ARTIGO: RECONHECER OU AUTENTICAR? – POR ANDERSON NOGUEIRA GUEDES

*Anderson Nogueira Guedes

RECONHECER OU AUTENTICAR?

O reconhecimento de firmas e a autenticação de cópias são os atos mais comuns nas serventias notariais. Alguns chegam a afirmar, inclusive, que esses são os atos mais simples de lavra dos tabeliães.

Todos os dias milhares e milhares de pessoas procuram os tabelionatos de todo o país, a fim de solicitarem reconhecimentos e autenticações.

No entanto, poucos são os que de fato conhecem tais serviços e a sua importância para a ordem jurídica, social e econômica de nosso país.

As pessoas geralmente se confundem ao solicitá-los.

Quem nunca ouviu, na prática notarial, expressões como: “reconhecimento de cópia” ou “autenticação de assinatura”?

– “Quero autenticar minha assinatura!”, dizem alguns; enquanto que outros pedem para reconhecer uma cópia. Há, ainda, quem peça para fazer o registro da sua assinatura. Isso é muito comum!

Os atendentes já estão acostumados com isso e compreendem o que está sendo solicitado.

Mas, afinal de contas, o que é reconhecimento de firmas e autenticação de cópias?

Podemos dizer de uma maneira bem objetiva que reconhecimento de firma é o ato através do qual o tabelião certifica que uma determinada assinatura pertence a uma determinada pessoa.

Já a autenticação, é o ato por meio do qual o tabelião certifica que uma determinada cópia confere fielmente com o documento original apresentado.

Simples, não é mesmo?!

Reconhecer uma firma é o mesmo que reconhecer uma assinatura; nesse caso, firma e assinatura têm o mesmo significado.

Existem duas formas básicas de reconhecimento: o reconhecimento por semelhança e o reconhecimento por autenticidade, também conhecido como reconhecimento “por verdadeiro”.

Faz-se necessária, em ambos os casos de reconhecimento, a abertura de cartão de assinaturas/autógrafos do signatário do documento, o qual sempre ficará arquivado na serventia, em meio físico e digital.

reconhecimento por semelhança é aquele em que o tabelião confronta a assinatura constante do documento apresentado com as assinaturas do signatário existentes em seu cartão de autógrafos arquivado na Serventia. Nesse tipo de reconhecimento o tabelião certifica que a assinatura aposta no documento apresentado confere com as assinaturas da pessoa constantes do cartão de autógrafos arquivado no cartório, reconhecendo-a por semelhança.

Já o reconhecimento por autenticidade ou “por verdadeiro” como se diz usualmente, é aquele em que a pessoa titular da assinatura que se pretende reconhecer comparece ao tabelionato, munida de seus documentos pessoais, e lança a sua assinatura na presença do tabelião ou de seus prepostos autorizados. Nessa espécie de reconhecimento o notário se certifica de que a pessoa ali presente realmente é quem diz ser, à vista do documento de identificação civil apresentado, confere a assinatura lançada no documento com as assinaturas constantes do cartão de autógrafos e faz o reconhecimento.

É também muito comum, nos dias de hoje, a utilização, por parte do tabelião, do cadastro biométrico da pessoa existente no banco de dados da serventia.

É a tecnologia a serviço da segurança jurídica!

Vale ressaltar que nem todos os documentos comportam o reconhecimento por semelhança. Em alguns casos há a exigência, por parte das Corregedorias Gerais de Justiça dos Estados, de que o reconhecimento seja necessariamente por autenticidade, obrigando a presença da pessoa no cartório, munida dos seus documentos pessoais.

No Estado de Mato Grosso, por exemplo, a Consolidação das Normas Gerais da Corregedoria – Geral da Justiça – Foro Extrajudicial, prevê em seu artigo 469 que:

Art. 469. Somente o Tabelião ou o seu preposto, previamente autorizado, é que poderá realizar reconhecimento de firma: I – quando se tratar de oneração, transmissão ou promessa de transmissão de propriedade de bem imóvel, veículo, ou desalienação de veículo, independentemente do valor, deverá ser feita por autenticidade, obrigando a presença do signatário, munido de documento de identificação. II – Nos demais instrumentos, com valor superior a 500 (quinhentas) Unidade Padrão Fiscal do Estado de Mato Grosso – UPFs/MT, o reconhecimento da firma só poderá ser realizado por autenticidade; III – Nos instrumentos de valor inferior a 500 (quinhentas) UPFs/MT, o reconhecimento da firma poderá ser feito por semelhança, ressalvadas as hipóteses do inciso I deste artigo. (Alterado pela decisão proferida pela Corregedora-Geral da Justiça do Estado de Mato Grosso nos autos do Pedido de Providências 52/2017). (grifo nosso)

Nesses casos, a identificação pessoal feita pelo tabelião à vista dos documentos apresentados é de suma importância.

E, para isso, é imprescindível que as partes compareçam à serventia munidas de seus documentos de identificação oficiais e CPF/MF: Carteira de Identidade – RG, CNH – Carteira Nacional de Habilitação, Passaporte, Carteiras de Exercício Profissional devidamente reconhecidas e expedidas pelos órgãos de classe (OAB, CRM, CRQ, etc), Carteiras de Identidade expedidas pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, e outros assim reconhecidos por lei.

Além disso, citados documentos devem permitir a correta identificação dos seus portadores.

Alguns documentos, apesar de válidos, não permitem a identificação correta e adequada de seus portadores, como é o caso das Carteiras de Identidade várias vezes plastificadas, molhadas, rasgadas ou com fotos muito antigas, danificadas ou substituídas.

Os documentos de identificação oficiais devem estar preservados em todos os seus caracteres formais e em bom estado de conservação (sem rasuras, sem substituição de fotos, sem emendas, etc…), assim como possibilitar o reconhecimento da identidade de seus portadores.

