Escritura de divórcio que prevê pensão tem força jurídica

*José Luiz Germano

O site do Tribunal de Justiça de São Paulo veiculou, no dia 18 de dezembro de 2013, a notícia de que a 3ª Câmara de Direito Privado negou o processamento de uma execução de alimentos em que era pedida a prisão civil do devedor (artigo 733 do Código de Processo Civil). Entendeu-se que o pedido não era possível porque o título executivo era extrajudicial — uma escritura pública de divórcio —, e não uma decisão judicial.

Vejamos a fundamentação do voto:

É que o art. 733 do Código de Processo Civil estabelece que a prisão civil pode decorrer da inércia do devedor em pagar ou se escusar os alimentos fixados em sentença ou decisão (“Na execução de sentença ou decisão, que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê-lo”).

Contudo, a escritura pública de divórcio é título executivo extrajudicial (art. 1.124-A, parágrafo 1º, CPC), cujo grau de certeza é menor do que o do título produzido em juízo após contraditório e cognição exaurientes.

Daí porque não se pode admitir a prisão civil do devedor, medida excepcional e extremamente gravosa, em decorrência de ajuste que constou de escritura pública.

Para a execução desse débito alimentar, a agravada poderia se valer do rito da execução por quantia certa contra devedor solvente (art. 732, CPC), mas não do rito que prevê a prisão civil.

O assunto é de grande alcance prático, ultrapassando os limites do simples interesse das partes, visto que milhares são os casos de separação e divórcio instrumentalizados por escritura pública com a estipulação de pensão alimentícia em favor de um dos cônjuges ou dos filhos maiores.

Por primeiro, deve-se refutar a tese de que a obrigação de prestar alimentos firmada em cartório de notas é desprovida da observância do princípio do contraditório. Entende-se que há, sim, contraditório na formação do acordo de divórcio feito perante o tabelião, pois no ato as duas partes devem estar presentes e assessoradas pelo advogado escolhido por elas, que tanto pode ser um só para as duas ou um para cada. Como se vê, nada é feito sem a presença e a anuência do devedor, que está amparado por profissionais do direito de sua confiança. O tabelião fará as vezes de um juiz, confirmando a vontade das partes e, com o advogado, alertando-as das consequências do ato que está sendo feito. Tudo isso com a participação ativa dos interessados.

Os cartórios são parceiros da justiça e assim devem ser vistos. É o poder Judiciário que seleciona e fiscaliza os tabeliães. Por isso a Resolução 35 do CNJ, no seu art. 52 diz: os cônjuges separados judicialmente podem, mediante escritura pública, converter a separação judicial ou extrajudicial em divórcio, mantendo as mesmas condições ou alterando-as.

Em outras palavras, as partes podem, por escritura, alterar até mesmo o que antes tinham combinado sobre alimentos na presença do juiz! Portanto, não há espaço para entender-se que a escritura tem menos valor que a homologação judicial e por isso é incabível obstar a execução da pensão alimentícia na forma do art. 733 do CPC.

Não podemos nos prender à literalidade do art. 733 do CPC, que fala em execução de sentença ou decisão. Este dispositivo só se refere a esses dois tipos de pronunciamentos judiciais porque foi redigido na época em que só por meio de um magistrado era definido o valor de uma pensão, ainda que por mera homologação.

Porém, os tempos mudaram, o direito não é o mesmo e, com o advento da Lei 11.441/07, em muito boa hora, o divórcio consensual sem filhos menores passou a poder ser feito por escritura pública, na qual os alimentos são convencionados para o casal ou para os filhos maiores. Portanto, desde 2007, a definição do valor dos alimentos não é mais privativa de uma decisão judicial. Há mais liberdade para as próprias pessoas resolverem suas vidas. Portanto, o artigo 733 deve ser interpretado de forma sistemática e atual, não podendo ser apenas lido de forma literal.

