Artigo – A eutanásia e as diretrizes antecipadas de vontade em Portugal – Por Letícia Franco Maculan Assumpção

*Letícia Franco Maculan Assumpção

1- A eutanásia, o envelhecimento da população e as controvérsias envolvendo a medicina

1.1 – A eutanásia

A palavra eutanásia tem origem grega, sendo formada pelas expressões “eu” e “thanatos”, que significam boa morte, morte sem sofrimento e sem dor.  Eutanásia, pois, é utilizar ou abster-se de usar tratamentos, de modo a apressar ou provocar o óbito de um doente incurável, a fim de livrá-lo dos extremos sofrimentos que o assaltam.

A doutrina apresenta diversas classificações para a eutanásia, que a dividem em diferentes tipos. Uma importante análise  é a que trata da diferença entre distanásia, eutanásia passiva, eutanásia ativa e ortotanásia. A distanásia é a “má morte”, pois o paciente tem a sua morte adiada com a utilização de todos os métodos da medicina moderna para prolongamento da vida por meios artificiais, podendo haver indução do paciente ao coma com a finalidade incerta de que ele tenha alguma melhora. É a manutenção da vida a qualquer preço. Na eutanásia passiva, são suspensas as condutas médicas ou de medicamentos que serviriam para prolongar a vida do paciente. O médico, na eutanásia passiva, participa do processo de morte natural do paciente, apenas utilizando medicamentos capazes de dar tranqüilidade ao enfermo, diminuindo seu sofrimento. Já a eutanásia ativa, ou direta, é aquela em que a vida do enfermo é interrompida de forma antecipada, acelerando a morte. O médico utiliza substâncias letais, causando uma morte sem sofrimento. A ortotanásia, para parte da doutrina, não é uma forma de eutanásia, posto que não há interrupção da vida. A doença tem o seu o curso normal, mas o paciente recebe cuidados médicos para diminuir o sofrimento quando já não se pode buscar a cura.

Mas há diversas outras classificações para as formas de eutanásia. Sandra Cristina Patrício Santos  assim as apresentou :

1- Eutanásia penal ou punitiva – é aquela que ocorre nos países em que a pena de morte é aceita pelo ordenamento jurídico.

2- Eutanásia Voluntária – aquela que ocorre em decorrência da manifestação de vontade do paciente, podendo ser dividia em subtipos, quais sejam 2.1 – a eutanásia suicida, provocada pelo próprio paciente, podendo haver assistência de terceiro, não considerado o principal autor.  2.2 – a eutanásia provocada por terceiro, a pedido do paciente.

3- Eutanásia Involuntária – é a morte provocada contra a vontade do paciente.

4-Eutanásia não Voluntária – é aquela em que a morte é provocada sem que tenha existido prévia manifestação do paciente sobre eutanásia.

5- Eutanásia por Acção ou Positiva – é aquela em que existe interferência médica adequada, por meio da administração de fármacos.

6- Eutanásia por Omissão ou Negativa – é a morte que ocorre em razão da não aplicação de recursos médicos para manter vivo o paciente.

7- Eutanásia Agónica – é a morte provocada num doente terminal,  sem qualquer esperança de vida.

8- Eutanásia de Duplo Efeito – é um aceleramento da morte em virtude do uso de determinados fármacos pelo médico para aliviar a dor física de um paciente terminal. O uso desses fármacos tem como efeito indesejado a morte.

9- Eutanásia Lenitiva – é a que ocorre quando se aplicam meios que visam eliminar o sofrimento de doentes terminais, mas com o objectivo de conservação da vida e sem o encurtamento da mesma.

10-  Eutanásia Occisiva – é a morte provocada pelo médico que usa meios para liquidar o paciente para que este não sofra mais.

11- Eutanásia Homicida – é a morte provocada por homicídio piedoso, abreviar a vida de uma pessoa libertando-a de uma doença incurável.

12- Eutanásia Eugênica ou Eutanásia de tipo Econômica ou Social – é a que consiste na eliminação do sofrimento dos doentes incuráveis, dos inválidos e dos velhos, com o intuito de aliviar a sociedade do peso de pessoas economicamente inúteis, estendendo-se aos casos de malformações congênitas ou deteriorações irreversíveis, físicas e mentais. Este tipo de eutanásia ocorreu em Esparta e na Alemanha nazista.

As denominadas eutanásias eugênica e econômica não deveriam receber o nome de “eutanásia”, porque refletem crueldade e frieza, sendo imoral e criminosa a conduta orientada pela eugenia ou pela sobreposição valorativa de interesses econômicos frente à vida de pessoas .

Apesar de haver na doutrina tantas acepções para o termo “eutanásia”, o sentido mais corrente na sociedade é aquele que consta dos dicionários. Eutanásia, conforme o dicionário Webster, é: “uma morte fácil e sem dor ou um acto ou método de provocar a morte sem dor como forma de pôr fim ao sofrimento: defendido por alguns como forma de tratar as vítimas de doença incurável.” Neste artigo trataremos apenas dessa acepção de “eutanásia”, ou seja, da eutanásia voluntária e do suicídio assistido, dando enfoque à situação de Portugal e considerando a importância das Diretrizes Antecipadas de Vontade, por meio do Testamento Vital, para a manifestação da vontade da pessoa.

1.2. A eutanásia em Portugal

Em Portugal não existe direito à eutanásia ativa, que é o direito de exigir de uma terceira pessoa a provocação da morte para diminuir o sofrimento. Relativamente à ortotanásia e à eutanásia passiva, há ainda grandes discussões:

“Relativamente à ortotanásia (‘eutanásia ativa indireta’) e eutanásia passiva – o direito de se opor ao prolongamento artificial da própria vida – em caso de doença incurável […], podem-se justificar regras especiais quanto à organização dos cuidados e acompanhamento de doenças em fase terminal (direito de morte com dignidade), mas não se confere aos médicos ou pessoal de saúde qualquer direito de abstenção de cuidados em relação aos pacientes. A Constituição não reconhece qualquer ‘vida sem valor de vida’, nem garante decisões sobre a própria vida”.

Do ponto de vista da Lei Penal de Portugal, a eutanásia ativa direta é uma conduta de homicídio não justificada, mesmo que o doente tenha consentido expressamente e que o encurtamento da vida seja por um período curto. A Constituição da República  apresenta um conceito biológico de vida e não um conceito ‘qualitativo’ de vida, por isso não é constitucionalmente legítimo distinguir entre vida ‘digna de ser vivida’ e vida ‘indigna de ser vivida’. “Contudo, o médico pode, diante de situações extremas de doentes terminais sujeitos a sofrimento intolerável, agir em estado de necessidade desculpante, ao abrigo do artigo 35.º, nº 2, e beneficiar da correspondente dispensa de pena, e, apelando mesmo a uma exculpação nos termos do artigo 35.º, nº 1, por via da inclusão de uma vertente ‘qualitativa’ no bem jurídico da vida”  .

O Código Deontológico da Ordem dos Médicos, em seu Artigo 49.°, estabelece que: “2. Em caso de perigo de vida de doente com capacidade para decidir, a recusa de tratamento imediato que a situação imponha só pode ser feita pelo próprio doente, expressamente e sem quaisquer coacções.”

O tema é muito atual em Portugal, tendo havido debate na Assembleia da República no dia 1º de fevereiro de 2017. A petição do movimento cívico “Direito a morrer com dignidade” defende a despenalização da eutanásia, enquanto o movimento cívico STOP Eutanásia é contra a despenalização.

Segundo estudo de opinião efetuado pela Eurosondagem S.A. para o Expresso e SIC , abrangendo a população com 18 (dezoito) anos ou mais, residente em Portugal Continental e habitando em lares com telefone da rede fixa, no período de 3 a 9 de março de 2016, foi apurado que 67,4% da população portuguesa defende a legalização da eutanásia em Portugal, com apenas 22,1% contra. A conclusão é clara: a grande maioria dos portugueses quer ter o direito de decidir como e quando chega ao fim a sua vida.

A importância do tema é evidente, considerando a tendência mundial de envelhecimento da população, confrontada com o avanço da medicina, o que inevitavelmente tornará mais comum a existência de doenças que não levarão à morte pelo uso da tecnologia para prolongar a vida, mesmo que com sofrimento para a pessoa e sem perspectiva de que a vida volte a ser realmente de qualidade.

1.3 O envelhecimento da população no mundo e em Portugal

O “World Population Ageing 2015 ”, divulgado em 2015 pela Divisão de População das Nações Unidas (United Nations Population Division), informa que o envelhecimento da população progride de forma rápida praticamente em todos os países do mundo. Segundo as Nações Unidas, dados precisos, consistentes e oportunos sobre as tendências globais da estrutura etária da população são fundamentais para avaliar as necessidades atuais e futuras em relação ao envelhecimento da população e para definir prioridades políticas tendo em vista a promoção do bem-estar do crescente número de idosos na população.

O estudo resume as tendências do envelhecimento demográfico, extraídas das últimas estimativas e projeções das populações por idade e sexo, de 233 (duzentos e trinta e três) países ou áreas, conforme publicadas no “World Population Prospects: the 2015 Revision”. O relatório centra-se, principalmente, no período compreendido entre 2015 e 2030 e discute algumas implicações da evolução do número e da percentagem de idosos para o desenvolvimento do planejamento, incluindo aquele que diz respeito à erradicação da pobreza e ao crescimento econômico, à proteção social e à saúde e ao bem-estar das pessoas idosas.

Para as Nações Unidas,  à medida que as populações envelhecem, é mais importante do que nunca que os governos concebam políticas inovadoras e serviços públicos especificamente dirigidos às pessoas idosas.

Conforme informação divulgada em 2015 pelo Instituto Nacional de Estatística de Portugal – INE , os indicadores em Portugal e no contexto da União Europeia (UE 28) demonstram o envelhecimento demográfico, expressando uma maior proporção de população em idades mais avançadas em consequência dos processos de declínio da natalidade e de aumento da longevidade. Essa constatação é compreendida internacionalmente como uma das mais importantes tendências demográficas do século XXI.

Segundo o referido estudo do INE, Portugal apresenta, no conjunto dos 28 (vinte e oito) Estados Membros que formam a União Europeia – UE:

• o 5º valor mais elevado do índice de envelhecimento;
• o 3º valor mais baixo do índice de renovação da população em idade ativa;
• o 3º maior aumento da idade mediana entre 2003 e 2013.

Vemos, portanto, que o problema é bastante grave em Portugal, onde o envelhecimento da população já é uma realidade, o que justifica a atenção do governo para a questão da eutanásia e para a vontade de cada indivíduo sobre os tratamentos que quer ou não receber para prolongamento da vida.