Tanto é que, caso o tabelião tenha dúvidas quanto à identidade da pessoa, não praticará o ato.

Igual cuidado deve ter ao autenticar uma cópia.

A cópia a ser autenticada deve expressar fielmente o documento original do qual fora extraída.

Assim, a autenticação somente poderá ser feita à vista do documento original, sendo vedada a autenticação de cópia de documento que possua trecho apagado, danificado ou rasurado, ou, ainda, que contenha emendas, uso de corretivo ou alterações no texto original.

Também não se autenticará cópia que proporcione dúvida, que seja ilegível ou de difícil leitura; tampouco se reconhecerá assinaturas em documentos com escrita à lápis, sem data, com data futura, incompletos, em branco ou em papel térmico.

Não! Isso não é burocracia! São os cuidados exigidos no exercício da profissão!

De igual forma, não se fará o reconhecimento de firma e a autenticação de documentos que afrontarem as leis, a soberania nacional e os bons costumes.

Além disso, quando o tabelião suspeitar de que a assinatura aposta em um documento não é verdadeira ou de que há indícios de adulteração/fraude, não praticará o ato solicitado, exigindo a presença do signatário na serventia.

Não raras são as vezes em que falsários tentam, de uma maneira ou de outra, obter a chancela de aprovação do Estado em suas falsificações.

Infelizmente isso é mais corriqueiro do que se imagina, e são os cartórios que impedem que prospere um grande número de fraudes e falsificações.

Já imaginou quão inseguro seria se não existissem os cartórios para barrar esse tipo de situação?

As transações e negócios de modo geral (compra e venda de imóveis, veículos, prestação de serviços, etc…) diminuiriam consideravelmente e a consecução de créditos em instituições financeiras seria mais difícil, inviabilizando uma série de negócios e de empreendimentos.

Essas seriam algumas consequências. Isso sem falarmos no clima de insegurança e instabilidade, que afastam investimentos e fazem com que as taxas de juros subam a todo instante.

Seria um desastre!

A segurança gera e possibilita a circulação de riquezas; a insegurança, por sua vez, faz com que essas desapareçam.

Isso é muito sério!

Devemos dizer, ainda, que os reconhecimentos e as autenticações são de competência exclusiva do tabelião de notas, assim como a lavratura de escrituras, procurações e testamentos, públicos, a lavratura de atas notariais e a aprovação de testamentos cerrados, conforme preconiza o artigo 7º da Lei nº 8.935/94, in verbis:

Art. 7º Aos tabeliães de notas compete com exclusividade:

I – lavrar escrituras e procurações, públicas;

II – lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados;

III – lavrar atas notariais;

IV – reconhecer firmas;

V – autenticar cópias.” (grifo nosso)

Isso importa dizer que somente o tabelião de notas pode reconhecer firmas e autenticar cópias, por meio da fé pública nele investida pelo Estado.

A fé pública afirma a certeza do que é certificado pelo tabelião, gerando a presunção de veracidade de todos os seus atos e de tudo quanto declara (presunção relativa ou juris tantum, em regra).

É por isso que, no término de atos notariais, utilizamos a expressão:

 “O referido é verdade e dou fé”.

Ou seja, até prova em contrário, presumem-se verdadeiros os atos notariais e tudo quanto deles consta, pela fé pública investida no tabelião.

Nas clássicas lições de Walter Ceneviva (2010, p. 64):

O oficial do registro ou registrador, assim como o tabelião ou notário, é profissional do direito, dotado de fé pública, que atua por delegação do Poder Público […]

A fé pública:

a) corresponde à especial confiança atribuída por lei ao que o oficial declare ou faça, no exercício da função, com presunção de verdade;

b) afirma a eficácia de negócio jurídico ajustado com base no declarado ou praticado pelo registrador e pelo notário.

É por essa razão que os atos notariais/registrais são amplamente aceitos por órgãos e repartições públicas, instituições financeiras, educacionais e empresas privadas de todo o país, assim como no exterior, produzindo os efeitos jurídicos pretendidos, em juízo e fora dele, e gerando a segurança jurídica tão almejada por todos.

Como consequência lógica, nos atos que pratica, o tabelião tem o dever de sempre dizer/atestar/certificar a verdade; até porque todos os atos de sua lavra são revestidos de autenticidade, presumindo-se verdadeiros para todos os fins de direito.

Essa é uma grande responsabilidade!

Autenticidade, segundo Martha El Debs (2018, p. 1674)  “é a qualidade, condição ou caráter de autêntico. Na atividade notarial e registral, ela decorre da fé pública do notário e do registrador”

Nesse cenário, os reconhecimentos e as autenticações, mesmo sendo os atos mais comuns nos tabelionatos de notas, possuem papéis fundamentais no mundo jurídico, pois, assim como os demais atos notariais e registrais, proporcionam segurança e a eficácia jurídica de uma série de atos e negócios jurídicos.

Ao autenticar uma cópia o tabelião transmite segurança a todos quantos forem recepcionar aquele documento, afinal de contas podem ter a certeza de que o mesmo retrata fielmente a íntegra do seu original.

O mesmo ocorre com os reconhecimentos de firmas.

Quando o tabelião reconhece as firmas em contratos, cédulas, declarações, autorizações e em outra infinidade de documentos, transmite segurança jurídica às partes deles signatárias, assim como à sociedade de modo geral, pois qualquer um que tiver acesso a tais documentos terá a certeza quanto à autoria das assinaturas reconhecidas.

Um simples reconhecimento de assinatura pode evitar enormes prejuízos às partes e também ao Estado; e a insegurança gerada pela sua falta pode levar a infindáveis demandas judiciais, assim como a enormes gastos e à inevitável desgaste emocional.