O entendimento do julgado que se analisa parece ter considerado que o devedor é a parte mais fraca na relação jurídica da dívida alimentar. Todavia, o que ocorre é exatamente o contrário. Nessa relação alimentar a parte mais forte é quem paga e não quem recebe os alimentos. Quem paga tem para se manter e ainda pode ajudar alguém. Quem recebe não tem nem para o próprio sustento.

A pessoa que recebe a pensão está em situação de vulnerabilidade, pois precisa que outra pessoa contribua para o que é necessário para o seu bem estar: alimentação, vestuário, educação, transporte, saúde e lazer.

A interpretação meramente literal do artigo 733 do CPC, feita pelo acórdão noticiado, criou uma exceção, não prevista na lei e nem na Constituição, em que uma dívida alimentar ficou sem a força da possibilidade de prisão do devedor, enfraquecendo o direito do credor dos alimentos, que deles necessita para ter uma vida humana com dignidade, o que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, da Constituição).

O entendimento do julgado em análise retira das escrituras, indevidamente, eficácia jurídica que lhes é conferida pela Lei 11.441/07 e tem a consequência perniciosa de fazer com que a Justiça tenda a ser cada vez mais sobrecarregada, pois, com menos eficácia nos acordos de divórcio feitos nos cartórios de notas, as pessoas tendem a procurar o Judiciário para fazer o mesmo acordo que poderiam perfeitamente fazer fora dele.

O credor dos alimentos tem direito à proteção que decorre da possibilidade da prisão do devedor inadimplente. Se não for reconhecida essa eficácia no título extrajudicial, produzido no cartório de notas, a tendência é o credor fazer questão de que o acordo seja feito perante o Judiciário, com isso gerando processos e mais processos totalmente desnecessários, para mera homologação, exatamente o que a Lei 11.441/07 quis evitar.

Por sua vez, esse afluxo maior de processos tornará a justiça ainda menos célere e menos eficiente, o que contraria pelo menos dois princípios constitucionais: eficiência (art. 37) e duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII).

Lembre-se que os tabeliães não são os únicos que podem celebrar acordos de alimentos. A defensoria pública e o ministério público também podem lavrar termos de acordos, gerando igualmente títulos extrajudiciais. E o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a possibilidade de prisão civil na execução de tais títulos. Vejamos os precedentes adiante.

RECURSO ESPECIAL – OBRIGAÇÃO ALIMENTAR EM SENTIDO ESTRITO – DEVER DE SUSTENTO DOS PAIS A BEM DOS FILHOS – EXECUÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL FIRMADO PERANTE O MINISTÉRIO PÚBLICO – DESCUMPRIMENTO – COMINAÇÃO DA PENA DE PRISÃO CIVIL – POSSIBILIDADE.

1. Execução de alimentos lastrada em título executivo extrajudicial, consubstanciado em acordo firmado perante órgão do Ministério Público (art. 585, II, do CPC), derivado de obrigação alimentar em sentido estrito – dever de sustento dos pais a bem dos filhos.

2. Documento hábil a permitir a cominação de prisão civil ao devedor inadimplente, mediante interpretação sistêmica dos arts. 19 da Lei n. 5.478/68 e Art. 733 do Estatuto Processual Civil. A expressão "acordo" contida no art. 19 da Lei n. 5.478/68 compreende não só os acordos firmados perante a autoridade judicial, alcançando também aqueles estabelecidos nos moldes do art. 585, II, do Estatuto Processual Civil, conforme dispõe o art. 733 do Código de Processo Civil. Nesse sentido: REsp 1117639/MG, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 20/05/2010, DJe 21/02/2011.

3. Recurso especial provido, a fim de afastar a impossibilidade apresentada pelo Tribunal de origem e garantir que a execução alimentar seja processada com cominação de prisão civil, devendo ser observada a previsão constante da Súmula 309 desta Corte de Justiça.

