CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Recusa em registrar Escrituras Públicas de doação com reserva de usufruto com cláusulas restritivas em face da inexistência de indicação de justa causa – Inteligência dos arts. 1.848, “caput” e 2.042 do Código Civil – Aplicação das exigências legais contemporâneas ao registro – Apelação desprovida.

Apelação Cível nº 1088976-88.2022.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1088976-88.2022.8.26.0100
Comarca: AMERICANA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1088976-88.2022.8.26.0100

Registro: 2023.0001107394

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1088976-88.2022.8.26.0100, da Comarca de Americana, em que são apelantes VERA LUCIA ATALLAH SALEM, ROSE MAY ATALLAH QUARTIM BARBOSA, MARIA CRISTINA ATALLAH GABRIEL e GILBERTO JAMIL ATALLAH, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE AMERICANA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso e julgaram a dúvida procedente, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 15 de dezembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1088976-88.2022.8.26.0100

APELANTES: Vera Lucia Atallah Salem, Rose May Atallah Quartim Barbosa, Maria Cristina Atallah Gabriel e Gilberto Jamil Atallah

APELADO: Oficial de Registro de Imoveis e Anexos da Comarca de Americana

VOTO Nº 39.243

Registro de imóveis – Dúvida – Recusa em registrar Escrituras Públicas de doação com reserva de usufruto com cláusulas restritivas em face da inexistência de indicação de justa causa – Inteligência dos arts. 1.848, “caput” e 2.042 do Código Civil – Aplicação das exigências legais contemporâneas ao registro – Apelação desprovida.

Cuida-se de apelação interposta por Vera Lúcia Atallah Salem e outros contra a r. Sentença (fls. 274/280) proferida em processo de dúvida inversa, que manteve as exigências do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Americana, e recusou o registro das Escrituras de Doação com Reserva de Usufruto lavradas perante o 23º Tabelião de Notas da Capital referentes ao imóvel matriculado sob o nº 4.356 daquela Serventia.

As Notas de Devolução das escrituras de doação nºs 381826 (fls. 194/196) e 381827 (fls. 197/199) indicaram recusa semelhante para ingresso do título:

Nota devolutiva nº 381826

“Sendo assim, a presente escritura deverá ser corrigida para constar a justa causa para a imposição das cláusulas restritivas de impenhorabilidade e incomunicabilidade, ou corrigir a escritura para constar declaração da doadora que a parte ideal do imóvel doado não faz parte da legítima, mas sim da parte disponível dos seus bens, ou em caso de impossibilidade de ser corrigida a escritura, apresentar requerimento (com firma reconhecida) solicitando o registro da presente escritura desconsiderando as cláusulas restritivas impostas pela doadora (conforme apelação cível: 0024268-85.2010.8.26.0320)”.

Nota devolutiva nº 381827

“Sendo assim, a presente escritura deverá ser corrigida para constar a justa causa para a imposição das cláusulas restritivas de impenhorabilidade e incomunicabilidade, ou corrigir a escritura para constar declaração da doadora que a parte ideal do imóvel doado de trata da parte disponível dos seus bens, ou em caso de impossibilidade de ser corrigida a escritura, apresentar requerimento (com firma reconhecida) solicitando o registro da presente escritura desconsiderando as cláusulas restritivas impostas pela doadora (conforme apelação cível: 0024268-85.2010.8.26.0320)”.

Sustentam os recorrentes, em suma, que não se aplica ao caso o disposto no artigo 1.848, do Código Civil em vigor, uma vez que as doações configuram atos jurídicos perfeitos, consumados ao tempo da vigência do anterior diploma civil, quando não se exigia justa causa para a inserção de cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. Requerem, portanto, o provimento do recurso para que se proceda ao registro das escrituras de doação na forma em que se encontram, isto é, com as cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade estabelecidas pela falecida doadora.

O processo foi iniciado como alvará judicial e distribuído à 9ª Vara da Família e Sucessões da Comarca de São Paulo, que declinou da competência e determinou a redistribuição dos autos ao Juízo Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Americana (fls. 212), que o recebeu como dúvida inversa (fls. 217).