Podemos dizer, portanto, que reconhecimentos e autenticações são de capital importância à ordem jurídica, social e econômica de nosso país: à ordem jurídica, porque, ao lado dos demais atos notariais e registrais, têm o condão de gerar as almejadas segurança e eficácia jurídicas de uma infinidade de atos e negócios jurídicos; à ordem social, pois evitam que uma enxurrada de processos venha a abarrotar ainda mais o Judiciário Brasileiro, sendo um poderoso instrumento de pacificação social; e, à ordem econômica, porque possibilitam a geração e circulação de riquezas em nosso país.

Dessa forma, resta-me apenas perguntar:

E, então?! É para reconhecer ou autenticar?

BIBLIOGRAFIA:

BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: . Acesso em: 09 de agosto de 2018.

CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

CNGCE/MT – Consolidação das Normas Gerais da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso – Foro Extrajudicial. Disponível em: . Acesso em: 09 de agosto de 2018.

DEBS, Martha EL. Legislação Notarial e de Registros Públicos Comentada. Doutrina, Jurisprudência e Questões de Concursos3ª ed. rev., atual. e ampl. Savador: Juspodivm, 2018.

*O autor, Anderson Nogueira Guedes, é Notário e Registrador Público Substituto do 2º Serviço Notarial e Registral de Campo Novo do Parecis – MT. Bacharel em Direito. Especialista em Direito Notarial e Registral. Pós-Graduando em Direito Tributário e em Direito de Família e Sucessões. Secretário Adjunto da ARPEN-MT. Autor de artigos jurídicos publicados em sites especializados em Direito Notarial e Registral. Aprovado em vários concursos públicos para ingresso na Atividade Notarial e Registral.

Fonte: Anoreg/MT | 22/08/2018.

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Artigo: Breves notas sobre o Provimento CNJ nº 74 – Por Felipe Leonardo Rodrigues

*Felipe Leonardo Rodrigues

No dia 01/08/2018 foi publicado o Provimento CNJ nº 74. A norma dispõe sobre os padrões mínimos de tecnologia da informação para a segurança, integridade e disponibilidade de dados para a continuidade da atividade pelos serviços notariais e de registro do Brasil.

A nova normativa veio em boa hora. A partir da nova norma os cartórios possuirão estrutura tecnologia mínima para a continuidade da prestação do serviço público, a preservação da informação notarial a longo prazo e a segurança contra o acesso não autorizado.

Buscaremos fazer breves anotações sobre alguns pontos de ordem prática sobre a normativa mínima -, é apenas uma abordagem breve e inicial sobre o tema.

Apresentamos a seguir algumas notas práticas.

Art. 1º Dispor sobre padrões mínimos de tecnologia da informação para a segurança, integridade e disponibilidade de dados para a continuidade da atividade pelos serviços notariais e de registro do Brasil.

Nota: Segurança da informação é um conjunto de ações destinadas a proteção de dados (conjuntos de informações) com o intuído de preservar seu valor para o indivíduo ou organização.

A segurança está alicerçada em alguns pilares, são eles: confidencialidadeintegridadedisponibilidade e autenticidade. A norma técnica de gestão da segurança da informação é a ABNT NBR ISO/IEC 27002:2013.

Confidencialidade é um atributo do dado (informação) que não permite a sua disponibilização ou franqueamento a pessoas ou organização sem a devida autorização de seu detentor. É o resguardo da informação dada em confiança e a proteção contra a sua disponibilização sem autorização.

Integridade significa a disponibilidade de informação confiável, correta e em formato compatível para sua utilização – que a informação não foi alterada de forma não autorizada, pois se é alterada sem autorização ou falsificada, a informação fica comprometida, perdendo a sua eficácia e confidencialidade.

Disponibilidade é um sistema informático resistente a falhas de hardware, software e energia, com o objetivo de manter os serviços disponíveis. Quanto mais redundância existir, menor será a probabilidade de interrupções no serviço.

Autenticidade é a certeza de uma informação que provem de uma fonte confiável e não foi alvo de mutação ao longo de seu processo.

Seguindo essas premissas básicas será possível manter a continuidade e a disponibilidade de determinados serviços oferecido ao usuário.

Art. 2º Os serviços notariais e de registro deverão adotar políticas de segurança de informação com relação a confidencialidade, disponibilidade, autenticidade e integridade e a mecanismos preventivos de controle físico e lógico.

Nota: Política de Segurança da Informação em poucas palavras é o documento contendo as normas, métodos e procedimentos conhecido por todos os funcionários da organização, que deve ser revisado com certa regularidade.

Visa viabilizar e segregar o uso dos sistemas somente por pessoas autorizadas e que realmente necessitam de tais privilégios.

A elaboração de uma política de segurança da informação tem guarida na norma ABNT NBR ISO/IEC 27002:2013, que dispõe sobre os códigos de práticas para a gestão de segurança da informação. Sugiro contar com uma assessoria especializada em gestão e segurança da informação.

Parágrafo único. Como política de segurança da informação, entre outras, os serviços de notas e de registro deverão:

I – ter um plano de continuidade de negócios que preveja ocorrências nocivas ao regular funcionamento dos serviços

Nota: Plano de continuidade de negócios é um documento que detalha não só o mapeamento dos processos críticos do cartório, seja gestão e segurança da informação, seja os processos dos próprios atos notariais. A continuidade da segurança da informação, contempla os sistemas de gestão de proteção de dados e o resguardo da continuidade do negócio do cartório.

Significa planejar, implementar e verificar a continuidade da segurança da informação, resultando nos métodos de redundâncias e proteção, de modo a assegurar a disponibilidade dos recursos de processamento e acesso a informação.