RESP 1285254/DF – Relator Ministro Marco Buzzi – T4 – j. 04.12.12

RECURSO ESPECIAL – PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO DE ALIMENTOS – ACORDO REFERENDADO PELA DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL – AUSÊNCIA DE HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL – OBSERVÂNCIA DO RITO DO ARTIGO 733 E SEGUINTES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – POSSIBILIDADE, NA ESPÉCIE – RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. Diante da essencialidade do crédito alimentar, a lei processual civil acresce ao procedimento comum algumas peculiaridades tendentes a facilitar o pagamento do débito, dentre as quais destaca-se a possibilidade de a autoridade judicial determinar a prisão do devedor.

2. O acordo referendado pela Defensoria Pública estadual, além de se configurar como título executivo, pode ser executado sob pena de prisão civil.

3. A tensão que se estabelece entre a tutela do credor alimentar versus o direito de liberdade do devedor dos alimentos resolve-se, em um juízo de ponderação de valores, em favor do suprimento de alimentos a quem deles necessita.

4. Recurso especial provido.

REsp 1117639/MG – Relator Ministro Massami Uyeda – T3 – j. 20.05.2010

Com tantas possibilidades de soluções dos problemas por outras vias que não o processo judicial, não me parece correto o entendimento que induz as pessoas a procurar a justiça nos casos em que não há litígio, pois em tais casos elas estão de acordo e podem resolver o seu problema muito mais rapidamente, num cartório extrajudicial ou perante outros órgãos como a defensoria pública ou o ministério público.

Devemos ter em mente que não há possibilidade de prisão civil sem o crivo judicial. Quem decreta a prisão não é o advogado, não é o tabelião e nem são as partes. A prisão só é decretada por um juiz e sempre depois de possibilidade de defesa.

De fato, o devedor é citado para pagar, comprovar que pagou ou se justificar no prazo legal de três dias. A prisão só vem rapidamente quando ocorrem essas três omissões do devedor. Não existe entre nós uma prisão automática, decorrente da pura e simples falta de pagamento. Desde a inadimplência até a ordem de prisão, há uma importante tramitação processual, que assegura uma série de garantias.

Deve ficar bem claro que a escritura não acarreta a prisão de ninguém. Não há o que temer. Todos estão seguros, inclusive os devedores. A prisão é excepcional, pois é a última opção do juiz, reservada apenas para quem não tem motivo justo para deixar de pagar.

Portanto, é um equívoco ser rigoroso demais na exigência formal do título que gera o crédito aos alimentos. Isso fez o julgado em questão. Se a preocupação é não prender alguém desnecessariamente, basta que o juiz só decrete a prisão nos casos em que isso realmente é necessário, mas independentemente de o título ser judicial ou extrajudicial.

As pessoas costumam pagar as pensões não porque são presas, mas pelo temor de ter a sua prisão decretada. Por isso que, para que as coisas funcionem bem, basta que exista a mera possibilidade de a prisão ser decretada. Mas, quando se considera, de antemão, que a prisão é incabível porque o título é extrajudicial, o temor desaparece e com ele um importante estímulo ao pagamento pontual.

Com a impontualidade estimulada, aumenta ainda mais o número dos processos de execução, sobrecarregando-se ainda a justiça, de maneira totalmente desnecessária. Como vemos, um dos efeitos é uma litigiosidade maior.

Finalmente, do ponto de vista de política judiciária e de planejamento estratégico do Poder Judiciário, é um equívoco grave negar a possibilidade de prisão por alimentos convencionados em escritura de divórcio, pois o fundamento de proteger o devedor inadimplente acaba sendo um golpe gravíssimo contra o instituto do divórcio extrajudicial, que muito tem contribuído para melhorar a atuação da justiça e a vida de tantas pessoas.

Negar eficácia parcial aos divórcios extrajudiciais é estimular que eles sejam feitos em juízo, o que contraria o momento em que vivemos. Não devemos fomentar o litígio e nem a desnecessária judicialização, que já é grande. Devemos buscar formas alternativas de resolução dos conflitos, como tem dito o Conselho Nacional de Justiça.

O Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Desembargador José Renato Nalini, em entrevista publicada no jornal Valor Econômico, no dia 02 de janeiro de 2014, quando tomou posse, disse que uma das metas de sua gestão é reduzir o número de demandas. Vejamos um trecho do que foi dito pelo chefe do Poder Judiciário Paulista.

“Gostaria que a sociedade paulista prestasse mais atenção ao Judiciário e ajudasse a definir se esse é o modelo realmente hábil para a solução de conflitos. Há um excesso de demandismo. O Brasil tem 93 milhões de processos para quase 200 milhões de habitantes. Isso é irreal. O Judiciário deve investir cada vez mais nos meios alternativos de solução de conflitos. A população se acostumou a discutir todas as suas questões, desde as mais graves até as menores, em juízo. Nós alargamos a porta de acesso à Justiça. Todos entram, mas agora não encontram a saída, que é um funil. O Judiciário deve mostrar que a solução pacífica, a autocomposição, é muito mais eficaz do que a solução dada pelo Estado-juiz. Quando se faz um acordo, além de economizar tempo e dinheiro, você foi protagonista da sua história. Opinou, discutiu e entendeu. Você não foi excluído. No processo, a parte é excluída. Ela fica ali. É só o advogado que fala”.

Em conclusão, a escritura de divórcio que estipula alimentos entre os cônjuges não é juridicamente frágil e nem potencialmente perigosa para a proteção dos direitos dos envolvidos. Ao contrário, ela é um importante instrumento de realização rápida do direito, bem como da “desjudicialização”, de modo que, a regra procedimental prevista no artigo 733, do CPC deve ser harmonizada com a inovação prevista na Lei 11.441/07, viabilizando, portanto, o método coercitivo do devedor, em consonância ao que dispõe a Constituição Federal, consistente na admissão da excepcional prisão do devedor de alimentos, ainda que estes tenham sido estipulados consensualmente perante um cartório de notas. Com esta ótica não se prega a indiscriminada prisão civil dos devedores de pensões alimentícias. O que se defende é a mera possibilidade do cabimento da prisão civil, sem se fazer a discriminação da natureza do título executivo, seja ele judicial ou uma escritura pública.

_____________

José Luiz Germano é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e aluno da Especialização em Direito Notarial e Registral na Escola Paulista da Magistratura

Fonte: ConJur | 24/01/14

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


O regime tributário ideal dos serviços notariais e de registro

*Marcos Alberto Pereira Santos

A discussão sobre o regime de tributação dos serviços notariais e de registro ganhou relevo após a promulgação da Lei Complementar 116/2003, que regulamentou o artigo 156, inciso III da Constituição Federal, que refere ao Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios, que incluiu atividade cartorária [1] como passível da exação.

O debate, no momento inicial, fora no sentido de se considerar inconstitucional a tributação desta atividade, notadamente porque os serviços prestados nas serventias possuem natureza eminente pública, daí porque se estaria diante do fenômeno da imunidade.

Todavia, a tese vencedora fora a capitaneada pelo Fisco municipal, consagrada no improvimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3089, quando o Supremo Tribunal Federal se pronunciou favorável à legalidade do tributo, ao argumento em que as pessoas que exercem atividade cartorária não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços, com intuito lucrativo, invoca a exceção prevista no artigo 150, parágrafo 3º da Constituição.

Derrotados no primeiro round, os delegatários foram acossados no segundo, quando receberam avassaladores golpes deferidos pelos municípios, que com afã arrecadatório, empreenderam diligência para receber o tributo, porém o fizeram da forma mais gravosa à atividade.

Por evidente, os titulares dos serviços não concordando com o rigor do exigido, passaram se esquivar dos golpes sustentando que cobrança do Imposto Sobre Serviços deveria ser por preço fixo, típica dos serviços de natureza pessoal e não calculado sobre a receita bruta, como ocorre na atividade empresarial.