Entendemos que, efetivamente, o envelhecimento da população apresenta-se como um grande desafio de política pública do Estado. Precisamos questionar se faz sentido manter a vida, mas em grande sofrimento e sem perspectiva de melhora na saúde; será que a vida humana deve, independentemente de sua qualidade, ser preservada sempre? Será que delongar a vida de uma pessoa doente pode configurar uma agressão ao paciente?

1.4. As controvérsias envolvendo a medicina

Com o constante avanço da medicina e dos tratamentos possíveis, que podem evitar a morte, apesar de não garantirem a qualidade da vida, os ordenamentos jurídicos têm se preocupado em regulamentar os procedimentos médicos que podem interromper ou prorrogar a vida humana de forma artificial. “A fase final da vida de uma pessoa suscita desde há largos anos inúmeras questões éticas e dúvidas de natureza existencial, sobretudo quando existe a possibilidade de intervir medicamente para aliviar a dor e o sofrimento.”

O uso excessivo da tecnologia leva, por vezes, à utilização desproporcionada de meios de tratamento em doentes terminais, denominada “obstinação terapêutica” ou “distanásia”. “Em matéria de cuidados de saúde a questão central é saber se o doente deve ou não poder ser livre para se autodeterminar e fazer escolhas livres, informadas e esclarecidas. Nomeadamente quando se trata de doentes terminais” .

A utilização abusiva da tecnologia ainda não foi devidamente regulada, mas não há dúvida de que o estabelecimento de critérios para uso dos meios tecnológicos disponíveis deve ser o mais consensual possível. Em uma democracia, a decisão clínica deve ser partilhada pelo médico com o doente e com a sua família. Devem existir de normas que permitam uma interpretação adequada da vontade dos doentes terminais quanto aos limites à intervenção médica. Ou seja, a questão é o exercício do direito à liberdade ética, que é valor fundamental das sociedades contemporâneas.

Os próprios médicos reconhecem que as situações de fim de vida geram as maiores controvérsias na bioética contemporânea. Até hoje, poucos países adotaram a abordagem radical de aceitar a interrupção direta da vida por um médico. A maioria dos países adere à tradicional proibição da eutanásia voluntária ativa, o que torna muito provável que a controvérsia continue a centrar-se na prática de não oferecer ou de suspender tratamento médico.  Não oferecer ou suspender algumas formas de tratamento é a maneira mais simples de defender os pacientes de conseqüências negativas possivelmente indesejadas da tecnologia médica que prolonga a vida, especialmente quando a qualidade de vida do paciente diminui drasticamente.

Países como os Estados Unidos da América têm experiência jurídica com este tipo de tomada de decisão médica: padrões aceitáveis são claramente definidos e amplamente aceitos, tanto para pacientes capazes quanto para incapazes. Em outros países, por várias razões culturais, esta prática ainda não se arraigou: as decisões de suspender ou não oferecer tratamentos são tomadas pelos médicos, mas não existe uma política amplamente acordada e publicamente declarada a respeito.

Massimo Reichlin relata dois casos que ocorreram na Itália e que foram amplamente discutidos, ambos lidando com questões de suspensão de tratamento médico no final da vida. No caso de Piergiorgio Welby, o ventilador artificial foi removido de um paciente que sofria de esclerose amiotrófica lateral, enquanto no caso de Eluana Englaro a nutrição artificial e a hidratação foram retiradas de uma senhora que se encontrava em estado vegetativo há mais de 17 (dezessete) anos. Ambos os casos suscitaram debate público e foram levantadas acusações contra os tribunais de que estaria havendo aprovação de um homicídio, pois os tribunais não incriminaram nenhum médico envolvido .

A discussão sobre o caso Englaro foi dominada pela questão de se entender a nutrição artificial e a hidratação como uma forma de “terapia”. Os tribunais inferiores recusaram-se a conceder a suspensão da nutrição e hidratação artificial ao fundamento de que apenas os tratamentos médicos que contam como “terapias” podem ser objeto de um julgamento de adequação e podem ser legalmente recusados por um paciente. A decisão final da Suprema Corte foi no sentido de suspender a nutrição e hidratação artificial, desde que essa fosse a vontade verificável do paciente, então irreversivelmente inconsciente.

Já no caso de Welby, foram discutidos os tratamentos médicos prolongadores da vida e os limites do seu uso adequado, bem como o papel a ser reconhecido à autonomia do paciente no processo de tomada de decisão. O paciente sofria de esclerose amiotrófica lateral há quase cinquenta anos e era tetraplégico há vinte e cinco anos. Ele era capaz, adequadamente informado e firmemente decidido a ter sua vontade respeitada. O  tribunal considerou que o médico, ao aceitar aplicar a sedação terminal ao paciente e desligar o ventilador, teria agido de acordo com as normas profissionais e legais. Os críticos, no entanto, enfatizaram que a intenção explícita do paciente de encerrar sua própria vida tornou o caso muito parecido com o suicídio e afirmaram que a cooperação voluntária do médico fez dele um caso de eutanásia voluntária ativa. O médico que desligou o respirador declarou que estava agindo de acordo com o princípio moral que obriga os médicos a não impor tratamentos indesejados aos seus pacientes e negou ter praticado a eutanásia. O caso, portanto, oferece a oportunidade de discutir a distinção entre não oferecimento e suspensão de tratamentos no contexto de uma doença neurodegenerativa como a esclerose amiotrófica lateral, em que surgem questões relativas aos limites possíveis dos deveres de evitar a morte diante de uma qualidade de vida em rápida decadência.

Um possível argumento contrário a aceitar a opção do paciente quanto a continuar vivo ou não é que aceitar o não oferecimento e a suspensão de tratamentos médicos que prolongam a vida pode tornar-se facilmente o primeiro passo que levaria à aceitação de que os médicos podem matar. Para REICHLIN, pois, não há dúvida de que pacientes e médicos devem agir com a máxima prudência no contexto das decisões de fim de vida, mas é muito importante ter em conta todas as consequências das diferentes opções. Se optarmos por não aceitar a vontade do paciente e nunca deixar de oferecer ou suspender tratamentos médicos, estaríamos afirmando que os tratamentos que prolongam a vida se tornariam obrigatórios e que o poder de sustentar artificialmente a vida humana se tornaria uma espécie de gaiola tecnológica da qual os pacientes nunca pudessem escapar.

Em outras palavras, o resultado seria transformar oportunidades tecnológicas em imperativos morais incondicionalmente vinculantes. Se quisermos evitar o resultado da “gaiola tecnológica”, temos fortes razões para aceitar a diferença entre retirar o tratamento de prolongar a vida e ativamente terminar a vida do doente .

Conceder aos pacientes uma oportunidade manifestar sua vontade de não receber ou suspender todos os tipos de tratamentos médicos é reconhecer o seu poder de evitar as consequências indesejadas do desenvolvimento médico. Cabe examinar se a vedação de imposição de tratamentos médicos a pacientes que não desejam está de acordo com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que privilegia a liberdade do indivíduo, inclusive no que tange à opção pela morte, se a vida não é mais uma vida digna. Como compatibilizar o direito à vida com o direito de morrer e com a dignidade da pessoa humana?

2- Os Direitos fundamentais e a liberdade

2.1. O Direito à vida, o direito de escolher morrer e a dignidade da pessoa humana

O direito à vida é consagrado na Constituição de Portugal, assim como nas  Constituições dos países democráticos. A vida é protegida de forma especial, posto que, sem a vida humana, os demais direitos humanos não existiriam.

A doutrina esclarece sobre o direito à vida humana, que é única e irrepetível:

“O direito à vida é um direito sobre o bem protegido vida, é um direito a exigir um comportamento negativo dos outros, e atentar contra ele leva ao dano morte, que é um dano superior a todos os outros que o Direito protege. Trata-se de um dano incomensurável, dado que cada vida é única e irrepetível. Derivando o direito à vida diretamente da dignidade da pessoa humana, todos os indivíduos, ainda que muito doentes, não deixam de ser humanos, nem a sua vida deixa de merecer o máximo respeito. O direito à vida caracteriza-se pela sua essencialidade, inatismo, oponibilidade absoluta, interioridade, extrapatrimonialidade, intransmissibilidade, indisponibilidade, e superioridade hierárquica, pelo que sendo o mais alto e importante de todos os interesses tutelados pela ordem jurídica, é defendido pelo Estado pelas mais diversas formas […], reconhecendo de alimentar compulsivamente aqueles que se põem em perigo de morte por greves de fome, punindo até criminalmente quem não socorre alguém que está em perigo de vida, ou que se pretende suicidar”.

Há que se questionar, no entanto, o limite da vida, bem como a afirmação de que o direito à vida possui superioridade hierárquica em relação aos demais direitos, mesmo porque a Constituição Portuguesa não esclarece se está protegendo a quantidade de vida ou a qualidade de vida. Cabe indagar até que ponto a vida pode ser prolongada de forma artificial, pois obrigar uma pessoa a viver sem qualidade pode ser visto como uma forma de tortura, como uma infração ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Em Portugal, a pessoa humana está na base de toda a ordem jurídica, considerando a pessoa humana como ente individual dotado de razão e de liberdade e destinado a um fim transcendente cuja realização compete ao direito assegurar. O Direito se destina ao homem e todas as pessoas têm uma dignidade sagrada e equivalente. Para GOMES DA SILVA: “Nada, na ordem jurídica como na construção científica do direito, pode partir de postulados formais, estranhos à personalidade, antes tudo tem de assentar no respeito do fim dignidade do homem”.

O princípio da dignidade da pessoa humana é considerado atualmente um princípio fundamental e dele derivam todos os demais princípios, ele deve nortear todas as regras jurídicas. Os direitos de personalidade, pois, também decorrem da dignidade humana. Para OLIVEIRA ASCENSÃO: “toda a Teoria Geral deve ser encimada pelo ramo determinante de todo o Direito – o Direito da Pessoa. Aí deve ser exposta, quer a caracterização essencial da pessoa, quer as implicações directas desta – nomeadamente o que respeita aos direitos de personalidade e aos “deveres de personalidade”. Traça-se o estatuto fundamental da pessoa, em que cabem também as directrizes fundamentais decorrentes da caracterização da pessoa como ente em comunhão”.

A dignidade da pessoa humana é um princípio jurídico-constitucional, pelo fato de ter a Constituição de Portugal definido, em seu artigo 1º, que a República é “baseada na dignidade da pessoa humana”  , tendo feito menção à dignidade também em diversos outros artigos , havendo assim “um irrecusável reconhecimento da dimensão jurídico-constitucional da dignidade da pessoa humana”. Por isso, a dignidade da pessoa humana produz conseqüências jurídicas em toda a ordem jurídica, abrangendo tanto as relações entre o Estado e os particulares quanto as relações horizontais entre estes. A dignidade é um princípio constitucional supremo, pois não surge como um entre vários outros princípios, mas consiste em “base ou alicerce em que se assenta todo o edifício constitucional”, sendo reconhecido como “princípio dos princípios” .

