, a exemplo do preço, do tempo e do modo de pagamento.

Nessa linha de intelecção, assenta-se a seguinte lição doutrinária:

A comunicação aos demais consortes, pelo interessado em vender sua parte ideal, pode ser feita por meios judiciais e extrajudiciais, como carta, telegrama, notificação pelo oficial de títulos e documentos etc., de modo expresso e com comprovante de recebimento, devendo mencionar as condições de preço e pagamento para a venda, negociadas com o estranho.

(GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais –volume 3, 17ª edição, São Paulo: Saraiva Educação, 2020, livro digital)

No presente caso, bem concluiu o TJMG, ao asseverar que a notificação deve ser expressa e incontestável, via de regra através de documento, e, mesmo que admitida a sua realização de forma verbal, como defendem os recorrentes, não é possível extrair dos depoimentos constantes do feito que foi dada ciência aos autores da real intenção de venda, bem como do respectivo preço.

Corrobora essa ilação o seguinte excerto do aresto hostilizado (e-STJ, fl. 510, sem grifo no original):

Após análise detida dos elementos probatórios, tem-se que os réus não cuidaram de demonstrar a ciência dada aos autores da sua intenção de venda de seu quinhão no imóvel, pois, repita-se, tal ciência há de ser expressa e incontestável, via de regra por meio de notificação, portanto, documento que lhes competia juntar aos autos.

Neste sentido, é de se reconhecer que por mais que tenham demonstrado por meio de testemunhas a ciência dos autores quanto a intenção, não restou apurado que tenham sido formalmente cientificados, com preço do imóvel e real intenção de venda, de forma que pudessem analisar o interesse da aquisição.

Ainda que se admitisse a forma verbal de comunicação, a verdade é que os depoimentos indicados pelo magistrado primevo para formação do seu conhecimento são frágeis, tendo em vista dos depoimentos não é possível verificar que foi cientificado a parte autora do valor da intenção de venda, que pelo que se observa dos autos e será analisado em momento oportuno, discrepa entre o valor apresentado como devido e aquele declarado ao fisco.

Por outro lado, a inexistência (ou ausência de comprovação) da prévia comunicação não acarreta a nulidade da venda que se efetivou sem a observância ao direito de preferência, sujeitando-se a eficácia da alienação à condição resolutiva, caso os demais condôminos exerçam a opção de compra do quinhão alheado, dentro do prazo decadencial de 180 (cento e oitenta) dias.

Conflui com esse raciocínio a doutrina subsecutiva:

A falta de comunicação não importa em nulidade da venda. O direito do estranho adquirente, no entanto, fica sob o regime de uma condição resolutiva. Enquanto não ocorrer a manifestação da preferência, o terceiro é tido como adquirente do bem e poderá exercer plenamente o domínio.

O prazo de seis meses com a finalidade de ser ajuizada a ação anulatória da venda considera-se decadencial, como está expresso no atual regime, iniciando a fluir a partir do momento da publicidade decorrente do registro imobiliário, o que já vinha apregoado pela antiga doutrina. “O prazo de seis meses é prazo preclusivo”, diz Pontes de Miranda. “Dentro dele há de ser exercido o direito de preferência, depositando o preço (não basta a oferta de depósito).

(RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, 18ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2019, pp. 342-343)

A propósito, já decidiu esta Terceira Turma que, “uma vez ultimado o negócio sem observância da notificação prévia do condômino, a solução da questão somente pode se dar na via judicial, pela ação de preferência c.c. adjudicação compulsória” (REsp 1.324.482/SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 5/4/2016, DJe 8/4/2016).

Por derradeiro, cumpre perquirir acerca do preço a ser considerado para os condôminos (autores) exercerem seu direito à aquisição do quinhão cuja titularidade pertencia a outra comunheira e ora recorrente SERSA SERSA –PARTICIPAÇÕES E EMPREENDIMENTOS AGROPECUÁRIOS S.A.

Oportuno relembrar que o art. 504 do CC/2002 expressamente prevê que a preferência na aquisição se dê “tanto por tanto”, ou seja, nos mesmos moldes em que realizada a oferta ou a venda ao estranho, através de interpretação sistemática desse artigo legal com os arts. 1.322 do CC/2002 e 27 da Lei de Locações (Lei n. 8.245/1991), ambos já citados alhures, referindo-se, clara e respectivamente, a “condições iguais de oferta” e “igualdade de condições com terceiros”.

Da mesma forma, preconiza Arnaldo Rizzardo que, “para o condômino fazer valer o princípio da preferência, cumpre que o mesmo se iguale ao estranho no oferecimento não só do preço, mas também das condições, o que importa se leve em conta o prazo e se considerem os juros e outras vantagens” (Contratos, 18ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 345).

A interpretação que os recorrentes pretendem dar à expressão legal “tanto por tanto”, ademais, de que o seu significado caracteriza o valor real do bem (citando, inclusive, lição doutrinária nesse sentido), não se mostra a mais acertada, a meu juízo, pois nada obsta que as partes pactuem o preço do negócio jurídico diverso daquele obtido mediante avaliação, da forma que melhor lhes aprouver, em decorrência do princípio da autonomia da vontade que rege as relações privadas. Se assim deliberaram coproprietário e terceiro, a mesma tratativa deve ser estendida aos demais condôminos.