Malgrado a coesa e verossímil argumentação dos notários e registradores, no sentido de ser aplicado o preço fixo preconizado no Decreto-Lei 406/68, ao que perece, mais uma vez os municípios levarão vantagem, pois o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem sedimentando o entendimento que o exercício da atividade se assemelha à empresarial, daí se justifica aplicação integral das alíquotas e base de cálculo legisladas na Lei Complementar . 116/2003.

Portanto, o nó górdio da discussão que ocupa delegatários é a demonstração de que o regime da tributação pessoal é que deve prevalecer.

O presente trabalho tem o escopo de discorrer não sobre o regime tributário prevalente, mas em arguir qual seria o melhor: o encampado pelos cartorários, pautado na pessoalidade ou o afirmado pelos Municípios, que se assemelharia a atividade empresária? 

Regimes tributários

Para custear a consecução do bem comum, o Estado necessita obter receitas e o faz de duas formas: originariamente, quando explora o seu próprio patrimônio, sem nada impor, numa relação negocial ou derivadamente, em que age impositivamente, editando leis para que os particulares, independente de sua vontade, entreguem valores, isto é, parte do patrimônio é compulsoriamente tributada.

A Constituição Federal elencou determinadas situações fáticas ou expressões econômicas que, se vierem à existência, ensejarão no dever legal de pagar tributos. Contudo, coube ao legislador infraconstitucional estabelecer contornos de como seria a cobrança das exações. Então, dentro dessa sistemática, numa definição simplória, temos que as diferentes formas de apuração do imposto devido, denomina-se regime tributário.

As nuanças da tributação de pessoas físicas são menos acentuadas. Assim, por exemplo, a depender da atividade desenvolvida pelo contribuinte do Imposto de Renda o mesmo deverá lavrar livro caixa, efetuar pagamentos mensais, ou então, já tem o imposto retido na fonte, mas de toda forma, as alíquotas são as mesmas no regime.

Já no caso da jurídica, a escolha do regime tributário é parte imprescindível para a sobrevivência da própria empresa, pois os valores, forma de apuração e alíquotas, variam consideravelmente a depender do regimento.

No Brasil, atualmente, os regimes tributários mais utilizados para as empresas, nos quais podem se enquadrar de acordo com as atividades desenvolvidas são: a) Simples Nacional; b) Lucro Presumido; c) Lucro Real.

Regime tributário dos serviços notariais e registrais

A função notarial e registral tem fundamento na própria Constituição Federal, em seu artigo 236. Desse fundamento emerge que a natureza jurídica da atividade, é um mix entre o exercício privado de uma atividade que embora pertença ao poder público é delegada.

Essa dicotomia entre público e privado levou o STF a se pronunciar sobre a natureza jurídica da atividade, que na Ação Direita de Inconstitucionalidade 2.602, ressaltou o caráter estatal, temperado pelos contornos privados. Também na ADI 3.151, entendeu que há uma excepcionalidade, uma delegação sui generis, concedida somente a pessoa natural, por habilitação em concurso público de provas e títulos.

Por isso, a jurisprudência e a doutrina são uníssonas em afirmar que a personalidade do serviço, assim mesmo com o auxílio de colaboradores e vários outros elementos de empresa, é indubitavelmente pessoal.

Assim, em razão da coerência do sistema jurídico, deveria ser esse o entendimento adotado pelo STJ, no que tange ao ISS, isto é, levar em consideração a pessoalidade de prestação.

Conforme já dito alhures, parece não ser esse o caminho a ser trilhado. Se isso acontecer, isto é, se os tribunais superiores mantiverem o atual entendimento, teremos uma esdrúxula diferenciação de regimes tributários, que variarão ao sabor da exigência do Fisco: para União, pessoalidade e para os municípios, atividade econômica.  

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE INGRESSO COMO ASSISTENTE SIMPLES. CARACTERIZADO O INTERESSE JURÍDICO. PREQUESTIONAMENTO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. ISS. ATIVIDADE NOTARIAL E DE REGISTRO PÚBLICO. REGIME DE TRIBUTAÇÃO FIXA. ART. 9º, § 1º, DO DECRETO-LEI 406/68. NÃO CABIMENTO. ATIVIDADE EMPRESARIAL. PRECEDENTES.