O reconhecimento e a proteção da dignidade resultam da evolução do pensamento sobre o que significa o ser humano, sendo que é essa compreensão que determina o modo pelo qual o Direito reconhece e protege a dignidade. .  A dignidade da pessoa humana é um valor que resulta do traço distintivo do ser humano, dotado de razão e consciência. Esse valor atrai a realização dos direitos fundamentais do homem, em todas as suas dimensões, não admitindo discriminação alguma. SILVA  cita Kant, que já afirmava que a autonomia, ou seja, a liberdade, é o princípio da dignidade da natureza humana e de toda natureza racional, um valor incondicionado, incomparável, que traduz a palavra respeito.

Para SARLET há contradições na criminalização de todas as formas de eutanásia ao argumento de que se deve proteger a vida. Para ele, ainda que não seja reconhecido pelo ordenamento jurídico o direito ao suicídio, a lei não impede que a pessoa cause a própria morte. “Se alguém quer pôr fim a sua própria vida, contudo, por estar enfermo e depender de terceiros, não pode por si só chegar ao resultado, resta sujeito ao que o Estado, a família e os médicos consideram ser o mais adequado.”  As novas tecnologias e a sua utilização para prolongamento da vida humana têm consequências imediatas e de grande repercussão para o mundo jurídico. “A bioética e o direito têm de caminhar em conjunto para a abordagem de questões interdisciplinares, tão complexas, cruciais e delicadas como a Eutanásia, a experimentação humana, e a manipulação genética, entre outras” .

Nós entendemos que o direito à vida e o direito à dignidade são autônomos, não há hierarquia entre eles. O direito de morrer e o direito à eutanásia passiva existem, mesmo porque uma posição em sentido contrário feriria a liberdade, que é inerente ao princípio da dignidade da pessoa humana. O direito à vida não se opõe ao direito de morrer se a pessoa não consegue viver sem aparelhos, sem intervenções que retiram a qualidade da vida e trazem sofrimentos que podem ser comparados à tortura.

Os direitos fundamentais são relativos. A relatividade desses direitos pode justificar a licitude da eutanásia para preservar a dignidade da pessoa humana. A vida precária, com sofrimento profundo e sem esperança de cura não é uma vida digna . O direito que deve ser protegido é a qualquer vida, a qualquer custo, ou à vida digna? Essa discussão já foi feita em Portugal:

“O Prof. Figueiredo Dias há muito que vem defendendo que à face do direito positivo, o doente tem todo o poder para impedir o prosseguimento de determinado tratamento doloroso; o Prof. Maia Gonçalves considera que a eutanásia por omissão deve entender-se como não punível; o Dr. Joaquim Gouveia, embora não esquecendo que a Eutanásia fere o juramento de Hipócrates, defende que os médicos devem ter disponibilidade para respeitar a vontade do doente – se um médico propõe um determinado tratamento e ele o recusa, o clínico deve aceitar a sua vontade”.

O Professor Pedro Trovão do Rosário esclarece sobre o sistema aberto de direitos fundamentais consagrado pela Constituição da República de Portugal:

“A CRP consagra um sistema aberto de direitos fundamentais, patente numa noção de direitos que transbordam a previsão do texto constitucional, constantes de outros textos legais e de regras de direito internacional em vigor na ordem interna, como sejam a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Pacto sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, a Convenção da ONU sobre os Direitos das Crianças, algumas Recomendações e Convenções da Organização Internacional do Trabalho, a Carta Social Europeia, algumas disposições do Tratado da União Europeia, a Carta comunitária dos Direitos Sociais dos Trabalhadores e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.”

A mencionada Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia  determina, na primeira alínea do nº 2 do seu artigo 3.º, que, no domínio da medicina e da biologia, deve ser respeitado o consentimento livre e esclarecido da pessoa, nos termos da lei.

Também a Convenção sobre os Direitos do Homem e da Biomedicina  estabelece que qualquer intervenção no domínio da saúde deve ser precedida de um consentimento informado e esclarecido.

Assim, cabe questionar se a pessoa deve ter a liberdade de escolher morrer em certas situações de sofrimento excessivo. Para melhor compreender que existe o direito de morrer e que esse direito está em conformidade com o princípio da dignidade da pessoa humana, pode-se estudar os argumentos filosóficos e jurídicos que envolvem o aborto. O aborto e a eutanásia têm muito em comum: o aborto é a interrupção do início da vida e eutanásia é a interrupção do fim da vida.

2.2 DWORKIN, a eutanásia e o aborto

Para nós, a argumentação filosófica para justificar ou afastar o aborto e a eutanásia é essencialmente a mesma. DWORKIN  trata as questões da eutanásia e do aborto, enfocando-as como “os extremos da vida”, pois o aborto significa matar deliberadamente um embrião humano em formação e a eutanásia tem o sentido de matar uma pessoa, deliberadamente, por razões de benevolência.

Segundo DWORKIN, a atual discussão sobre a eutanásia ganhou atenção porque os médicos passaram a admitir abertamente algo que sempre fizeram: ajudar os pacientes a morrer. Na Holanda o Parlamento admitiu que os médicos não serão punidos por colaborarem com a morte do paciente, desde que sigam algumas regras. DWORKIN relata que, nos Estados Unidos, em 1991, um grande júri decidiu que não deveria ser processado por assistência ao suicídio um médico que receitou pílulas a uma doente com leucemia, esclarecendo a ela quantas deveria tomar para morrer.

Para o mencionado filósofo, o debate sobre o aborto, e também sobre a eutanásia, tem por base uma confusão intelectual muito difundida e que pode ser eliminada, de modo que seja possível encontrar uma solução jurídica racional para a controvérsia, que não irá afrontar nenhum grupo.

Para DWORKIN, há duas ideias muito diferentes:

1- denominada “objeção derivativa”: os fetos são criaturas com interesses próprios desde o início, aí incluindo o interesse de permanecer vivo, assim, têm os direitos que todos os seres humanos têm. “Nos termos de tal afirmação, o aborto é errado já em princípio por violar o direito de alguém a não ser morto, assim como matar um adulto é normalmente errado por violar seu direito a que não o matem.” Chamou esta objeção de “derivativa” porque pressupõe direitos que a objeção presume que todos os seres humanos têm, inclusive os fetos. A pessoa que aceita esta objeção acredita que o governo tem uma responsabilidade derivativa de proteger o feto.

2- denominada “objeção independente”: a vida humana em um valor intrínseco e inato, é sagrada em si mesma e o aborto é errado em princípio porque desconsidera e insulta o valor intrínseco e o caráter sagrado de qualquer estágio ou forma de vida humana. Esta objeção foi por ele chamada de “objeção independente” porque não depende de nenhum direito ou interesse particular, nem os pressupõe. A pessoa que aceita esta objeção acredita que o governo tem uma responsabilidade independente de proteger o valor intrínseco da vida.

No contexto da eutanásia fica mais fácil de entender a diferença entre a objeção derivativa e a objeção independente. Para apresentar a distinção, DWORKIN relata o caso ocorrido no Missouri, nos Estados Unidos da América.  Nancy Cruzan, uma jovem, sofreu um acidente e ficou em estado vegetativo persistente. Em 1989 o Supremo Tribunal decidiu que os pais de Nancy não poderiam determinar aos médicos que retirassem os tubos de alimentação que a mantinham viva. Para o Supremo Tribunal, o Missouri podia manter a vida de Nancy mesmo contra os seus próprios interesses, porque a vida humana é sagrada: “o estado tinha o direito de afirmar que é intrinsicamente mau que alguém morra deliberada e prematuramente”.

DWORKIN realça o voto do juiz Scalia para afirmar que naquele julgamento a conclusão foi pela “objeção independente”:

“o valor intrínseco da vida humana não depende de nenhum pressuposto sobre os direitos ou interesses de um paciente; os estados têm o poder, disse ele, de impedir o suicídio de pessoas capazes que pensam, corretamente que o melhor para elas seria morrerem um poder que claramente não decorre de nenhuma preocupação com seus direito se interesses. Se o fato de tais pessoas acabarem com sua própria vida é um erro, assim o é a despeito de sues direitos, e não por causa destes.”

Sendo assim, os fundamentos para as argumentações são distintos: 1- a vida humana é sagrada; 2- o feto e a pessoa têm o direito de viver, ou seja, o feto e a pessoa têm direitos e interesses próprios.

Sobre o aborto, DWORKIN  afirma que a questão jurídica de o feto ser ou não uma pessoa é por demais ambígua para ser útil, pois depende do significado que damos para a palavra “pessoa”, e que a melhor opção é responder às seguintes perguntas morais: “o feto tem interesses que devem ser protegidos por direitos, inclusive pelo direito à vida? Devemos tratar a vida de um feto como sagrada, tenha ele ou não interesses?”

Sobre a eutanásia, DWORKIN distingue as duas controvérsias: 1- “Se um paciente que entrou em coma irreversível for mantido vivo, seus interesses fundamentais estarão sendo atendidos?” 2- “Será errado permitir que um paciente assim morra, mesmo que morrer esteja entre os seus interesses fundamentais, porque o respeito pela santidade da vida humana exige que não se meçam esforços para prolongar sua vida?”

E DWORKIN retoma a discussão questionando: “até que ponto a eutanásia, em suas diversas modalidades – suicídio, suicídio assistido, suspensão do tratamento médico ou do suporte vital -, pode ser condenável ainda que esteja entre os interesses fundamentais do paciente. ”

O filósofo afirma que, para muitas tradições religiosas, o investimento feito pela natureza em uma vida humana terá sido frustrado sempre que morrer alguém que pudesse ser mantido vivo por mais tempo.  Assim, toda a intervenção humana, por exemplo, injetar uma droga letal em alguém que agoniza devido a um câncer doloroso, ou retirar o suporte vital de alguém em estado vegetativo permanente, equivale a uma fraude contra a natureza. Por outro lado, se a questão for a santidade da vida, então a eutanásia será sempre um insulto a esse valor. No mundo inteiro esse argumento constitui a base mais poderosa da oposição conservadora a todas as formas de eutanásia. Mas não se trata do único argumento, pois as pessoas se preocupam com questões práticas e administrativas e ficam aterrorizadas com a ideia de autorizar a morte de alguém que pudesse recuperar-se e continuar vivendo normalmente. Para DWORKIN, no entanto, não há dúvida de que: “a intuição de que a morte deliberada é um, insulto selvagem ao valor intrínseco da vida, mesmo quando o paciente explicite sua vontade de morrer, constitui a parte mais profunda e importante da repulsa conservadora diante da eutanásia.”