Na hipótese, a discussão vai além. Alegam os autores (ora recorridos) que o preço válido é aquele constante da escritura pública de compra e venda levada a registro (R$ 15.000,00 –quinze mil reais), sendo esse o instrumento pelo qual tomaram conhecimento da venda, ao passo que os réus (ora recorrentes) defendem seja considerado o valor de avaliação do imóvel por perícia (R$ 450.698,40 –quatrocentos e cinquenta mil, seiscentos e noventa e oito reais e quarenta centavos) ou o efetivo montante pactuado da venda (R$ 360.000,00 –trezentos e sessenta mil reais), conquanto confessem os requeridos a existência de divergência substancial desta quantia com aquela prevista na escritura pública.

Amparado em tais premissas, concluir-se-ia que, em princípio, a importância a ser utilizada como parâmetro para o exercício do direito de preferência deveria ser aquela efetivamente convencionada entre as partes (R$ 360.000,00 –trezentos e sessenta mil reais).

Não obstante, a celeuma que se instaurou, no caso em voga, merece um olhar diferente, em consonância com a vontade exteriorizada e as condutas perpetradas pelas partes alienante e adquirentes, sobretudo sob a óptica da boa-fé objetiva.

Como ressaltado, o direito de preferência ora em comento só foi oportunamente exercido pelos recorridos após o aperfeiçoamento da venda da fração ideal do imóvel comum indiviso por SERSA –PARTICIPAÇÕES E EMPREENDIMENTOS AGROPECUÁRIOS S.A. para CLÊNIO ANTÔNIO GONÇALVES e REJANE MARQUES OLIVEIRA GONÇALVES, com a celebração da escritura pública de compra e venda e o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Entretanto, os recorrentes confessadamente afirmam terem lançado o preço do negócio jurídico a menor na escritura pública, não refletindo o real valor da compra e venda realizada.

Tal afirmativa se infere dos excertos subsecutivos retirados das razões do apelo especial (e-STJ, fls. 563-564):

O TJMG desconsiderou o texto expresso do referido dispositivo que expressamente condiciona o exercício do direito de preferência ao pagamento “condições iguais de oferta” sem qualquer vinculação a eventual valor lançado menor na escritura pública.

[…]

A contrariedade do acórdão recorrido ao art. 884 do Código Civil é ainda mais evidente.

O acórdão recorrido expressamente informa que “não há que se falar em outro valor como o de opção de compra pelos autores, na forma como procederam o depósito” –fls. 403.

A referida passagem, além de confirmar a contrariedade ao art. 504 do CC, como já explicitado no tópico anterior, demonstra a própria ofensa ao referido art. 884 do CC uma vez que autoriza que o autor se enriqueça de maneira surreal. Em um depósito de R$ 15.000,00, o autor adquire um imóvel avaliado pela perícia em R$ 450.698,40.

Com isso, evidencia-se a contrariedade à exegese do art. 884 do CC dada pelo acórdão recorrido uma vez que tal artigo expressamente proíbe que alguém obtenha tamanho proveito econômico sem lhe fazer jus.

[…]

Se existiu ou não fraude fiscal, essa é uma questão que foge ao objeto dessa ação. Mas, não pode o Poder Judiciário validar o enriquecimento sem causa dos recorridos o que acontecerá se confirmado o acórdão recorrido em verdadeira ofensa ao art. 884 do Código Civil.

A escritura pública, aliás, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena das informações que nela contiverem, nos termos do art. 215, caput, do CC/2002, sobretudo com a manifestação clara de vontade das partes e dos intervenientes (art. 215, § 1º, IV, do CC/2002). Essa formalidade, enfatiza-se, deve ser observada na compra e venda de imóveis, em regra, segundo estabelece o art. 108 do diploma substantivo.

Além disso, pontua-se que a perfectibilização do negócio, com a transferência da propriedade imobiliária, pressupõe o registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis (art. 1.245 do CC/2002, c/c o art. 172 da Lei n. 6.015/1973), ocasião em que produzirá efeitos erga omnes, alcançando terceiros, notadamente em virtude do atributo da publicidade.

Desta feita, surgem dois desdobramentos: enquanto não registrado o título, a avença produz efeitos apenas em relação àqueles que dela participaram; ao passo que, realizado o registro, tais efeitos atingem toda a sociedade.

Compartilham desse entendimento Nelson Rosenvald e outros:

Sendo os direitos reais oponíveis em caráter erga omnes, há a necessidade de cientificar a sociedade sobre a situação jurídica dos bens imóveis, tornando conhecidas por quem tenha interesse toda e qualquer mutação no cadastro imobiliário. A gênese da publicidade se dá pelo ato de registro ou averbação, em que surge em potência a função qualificadora dos títulos apresentados ao oficial. A ausência de registro produz duas ordens de consequências: (a) entre as partes o título se resume a gerar eficácia obrigacional; (b) perante terceiros: não se pode exigir o conhecimento daquilo que não se publica.