Fundamental ter uma assessoria especializada em segurança da informação, que estude o ambiente, sugira e faça as correções necessárias, que possua um plano de conscientização dos funcionários.

Vale a visita: https://www.cartorioseguro.com.br (Mais informações: Fabricio Santos – fabricio.santos@nextlayer.com.br)

II – atender a normas de interoperabilidade, legibilidade e recuperação a longo prazo na prática dos atos e comunicações eletrônicas.

NotaInteroperabilidade é a capacidade de um sistema se comunicar com outro, num padrão aberto.

Legibilidade é a capacidade de um sistema ler um dado gerado por outro sistema, de modo a possibilitar a leitura sem perda de informação.

Recuperação (da informação) a longo prazo permite que a informação arquivada (backups) possa ser lida a qualquer momento, mesmo que arquivadas há muito tempo; gerenciando as mudanças e avanços de recursos e permitindo a leitura de modo contínuo. Se um ato foi gerado num tipo de extensão e gravado por um determinado recurso, hoje obsoletos, é necessário gerenciar a transição de leitura e integridade, para num eventual resgate, a informação esteja disponível e legível.

Art. 3º Todos os livros e atos eletrônicos praticados pelos serviços notariais e de registro deverão ser arquivados de forma a garantir a segurança e a integridade de seu conteúdo.

Nota: O backup (cópia de segurança) resguarda, protege e disponibiliza o dado notarial, principalmente, em caso de acidentes ou mau funcionamento do software e hardware. O cartório deve implantar rotinas de cópias de segurança (backup) dos livros, documentos e informações relevantes para eventual resgate da informação e continuidade da prestação do serviço.

É essencial também prever a implantação de método de controle de acesso e criptografia dos dados backupados.

§ 1º Os livros e atos eletrônicos que integram o acervo dos serviços notariais e de registro deverão ser arquivados mediante cópia de segurança (backup) feita em intervalos não superiores a 24 horas.

Nota: O intervalo mínimo é de 24 horas, mas fica a critério do delegado realizar a cópia em intervalo menor. Quanto menor o intervalor, maior será a disponibilidade da informação.

§ 2º Ao longo das 24 horas mencionadas no parágrafo anterior, deverão ser geradas imagens ou cópias incrementais dos dados que permitam a recuperação dos atos praticados a partir das últimas cópias de segurança até pelo menos 30 minutos antes da ocorrência de evento que comprometa a base de dados e informações associadas.

Nota: Cópias incrementais (cópia dos dados que foram modificados desde o último backup) não são muito simples de se fazer. Dependerá da infraestrutura do cartório. Se o cartório possuir um servidor com recurso (sistema de gerenciamento de banco de dados) que possibilite fazer cópias incrementais com os usuários logados (trabalhando em seus computadores) é perfeitamente possível.

Contudo, se o recurso não permite a geração de cópia com usuários logados, gerando lentidão ou travamento do banco dados, poderá encadear a descontinuidade da prestação do serviço prestado. Ou ainda, se o cartório não possuir um sistema de gerenciamento de banco de dados poderá encontrar dificuldades para o período proposto (30 minutos).

§ 3º A cópia de segurança mencionada no § 1º deverá ser feita tanto em mídia eletrônica de segurança quanto em serviço de cópia de segurança na internet (backup em nuvem).

Nota: Quando falamos em mídia, pode ser fita, CDs, DVDs, pendrive, HD externo etc.

O backup geralmente é gravado em fita (possui grande capacidade e boa confiabilidade), em HDs externos (possui grande capacidade e menor confiabilidade), em CDsDVDspendrive (menor capacidade e confiabilidade) etc.

storage é um repositório onde serão centralizados os dados da rede local do cartório, mas também pode assumir outras funções e servir, por exemplo, como servidor de arquivos, backup, área de compartilhamento e colaboração – tudo que envolve a administração e o processamento de dados armazenados.

backup de nuvem é um serviço em que é feito o backup dos dados e aplicativos no servidor ou computador do cartório e esse backup é armazenado em um servidor remoto. O serviço é totalmente modular, personalizável, confiável e com um custo relativamente baixo. Algumas corregedorias obrigam que os serviços de backup de nuvem devem ser contratados com pessoa jurídica regularmente constituída no Brasil, como é o caso do Estado de São Paulo (Cap. 14, item 90, letra h).

§ 4º A mídia eletrônica de segurança deverá ser armazenada em local distinto da instalação da serventia, observada a segurança física e lógica necessária.

Nota: Pode ser fita, HDs externos, CDs, DVDs, pendrive etc., desde que mantenham método de criptografia para evitar acesso indevido (não autorizado) aos dados e guardado em local seguro.

§ 5º Os meios de armazenamento utilizados para todos os dados e componentes de informação relativos aos livros e atos eletrônicos deverão contar com recursos de tolerância a falhas.

Nota: Tolerância a falhas ou sistemas redundantes baseia-se na detecção de falha de hardware e alterna instantaneamente para um componente de hardware redundante, seja o componente com falha um processador, uma placa de memória, uma fonte de alimentação, um subsistema de armazenamento.

servidor com Raid possui um conjunto redundante de discos independentes, que gravam e replicam as informações entre eles e que permite a retirada de um deles (que apresentou defeito) sem a necessidade de desligar o servidor. Ao inserir o novo HD no lugar daquele com defeito as informações gravadas nos demais são automaticamente lidas, replicadas e gravadas no novo;

Há também os servidores de replicação, tendo um servidor principal outro secundário, onde todas as informações são gravadas no servidor principal e ao mesmo tempo no servidor secundário. Caso o servidor principal apresente algum defeito, o servidor secundário assume o controle da operação. Neste caso, a partir do controle pelo servidor secundário, nenhuma informação é mais gravada no servidor principal. Corrigido o problema no servidor principal, é necessário sincronizar as informações entre os dois servidores.