DWORKIN afirma que o apelo à santidade da vida tem como fundamento a afirmação de que “a vida de uma pessoa não pertence a ela, mas a Deus” . Contudo, o próprio filósofo reconhece que alguns estudiosos e líderes religiosos estabelecem uma distinção sobre quando a decisão de manter uma pessoa viva é boa para ela e quando é boa porque respeita um valor que ela incorpora.

O caráter sagrado da vida está sujeito a interpretações diferentes. Pode-se entender que prolongar a vida de uma pessoa muito doente, sem consciência, na verdade vai contra a natureza, pois os objetivos da natureza não são atingidos quando são aplicadas sucção inspiratória e química em um corpo inerte e sem mente, mantendo os batimentos de “um coração que a própria natureza já teria feito calar-se” . Nesse enfoque, a eutanásia sustenta a santidade da vida.

Assim, Dworkin insiste na liberdade, tendo em vista a dignidade e o direito à consciência. Para ele, um governo que nega esse direito é totalitário, por mais livres que deixe as pessoas para fazer escolhas menos importantes. Para ele, o melhor é que cada um tenha o direito de decidir por si mesmo .

3- As Diretivas Antecipadas de Vontade

A Lei de Bases da Saúde, em Portugal, Lei n.º 48/90 , estabelece que os usuários, além do direito a serem informados sobre a sua situação, as alternativas possíveis de tratamento e a evolução provável do seu estado, têm ainda o direito de decidir receber ou recusar a prestação de cuidados que lhes é proposta. Assim, no ordenamento jurídico português, é reconhecida a autonomia da vontade relativamente a questões de saúde, mas como proceder se as pessoas estiverem incapacitadas de manifestar sua vontade de forma autônoma e consciente?

Tendo em vista a necessidade de dar resposta a essa pergunta, surgiu o testamento vital em Portugal, por meio da Lei nº 25/2012 , que regula as diretivas antecipadas de vontade, designadamente sob a forma de testamento vital, e a nomeação de procurador de cuidados de saúde e cria o Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV), e que assim define as diretivas antecipadas de vontade:

“As diretivas antecipadas de vontade, designadamente sob a forma de testamento vital, são o documento unilateral e livremente revogável a qualquer momento pelo próprio, no qual uma pessoa maior de idade e capaz, que não se encontre interdita ou inabilitada por anomalia psíquica, manifesta antecipadamente a sua vontade consciente, livre e esclarecida, no que concerne aos cuidados de saúde que deseja receber, ou não deseja receber, no caso de, por qualquer razão, se encontrar incapaz de expressar a sua vontade pessoal e autonomamente.”

Segundo Faria Costa, “independentemente da discussão que se possa travar sobre o sentido, o valor e a importância do testamento biológico, é um dado, reconhecido por todos, que, se se aceita uma tal figura jurídica, ela interfere, manifestamente, sobre o âmbito da eutanásia” . Realmente, as Diretivas Antecipadas de Vontade, apresentadas por meio de Testamento Vital, são uma solução para a questão das dúvidas médicas a respeito do prolongamento artificial da vida.

O princípio da autonomia é o corolário da dignidade da pessoa humana e pode ser manifestado pelo Testamento Vital, que protege o paciente de tratamentos que não deseja receber: “efetivamente, nas situações em que os benefícios de uma terapia não são proporcionais aos transtornos que acarretam, o princípio da autonomia protege a decisão do doente de não consentir no tratamento, desde que tenha capacidade para o fazer.”  É essencial lembrar que, na relação clínica com o doente, todas as intervenções médicas devem ser precedidas de consentimento que, além de ser livre, deve ser informado e esclarecido. Para isso, os fatos têm que ser apresentados em linguagem acessível, o que é considerado um imperativo de ética médica profissional.

Em Portugal, a criação do Testamento Vital, pela Lei nº 25/2012, de 16 de Julho , veio garantir o respeito ao livre consentimento informado e esclarecido, respaldando a dignidade da pessoa humana, a liberdade da pessoa, a sua autonomia. A mencionada lei, em seu n.º 1 do art. 2.º, conceitua o Testamento Vital como o documento unilateral, livremente revogável a qualquer momento, no qual a pessoa, maior de idade e capaz, manifesta antecipadamente a sua vontade consciente, livre e esclarecida, no que se refere aos cuidados de saúde que deseja receber, ou não deseja receber, no caso de se encontrar incapaz de expressar a sua vontade pessoal e autonomamente.

Na opinião de Stela Barbas, “o princípio da autonomia prescreve o respeito pelas legítimas e livres opções e decisões das pessoas. Na prática, autonomia implica promover e tutelar comportamentos autónomos dos doentes, informando-os de forma adequada, garantido a compreensão correcta dessa informação e a livre decisão” .

Para Luís Roberto Barroso   a autonomia da vontade constitui o elemento ético da dignidade humana:

“A autonomia da vontade é o elemento ético da dignidade humana, associado à capacidade de autodeterminação do indivíduo, ao seu direito de fazer escolhas existenciais básicas. Ínsita na autonomia está a capacidade de fazer valorações morais e de cada um pautar sua conduta por normas que possam ser universalizadas. A autonomia tem uma dimensão privada, subjacente aos direitos e liberdades individuais, e uma dimensão pública, sobre a qual se apóiam os direitos políticos, isto é, o direito de participar do processo eleitoral e do debate público. Condição do exercício adequado da autonomia pública e privada é o mínimo existencial, isto é, a satisfação das necessidades vitais básicas.”

As diretivas antecipadas de vontade têm que ser formalizadas por meio de documento escrito, assinado presencialmente perante notário ou perante funcionário do Registo Nacional do Testamento Vital. Foi criado pela mesma lei o Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV), controlado pelo Ministério da Saúde, para gerir toda a informação relacionada com o documento de diretivas antecipadas de vontade de cidadãos nacionais, estrangeiros ou apátridas residentes em Portugal, de forma que seja possível identificar e localizar os Testamentos Vitais de qualquer pessoa. Para Rui Nunes, a legalização do Testamento Vital “não é apenas mais um passo no sentido da afirmação do direito inalienável à autodeterminação das pessoas. É uma vitória das sociedades democráticas e plurais que defendem o ideal de que a cidadania se exerce com um profundo sentido ético de responsabilidade”  .

O Testamento Vital é um importante instrumento para que seja exercida a autonomia privada, sendo certo que “do ponto de vista jurídico, por autonomia privada entende-se o poder de autodeterminação dentro dos limites legais nas relações com as outras pessoas.”   As Diretivas Antecipadas de Vontade garantem a autonomia da pessoa para decidir sobre a sua vida ou sobre a sua morte, mesmo que a pessoa não mais esteja em condições de manifestar a sua vontade. São, portanto, instrumento insubstituível para garantir a autonomia da pessoa, de forma a privilegiar a dignidade da pessoa humana, pois “a liberdade é fundamental para a concretização dos direitos de personalidade e para a materialização da dignidade humana”.

Conclusão

Apresentamos no presente trabalho uma análise sobre a eutanásia e sobre as Diretrizes Antecipadas de Vontade. Foi demonstrado como os médicos começam agora a admitir que às vezes ajudam os pacientes a acabar com a própria vida. Foi verificado que a discussão é merecedora de atenção, principalmente em virtude do envelhecimento da população e do avanço da tecnologia. Foi estudada a eutanásia, passando pelas suas diversas acepções, foi apresentada a atual situação quanto à eutanásia em Portugal, passando pelos recentes debates na Assembleia da República, mas reconhecendo que em Portugal, relativamente à ortotanásia e à eutanásia passiva, há ainda grandes discussões, apesar de a grande maioria dos portugueses querer ter o direito de decidir como e quando chega ao fim a sua vida. Foi apresentado o estudo “World Population Ageing 2015”, divulgado em 2015 pela Divisão de População das Nações Unidas (United Nations Population Division), que demonstra o envelhecimento da população no mundo e em Portugal, que se apresenta como um grande desafio de política pública do Estado. Foi demonstrado como os ordenamentos jurídicos têm se preocupado em regulamentar os procedimentos médicos que podem interromper ou prorrogar a vida humana de forma artificial, tendo em vista o constante avanço da medicina e dos tratamentos possíveis, que podem evitar a morte, apesar de não garantirem a qualidade da vida. Após analisar casos reais que envolveram a eutanásia, considerados os fatores negativos de simplesmente negar o direito do paciente a ser ouvido, passou-se à análise dos direitos fundamentais e da liberdade. Foi constatado que o direito à vida é obrigação do Estado, mas que os direitos fundamentais são relativos, o que fundamenta a licitude da eutanásia em razão da preservação da dignidade da pessoa humana. Foi discutido como conceder aos pacientes uma oportunidade de manifestar a sua vontade de não receber ou suspender todos os tipos de tratamentos médicos, verificando que essa atitude está em conformidade com o princípio 31 constitucional da dignidade da pessoa humana, que privilegia a liberdade do indivíduo, inclusive no que tange à opção pela morte, se a vida não é mais uma vida digna. Foram estudados os argumentos filosóficos e jurídicos que envolvem o aborto, apresentados por Dworkin, a fim de melhor compreender a necessidade de liberdade, em conformidade com o princípio da dignidade da pessoa humana. Após ser verificado que, para Dworkin, a liberdade é essencial, tendo em vista a dignidade e o direito à consciência, e que o melhor é que cada um tenha o direito de decidir por si mesmo, foram analisadas as Diretivas Antecipadas de Vontade e o Testamento Vital em Portugal, demonstrando a importância desse instrumento para que seja exercida a autonomia privada, mesmo que a pessoa não mais esteja em condições de manifestar a sua vontade. Foi, por fim, informado como a população de Portugal tem acolhido o Testamento Vital, utilizando a faculdade que lhe concedeu o ordenamento jurídico de manifestar a sua vontade em relação à sua vida e à sua morte, dentro dos limites legais. O ordenamento jurídico de Portugal, pois, atendeu a uma demanda da população, o que deve efetivamente ser o objetivo do Direito. Foi constatado que, como leciona o Professor Enoque Ribeiro dos Santos, na nossa sociedade, repleta de novas tecnologias, em constante evolução, o Direito tem que se adaptar, pois, se a sociedade é altamente dinâmica, o Direito não pode ser estático. O Direito deve “promover as adaptações e os avanços necessários para acompanhá-la, neste cenário intercambiante e mutante.”66 Entendemos que acolher a vontade da pessoa quanto ao direito de morrer está de acordo com a dignidade da pessoa humana, princípio fundamental do qual derivam todos os demais princípios e que deve nortear todas as regras jurídicas.

