CSM/SP: Registro de Imóveis – Apelação – Dúvida inversa – Negativa de registro do formal de partilha expedido em inventário – Incorreções quanto à qualificação, estado civil e regime de bens – Necessidade de retificação – Casamento posterior que será objeto de averbação – Desprovimento do recurso.


  
 

Apelação nº 1056459-35.2019.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1056459-35.2019.8.26.0100

Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1056459-35.2019.8.26.0100

Registro: 2020.0000831608

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1056459-35.2019.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante EDNA MOURA ROSA, é apelado DECIMO QUARTO OFICIAL DO REGISTRO DE IMOVEIS DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 25 de setembro de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1056459-35.2019.8.26.0100

Apelante: Edna Moura Rosa

Apelado: Decimo Quarto Oficial do Registro de Imóveis da Capital

VOTO Nº 31.234

Registro de Imóveis – Apelação – Dúvida inversa – Negativa de registro do formal de partilha expedido em inventário – Incorreções quanto à qualificação, estado civil e regime de bens – Necessidade de retificação – Casamento posterior que será objeto de averbação – Desprovimento do recurso.

1. Cuida-se de recurso de apelação interposto por EDNA MOURA ROSA contra a r. sentença que julgou parcialmente procedente a dúvida inversa suscitada pela recorrente em face da recusa ofertada pelo 14º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital em proceder ao registro do formal de partilha referente aos bens deixados pelo falecimento de Roberto de Oliveira Moura e sua genitora Maria José Moura, cujo inventário tramitou perante o MM. Juízo da 2ª Vara da Família e Sucessões do Foro Regional do Jabaquara (processo n.º 1016783-51.2017.26.0003) entendendo como superado apenas o último óbice concernente à necessidade de apresentação das guias de ITCMD e comprovantes de pagamento, vez que aprovadas pela Fazenda Estadual.

Em suma, a Nota de Exigência de fl. 07 indicou como motivos de recusa do ingresso do título: “a) necessidade de retificação do formal de partilha para constar que, à época do falecimento de Roberto de Oliveira Moura, o estado civil de Maria de Lourdes era o de casada e não divorciada como constou, bem como a qualificação completa de seu cônjuge à época da sucessão ou declaração subscrita por João de Oliveira Nunes, com firma reconhecida, constando sua qualificação completa; b) ausência de apresentação da carta de sentença expedida pelo MMº Juízo da Comarca de Guarulhos/SP, referente ao divórcio de Roberto e Maria de Lourdes, a fim de comprovar se houve ou não partilha de 1/8 do referido imóvel; c) cópia autenticada ou original da certidão de casamento de Maria de Lourdes e João de Oliveira e cópia autenticada dos documentos pessoais deste último; d) apresentação das guias de ITCMD e comprovantes de pagamento; e e) apresentação das sentenças de separação e divórcio de Clodoaldo de Oliveira Moura e Roseli Cardoso de Oliveira Moura”.

Sustenta, em síntese, a recorrente que o primeiro óbice confunde-se com o terceiro, e que por ocasião da abertura da sucessão do falecido Roberto de Oliveira Moura, já dele estava divorciada a Sra. Maria de Lourdes de Souza desde 1984. Portanto, ela não era mais cônjuge como pretendido pelo Sr. Oficial, nem dele era herdeira, legítima ou testamentária, posto que, com o divórcio, passou de comunheira a condição de condômina detentora de parte correspondente a fração 1/16 do imóvel, parte essa que lhe foi reservada no inventário do falecido; com partilha ou sem partilha no processo do divórcio não houve qualquer transmissão da fração do bem imóvel, pois, mantido o condomínio dos divorciados com os demais herdeiros e com a viúva do primitivo transmitente, Sr. Manoel de Oliveira Moura; a divorciada Sra. Maria de Lourdes de Souza e seu novo cônjuge não integram a relação jurídica consubstanciada nos inventários processados em conjunto que decorrem dos falecimentos do Sr. Roberto de Oliveira Moura e da Sra. Maria José Moura, pois não são herdeiros legítimos ou testamentários; por não haver qualquer relação de parentesco entre a Sra. Maria de Lourdes de Souza com o falecido, não estão incluídos na ordem da vocação hereditária; não há se falar em violação do princípio da continuidade por não estar em qualquer momento rompida a cadeia de titularidade; quanto ao segundo óbice, há nos autos cópias das respeitáveis sentenças homologatórias dos divórcios dos dois divorciados, o falecido Roberto de Oliveira Moura e o herdeiro Clodoaldo de Oliveira Moura, sendo que, à época, os divorciandos não declararam a existência de bens, não havendo qualquer determinação para expedição de carta de sentença nos respectivos decisórios.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fl. 249/253).

É o relatório.

2. Presentes seus pressupostos legais e administrativos, conheço do recurso.

No mérito o recurso deve ser desprovido.

Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme disposto no item 119 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, vigente à época da qualificação (atual item 117).

Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7; Apelação Cível n. 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível n. 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível n. 1001015-36.2019.8.26.0223).

Fixada esta premissa, razão não assiste à recorrente.

Pretende a apelante o registro do formal de partilha dos bens deixados pelo falecimento de Roberto de Oliveira Moura, ocorrido em 26.05.2003, e pelo falecimento de sua genitora, Maria José Moura, ocorrido em 20.04.2015.