Art. 4º O titular delegatário ou o interino/interventor, os escreventes, os prepostos e os colaboradores do serviço notarial e de registro devem possuir formas de autenticação por certificação digital própria ou por biometria, além de usuário e senha associados aos perfis pessoais com permissões distintas, de acordo com a função, não sendo permitido o uso de “usuários genéricos”.

Nota: Não é permitida a criação e utilização de usuários genéricos, ou seja, dois ou mais funcionários não podem utilizar o mesmo usuário e senha.

Isso dificulta o rastreamento do usuário que utilizou o sistema ou provocou alguma alteração ou ação nociva. A exigência de certificado digital ou biometria nos parece um excesso. Uma senha segura com no mínimo 14 caracteres, alternando letras, números e símbolos, seria o bastante. Recomenda-se a alteração da senha pelo menos a cada 30 dias.

Art. 5º O sistema informatizado dos serviços notariais e de registro deverá ter trilha de auditoria própria que permita a identificação do responsável pela confecção ou por eventual modificação dos atos, bem como da data e hora de efetivação.

Nota: Trilhas de auditoria podem ser compostas por um ou mais logs. Quando possível, é aceitável também que administradores de sistemas não tenham permissão de exclusão ou desativação dos registros (logs) de suas próprias atividades. As trilhas de auditoria podem conter dois tipos de registros (logs):

– Registros de administrador e operador – que contêm informações sobre atividades no sistema e podem ser utilizados para monitorar a conformidade das atividades dos administradores, operadores e usuários do sistema e da rede.

– Registros de falhas e erros – que contêm informações sobre falhas e erros informados pelos usuários ou pelos programas de sistema relacionados a problemas com processamento da informação ou sistemas de comunicação.

§ 1º A plataforma de banco de dados deverá possuir recurso de trilha de auditoria ativada.

Nota: Nem todas as versões de sistemas de gerenciamento de banco de dados possuem o recurso de trilha de auditoria. As versões mais atuais possuem, por ex.: MySql 5.7, cujo recurso deve ser configurado e ativado. Os cartórios que não possuem sistemas de gerenciamento de bancos de dados podem buscar os logs de eventos do Windows, por exemplo. Contudo é bom frisar que os eventos do Windows nem sempre são suficientes. É necessário ativar trilhas especificas para tabelas especificas.

§ 2º As trilhas de auditoria do sistema e do banco de dados deverão ser preservadas em backup, visando a eventuais auditorias.

Nota: Conforme dito acima, somente as versões mais atuais possibilitam salvar a trilha de auditoria. Os logs de eventos do Windows também podem ser salvos.

Art. 6º Os serviços notariais e de registro deverão adotar os padrões mínimos dispostos no anexo do presente provimento, de acordo com as classes nele definidas.

Nota: Alguns cartórios de menor porte podem encontrar dificuldades e não ter condições de aplicar todos os requisitos do padrão mínimo dos referidos anexo. Parece-nos mais ponderável que cada caso seja tratado de forma individual e constatada a dificuldade, seja envidado esforços para a adequação ou adaptação da infraestrutura do cartório ao provimento.

Parágrafo único. Todos os componentes de software utilizados pela serventia deverão estar devidamente licenciados para uso comercial, admitindo-se os de código aberto ou os de livre distribuição.

Nota: É vedado a utilização de software não genuíno, os chamados popularmente de “piratas”. A Lei 9.609/98 estabelece que a violação de direitos autorais de programas de computador é crime, punível criminal e civilmente.

Os softwares de código aberto também chamados de open source software e os de livre distribuição também chamados de free software podem ser utilizados sem qualquer restrição.

Art. 7º Os serviços notariais e de registro deverão adotar rotina que possibilite a transmissão de todo o acervo eletrônico pertencente à serventia, inclusive banco de dados, softwares e atualizações que permitam o pleno uso, além de senhas e dados necessários ao acesso a tais programas, garantindo a continuidade da prestação do serviço de forma adequada e eficiente, sem interrupção, em caso de eventual sucessão.

Nota: No caso de eventual sucessão do titular do cartório, como todos os documentos notariais pertencem ao Estado, o banco de dados e senhas necessária ao acesso devem ser transmitidos ao novo titular ou interino, conforme o caso.

Art. 8º Os padrões mínimos dispostos no anexo do presente provimento deverão ser atualizados anualmente pelo Comitê de Gestão da Tecnologia da Informação dos Serviços Extrajudiciais (COGETISE).

§ 1º Comporão o COGETISE:

I – a Corregedoria Nacional de Justiça, na condição de presidente;

II – as Corregedorias de Justiça dos Estados e do Distrito Federal;

III – a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (ANOREG/BR);

IV – o Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB/CF);

V – a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais do Brasil (ARPEN/BR);

VI – o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB/BR);

VII – o Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil (IEPTB/BR); e

VIII – o Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil (IRTDPJ/BR).

Nota: É de suma importância a permanente atualização dos requisitos dos padrões mínimos em decorrência do avanço tecnológico, bem como da necessidade de eventual ajuste dos requisitos à realidade dos cartórios menores.

§ 2º Compete ao COGETISE divulgar, estimular, apoiar e detalhar a implementação das diretrizes do presente provimento e fixar prazos para tanto.

Nota: Interessante a criação de um comitê que implante um cronograma, oriente e divulgue as ações necessários, de modo a difundir a cultura da tecnologia e segurança da informação.

Art. 9º O descumprimento das disposições do presente provimento pelos serviços notariais e de registro ensejará a instauração de procedimento administrativo disciplinar, sem prejuízo de responsabilização cível e criminal.