Aportados os autos na Corregedoria Geral da Justiça, sobreveio sua redistribuição por se tratar de feito de competência deste Conselho Superior da Magistratura (fls. 316/319).

A douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 311/313).

É o relatório.

Desde logo, cumpre observar que o dispositivo da sentença menciona a improcedência da dúvida inversa, no entanto, na hipótese de manutenção dos óbices apresentados pelo Oficial de Registro, como ocorreu, a dúvida, seja ela qual for, é sempre procedente.

Feita a observação, o recurso não merece provimento.

Trata-se de registro de duas escrituras públicas de doação com reserva de usufruto, gravadas com as cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade, ambas lavradas perante o 23º Tabelião de Notas da Comarca da Capital, sendo a primeira delas em 28/12/1979, no livro nº 1.427, fls. 89v/95 e, a segunda, em 21/08/1984, no livro nº 1.666, fls. 90v/96, prenotadas em decorrência da suscitação da dúvida inversa, sob os nºs 390.032 e 390.036 (fls. 222), pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Americana.

Pelos referidos atos notariais Emília Salem Atallah doou, dentre outros, parte ideal do imóvel matriculado sob o nº 4.356, no Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Americana, aos apelantes Gilberto, Rose May e Vera Lúcia, com reserva de usufruto para si e imposição de cláusulas restritivas de incomunicabilidade e impenhorabilidade (fls. 159/172 e 173/186).

O registro dos títulos foi negado, nos termos das notas devolutivas de fls. 194/196 e 197/199, o que ensejou a dúvida inversa.

A qualificação registral visa verificar se o registro de determinado título pode ser promovido em conformidade com os princípios e as normas aplicáveis na data em que admitido seu ingresso, pois como esclarece Afrânio de Carvalho:

“A apresentação do título e a sua prenotação no protocolo marcam o início do processo do registro, que prossegue com o exame de sua legalidade, que incumbe ao registrador empreender para verificar se pode ou não ser inscrito. A inscrição não é, portanto, automática, mas seletiva, porque depende da verificação prévia de estar o título em ordem. Além de a qualificação do título constituir um dever de ofício, o registrador tem interesse em efetuá-la com cuidado, porquanto, se lançar uma inscrição ilegal, fica sujeito à responsabilidade civil” (Registro de Imóveis, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 276).

Logo, não importa o momento da lavratura do ato notarial, pois é na data da sua apresentação ao registro que será analisado, em atenção ao princípio “tempus regit actum“, sujeitando-se o título à lei vigente ao tempo de sua apresentação na Serventia Imobiliária.

Nesta ordem de ideias, irrelevante que as escrituras públicas em apreço tenham sido lavradas sob a égide do Código Civil de 1916, ocasião em que a justa causa para instituição das referidas cláusulas era dispensável, nos termos que estipulava o artigo 1.676, daquele Diploma Legal, uma vez que o título foi levado a registro em 2022, quando em vigor o Código Civil de 2002.

À luz do artigo 1.245, do Código Civil, a transferência de propriedade imóvel entre vivos (in casu, a doação) é feita mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis, destacando-se que, na hipótese, ao tempo da transferência, já estava em vigor o Código Civil de 2002, que exige a indicação da justa causa à validade das cláusulas restritivas.

Fixadas estas premissas, consoante dispõe o artigo 544, do Código Civil:

“A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança”.

Assim, ausente, nos atos notariais em pauta, menção à inclusão dos bens doados entre os que compõem a parte disponível, presume-se o adiantamento da legítima, nos termos do artigo 2.005, do Código Civil, in verbis:

“Art. 2.005. São dispensadas da colação as doações que o doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo da doação”.

O artigo 1.848, do Código Civil, por seu turno, estabelece que:

“Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima”.

Daí se infere, pois, que a imposição de cláusulas restritivas sobre bens da legítima afigura-se admissível apenas com a declaração de justa causa no testamento.

Sobre os bens que compõem a parte disponível, não há restrição.

A despeito da ausência de previsão legal expressa, a partir da interpretação sistêmica ao artigo 544, do Código Civil, importando a doação, na espécie, em adiantamento da legítima, referidas cláusulas restritivas apenas poderão ser impostas quando ocorra, a tanto, causa justificadora.