De proêmio, consigno que no curso da dúvida foram superados os óbices consistentes na apresentação das guias de ITCMD referentes à partilha de Roberto de Oliveira Moura e Maria José Moura, bem como a juntada das sentenças de separação e divórcio de Clodoaldo de Oliveira Moura e Roseli Cardoso de Oliveira Moura, restando como objeto da presente apelação os três primeiros entraves ofertados pelo Oficial.

Passo, pois, a analisá-los.

Com efeito, da documentação trazida aos autos é possível constatar que era originalmente titular de domínio do imóvel objeto da matrícula nº 69.619 o Senhor Manoel de Oliveira Moura.

Falecido Manoel em 31 de agosto de 1982, da partilha dos bens por ele deixados coube à viúva Maria José a metade ideal do imóvel e aos herdeiros Roberto, Clodoaldo, Edna e Edson, 1/8 a cada um.

O bem inventariado refere-se ao imóvel matriculado sob nº 69.619, consistente em uma casa e seu respectivo terreno situada na Rua Serpa Sobrinho, antigo n.º 08, atual n.º 46, parte dos lotes 773, 774 e 775, da Vila Brasilina, no 21º Subdistrito Saúde.

Do formal de partilha objeto do registro negado constou que Maria de Lourdes era, por ocasião do falecimento de Roberto de Oliveira Moura, dele divorciada.

Contudo, observa-se que na oportunidade do óbito de Roberto de Oliveira Moura, em 2003, sua ex-cônjuge, Maria de Lourdes, de quem se encontrava divorciado desde 10.09.1984, estava casada com João de Oliveira Nunes, sendo, de fato, necessária a retificação do formal de partilha para constar tal informação.

Não se está, diversamente do alegado pela apelante, a determinar a retificação do estado civil de Maria de Lourdes para casada com o falecido.

A situação é clara.

Por ocasião do falecimento de Roberto de Oliveira Moura, em 2003, sua ex-cônjuge, Maria de Lourdes, já estava casada com João de Oliveira Nunes, o que deverá ser refletido na matrícula do imóvel objeto do formal de partilha levado a registro.

Tal exigência não se relaciona com a ordem de vocação hereditária, como aventado pela recorrente, antes se mostra pertinente para que seja preservada a continuidade registrária que, segundo Afrânio de Carvalho, tem o seguinte significado:

“O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (Registro de Imóveis, 4.ª ed., 1998, Rio de Janeiro: Forense, pág. 253).

Do art. 195, da Lei nº 6.015/1973 decorre o princípio da continuidade registral, exigindo que novo título que ingresse no fólio se ampare no registro anterior em seus aspectos subjetivos e objetivos. Não há, pois, como se inscrever na matrícula ato jurídico que não tenha por base registro anteriormente constante da matrícula.

E, a exigência de respeito à continuidade, como requisito para o registro do título de transmissão do domínio, decorre de reiterada jurisprudência deste Conselho Superior da Magistratura:

“Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Formal de partilha extraído de ação de inventário de bens – Divergências entre a transcrição e o formal de partilha, relativas ao nome do proprietário do imóvel e ao seu estado civil – Necessidade de qualificação dos herdeiros com indicação de seus documentos de identidade, números das inscrições no cadastro da Receita Federal, e dos regimes de bens adotados em seus casamentos – Princípios da continuidade e da especialidade – Recurso não provido” (Apelação Cível nº 1095366-16.2018.8.26.0100, São Paulo, Desembargador Relator Geraldo Francisco Pinheiro Franco, j. 01.11.2019).

Ainda, a qualificação completa do cônjuge de Maria de Lourdes à época da abertura da sucessão de Roberto, é sustentável, também sob a ótica do princípio da continuidade, assim como a apresentação do original ou cópia autenticada atualizada da certidão de casamento de Maria de Lourdes e João de Oliveira Nunes, bem como eventual apresentação de certidão de registro auxiliar acaso o casamento tenha sido realizado em regime que necessite do pacto antenupcial.

Também afigura-se necessária a apresentação da carta de sentença do divórcio de Roberto e Maria de Lourdes, observando-se que não se está a exigir a efetiva partilha do bem, em descompasso com a Súmula 197 do Superior Tribunal de Justiça e art. 1581 do Código Civil, como sustenta a recorrente.

A exigência é relevante para análise da situação: havendo partilha, o ato será de registro; na hipótese de sua ausência há averbação do condomínio de 1/8 do imóvel, cuja análise não se afigura possível sem a apresentação da carta de sentença.

Finalmente, importante destacar que, como bem consignado pela I. Procuradora de Justiça, os documentos juntados após a sentença (o termo de audiência do divórcio entre Roberto e Maria de Lourdes – fl. 225/227) não podem ser conhecidos, uma vez que a finalidade precípua do procedimento de dúvida é a de dirimir dissenso entre o registrador e o apresentante do título levado a registro quanto as questões fáticas e jurídicas pré-existentes à suscitação, de modo que as exigências não satisfeitas pelo apresentante por ocasião da qualificação pelo registrador, impedem o registro do título e requerem nova prenotação e qualificação.

3. Por essas razões, nego provimento ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 03.12.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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