Nota: A omissão na implantação dos requisitos mínimos poderá ensejar a instauração de procedimento administrativo para averiguar eventual falta funcional. Eventual falha dolosa na proteção ou manuseio das informações também poderá ensejar responsabilidade civil e criminal.

Art. 10. A Recomendação CNJ n. 9, de 7 de março de 2013, e as normas editadas pelas corregedorias de justiça dos Estados e do Distrito Federal permanecem em vigor no que forem compatíveis com o presente provimento.

Nota: Prevalece a norma do CNJ em relação a norma estadual, se houver alguma incompatibilidade entre elas.

Art. 11. Este provimento entra em vigor após decorridos 180 dias da data de sua publicação.

Nota: Referido provimento entra em vigor em 28/01/2019.

ANEXO

CLASSE 1

Serventias com arrecadação de até R$ 100 mil por semestre, equivalente a 30,1% dos cartórios

PRÉ-REQUISITOS

Energia estável, rede elétrica devidamente aterrada e link de comunicação de dados mínimo de 2 megabits

Endereço eletrônico (e-mail) da unidade para correspondência e acesso ao sistema Malote Digital

Local técnico (CPD) isolado dos demais ambientes preferencialmente por estrutura física de alvenaria ou, na sua impossibilidade, por divisórias. Em ambos os casos, com possibilidade de controle de acesso (porta com chave) restrito aos funcionários da área técnica

Local técnico com refrigeração compatível com a quantidade de equipamentos e metragem

Unidade de alimentação ininterrupta (nobreak) compatível com os servidores instalados, com autonomia de pelo menos 30 minutos

Dispositivo de armazenamento (storage), físico ou virtual

Serviço de cópias de segurança na internet (backup em nuvem)

Servidor com sistema de alta disponibilidade que permita a retomada do atendimento à população em até 15 minutos após eventual pane do servidor principal

Impressoras e scanners (multifuncionais)

Switch para a conexão de equipamentos internos

Roteador para controlar conexões internas e externas

Softwares licenciados para uso comercial

Software antivírus e antissequestro

Firewall

Proxy

Banco de dados

Mão de obra: pelo menos 2 funcionários do cartório treinados na operação do sistema e das cópias de segurança ou empresa contratada que preste o serviço de manutenção técnica com suporte de pelo menos 2 pessoas

CLASSE 2

Serventias com arrecadação entre R$ 100 mil e R$ 500 mil por semestre, equivalente a 26,5% dos cartórios

PRÉ-REQUISITOS

Energia estável, rede elétrica devidamente aterrada e link de comunicação de dados mínimo de 4 megabits

Endereço eletrônico (e-mail) da unidade para correspondência e acesso ao sistema Malote Digital

Local técnico (CPD) isolado dos demais ambientes preferencialmente por estrutura física de alvenaria ou, na sua impossibilidade, por divisórias. Em ambos os casos, com possibilidade de controle de acesso (porta com chave) restrito aos funcionários da área técnica

Local técnico com refrigeração compatível com a quantidade de equipamentos e metragem

Unidade de alimentação ininterrupta (nobreak) compatível com os servidores instalados, com autonomia de pelo menos 30 minutos

Dispositivo de armazenamento (storage), físico ou virtual

Serviço de cópias de segurança na internet (backup em nuvem)

Servidor com sistema de alta disponibilidade que permita a retomada do atendimento à população em até 15 minutos após eventual pane do servidor principal

Impressoras e scanners (multifuncionais)

Switch para a conexão de equipamentos internos

Roteador para controlar conexões internas e externas

Softwares licenciados para uso comercial

Software antivírus e antissequestro

Firewall

Proxy

Banco de dados

Mão de obra: pelo menos 2 funcionários do cartório treinados na operação do sistema e das cópias de segurança ou empresa contratada que preste o serviço de manutenção técnica com suporte de pelo menos 2 pessoas

CLASSE 3

Serventias com arrecadação acima de R$ 500 mil por semestre, equivalente a 21,5% dos cartórios

PRÉ-REQUISITOS

Energia estável, rede elétrica devidamente aterrada e link de comunicação de dados mínimo de 10 megabits

Endereço eletrônico (e-mail) da unidade para correspondência e acesso ao sistema Malote Digital

Local técnico (CPD) isolado dos demais ambientes preferencialmente por estrutura física de alvenaria ou, na sua impossibilidade, por divisórias. Em ambos os casos, com possibilidade de controle de acesso (porta com chave) restrito aos funcionários da área técnica

Local técnico com refrigeração compatível com a quantidade de equipamentos e metragem

Unidade de alimentação ininterrupta (nobreak) compatível com os servidores instalados, com autonomia de pelo menos 30 minutos

Dispositivo de armazenamento (storage), físico ou virtual

Serviço de cópias de segurança na internet (backup em nuvem)

Servidor com sistema de alta disponibilidade que permita a retomada do atendimento à população em até 15 minutos após eventual pane do servidor principal

Impressoras e scanners (multifuncionais)

Switch para a conexão de equipamentos internos

Roteador para controlar conexões internas e externas

Softwares licenciados para uso comercial

Software antivírus e antissequestro

Firewall

Proxy

Banco de dados

Mão de obra: pelo menos 3 funcionários do cartório treinados na operação do sistema e das cópias de segurança ou empresa contratada que preste o serviço de manutenção técnica com suporte de pelo menos 3 pessoas

*Felipe Leonardo Rodrigues, é tabelião substituto em S. Paulo.

Fonte: 26º Tabelionato de Notas | 07/08/2018.