REFERÊNCIAS

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VIEIRA, Monica Silveira – Eutanásia humanizando a Visão Jurídica. Curitiba: Juruá, 2009. ISBN 978853622648-4

Fonte: CNB/CF | 05/06/2018.

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Artigo: Mídia e cartórios. Mais ataques e desinformação – Por Marco Antonio de Oliveira Camargo

*Marco Antonio de Oliveira Camargo

O conceituado Grupo Folha, em meados deste mês de maio, dispensou alguma atenção e espaço aos cartórios brasileiros em sua principal publicação impressa, o jornal A Folha de São Paulo,  matérias reproduzidas em suas publicações digitais.

Nestas publicações assim como costumeiramente acontece com todos os demais veículos de comunicação de massa, aquele respeitável jornal também errou muito e desinformou seus leitores sobre a realidade do Serviço Público de Notas e de Registro que, por força de dispositivo constitucional, é atribuído aos cartórios do Brasil.

No dia 12 de maio a versão impressa da Folha publicou matéria de meia página (Cartórios e TJ resistem à duplicata eletrônica– página. A17 – seção mercado). (1)

No dia 14, em espaço ainda maior, na página A 21 da mesma seção mercado, foipublicada a matéria denominada Tributação no Brasil Beneficia Elite de profissionais da iniciativa privada. O texto, em si não contém qualquer menção aos cartórios, mas o gráfico ilustrativo tem em seu topo, com inquestionável destaque, a indicação titular de cartório como sendo estes os profissionais com o maior rendimento médio sujeito à tributação. (2)

O ápice desta especial deferência e atenção dispensada aos cartórios do país foi um  Editorial publicado no segundo mais nobre espaço da edição impressa do dia 15 de maio.

Naquela data o jornal voltou à carga com mais intensidade e desinformação em um texto tendencioso e reducionista.

Na opinião daquela publicação, que se apresenta ao leitor como sendo um jornal a serviço do Brasil, seria importante manifestar-se daquela maneira breve e superficial sobre uma realidade muito complexa. Seria ainda justificável tratar ofensivamente (uma sinecura) uma instituição centenária composta por um grande contingente de profissionais sérios e dedicados à prestação de um serviço público eficiente e que conta com a confiança e satisfação da grande maioria de seus usuários. Conforme, aliás, comprovado pelo Datafolha, renomado instituto de pesquisa, integrante do mesmo grupo editorial (3).

Nos dez parágrafos daquele editorial existem tantas imprecisões e impropriedades que seria possível redigir um tratado com esclarecimentos, contrapontos e análise imparcial de uma realidade complexa que não pode ser assim reduzida a um mero Lobby do Carimbo(este é o título daquele editorial). (4)

Não se pretende realizar tanto neste despretensioso texto, cujo objetivo é apenas lançar alguma luz para dissipar falsas impressões que aquelas publicações possam ter criado na imagem que se faz dos cartórios brasileiros, um verdadeiro desserviço prestado ao nosso país.

Ressalve-se, a bem da verdade, que na mesma edição do dia 15 de maio de 2018, a Folha gentilmente, ofereceu espaço para a manifestação do presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil, o tabelião Claudio Marçal Freire (Painel do Leitor – página A3 – sob o título singelo “Cartórios”).

O presidente daquela associação, com muita propriedade e síntese, criticou a matéria publicada no 12 de maio pelos erros e omissões nela verificados; ressalvando especialmente que: (a) não existe obrigatoriedade do registro de duplicatas nos cartórios de protesto, (b) os cartórios prestam informações gratuitas sobre a inadimplência de pessoas físicas e jurídicas (c) a Folha falhou na análise dos fatos ao “omitir proposta levada pelo setor de tomar a cobrança de protesto gratuita“.

A FORÇA DO HUMOR
Naquela edição impressa do dia 15 de maio, entretanto, a pequena manifestação do presidente da Anoreg, publicada no Painel do Leitor da Folha de São Paulo não tinha a mínima chance de ser considerada como de relevância e importância frente às cores e apelo visual da charge do cartunista Velati, publicada na página A-14, na seção denominada HORA DO CAFÉ, do Caderno Mercado e que tocava no mesmo assunto  (5).

A ilustração referida foi especialmente infeliz em sua tentativa de fazer humor com o embate entre as forças em oposição representada pelos Cartórios (e seus aliados) e os Bancos, Financeiras e Prestadoras de Serviços de Cobrança interessados em excluir os Cartórios de Protesto dos procedimentos de cobranças de duplicatas não pagas com pontualidade.

Uma pequena descrição do desenho: Abaixo de um título em destaque (Com receita de R$15 Bilhões, Cartórios Resistem à Duplicata Eletrônica), entrincheirados entre uma montanha de papéis, dois senhores reclamam paras seus interlocutores: ” O que virá depois? Vão tomar nossos Ábacos? Nossas Máquinas de Escrever?… “

É claro que o humor do desenhista não é endereçado a qualquer leitor  – apenas uma pequena parcela da população conhece o significado do termo ábaco – o caderno mercado é publicação dirigida ao seleto leitor com interesse em economia e finanças –  mas sua mensagem é evidente: na mentalidade do desenhista (e também de alguma parcela da população), cartório seria símbolo de atraso, burocracia, de total falta de sintonia com os novos usos e técnicas da moderna economia e informática.

Entretanto, e especialmente em relação aos Cartórios de Protesto, não existe nada mais errado do que tal conclusão preconceituosa.

A informatização está presente em todos os serviços prestados pelos tabeliães de protestos; inclusive por pressão dos bancos e empresas de assessoria e cobrança, que são seus principais usuários.

Máquinas de escrever, certamente não são mais usadas por nenhum cartório e em muitos deles o papel não mais integra sua rotina de trabalho, substituídos que foram pelos documentos eletrônicos.

Na edição do dia 17 de maio, no mesmo caderno mercado, novamente os cartórios foram objetos de humor por ilustração publicada na mesma seção (Hora do café, página A 20).

Naquela charge, que em seu título igualmente repete a reportagem do dia 12 do maio “Cartórios e TJ resistem à duplicata eletrônica”, também os fabricantes de carimbos, clips de papel e de envelopes foram associados ao atraso e às dificuldades para aprovação de medidas modernizadoras do país (6)

O humor, ao que parece, estaria na absurda e improvável associação entre os microempresários que fornecem insumos de pequeno valor às poderosas e (supostamente) influentes instituições que se utilizam de seus produtos, para assim, unidos, conseguir superar e resistir às ameaças ao poder e força que supostamente possuem na atualidade.

O EDITORIAL DO CARIMBO

O maior dos erros do editorial publicado em 15 de maio está na associação indevida entre a totalidade dos cartórios do país com algum eventual interesse em dificultar o aperfeiçoamento da legislação civil / comercial que regula a emissão, circulação e cobrança dos títulos comerciais – Leia-se: a Duplicata Mercantil.

A existência de um indigitado “capitalismo cartorial” – expressão constante daquela publicação – que representaria exemplo perfeito dos vícios e arranjos característicos dos Brasil e destinados a beneficiar alguns poucos em detrimento da livre competição de mercado, é conclusão equivocada que não se sustenta em fatos.

Na realidade, até mesmo a Associação dos Titulares de Cartórios de Protesto, que poderiam ter parcela de seu rendimento afetado pela proposta de alteração legal em discussão, já se manifestou favorável à algum aperfeiçoamento de legislação e as demais especialidade de cartórios não seriam ameaçadas por nenhuma das situações indicadas naquele editorial.

É evidente que os cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais (que existem em maior número e estão presentes em todos os municípios do Brasil) não seriam minimamente afetados pelas propostas modernizadoras representadas pelo cadastro positivo e pela duplicata eletrônica.

A afirmação feita pelo editorialista de que todos os 12 mil cartórios brasileiros são tabelionatos é falsa. Quem é Registrador (Civil, Imobiliário, de Títulos e Documentos), regra geral, não é Tabelião e portanto, simplesmente está errada a informação.

O editorial contém ainda falha adicional por não considerar que na especialidade de cartório representada pelo Tabelião de Notas existe livre concorrência para a prestação dos serviços. O cidadão tem absoluta liberdade para escolher em qual tabelionato de notas irá fazer sua escritura, procuração ou testamento público, ou ainda onde irá reconhecer a sua firma e buscar orientação sobre os seus negócios privados.

Além de errado o editorial é tendencioso ao analisar dados que indicam estar a receita dos cartórios imune à crise que tem assolado a economia do país.

O fato que é a receita do universo dos cartórios brasileiros, por sua complexidade, sofre com a crise de forma diferente.

Com o desemprego e falta de dinâmica na economia, enquanto o Registro de Imóveis, por exemplo, vê seu movimento e receita cair, os serviços de protesto aumentam seu faturamento na mesma proporção em aumenta seu trabalho em razão do aumento da inadimplência.

O serviço de Registro Civil, que pratica atos fundamentais para o exercício da cidadania, como o registro de nascimento e óbito (que sempre são gratuitos para o usuário), casamentos e outros atos relacionados à pessoa, regra geral, não tem seus rendimentos afetados por crises econômicas.

A especialidade de Registro Civil de Pessoas Naturais, aliás, se modernizou e interligou nacionalmente exatamente no período indicado pelo gráfico reproduzido naquele editorial (de 2013 a 2017). Não fosse a diminuição do poder econômico da população, muito provavelmente, as receitas desta especialidade de cartório, face a esta nova realidade de aumento da oferta de serviços a seus usuários, haveria de aumentar o seu faturamento na mesma medida em que aumentou a possibilidade da prestação de serviços.

Crise, como sabido, sempre representa oportunidade e não seria inteligente esperar que a crise atingisse a todos indistintamente. Neste momento atual alguns setores da economia, simplesmente não sentem nenhum abalo e apesar desta crise (ou graças a ela) têm crescido em larga estala.

É fato positivo que não tenha havido diminuição do rendimento total do universo dos cartórios no período entre o ano de 2013 e 2017; isso é bom, pois não há desemprego e o setor continua a funcionar adequadamente como sempre fez. Este fato, nem deveria ser considerado motivo para notícia de jornal.

O editorial, entretanto, toca ponto sensível da realidade nacional: é realmente inaceitável que tanto tempo depois da entrada em vigor de Leis e Normas que regulamentam os concursos públicos para acesso à titularidade de um cartório, ainda exista neste país, alguma região onde não se realizam, com a frequência necessária, concursos públicos para provimento da titularidade dos cartórios vagos.

Mas é preciso ressalvar: esta não é a realidade do Estado de São Paulo e da grande maioria dos Estados do Brasil e qualquer iniciativa de tentar barrar a realização de concurso público não representa o interesse da imensa maioria dos titulares de cartório e de suas associações de classe.