No ponto, relevante trazer os comentários de Mauro Antonini ao artigo 1.848, do Código Civil [1]:

“(…) o art. 1.848 não faz menção à necessidade de indicação de justa causa na doação. A despeito da falta de previsão legal expressa, a solução mais acertada parece ser considerar necessária a declaração de justa causa também na doação, quando represente adiantamento de legítima. A não se adotar tal entendimento, o doador, por meio de doação, conseguiria burlar a restrição do art. 1.848. Sendo a doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, adiantamento da legítima, por expressa previsão do art. 544, não há sentido em dar tratamento legal diferenciado à limitação da clausulação da legítima por testamento ou por doação.

A coerência do sistema exige solução uniforme.” Entendimento diverso abriria a possibilidade de burla à restrição legal, bastando que o titular dos bens os doasse em vida aos filhos, para que pudesse gravá-los sem nenhuma justificativa.

Foi, nesse sentido, o entendimento deste C. Conselho Superior da Magistratura, exarado no v. acórdão de relatoria do então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador MAURÍCIO VIDIGAL, cuja ementa assim se transcreve:

“Registro de Imóveis  Dúvida  Recusa do Oficial em registrar escritura pública de doação com reserva de usufruto – Cláusulas restritivas  Inexistência de indicação de justa causa – Inteligência dos arts. 1.848, “caput”, e 2042 do Código Civil  Nulidade  Cindibilidade do título  Precedentes do Conselho Superior  Registro da escritura de doação, desconsiderada a cláusula restritiva  Recurso provido” (Apelação Cível nº 0024268-85.2010.8.26.0320).

Do corpo do v. Acórdão extrai-se que:

“Manifesta, pois, a intenção de o legislador reduzir os poderes do testador em relação à legítima. Por essa razão, presente a mesma “ratio legis” (“Ubi eadem ratio ibi idem ius”), não há como afastar a aplicação extensiva do art. 1848, “caput”, às doações feitas aos herdeiros, consideradas adiantamento de legítima (art. 544, do Código Civil). Não fosse assim, estaria aberta a via para burlar a restrição imposta pelo art. 1848, “caput”: bastaria que o titular dos bens os doasse em vida aos filhos, para que pudesse gravá-los sem nenhuma justificativa.

O Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão de 03 de março de 2009, Rel. Des. Luiz Antonio de Godoy, proferido na apelação cível no. 613.184-4/8-00 [atual: 9221174-50.2008.8.26.0000concluiu: “…com o advento do Código Civil de 2002, estabeleceu-se nova regra acerca da possibilidade de previsão de cláusula de inalienabilidade em seu art. 1848, “caput”… Insta ressaltar que, conforme corretamente anotado na sentença, referido dispositivo é, também, aplicável à doação considerada adiantamento de legítima, como se verifica na presente hipótese. A despeito de a doação ter ocorrido à época da vigência do Código Civil de 1916, não há como negar que a hipótese se enquadra no art. 2042, do Código Civil de 2002, que viabiliza a incidência do texto do art. 1848, “caput”, acima referido”.

Por tudo isso é que a recusa do Registrador está justificada e deve prevalecer no que se refere à pretensão de registro das escrituras públicas de doação tratadas nos autos.

Por fim, com referência à carta de adjudicação extraída do processo de inventário e partilha dos bens de Emília Salem Atallah, que acarretou a Nota de Devolução a fls. 240/241, constata-se que o Registrador não realizou sua qualificação, dispondo que o reingresso da referida carta deveria ser feito concomitantemente com as escrituras de doação anteriormente prenotadas.

Então, nada há a ser decidido relativamente à carta de adjudicação mencionada.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso, e julgo a dúvida procedente.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

[1] in Código Civil Comentado doutrina e jurisprudência, Coord. Min. Cezar Peluso: Comentários ao art. 1.848, fl. 1.837 /1.838. (DJe de 22.02.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Escritura pública de compra e venda – Exigências que já foram objeto de análise pela corregedoria permanente em processo anterior – Preclusão administrativa caracterizada – Recurso não provido.