3. Não se aplica à atividade notarial e de registros públicos a sistemática de recolhimento de ISS prevista no art. 9º, § 1º, do Decreto-Lei n. 406/68, porquanto tal benefício só se aplica aos casos em que há prestação de serviço especializado, com responsabilidade pessoal e sem caráter empresarial. No caso dos serviços em questão, há nítido caráter empresarial. [2] 

Entretanto, embora a decisão afronte a literalidade da lei e essência da atividade, nela enxergamos pontos positivos, pois tendo-a como referência, pode haver uma mudança paradigmática no regime de tributação, que julgamos mais benéfica para atividade.

Advogamos a tese que a divergência de regimes tributários criado pelo STJ pode ser favorável ao contribuinte delegatário, desde que, também, extensível aos demais tributos. Isso porque do ponto de vista fiscal é mais interessante o serviço ser tributado como atividade empresária do que como prestador físico.

O que não é crivo e nem razoável é o paradoxo de regimes, em se tributar o Imposto de Renda como pessoa física e o ISS como atividade empresária. A Corte Superior deve eleger um único no tocante à integralidade das obrigações tributárias e para nós, no grosso das situações, esse último é mais favorável aos cartorários, conforme contabilmente demonstraremos a seguir.

Apesar da carga tributária no Brasil em si ser bastante densa, auferindo-se contabilmente, a tributação das empresas, na maioria das vezes, se mostra mais favorável do que a do contribuinte individualmente considerado. Talvez em razão da função social da empresa, em que o detentor da competência tributária deve ser mais sensível com os núcleos de produção de riqueza, pois do contrário pode haver desestimulo a atividade econômica.

Desta forma, no caso dos notários e registradores, em essência, o problema não é a tributação pela receita bruta do ISS, mas a não aplicação dos mesmos critérios para os demais tributos, o que faz com que tenham que suportar o pesado cargo do imposto de renda.

Vamos imaginar, hipoteticamente, um delegatório que tenha uma serventia que ingresse mensalmente a títulos de emolumentos o valor de R$ 10 mil, tendo um único funcionário remunerado com base no mínimo legal, guardada as devidas proporções à tributação seria a seguinte:

Pessoa Física

Pessoa Física

R$ 10.000,00 (receita)

Despesas dedutíveis

 

R$ 200 a R$ 500 (ISSQN)*

 

R$ 678,00 (salário mínimo)

 

R$ 235,94 (encargos de folha)**

R$ 8.886,06 (base cálculo IRPF)

 

 

R$ 1.653,09 (Imposto de Renda)

Total Impostos

 

 

R$ 2.089,03 a R$ 2.359,09***

* ISSQN levando em consideração o entendimento do STJ que se aplica alíquota sobre o faturamento bruto. Alíquota varia de 2% a 5% a depender da regulamentação do Município./ **INSS do empregador + FGTS + Contribuições Sociais. / ***Valor a depender da alíquota do ISSQN.

Lucro Presumido

Lucro Presumido

R$ 10.000,00 (receita)

 

 

R$ 200 a R$ 500 (ISSQN)*

 

R$ 678,00 (salário mínimo)

 

R$ 235,94 (encargos de folha)**

 

R$ 120,00 (Imposto de Renda)

 

R$ 108,00 (CSLL)

 

R$ 65,00 (PIS)

 

R$ 300,00 (COFINS)

Total Impostos

 

 

R$ 1.028,94 a R$ 1.328,94***

* ISSQN levando em consideração o entendimento do STJ que se aplica alíquota sobre o faturamento bruto. Alíquota varia de 2% a 5% a depender da regulamentação do Município./ **INSS do empregador + FGTS + Contribuições Sociais. / ***Valor a depender da alíquota do ISSQN.