Também parece importante esclarecer que o número indicado como sendo o faturamento total dos cartórios do Brasil – 14 bilhões – somente é conhecido e divulgado porque existe transparência dos dados. Se tal número for considerado como um todo, no qual a sonegação e a subnotificação é algo inexistente, que representa, conforme ali mesmo se indica, um setor de prestação de serviço com alcance em todo o país, disperso em 12 mil unidades, percebe-se que não se trata de nenhum número absurdo.

A receita de 14,6 bilhões dividida por 12 mil cartórios do país resulta em aproximados 1.22 milhões. Este número dividido pelos 12 meses do ano, resulta em uma média mensal de aproximados R$102.000,00 por cartório. Este número, não representa muito bem a realidade nacional (pois não é possível  se conceber um padrão para esta complexa situação), mas é um indicador de que para uma “atividade econômica” que demanda muita mão-de-obra qualificada, instalação e manutenção e de espaços físicos para atendimento ao público em geral, o valor não é tão elevado quanto possa parecer, principalmente se considerado que não existe nenhum tipo de sonegação ou ocultação de receita. Situação muito diferente daquela que, notoriamente, acontece com os demais segmentos econômicos onde a fiscalização nem de longe se aproxima daquela que acontece com os cartórios.

É fato evidente que, se os titulares de cartório representam os maiores contribuintes individuais, dentre os trabalhadores que recolhem impostos e fazem suas Declarações de Renda à Receita Federal, isso se explica por não existir sonegação de informação e rendimento. Situação muito diferente do que tradicionalmente acontece nos demais ramos de atividade econômica.

A matéria a seguir comentada, apenas confirma com números absolutos o que foi afirmado acima.  Quem modifica sua posição de contribuinte individual para a de “pessoa jurídica” (ou que, simplesmente, sonega informações sobre sua renda) tem mais rendimento porque paga menos impostos.

Não parece supérfluo ressalvar que o cartório parece uma empresa (ou no dizer da reportagem: uma Pessoa Jurídica), tem encargos trabalhistas, responsabilidade, despesas e rendimentos como se fosse uma; entretanto, quanto aos rendimentos líquidos do seu titular, o tratamento tributário e exatamente igual ao aplicável a qualquer funcionário público ou pessoa física que recebe rendimentos econômicos.

O GRÁFICO QUE GRITA E O TEXTO QUE CALA
No texto publicado no dia 14 de maio e acima referido (“Tributação no Brasil beneficia elite de profissionais da iniciativa privada”)não existe nenhuma menção ao rendimento dos “titulares de cartório” mas a informação de maior destaque no enorme gráfico publicado era exatamente a que indicava ser o titular de Cartório o profissional com o maior rendimento médio dentre as ocupações dos profissionais que atuam no setor público.

A publicação, portanto, no que se refere à situação singular do titular de cartório perante a Receita Federal, tem altíssimo potencial de desinformação.

Em seu subtítulo menciona: “Além de altos rendimentos de servidores, sistema arrecada menos impostos de trabalhador como PJ” a desinformação é potencializada quando, sob a legenda do gráfico publicado, afirma-se: “Enquanto servidores públicos investem sobre o Orçamento para assegurar rendimentos elevados, trabalhadores da iniciativa privada viraram PJ“.

A conclusão a ser extraída disso tudo, evidentemente, seria a de que também os titulares de cartório estariam entre os profissionais que retiram seus elevados rendimentos do Orçamento Público, o que é absolutamente falso e de modo algum se aplica aos titulares de cartório.

Justamente ao contrário do que sugere a matéria, ao prestar serviço público remunerado diretamente pelos usuários (como ocorre, por exemplo, com as concessionárias que arrecadam pedágio para manter as estradas a elas concedidas) os cartórios representam importante fonte de receita para o Orçamento Público em geral, com repasses obrigatórios para variados órgãos da Administração.

Importante ressalvar que é exatamente por esta razão que os Tribunais de Justiça, Defensorias Públicas e Ministérios Públicos Regionais se uniram ao Tabeliães de Protesto na resistência contra a implantação da Duplicata Eletrônica como proposta e defendida pelo setor bancário, conforme correta e precisamente informou a matéria publicada em 12 de maio e inicialmente citada.

Mais desinformação ainda pode ser identificada quando se considera o percentual indicado com alíquota média de pagamento de imposto, indicado no gráfico encabeçado pelos titulares de cartório: 10,1% é o percentual médio das alíquotas recolhidas a título de Imposto de Renda por aqueles que encabeçam a lista de rendimentos tributados (a informação tem origem na Receita Federal do Brasil, à partir das Declarações de Imposto de Renda das Pessoas Físicas). O número é sempre mais baixo em relação aos demais profissionais que atuam no setor público. A interpretação correta destes números não é possível sem o conhecimento das particularidades das diferentes realidades destes prestadores de serviços públicos.

Em apertada síntese, é possível explicar os números com a seguinte informação complementar: A realidade dos quase 12 mil titulares de cartório que existem neste país é muito diferente entre si. Existem cartórios que geram altos rendimentos e seus titulares e são tributados pela alíquota máxima do Imposto de Renda (27,5% da renda líquida). Entretanto, a grande maioria dos cartórios do país não tem potencial para gerar rendimentos sujeitos à tal alíquota, centenas (talvez alguns milhares deles) localizados nas pequenas localidades mal conseguem gerar renda para se manter funcionando e atender seus usuários e, evidentemente, são considerados isentos do pagamento de Imposto de Renda ou são tributados por alíquotas muito inferiores à máxima aplicável.

Natural, portanto, que a média nacional não se aproxime do teto. Por outro lado, quando se trata da elite dos funcionários públicos, os listados naquele gráfico, não existe o mesmo tipo de discrepância existente no universo dos cartórios.

Não se ignora o fato de que, para a garantia de um elevado rendimento, sobre o qual seria justo e possível cobrar impostos com base em alíquotas mais elevadas, os membros do Ministério Público, do Poder Judiciário e do corpo diplomático não precisam gerar renda mas, exatamente conforme informado no texto, retirá-la do orçamento; o que, de alguma maneira, ao que parece, têm conseguido fazer.

Os altos rendimentos individuais da elite dos profissionais (onde existe situação de relativa igualdade entre toda a categoria) deve dar causa a recolhimento de imposto de renda pelas alíquotas mais altas, devendo, em muitos casos, limitar-se ao teto máximo de 27,5% do rendimento.

CONCLUINDO, SEM NADA DE NOVO ACRESCENTAR
De tudo o quanto se mencionou acima, parece evidente que a conclusão acertada sobre estas últimas publicações da Folha de São Paulo é a mesma tradicional recomendação que deve estar presente em toda e qualquer formação de opinião sobre um fato: cautela e imparcialidade intelectual é necessária.

Mesmo entre pessoas e organizações bem-intencionadas e isentas, existe a possibilidade de erros e enganos ao analisar qualquer realidade um pouco mais complexa.

Assim é a situação dos cartórios do Brasil: uma forma de prestação de serviço público de grande relevância e alcance, que atende todos os recantos do país, que ao invés de sangrar o Tesouro Nacional, com ele contribui em grande medida; um setor que se moderniza e se prepara para o futuro, no qual certamente ainda existirá um lugar para ele permanecer exercendo seu importante papel de prevenção de litígios.

Os serviços de notas e de registros, ao que tudo indica (exatamente como ocorre na maioria dos países) ainda permanecerão essenciais para promover a defesa dos interesses privados na sociedades organizadas, garantindo a publicidade, autenticidade segurança e eficácia dos atos jurídicos  (7).

NOTAS:

(1)   – A versão digital da matéria publicada na edição impressa do jornal (com alguns acréscimos em relação ao texto publicado) pode ser acessada em https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/05/cartorios-e-tj-resistem-a-duplicata-eletronica.shtml   Para a edição impressa o link é  //www1.folha.com.br/fsp/fac-simile/2018/05/12/

(2)  http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/05/11/com-ou-sem-nota-pj/

Com ou sem nota, PJ?   –    Bruno Carazza

Dados sobre pagamento de Imposto de Renda são um retrato de como o Brasil é uma máquina na criação de privilégios públicos e privados

Mas não se preocupe, meu amigo,/ Com os horrores que eu lhe digo / Isso é somente uma canção / A vida realmente é diferente, quer dizer / A vida é muito pior  –  “Apenas um rapaz latino americano” – Belchior)

Desde a semana passada uma tabela apareceu recorrentemente na “timeline” das minhas redes sociais, compartilhada tanto por amigos de direita quanto por esquerdistas. Tratava-se da compilação de um documento da Receita Federal contendo as quinze ocupações com maiores rendas médias anuais de acordo com a declaração de Imposto de Renda Pessoa Física de 2013.

Reproduzo abaixo o ranking, atualizando-o com os últimos dados disponíveis (2016) e expandindo a lista para as 20 categorias com maior rendimento:

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Fonte: Elaboração própria a partir de dados do relatório Grandes Números das Declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (Ano-Calendário 2016) – Receita Federal do Brasil.

O principal motivo para a indignação que uniu os defensores do Estado Mínimo aos seus adversários que pregam contra a “casta judicial que condenou Lula sem provas” está no fato de que a lista acima é dominada por categorias do funcionalismo público.

Eles têm razão na revolta. Como já demonstrei aqui, sindicatos de algumas carreiras públicas vêm atacando com voracidade o Orçamento Público para assegurar rendimentos que são, na imensa maioria dos casos, muito superiores ao seu retorno para a sociedade.

O gráfico acima, portanto, é um retrato do processo de caça à renda (rent seeking) levado a cabo diuturnamente pela elite do funcionalismo público no Brasil. O problema é que ele só conta uma parte da história: uma outra elite, esta no setor privado, também se utiliza habilmente de mecanismos de concentração de renda para se dar bem.

Se o rent seeking dos servidores públicos consiste em ameaçar a cúpula dos Três Poderes para aprovar projetos de lei ou obter decisões judiciais concedendo-lhes aumentos salariais e toda sorte de penduricalhos, categorias do setor privado se valem do sistema tributário e da legislação trabalhista para pagar bem pouco imposto.

Falo aqui das incríveis vantagens da “pejotização”, principalmente quando combinada com os regimes tributários de lucro presumido e Simples e a isenção de Imposto de Renda na distribuição de lucros e dividendos.

Bernard Appy, ex-Secretário de Política Econômica no governo Lula e atual diretor do Centro de Cidadania Fiscal, fez as contas numa entrevista aqui na Folha.  O mesmo profissional, prestando o mesmo serviço, contratado por R$ 30 mil brutos por mês, pode receber, líquidos, R$ 15.109 se for celetista, R$ 24.508 se constituir uma PJ tributada segundo o lucro presumido ou R$ 26.563 se for uma PJ enquadrada como Simples.