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Artigo: NOVAS TECNOLOGIAS, “BLOCKCHAIN” E A FUNÇÃO NOTARIAL – Por José Flávio Bueno Fischer

*José Flávio Bueno Fischer

A 2ª Guerra Mundial chocou o mundo com uma infinidade de atrocidades, com violações gravíssimas aos direitos humanos. Mas, ao mesmo tempo, a 2ª Guerra, diante da combinação de altos investimentos em pesquisas e de mentes brilhantes, como Albert Einstein e Alan Turing, trouxe um salto tecnológico gigante para a humanidade.

Desde então, instalou-se a era da corrida tecnológica. De computadores com enormes processadores evoluímos para pequenos smartphones, que nos oferecem o mundo na palma das nossas mãos.

Neste cenário, o recente desenvolvimento de uma tecnologia chamada de “blockchain” promete revolucionar a forma como contratamos atualmente e até, como defendem alguns, acabar com a intermediação de terceiros nos negócios privados, a exemplo dos notários.

A “blockchain” foi uma tecnologia criada inicialmente para a comercialização de moedas virtuais, as conhecidas e famosas “bitcoins”. Formada por uma cadeia de blocos virtuais, como se deduz do seu próprio nome (em português, “blockchain” significa cadeia de blocos), a tecnologia “blockchain” funciona como um grande livro de registros no qual todas as transações ficam armazenadas.

A tecnologia permite que cada ato, ou seja, a transmissão de qualquer tipo de informação ocorra por meio de “cripto-chaves”, que quando efetivada, forma um bloco. Cada vez que se cria um novo bloco, se adiciona a cadeia, criando uma lista cada vez maior de transações (livro de registros). Cada novo bloco da cadeia precisa referenciar o bloco anterior e ser assinado digitalmente, visando a garantia de sua autenticidade.

A tecnologia “blockchain” é considerada altamente segura devido a impossibilidade de alteração dos registros, fato que praticamente inviabiliza fraudes. Mas, como se assegura que a cadeia de blocos permanece intacta e que nada a manipula? Através dos mineradores.

Utilizando o exemplo das moedas virtuais, assim que ocorre uma transação de “bitcoins”, ela é validada por um minerador. Há milhares de mineradores espalhados pelo mundo, que estão interligados em uma cadeia mundial de mineradores.

Quando o bloco da transação é formado, os mineradores pegam a informação do bloco e aplicam uma fórmula matemática, gerando um código, uma nova peça de informação, que é denominada tecnicamente de “hash”. Cada “hash” é único, de modo que se for alterado um único caractere do bloco, o “hash” muda por completo.

Em razão do “hash” de cada bloco se produzir utilizando o “hash” do bloco imediatamente anterior da cadeia, se cria uma versão digital de um “selo de lacre”, confirmando que o bloco objeto da transação e todo aquele que vai em continuação é legítimo pois se apoia nos anteriores.

Se alguém quiser falsificar uma transação trocando um bloco que havia sido adicionado a cadeia, o “hash” do bloco mudaria por completo, o que evidenciaria de pronto a falsificação quando da comparação com o “hash” original. Com a inviabilidade, portanto, de alteração dos blocos, dos registros, a tecnologia “blockchain” é, em tese, insuscetível de fraudes.

Diante disto, de sua imunidade a fraudes, a “blockchain” tem gerado indagações a respeito de, entre outros profissionais, os notários serem considerados obsoletos. Segundo os defensores desta linha, os contratos, até mesmo imobiliários, poderiam ser realizados em um ambiente totalmente virtual, sem intermediação de terceiros, com a segurança proporcionada pela nova tecnologia.

Entretanto, como demonstraremos nas linhas a seguir, estas indagações não passam de especulação e são levantadas por pessoas que desconhecem a verdadeira função do notário latino na manutenção da segurança jurídica dos negócios.

Em primeiro lugar, como nos ensina Enrique Brancós Núñez[1], Notario em Girona, a “blockchain” de documentos não pode funcionar como a de moedas, que só registra uma transação de uma unidade monetária, legitimando seu titular pela mera posse. A “blockchain” de documentos não armazena o documento, senão o “hash” de dito documento. E, tratando-se de documentos que devem produzir efeitos jurídicos, tanto armazena o “hash” de um documento válido como de um documento nulo de pleno direito.

Ou seja, a tecnologia “blockchain” é cega. Ela desconhece se as partes do contrato armazenado têm capacidade, se um poder de representação é suficiente, se as partes contratantes são realmente quem dizem ser, se o contrato contém objeto lícito, se o contrato cumpre as normas civis, tributárias, urbanísticas, societárias.

Quem assegura que a pessoa que assinou o contrato era capaz no momento da assinatura ou tinha legitimidade para fazê-lo?  Quem assegura que a assinatura digital aposta foi realizada pela pessoa, se para assinar digitalmente basta ter ao alcance o certificado digital (geralmente armazenado em um token ou smartcard) e o PIN (senha)?

O notário não só coleta a assinatura das partes, ele acolhe a manifestação da vontade, redigindo o documento adequado, cuidando de verificar se aquele que manifesta a vontade o faz de forma espontânea e tem capacidade e legitimidade para tanto.

Ademais, o notário garante o cumprimento das obrigações tributárias, principalmente nas transações envolvendo imóveis, e através de sua imparcialidade, a legalidade e equilíbrio do negócio, sem prejuízo para nenhuma das partes. Na ausência do notário, quem garantirá o cumprimento das obrigações fiscais? Quem garantirá que a parte mais frágil na relação, muitas vezes sem condições de contratar um advogado, não será prejudicada pela torpeza da outra?

A “blockchain” é um sistema aberto a todos e nem todos estão em situação de elaborar documentos válidos, aptos a gerar efeitos jurídicos, não só entre as partes contratantes, como na proteção e na relação das partes com os terceiros em geral.