Apelação Cível nº 1000002-51.2020.8.26.0357

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1000002-51.2020.8.26.0357
Comarca: PARANAPANEMA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1000002-51.2020.8.26.0357

Registro: 2024.0000218456

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000002-51.2020.8.26.0357, da Comarca de Mirante do Paranapanema, em que é apelante JOSÉ AVELINO DOS SANTOS, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MIRANTE DO PARANAPANEMA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento. v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 15 de março de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1000002-51.2020.8.26.0357

Apelante: José Avelino dos Santos

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Mirante do Paranapanema

VOTO Nº 43.207

Registro de imóveis – Dúvida – Escritura pública de compra e venda – Exigências que já foram objeto de análise pela corregedoria permanente em processo anterior – Preclusão administrativa caracterizada – Recurso não provido

José Avelino dos Santos interpôs apelação contra a r. sentença que, confirmando a recusa apresentada pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Mirante do Paranapanema, manteve o indeferimento do registro de escritura pública de compra e venda do imóvel objeto da matrícula nº 9.937 da referida serventia extrajudicial (fls. 134/135).

Alega o recorrente, em síntese, que, por ter caráter administrativo, a sentença proferida pela Corregedoria Permanente no procedimento de dúvida nº 0001250-40.2018.8.26.0357 pode ser revista; que o registro prévio dos formais de partilha apontados pelo registrador é desnecessário; e que o título apresentado descreve perfeitamente o imóvel desmembrado (fls. 142/150).

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 163/164).

Por meio da r. decisão a fls. 169, que aprovou o parecer de fls. 167/168, os autos foram redistribuídos a este C. Conselho Superior da Magistratura.

É o relatório.

Depreende-se da análise dos autos que o apelante, em outubro de 2018, apresentou a registro escritura de compra e venda, por meio da qual adquiriu de Denise Lima dos Santos Silva uma fração equivalente a 18,99771%, ou 9,68 hectares do imóvel objeto da matrícula nº 9.937 do Registro de Imóveis de Mirante do Paranapanema.

O registro foi negado, por meio da nota de devolução de fls. 47/48, e a dúvida suscitada foi julgada procedente, sem interposição de apelação (fls. 92/100 – autos nº 0001250-40.2018.8.26.0357).

A mesma escritura foi reapresentada em 24 de julho de 2019 (fls. 46), sobrevindo a nota de devolução de fls. 46 e a sentença ora recorrida, que concluiu que os motivos da devolução já haviam sido apreciados anteriormente (fls. 134/135).

Volta-se o apelante contra essa sentença.

Nesse ponto, como destacado pelo i. representante do Ministério Público (fls. 163/164), não tendo o apelante se insurgido contra a r. sentença prolatada no primeiro procedimento de dúvida, configurada a preclusão administrativa.

Sobre o tema, conveniente a citação de parecer da lavra do então Juiz Auxiliar da Corregedoria Geral de Justiça, José Antônio de Paula Santos Neto, aprovado pelo então Corregedor Geral, Des. Antonio Carlos Munhoz Soares:

“Vale trazer à colação, aqui, o escólio de Hely Lopes Meirelles, que, “em homenagem à estabilidade jurídica”, já tive oportunidade de citar no parecer que proferi, no âmbito da Corregedoria Geral da Justiça, no proc. CG nº 1.138/2003: “o que ocorre nas decisões administrativas finais é, apenas, preclusão administrativa, ou a irretratabilidade do ato perante a própria Administração. É a sua imodificabilidade na via administrativa, para estabilidade das relações entre as partes … Essa imodificabilidade não é efeito da coisa julgada administrativa mas é conseqüência da preclusão das vias de impugnação interna (recursos administrativos) dos atos decisórios da própria Administração” (Direito Administrativo Brasileiro, 15ª ed., 1990, p. 576).

Nessa linha o explanado, v.g., pelo MM. Juiz José Marcelo Tossi Silva, Auxiliar desta Corregedoria Geral, em parecer prolatado no proc. CG nº 2007/35.738: “Temse, diante disso, a existência de preclusão administrativa que, in casu, impede o interessado … de, ainda que sob outra rubrica, pleitear, no mesmo procedimento administrativo, a reforma de r. decisão de que não interposto, tempestivamente, o recurso previsto em lei”.