“Aqui há um problema distributivo claríssimo. É injustificável que duas pessoas que façam a mesma coisa, prestando exatamente o mesmo serviço, tenham uma diferença tão grande de tributação”, avalia Appy.

Para jogar um pouco de luz nesse “lado escuro da Lua” da tributação de pessoas físicas no Brasil, fui atrás dos dados e cheguei a algumas constatações. A primeira delas é que esse sistema deve realmente valer a pena, pois o número de pessoas que adere à pejotização, principalmente em categorias de maior qualificação profissional, cresce vertiginosamente nos últimos 10 anos.

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Fonte: Elaboração própria a partir de dados do relatório Grandes Números das Declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (Ano-Calendário 2016) – Receita Federal do Brasil.

O gráfico acima revela que, de duas, uma: ou o Brasil sofreu um surto empreendedor sem precedentes nos últimos anos, ou houve uma alteração significativa nos incentivos que levam as pessoas a se tornar PJs.

É verdade que muitas vezes a opção pela pejotização é uma imposição do empregador, que busca aliviar sua folha de pagamentos, acarretando inclusive a precarização do trabalho. Mas também é inegável que diversas categorias de maior qualificação têm pressionado o Legislativo em busca da extensão de hipóteses de adesão aos sistemas de lucro presumido e a possibilidade de opção pelo Simples nos últimos anos.

De acordo com dados de 2014 compilados num relatório da Comissão de Assuntos Econômicos que avaliou a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional, só 3% das empresas brasileiras são tributadas com base no lucro real, sendo responsável por 80% da arrecadação do IRPJ. Os outros 97% são imunes, isentos ou optantes pelo Simples ou pelo regime de lucro presumido – razão pela qual respondem por apenas 20% do valor auferido pelo Fisco junto às empresas.

O problema dos regimes do Simples e do lucro presumido é que o ganho da empresa é arbitrado abaixo da realidade. Desse modo, o sócio ganha duplamente: sua empresa paga bem menos imposto, e ele pode distribuir o lucro excedente para si próprio, de forma totalmente isenta.

A característica notável desse sistema é que ele gera injustiça: profissionais semelhantes são tributados de modo muito díspare em função exclusivamente do regime contratual e tributário ao qual estão vinculados. O gráfico abaixo mostra justamente isso. Para cada categoria (localizada nos vértices do gráfico), os PJs (linha azul) pagam uma alíquota efetiva bem menor do que seus colegas que têm tributação na fonte (linha laranja).

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Fonte: Elaboração própria a partir de dados do relatório Grandes Números das Declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (Ano-Calendário 2016) – Receita Federal do Brasil.

A consequência disso é a criação de um fosso dentro de cada categoria profissional: os rendimentos médios dos PJs são significativamente superiores aos dos seus colegas celetistas:

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Fonte: Elaboração própria a partir de dados do relatório Grandes Números das Declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (Ano-Calendário 2016) – Receita Federal do Brasil.

Ao beneficiar com impostos menores justamente quem já se encontra no topo da pirâmide, a pejotização agrava a desigualdade de renda. Assim, se refizermos o ranking das 20 categorias com maiores rendimentos do Brasil levando em conta a pejotização, vamos verificar que jornalistas, médicos, engenheiros, executivos e advogados constituídos em PJs disputam os postos mais altos com a nata dos servidores públicos – com a diferença de que pagam significativamente menos imposto de renda.

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Fonte: Elaboração própria a partir de dados do relatório Grandes Números das Declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (Ano-Calendário 2016) – Receita Federal do Brasil.

A conclusão dessa história não deve servir para rebater críticas aos inúmeros privilégios do funcionalismo público brasileiro, os quais me beneficiam diretamente. Os números demonstram, na verdade, que do outro lado também há um sistema criado para beneficiar a elite privada.

E no meio dessas duas engrenagens concentradoras de renda, subsiste uma imensa massa de brasileiros que sustenta em suas costas um Estado inchado, mas sem ter acesso às brechas tributárias que jogam sobre si também a carga dos mais ricos.

(3) Editorial-     https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2018/05/lobby-do-carimbo.shtml   Página A-2 Terça-feira 15 de maio de 2018. Editorial:-  Lobby do carimbo

Privilegiados por regras arcaicas, cartórios pressionam contra projetos que buscam a melhoria do ambiente de negócios; Congresso é permeável a minorias abastadas.

Há muito se cunhou a expressão “capitalismo cartorial” para caracterizar vícios dos arranjos econômicos do Brasil —em particular, as prebendas do Estado que permitem a grupos influentes obter ganhos vultosos sem preocupações com a competição no mercado.

Os cartórios de fato ilustram à perfeição tais práticas, operando à sombra do poder público e do incomum cipoal burocrático do país.

Até a Constituição de 1988, seus titulares eram indicados por gestão política; depois veio a exigência de concurso —e resta considerável pressão para que se efetivem os apadrinhados remanescentes. Ainda hoje o posto é vitalício.

Alguns indicadores ajudam a dimensionar as recompensas proporcionadas por essas sinecuras. Em 2017, os quase 12 mil tabelionatos nacionais contabilizaram faturamento de R$ 14,65 bilhões, cifra que permanece estável desde 2015.

Dados das declarações do Imposto de Renda das pessoas físicas apontam o comando de cartórios na liderança das ocupações mais bem remuneradas, em média.

Dificilmente um setor com tais benesses se bateria por propostas modernizadoras. Não surpreende, pois, que tenha feito lobby contra o cadastro positivo de devedores e a duplicata eletrônica, dois projetos que buscam melhorar o ambiente de negócios do país.

No primeiro caso, propõe-se a inclusão automática de consumidores em um banco de dados de informações financeiras, de modo que bancos e outras instituições possam identificar os melhores clientes e competir por eles.

No segundo, pretende-se instituir um registro digital obrigatório de títulos negociados entre empresas.

Ambos representam, em alguma medida, ameaça à renda dos cartórios —seja por reduzir a inadimplência e o número de papéis em protesto, seja por eliminar procedimentos tornados arcaicos pelo avanço da eletrônica.

Também em comum, os textos avançam aos trancos num Congresso altamente permeável aos interesses de minorias bem remuneradas e organizadas. Daí se tem uma ideia de como será árduo levar adiante uma agenda de eliminação de privilégios, redução da desigualdade e abertura econômica.

Reprodução da publicação em meio físico (Edição de 14/05/2018 p. A21) divulgada eletronicamente  no endereço eletrônico – http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/05/11/com-ou-sem-nota-pj/

4) http://www.irtdpjbrasil.com.br/NEWSITE/PesquisaDatafolhaRevela.htm   –

Pesquisa Datafolha revela imagem positiva dos cartórios junto à população 

A pedido da Anoreg/BR – Associação dos Notários e Registradores do Brasil, o Datafolha realizou pesquisa, em agosto passado, para verificar como a população usuária dos serviços notariais e registrais percebe a imagem dos cartórios.

Foram entrevistadas 1010 pessoas nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília e Curitiba. O resultado mostra que os cartórios lideram a confiança de seus usuários na comparação com outras instituições do país.

Correios e cartórios têm as melhores avaliações no quesito confiança e credibilidade em comparação com outras instituições como imprensa, empresas, igrejas, ministério público, polícia, justiça, poder legislativo e governos.

A percepção da imagem dos cartórios é altamente positiva, 79% dos usuários percebem melhoria nos serviços nos últimos anos. Os entrevistados – que acabavam de usar os serviços de notas, distribuição, registro civil, registro de imóveis, protestos, registro de títulos e documentos e civil de pessoas jurídicas – foram abordados quando saíam dos cartórios em diferentes horários e dias da semana.

A maioria dos entrevistados usa frequentemente os serviços de cartório: 35% usaram os serviços de 1 a 3 vezes nos últimos doze meses; 29%, de 4 a 10 vezes; e 26% usaram os serviços mais de 10 vezes nos últimos doze meses.

Os serviços notariais e de registros são qualificados como muito importantes pela maioria dos entrevistados (63%). O gráfico mostra a segmentação das respostas.

Serviços de cartório são vistos como muito importantes

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A pesquisa do Datafolha revela também que a imagem dos cartórios em geral é positiva. Por exemplo, os profissionais são bem avaliados, entende-se que o cartório oferece segurança e há percepção de melhoria nos serviços. O uso de tecnologia para agilizar os serviços também é percebido por 68% dos entrevistados.

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Quando a atividade é vista como desgastante, em razão de filas e demora, há a percepção de que o atendimento é diferenciado em distintos cartórios. Existe forte expectativa de usar os serviços pela Internet.

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Confiança e credibilidade nos serviços: avaliação comparativa das instituições

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Serviços notas 8, 9 e 10

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Os usuários de cartório declaram-se satisfeitos com o serviço utilizado no dia da entrevista. Em escala de 0 a 10, a média fica em 8,6.

Satisfação com atendimento, conhecimento e rapidez

Os aspectos do serviço mais bem avaliados concentram-se nas qualidades do atendente e na rapidez:

– Domínio do assunto (8,9)

– Cortesia (8,8)

– Rapidez para o pagamento (8,9)

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Honestidade, competência, seriedade, confiabilidade e credibilidade
De modo geral, os cartórios são muito bem avaliados, sobretudo no que diz respeito à honestidade, competência, seriedade, confiabilidade e credibilidade.

Ainda podem avançar no quesito modernidade: tecnologia, inovação, agilidade e visão de futuro.

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Confiança e credibilidade em bombeiros, professores, médicos e cartórios
Algumas conclusões do estudo são muito importantes. Além da satisfação com rapidez e atendimento no balcão do cartório, a pesquisa do Datafolha revelou como pontos fortes dos serviços notariais e registrais suas qualidades mais essenciais: honestidade, competência, seriedade, confiabilidade e credibilidade.

A população entrevistada entendeu como muito importantes os serviços que oferecem segurança jurídica aos seus documentos e às suas transações, prevenindo futuros conflitos judiciais.

Os usuários dos cartórios extrajudiciais estão satisfeitos com a qualificação dos profissionais que estão à frente desses serviços, uma vez que encontram o conhecimento especializado que buscam e a imprescindível cortesia. A segurança, razão de ser dos cartórios, também é dos itens mais bem avaliados. E finalmente, a correta percepção de melhoria dos serviços recompensa o esforço de toda a categoria por anos de investimento constante em recursos tecnológicos e humanos.

Aperfeiçoamentos para aprimorar ainda mais os serviços sempre serão necessários, especialmente em itens de permanente evolução como os apontados pela pesquisa: tecnologia, inovação, agilidade e visão de futuro.