(FARIAS, Cristiano Chaves de; NETTO, Felipe Braga; ROSENVALD, Nelson. Manual de Direito Civil –volume único, Salvador: JusPodivm, 2017)

Diante disso, outra não pode ser a conclusão, a meu sentir, senão aquela em que a ausência de comunicação prévia aos demais coproprietários, pelo condômino alienante, acerca da venda do seu quinhão do imóvel comum indiviso ao terceiro estranho à relação condominial, é suprida pelo registro da escritura pública de compra e venda, iniciando-se, a partir daí, o transcurso do prazo decadencial do direito de preferência, porquanto presumida a ciência do negócio, nos limites das informações constantes do título levado a registro.

Ainda que se cogite de eventual enriquecimento dos autores – em virtude da substancial diferença entre o valor real do bem, ou efetivo do negócio, e aquele constante da escritura pública –, não se evidencia ilicitude ou ausência de causa subjacente, porquanto proveniente de conduta das próprias partes (alienante e adquirentes), que adotaram preço simulado, substancialmente destoante da realidade, não podendo agora tirar proveito da própria torpeza, se atuaram à margem da lei, com abuso do direito, notadamente porque desprovidos de boa-fé objetiva (art. 187 do CC/2002).

Em situação semelhante, que diz respeito ao direito de preferência do arrendatário de imóvel rural, assim decidiu a Quarta Turma desta Casa (sem grifo no original):

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ARRENDAMENTO RURAL. VENDA E COMPRA DO IMÓVEL POR TERCEIROS. FALTA DE NOTIFICAÇÃO AO ARRENDATÁRIO. DIREITO DE PREFERÊNCIA. LEI N. 4.504/1964, ART. 92, § 4º. DIVERGÊNCIA ENTRE O VALOR CONSTANTE EM CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA E NA ESCRITURA PÚBLICA REGISTRADA EM CARTÓRIO DE IMÓVEIS. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DESTA. PRESERVAÇÃO DA LEGÍTIMA EXPECTATIVA. BOA-FÉ OBJETIVA.

1. Apesar de sua natureza privada, o contrato de arrendamento rural sofre repercussões de direito público em razão de sua importância para o Estado, do protecionismo que se quer dar ao homem do campo e à função social da propriedade e ao meio ambiente, sendo o direito de preferência um dos instrumentos legais que visam conferir tal perspectiva, mantendo o arrendatário na exploração da terra, garantindo seu uso econômico.

2. O Estatuto da Terra prevê que: “O arrendatário a quem não se notificar a venda poderá, depositando o preço, haver para si o imóvel arrendado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar da transcrição do ato de alienação no Registro de Imóveis” (art. 92, § 4° da Lei 4.504/1964).

3. A interpretação sistemática e teleológica do comando legal permite concluir que o melhor norte para definição do preço a ser depositado pelo arrendatário é aquele consignado na escritura pública de compra e venda registrada no cartório de registro de imóveis.

4. Não se pode olvidar que a escritura pública é ato realizado perante o notário e que revela a vontade das partes na realização de negócio jurídico, revestida de todas as solenidades prescritas em lei, isto é, demonstra de forma pública e solene a substância do ato, gozando seu conteúdo de presunção de veracidade, trazendo maior segurança jurídica e garantia para a regularidade da compra.

5. Outrossim, não podem os réus, ora recorridos, se valerem da própria torpeza para impedir a adjudicação compulsória, haja vista que simularam determinado valor no negócio jurídico publicamente escriturado, mediante declaração de preço que não refletia a realidade, com o fito de burlar a lei, pagando menos tributo, conforme salientado pelo acórdão recorrido.

6. Na hipótese, os valores constantes na escritura pública foram inseridos livremente pelas partes e registrados em cartório imobiliário, dando-se publicidade ao ato, operando efeitos erga omnes, devendo-se preservar a legítima expectativa e confiança geradas, bem como o dever de lealdade, todos decorrentes da boa-fé objetiva.

7. Recurso especial provido.

(REsp 1175438/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/03/2014, DJe 05/05/2014)

Constata-se, desse modo, que o alegado enriquecimento dos autores provém de conduta única e exclusiva dos próprios recorrentes, sobretudo da então titular da parte ideal do imóvel indiviso, SERSA –PARTICIPAÇÕES E EMPREENDIMENTOS AGROPECUÁRIOS S.A., que deixou de notificar os autores e adotou preço simulado na escritura pública de compra e venda, revelando-se, portanto, impositiva a manutenção do acórdão recorrido, que, reconhecendo a prática de ilícito autorizante ao exercício de um direito, julgou procedente o pedido de adjudicação compulsória, visto que presentes os pressupostos legais do direito de preferência disposto no art. 504 do CC/2002.

Em arremate, considerando-se ineficaz a compra e venda realizada, reputo desnecessário dar ciência às respectivas instituições competentes para a apuração de eventual crime de sonegação fiscal, segundo levantado nas contrarrazões.

Por todo o exposto, conheço do recurso especial e nego-lhe provimento.

É como voto. ––/

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.628.478 – Minas Gerais – 3ª Turma – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJ 17.11.2020

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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