O mesmo magistrado, em recente parecer proferido no proc. CG nº 2002/460, examinou situação semelhante à que ora se apresenta, sublinhando, também ali, a caracterização de “preclusão administrativa”, de modo a inviabilizar “o provimento do novo ‘pedido de revisão administrativa’ da r. decisão proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente que indeferiu, há mais de oito anos, o requerimento de cancelamento administrativo da matrícula nº 4.320 do Registro de Imóveis de Agudos” (CGJSP – PROCESSO: 2009/137437, j. Em 30/03/2010).

Constatada a preclusão administrativa, não se justifica a reapreciação da matéria nesta via.

Destaque-se que as exigências mantidas pela r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente não comportam revisão com fundamento no princípio da autotutela da Administração Pública, pois voltadas à apresentação de documento obrigatório (Certificado de Cadastro de Imóvel Rural, cf. item 57, II, do Capítulo XX das NSCGJ – fls. 47) e à preservação da especialidade em seus aspectos objetivo (correção de azimutes – fls. 48) e subjetivo (prévio registro de formais de partilha – fls. 47).

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 21.03.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de imóveis – Certidão de inteiro teor da JUCESP – Instrumento particular de transmissão de parte ideal de imóvel a título de aumento de capital da sociedade – Exigência de comprovação do pagamento integral do ITBI, apesar da existência de parcelamento do tributo no município – Exigibilidade do débito tributário suspensa – Inteligência do disposto no artigo 151, VI, do Código Tributário Nacional – Afastada a exigência, para ingresso do título no fólio real – Dúvida improcedente – Apelação provida.

Apelação Cível nº 1021958-08.2022.8.26.0114

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1021958-08.2022.8.26.0114
Comarca: CAMPINAS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1021958-08.2022.8.26.0114

Registro: 2024.0000218457

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1021958-08.2022.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que é apelante P.R.A – SAN PARTICIPAÇÕES EM OUTRAS EMPRESAS LTDA., é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação e julgaram improcedente a dúvida, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 15 de março de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1021958-08.2022.8.26.0114

APELANTE: P.r.a – San Participações Em Outras Empresas Ltda.

APELADO: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas

VOTO Nº 43.173

Registro de imóveis  Certidão de inteiro teor da JUCESP  Instrumento particular de transmissão de parte ideal de imóvel a título de aumento de capital da sociedade  Exigência de comprovação do pagamento integral do ITBI, apesar da existência de parcelamento do tributo no município  Exigibilidade do débito tributário suspensa  Inteligência do disposto no artigo 151, VI, do Código Tributário Nacional  Afastada a exigência, para ingresso do título no fólio real – Dúvida improcedente  Apelação provida.

Trata-se de apelação interposta por P.R.A. – SAN PARTICIPAÇÕES EM OUTRAS EMPRESAS LTDA. contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE CAMPINAS/SP, que, na dúvida suscitada, manteve a recusa do registro da transmissão de parte ideal de 50% do imóvel de matrícula nº 115.925, para integralização do capital social da ora recorrente, até o total cumprimento das obrigações tributárias relacionadas à transmissão de bens imóveis ou direitos a eles relativos. (fls. 133/137).

Afirma o apelante, em síntese, que a exigência de comprovação da quitação integral do ITBI ou, certidão negativa, extrapola os termos da atividade notarial. Alega que o registro do título traslativo da propriedade é condição “sine qua non” para que se exija o pagamento do imposto em discussão, não podendo ser pretendida a cobrança prévia do imposto. Por fim, suscita que o próprio Município de Campinas autorizou o parcelamento do ITBI, não podendo ser óbice à transcrição do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis, observando-se que o parcelamento do débito é causa suspensiva da exigibilidade do tributo.

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 177/180).

É o relatório.

Decido.

P.R.A. – SAN PARTICIPAÇÕES EM OUTRAS EMPRESAS LTDA. requereu ao 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas, em 28/03/2022, a transferência do imóvel de matrícula nº 115.925 para seu nome, em razão da integralização do bem, levada a efeito pelo sócio Paulo Roberto Antunes, por ocasião do aumento de capital da sociedade já constituída, conforme certidão de inteiro teor emitida pela JUCESP.