Simples

Simples

R$ 10.000,00 (receita)

 

 

R$ 600 (DAS)*

 

R$ 678,00 (salário mínimo)

 

R$ 235,94 (encargos de folha)**

Total Impostos

 

 

R$ 835,94

* Documento de Arrecadação unificado em que todos os tributos, inclusive o ISS é pago mediante aplicação de única guia. **INSS do empregador + FGTS + Contribuições Sociais.

É claro que, de acordo com a legislação do Imposto de Renda, no caso das pessoas físicas, outras despesas também são dedutíveis, todavia, a alíquota do imposto crescerá progressivamente (chegando a 27,5%), e os gastos ficarão limitados. Assim, quanto maior a receita diretamente proporcional será a mordida do Leão.

Salvo pouquíssimas exceções, notadamente em cartórios com baixíssimos rendimentos, a tributação pelo lucro presumido torna-se mais atraente, uma vez que sequer inexiste a possibilidade de glosa de despesas. Ora, é sabido que a Receita Federal do Brasil não aceita todas as despesas como dedutíveis. Além do mais, embora incida outras contribuições, como o CSLL, PIS e COFINS, as alíquotas em conjunto, ainda são menores do que a do imposto de renda da pessoa física.

Todavia, o melhor dos mundos é sem sobra de dúvida a migração para o Simples, que é um regime compartilhado de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos, previsto na Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.

Serviços notariais e registrais como empresa

A toda evidência, emerge do regramento vigente que a atividade cartorária é marcada pelo traço de pessoalidade. Porém, entendemos que há possibilidade jurídica da mutação do regime.

Não há como negar que hoje os cartórios já não são mais identificados na pessoa do titular que o administra, mas há situações que são verdadeiros complexos organizados para circulação de serviços, presente elementos de empresa, mormente a profissão seja eminentemente intelectual, encaixando-se como uma luva na definição de empresário do artigo 966 do Código Civil.

Há serviços notariais e registrais que de tão bem administrados se assemelham as grandes corporações, onde os usuários são prontamente atendidos por colaboradores qualificados, em que a parte prescinde da presença do tabelião ou registrador. Como observam Kellen Medeiros Bagatin e Armando Dallas Costa( ):

“a razão de ser do notariado e dos registros públicos largamente vislumbrados nos dias atuais, em consequência das exigências sociais com o crescimento populacional, a expansão das atividades comerciais e a complexidade engendrada nos avanços tecnológicos e sociais que ensejam a todo instante adaptações nas práticas de realização de negócios”. [3]

O fato é que hoje os serviços notarias e registrais só fogem ao conceito de empresa por nítida opção do legislador, todavia, essa vontade já não repercute a realidade da atividade.

Pontua-se que não estão estamos pleiteando a recategorização do exercício da atividade de pessoa jurídica para jurídica. Por evidente, tal proposta seria flagrantemente inconstitucional, uma vez que o artigo 236 da Constituição outorga a delegação a uma pessoa física.

Na verdade, advogamos que o regime jurídico tributário dos cartórios é mais penoso do que dado a uma empresa. Quando na verdade, os delegatários, exercem hoje o seu múnus profissionalmente e de forma organizada.

É verdade que muitos cartórios de tão diminutos ainda são regidos com fortes contornos da pessoalidade. Contudo, não há nenhum óbice para que por ficção legal eles também sejam considerados como empresários, é claro, desde que mais vantajoso o regime. Porém, o que hoje é exceção (pessoalidade) não pode segurar as vantagens da regra (atividade empresária).

O nosso desiderato é que aos cartórios seja deferido o mesmo tratamento dado a um empresário individual no tocante aos encargos tributários. Para tanto, em nome do princípio da legalidade, careceria de uma pontual reforma legislativa.

Conclusão

Formalmente, na concepção literal dos textos legais, a pessoalidade é o elemento caracterizador da atividade notarial e registral. Entretanto, pensamos que talvez fosse interessante que comunidade cartorária, aproveitando a oportunidade que o STJ, indevidamente, criou uma dualidade de regimes para beneficiar os Municípios, começasse a  discutir a mudança do regime tributário.