(5) Charge  publicada na edição impressa de 15 e maio – acesso possível em –

http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/nova/1599217724420377-hora-do-cafe-maio-de-2018#foto-1600485392690721

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(6) Charge publicada na edição impressa de  17/05/2018

http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/nova/1599217724420377-hora-do-cafe-maio-de-2018#foto-1600665887224435

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(7) O autor, Tabelião de Notas e Oficial de Registro Civil de Pessoas Naturais, nesta conclusão apenas reproduz a inteligência do disposto no parágrafo primeiro da Lei 8935/94 – Regulamento do Artigo 236 da Constituição Federal: “Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”

Fonte: CNB/SP – Anoreg/SP | 04/06/2018.

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Artigo – Registro de imóveis, reserva legal e CAR seis anos após ‘novo’ Código Florestal – Por Vilmar Lima Carreiro Filho e Alexandre Laizo Clápis

*Vilmar Lima Carreiro Filho e Alexandre Laizo Clápis

Interação entre registro de imóveis e instituto da reserva legal continua intensa após Cadastro Ambiental Rural

Há cerca de seis anos era publicada a Lei Federal nº 12.651/2012, que revogou a Lei Federal nº 4.771/19651 e (re)codificou as normas florestais. O novo Código Florestal alterou substancialmente as regras aplicáveis ao registro (lato sensu) da Reserva Legal florestal, que, historicamente, era feito na matrícula do imóvel da Serventia Registrária competente.

Introduziu-se o Cadastro Ambiental Rural (CAR), registro eletrônico e centralizador das informações concernentes à Reserva Legal, com o aparente abandono do sistema registral imobiliário.

Dizemos aparente porque o Registro de Imóveis ainda permanece como importante veículo centralizador das informações relativas à Reserva Legal, com reflexos significativos na propriedade imobiliária.

Reserva legal

Todo imóvel rural está sujeito à obrigação de constituição de reserva legal, com a designação de determinado percentual da sua área como de uso perpetuamente limitado para a conservação da vegetação nativa ou para a recomposição de vegetação, caso tenha ocorrido o desmatamento.

Até o advento do atual Código Florestal, a Reserva Legal era considerada constituída com a celebração de termo de compromisso com a autoridade ambiental, cuja publicidade era garantida com a sua averbação na matrícula do respectivo imóvel.

Cadastro Ambiental Rural (CAR)

A partir da vigência do atual Código Florestal, a inscrição da área de Reserva Legal passou a ser realizada no Cadastro Ambiental Rural (CAR), registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para imóveis rurais. A averbação da Reserva Legal na matrícula imobiliária passou, então, a ser facultativa.

Após algumas prorrogações do prazo, a inscrição no CAR deverá ser realizada até 31.05.2018.

Quando da inscrição do imóvel rural no CAR, o interessado deverá identificar o imóvel por meio de planta e memorial descritivo, com a indicação das coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração do perímetro do imóvel.

Além disso, deverá indicar a localização da Reserva Legal dentro do imóvel, exceto nos casos em que a Reserva Legal já tenha sido averbada na matrícula do imóvel e em que essa averbação identifique o perímetro e a localização da Reserva Legal.

Após o procedimento declaratório de inscrição no CAR, as informações prestadas pelo interessado serão apreciadas e aprovadas pelo órgão ambiental estadual competente.

A ausência da inscrição no CAR e as consequências registrais

A ausência de inscrição no CAR dentro do prazo legal impossibilita o interessado de usufruir dos benefícios da regularização ambiental, como o instituto da compensação e a suspensão das sanções administrativas e penais decorrentes de tal ilegalidade.

O interessado também ficará impedido de acessar créditos agrícolas junto a instituições financeiras privadas e públicas e, em tese, estará sujeito às penalidades previstas no Decreto Federal nº 6.514/2008, conforme a tipificação estabelecida pela Lei Federal nº 9.605/2008 (Lei dos Crimes Ambientais), tais como multas e embargos.

No Estado de São Paulo, sem a inscrição no CAR, mesmo antes de sua obrigatoriedade prevista para 31/05/2018, o interessado não poderá promover retificações de registro, desmembramentos, unificações, ou outros atos registrais que acarretem a modificação da figura geodésica dos imóveis. Também não será possível o registro de servidões de passagem sobre imóveis rurais que não tenham sido inscritos no CAR, visto que a faixa da servidão poderia se sobrepor a áreas ambientalmente protegidas.

As referidas restrições presentes nas normas paulistas só não serão aplicadas nas situações em que houver sido celebrado, com o órgão competente, termo de responsabilidade de preservação de Reserva Legal ou outro termo de compromisso relacionado à regularidade ambiental do imóvel.

Programa de Regularização Ambiental (PRA)

Se houver a necessidade de regularização da Reserva Legal juntamente com o CAR, o interessado deverá aderir ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) e apresentar o projeto de recomposição de áreas degradadas. Apenas após a homologação desse projeto pelo órgão ambiental é que a localização da Reserva Legal será confirmada.

Vale observar que, no Estado de São Paulo, os efeitos da Lei Estadual nº 15.684/2015, que regula o PRA e os respectivos projetos, foram suspensos por conta de liminar concedida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 2100850-72.2016.8.26.0000, em trâmite perante o órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Conceito de imóvel rural para fins do CAR

O novo Código Florestal não define expressamente o conceito de imóvel rural para fins da espacialização da Reserva Legal.

Na sistemática do Código Florestal anterior, o imóvel rural tinha como referência a matrícula imobiliária, de maneira que o cômputo do percentual do imóvel destinado à área de Reserva Legal era realizado de acordo com os elementos nela constantes.

Segundo a Instrução Normativa 2/2014 do Ministério de Meio Ambiente, que regulamentou o CAR no âmbito nacional, o imóvel rural é definido como o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial.

Entende-se, portanto, que, sendo a área do imóvel contígua, este é considerado uno para fins do CAR, ainda que composto por diversas matrículas imobiliárias. Ou seja, é possível a situação em que um CAR contemple diversas matrículas, não sendo obrigatória a coincidência e total identidade entre a matrícula e o CAR.

Publicidade registral imobiliária do número do CAR, da Reserva Legal e da informação de compensação de Reserva Legal

Há uma forte tendência legislativa e jurisprudencial no sentido de valorizar a publicidade de informações ambientais nas matrículas dos imóveis.

O que se defende é que a publicidade das informações ambientais é mais efetiva por meio dos Registros de Imóveis que, além de terem uma função socioambiental, constituem repositório seguro e perene das informações concernentes a imóveis.

Por isso, mesmo após a entrada em vigor do novo Código Florestal a sistemática de averbações de informações ambientais na matrícula imobiliária permanece relevante.

Averbação do número do CAR

No Estado de São Paulo, exceto em situações em que haja a modificação da figura geodésica do imóvel ou para a constituição de servidões de passagem, a averbação do número de inscrição no CAR hoje é facultativa. A partir de 31/05/2018, todavia, a averbação passará a ser obrigatória.

Esta averbação poderá ser feita de ofício pelo Oficial do Registro de Imóveis Paulista, sem cobrança de emolumentos, por ocasião da primeira averbação e por meio do Serviço de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), ainda não implantado.

É preciso salientar que, em recentes decisões, o Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, seguindo o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) 2, manifestou entendimento no sentido de que para a averbação não basta a mera inscrição do imóvel rural no CAR3.

O referido Conselho Superior entende ser necessário que, no CAR, haja a identificação da Reserva Legal, com a indicação de sua demarcação e delimitação na planta do imóvel, e em respeito ao percentual mínimo aplicável à região em que o imóvel está localizado.

Por isso, o Oficial de Registro de Imóveis, com fundamento no princípio da legalidade, deve apurar se houve a indicação da localização da

Reserva Legal no CAR, impedindo a inscrição registrária quando o CAR não contiver a especialização da área reservada.

Averbação da Reserva Legal

Como mencionado, com o novo Código Florestal a averbação da Reserva Legal na matrícula do imóvel rural passou a ser facultativa.

A Reserva Legal poderá ser averbada em momento posterior ao da inscrição no CAR, quando a sua localização for homologada pela autoridade ambiental estadual competente.

Vale observar que, embora haja um aparente conflito entre a facultatividade da averbação da Reserva Legal no Registro de Imóveis estabelecida pelo Código Florestal e a obrigatoriedade determinada pelos arts. 167, II, n. 22, e 169, da Lei Federal nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), parece-nos que o Código Florestal, como lei especial posterior, deve prevalecer sobre a Lei de Registros Públicos, de caráter procedimental e anterior.

Assim como a averbação do número de inscrição no CAR, a averbação da Reserva Legal florestal poderá ser realizada de ofício pelo Oficial do Registro de Imóveis, também por meio do SREI.

Averbação da informação de compensação de Reserva Legal

Na hipótese de compensação de Reserva Legal, a respectiva notícia deverá ser averbada na matrícula de todos os imóveis envolvidos após a homologação ou aprovação do respectivo projeto de recomposição de áreas degradadas pelo órgão ambiental, sobretudo para a validação dos critérios de identidade de área e de bioma.

No Estado de São Paulo, todavia, a norma jurídica que regula o procedimento de aprovação do projeto de recomposição de áreas degradadas (Lei nº 15.684/2015) teve os seus efeitos suspensos por conta de liminar concedida na ADI nº 2100850-72.2016.8.26.0000.

Assim, em tese, hoje não há como se cumprir os requisitos legais para a compensação. E este é o entendimento que vem sendo majoritariamente defendido pelos integrantes do Conselho Superior4. Portanto, a averbação da notícia de compensação de Reserva Legal não tem sido admitida pelos Registros de Imóveis paulistas atualmente.

Considerações finais

Com as breves ponderações feitas acima, é possível concluir que, mesmo após as alterações promovidas pelo Código Florestal, as interações entre o Registro de Imóveis e as informações relativas à Reserva Legal permanecem intensas.

A introdução do CAR mudou a função do Registro de Imóveis frente ao instituto da Reserva Legal, gerando uma nova dinâmica que deve ser observada pelos proprietários e possuidores de imóveis rurais.

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1 Correspondente ao Código Florestal anterior.

2 REsp nº 1.356.207/SP, de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Julgamento realizado em 28/04/2015 e acórdão publicado em 07/05/2015.

3 Apelação nº 1000891-63.2015.8.26.0362, de relatoria do Corregedor Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo, Manoel de Queiroz Pereira Calças. Julgamento realizado em 02/06/2016 e acórdão publicado em 21/06/2016.

4 Apelação nº 1015407-59.2016.8.26.0037, de relatoria do Corregedor Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo, Manoel de Queiroz Pereira Calças. Julgamento realizado em 28/11/2017 e acórdão publicado em 14/12/2017.

Fonte: IRIB | 23/05/2018.

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