Sobreveio a nota de exigência n° 58.016, com o seguinte teor (fls. 66):

Prenotação 398.962

Matrícula 115.925

Através da análise do pagamento das parcelas de ITBI apresentadas, e mediante consulta através do site da Prefeitura de Campinas, ao Termo de Acordo realizado, verificou-se a existência de inúmeras parcelas do ITBI ainda não pagas.

Nos termos do artigo 289 da Lei Federal 6015/1973, e dos artigos 8º e 16º, Lei Municipal 12.391/2005, fica impossibilitado o registro do presente contrato até o total cumprimento das obrigações tributárias relacionadas à transmissão de bens imóveis ou direitos a eles relativos.

Dessa forma, necessário apresentar todas as 60 guias e seus comprovantes de pagamento, ou certidão emitida pela Prefeitura de Campinas, autorizando o registro sem o total pagamento do ITBI, em virtude das parcelas já pagas”.

A r. sentença julgou procedente a dúvida para manter a exigência de quitação do imposto de transmissão de bens imóveis para registro da transferência da propriedade do imóvel em pauta, aduzindo ser incumbência do registrador a fiscalização do pagamento do imposto, sob pena de responsabilização solidária, nos termos do que estabelecem o artigo 289 da Lei nº 6.015/1973 e o artigo 134, IV, do Código Tributário Nacional, bem como os itens 119 e 119.1 do Capítulo XX do Tomo II das NSCGJ.

Assim é que a sentença exigiu a apresentação dos comprovantes de pagamento de todas as 60 parcelas do acordo firmado entre o transmitente e o Município de Campinas, ou certidão emitida pela Prefeitura de Campinas, autorizando o registro sem o total pagamento do ITBI.

A recusa do Oficial não se sustenta.

Sabe-se que o Oficial de Registro de Imóveis tem o dever de fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício (artigo 289 da Lei nº 6.015/1973), sob pena de sua omissão acarretar responsabilização solidária no pagamento do tributo (artigo 134, inciso VI, do Código Tributário Nacional).

Apresentado título hábil à transferência de direito real imobiliário ao Registrador de Imóveis e realizada sua prenotação, cabe ao Oficial exigir a comprovação do pagamento do tributo incidente no caso.

A alegação do apelante no sentido de que o fato gerador do imposto só se concretiza com a efetiva transferência do direito real imobiliário, o que apenas ocorre com o ato derradeiro de lavratura do registro da transmissão, não se sustenta.

A transmissão é ato complexo, que se principia com a apresentação e prenotação do título no Registro de Imóveis, sobrevindo sua qualificação pelo Oficial, a qual, se positiva, acarretará a inscrição do título de transferência do direito real imobiliário, cujos efeitos se operam “desde o momento em que se apresentar o título ao oficial de registro, e este o prenotar no protocolo” (art. 1.246 do Código Civil).

Nesse sentido, destaca-se:

“Fixada, assim, esta premissa, não se sustenta a alegação do apelante, no sentido de que a transferência de um direito real imobiliário, para fins de caracterização do fato gerador do imposto, somente se realiza, pontualmente, com o ato final de lavratura do registro em sentido estrito. A transmissão é ato complexo.

Afinal, se o art. 1.246, do Código Civil, dispõe que o registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao Oficial de Registro, e este o prenotar no protocolo, fica claro que a marcha até a inscrição é um verdadeiro processo, no qual, protocolado o título, compete ao registrador, em observância ao disposto na Lei de Registros Públicos, fazer seu exame, qualificação e devolução, com exigências ou registro, no justo prazo – e um dos pressupostos desse procedimento é, exatamente, a exigência do pagamento do tributo relativo à transmissão almejada.” (Apelação nº 1006060-52.2022.8.26.0114, de Relatoria do então Desembargador Corregedor Geral da Justiça, Dr. Fernando Antonio Torres Garcia, data de julgamento: 24 de março de 2023).

Sem razão, portanto, o apelante ao pretender afastar a exigência sob alegação de que não ocorrido o fato gerador do ITBI.

No entanto, o óbice deve ser afastado por motivo outro.

O cerne da discussão refere-se à exigibilidade ou não da quitação do imposto para fins do registro pretendido, haja vista a existência de parcelamento do ITBI junto ao Município de Campinas.