Sem os notários, o que se teria na prática seria uma segregação social: o direito para os integrados ao blockchain, com maior ar de nobreza e acesso a assessoramento jurídico de advogados, e o daqueles que por limitações econômicas, sociais ou intelectuais não podem ter acesso nem ao blockchain, nem a aconselhamento jurídico adequado.

Gabriel Aleixo[2], pesquisador do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio), explica que para a transferência de “bitcoins” é possível automatizar o processo e excluir o intermediário, porém, para transferir a propriedade de uma casa, por exemplo, é necessária uma série de garantias legais. Segundo ele, somente os cartórios têm a capacidade de provar que você é você e a técnica jurídica capaz de analisar a documentação e validar um negócio com segurança jurídica.

De acordo com Paulo Roberto Gaiger Ferreira[3], presidente do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB/CF), a tecnologia “blockchain” garante a integralidade dos atos, mas o que garante a juridicidade no plano dos fatos é a participação notarial.

Desta forma, pode-se dizer que admitir novas tecnologias, a exemplo da “blockchain”, como substitutiva da atividade notarial, seria uma catástrofe, um retrocesso, pois o direito preventivo seria substituído por um direito terminantemente repressivo, que geraria sentenças muitas vezes inexequíveis em razão da irrastreabilidade das operações e da imutabilidade dos contratos. Seria andar na contramão do processo de desjucialização que o Brasil tem buscado, pois certamente o número de demandas judiciais aumentaria muito diante da falta de um assessoramento jurídico preventivo adequado.

A solução, no entanto, não passa pelo afastamento ou negação destas novas tecnologias, mas sim pela sua interligação com os notários. O uso da tecnologia pelos cartórios pode simplificar processos, permitindo que a atividade seja prestada de modo menos burocrático, com economia para os notários e para a sociedade. Como bem destaca Paulo Ferreira[4], “a ‘blockchain’ prevê seguranças, certezas, é uma extraordinária ferramenta fática. Estas características estão ligadas ao coração e espírito da atividade notarial”.

Os cartórios, os notários, com sua expertise, podem lançar mão da tecnologia para otimizar seus serviços, com ganho de tempo e economia, ao mesmo tempo que podem proporcionar benefícios à plataforma “blockchain”, em razão de sua fé pública, permitindo que transações que atualmente só se realizam no mundo físico, possam migrar para o mundo virtual, sem perder a segurança jurídica.

Ronaldo Lemos[5] destaca que, no caso de notários e registradores, o que a “blockchain” vai fazer é potencializar a geração de confiança para os atos do mundo eletrônico.

Como defende Sergio Jacomino[6], os notários e registradores devem ter uma face voltada à multissecular tradição dos Registros e Notas e outra no futuro, rompendo obstáculos, sem medo do novo. Na verdade, o desafio e o futuro – não só para os cartórios, mas como para qualquer profissão, – serão o que formos capazes de construir com o apoio destas novas tecnologias.

Com esta mentalidade, de olho no futuro, mas sem perder a garantia da segurança jurídica, é que o Colégio Notarial do Brasil vem trabalhando e se empenhando na assimilação das novas tecnologias. Recentemente, foi criado e implantado o site Escritura Simples, que permite que todo o processo de contratação imobiliária se dê de forma digital, mas com a assinatura presencial das partes. Além disto, há o projeto de criação do e-Notariado, que regulamentará toda a prática de atos notariais em meio eletrônico.

Estas duas ações concretas do Colégio Notarial refletem a receptividade dos notários às novas tecnologias e sua preocupação em reduzir a burocracia do país, sem perder a segurança jurídica, a legalidade e o equilíbrio contratual nos negócios.

Assim, para concluir, pode-se dizer que a intervenção dos notários nos negócios privados não vai se tornar obsoleta com o advento da “blockchain”. Ao contrário. Sem a participação dos notários na assimilação destas novas tecnologias, não será possível conseguir legalidade, pois na “blockchain” tem-se a prova de fato, mas não se tem a fé pública, requisito imperioso para garantir a segurança jurídica e legal no Brasil.


[1] NÚNEZ, Enrique Brancós. Blockchain, función notarial y registro. In: Notario del Siglo XXI, Revista del Colegio Notarial de Madrid. Enero-Febrero 2017. p. 51

[2] Em entrevista concedida para a Revista Cartórios com Você. Notários e Registradores e a Revolução da Blockchain. Revista Cartórios com Você. Edição 7. Ano 1. Março-Abril de 2017. p. 18

[3] Em entrevista concedida para a Revista Cartórios com Você. Notários e Registradores e a Revolução da Blockchain. Revista Cartórios com Você. Edição 7. Ano 1. Março-Abril de 2017. p. 15

[4] Em entrevista concedida para a Revista Cartórios com Você. Notários e Registradores e a Revolução da Blockchain. Revista Cartórios com Você. Edição 7. Ano 1. Março-Abril de 2017. p. 15

[5] Em entrevista concedida para a Revista Cartórios com Você. Notários e Registradores e a Revolução da Blockchain. Revista Cartórios com Você. Edição 7. Ano 1. Março-Abril de 2017. p. 14

[6] Em entrevista concedida para a Revista Cartórios com Você. Novas Tecnologias e os desafios das Notas e dos Registros. Revista Cartórios com Você. Edição 7. Ano 1. Março-Abril de 2017. p. 11

*José Flávio Bueno Fischer

Tabelião de Notas e de Protestos em Novo Hamburgo – RS – BRASIL. Presidente do COLÉGIO NOTARIAL DO BRASIL e VICE-PRESIDENTE DA UINL, mandatos 2008/2010.

Fonte: Blog CNB/CF | 06/08/2018.

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