Quanto a isso, o MM. Juiz Corregedor Permanente, embora tenha consignado que o parcelamento do débito seja causa suspensiva da exigibilidade do tributo, manteve o óbice, por força da solidariedade imposta pela Lei Municipal nº 12.391/2005, o que, todavia, deve ser modificado.

A adesão ao parcelamento tem o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário, nos termos do artigo 151, inciso VI, do Código Tributário Nacional:

“Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:

[…]

VI – o parcelamento”.

Diante disso, não poderia, o Oficial de Registro, exigir a apresentação dos comprovantes de pagamento das parcelas vincendas do aventado acordo de parcelamento do débito tributário.

A hipótese vertente é semelhante à apreciada nos autos da Apelação nº 1117163-82.2017.8.26.0100, de relatoria do então Desembargador Corregedor Geral da Justiça, Dr. Pinheiro Franco, onde ficou expressamente consignado que:

“(…)

Destarte, independentemente da discussão sobre a legalidade de se exigir a comprovação do pagamento do ITBI desde a transação imobiliária, e não apenas por ocasião do registro do título, o óbice apresentado pelo Oficial não se sustenta.

Assim se afirma, pois este C. Conselho Superior da Magistratura vem decidindo que ao registrador compete verificar tão somente o recolhimento dos tributos relativos aos atos cuja prática lhe é atribuída, pois não lhe cabe discutir o valor recolhido, matéria de interesse exclusivo da Fazenda Pública, a quem a lei reserva os meios próprios para haver do contribuinte diferenças de recolhimento de impostos que entenda devidas. Sobre o tema:

‘Assentou-se orientação, neste Conselho Superior, no sentido de que o elastério conferido ao artigo 289 da Lei 6.015/73, e agora ao artigo 30, XI, da Lei 8.935, é o de que ao serventuário compete verificar tão só a ocorrência do pagamento do imposto relativo aos atos cuja prática lhe é acometida. Ou seja, no caso, em que se busca a prática de ato registrário, a qualificação do Oficial, na matéria concernente ao imposto de transmissão, não vai além da aferição sobre seu recolhimento, e não sobre a integralidade de seu valor.

Com efeito, qualquer diferença de imposto deve ser reclamada pela Fazenda na esfera própria.’

Na mesma linha, foi decidido no julgamento da Apelação nº 0002604-73.2011.8.26.0025, em voto da lavra do então Excelentíssimo Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Renato Nalini, que:

‘A falha apontada pelo Oficial envolve questão de questionamento no âmbito do direito material. Não foi atacada a regularidade formal do título nem mesmo a temporalidade do recolhimento ou o ato em si. Ao contrário, a exigência envolve exame substancial do montante do pagamento do imposto devido, que é atribuição dos órgãos fazendários competentes, sendo que seu questionamento mereceria a participação da Fazenda Pública, principal Interessada. Ao Oficial cabe fiscalizar, sob pena de responsabilização pessoal, a existência da arrecadação do imposto previsto e a oportunidade em que foi efetuada. O montante, desde que não seja flagrantemente equivocado, extrapola a sua função. Neste sentido é o parecer da D Procuradora de Justiça, citando precedente deste E. Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível 996-6/6, de 09/12/2088)’.

Desse modo, em que pese a cautela empregada, a atitude do registrador vai além de suas atribuições normais, pois não lhe cabe fazer exigências quanto ao pagamento integral do montante devido se a própria Municipalidade concordou em receber o tributo de forma parcelada.

Com isso, não se afasta a possibilidade de, caso venha a ocorrer inadimplemento das parcelas ou o recolhimento a menor, vir o Município a se valer dos meios necessários para exigir o montante devido, na forma da lei. Por ora, apenas está sendo reiterado o entendimento segundo o qual não cabe ao registrador atuar como agente fiscal, exigindo a integralidade do tributo.

(…)

Diante do exposto, dou provimento ao recurso, determinando o registro do título. (data do julgamento: 30 de abril de 2019)”.

Como se vê, a exigência apresentada pelo Registrador era descabida à vista da existência de parcelamento do tributo incidente na transmissão da propriedade do imóvel.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação, julgando a dúvida improcedente.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 21.03.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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