É absurdo  ter diferentes regimes tributários para situações jurídicas idênticas, mas como demonstrado acima, imaginamos que o exercício de empresa é mais simpático aos cartorários, pelo menos no que concerne ao aspecto tributário.

Destarte, mesmo não concordando com o STJ em razão da pluralidade de regimes, defendemos a migração para o empresarial, pois arrimado na frieza dos números, acreditamos que é o que mais coaduna com a atual realidade da atividade.

Referências

BAGATIN, KellenMedeios e COSTA, Armando Dalla. Cartórios como Empresas de Serviço Público Ocupadas Via Concurso. Revista Organização Sistêmica, v. 2. n. 1, jul. dez 2012, p. 82 a 101.

BRITO, Hugo Machado de. Consulta da Anoreg — Associação dos Notários e Registradores do Brasil — sobre o regime jurídico do ISSQN  incidente sobre os serviços notariais, cartorários e de público. Acesso: 13.09.2013.   www.anoreg.org.br/index.php?option=com


[1] Lembramos que no Direito brasileiro é tecnicamente incorreto designar os serviços notariais e registrais como cartório, entretanto, em razão da habitualidade e para fins didático usaremos indistintamente os termos como sinônimos.

[2] AgRg no AgRg no AREsp 268238 / SP no Resp. 2012/0258668-2. Min. HUMBERTO MARTINS (1130). 2ª Turma. DJe 24/05/2013.

[3] Cartórios como Empresas de Serviço Público Ocupadas Via Concurso. Revista Organização Sistêmica, vol. 2. Nº 1, jul. dez 2012, p. 98

__________________

Marcos Alberto Pereira Santos é mestre em Direito, especialista em Direito notarial e registral e oficial titular do Cartório do Único Ofício da Comarca de Pacajá (PA)

Fonte: ConJur | 22/01/14

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


O futuro da Justiça

*José Renato Nalini

Todo ser humano tem uma noção do que é sofrer uma injustiça. O convívio não é fácil, mesmo em células naturais como a família. Numa era de esgarçamento de valores, não é raro que irmãos se desentendam por inúmeras razões. Uma delas é o patrimônio. Desde que o capitalismo foi erigido como a forma natural de distribuição dos bens da vida e o socialismo não se mostrou exitoso em suas várias experiências, o dinheiro se impôs como senhor absoluto.

Se há brigas familiares, o que não dizer de outras relações sociais? A pacificação não é a regra, mas a exceção. No mundo de hoje existe um individualismo exagerado e a sensibilidade aflora ante a mínima provocação. Fator de multiplicação de litígios, pois ninguém quer "sair perdendo" ou "ficar em situação de inferioridade".

O resultado de tudo isso é a multiplicação de processos judiciais. A ação em juízo é ainda considerada a maneira mais civilizada de compor conflitos. É a derradeira fase de uma lenta evolução que começou com a retorção imediata – a reação instantânea do ofendido contra o ofensor – e passou para a lei de Talião. Esta já representou um avanço: trouxe a proporcionalidade, inexistente na etapa anterior. O "olho por olho, dente por dente" foi um progresso.

Entregar a um terceiro imparcial a atribuição de resolver a querela foi o estágio seguinte. Mas parece que teremos de pensar em outras opções. O Brasil tem hoje 93 milhões de processos em curso. Para 200 milhões de pessoas, o número é um exagero inadministrável. Parece que todos os indivíduos são litigantes. Será o Brasil um país símbolo da beligerância?

Explica-se o fenômeno do excesso de demandas por várias causas. Para os otimistas, ele é resultado de uma Constituição Cidadã que acreditou no Judiciário e explicitou que nenhuma lesão ou ameaça a direito venha a ser subtraída à apreciação de um juiz de direito. Atentas a essa escolha do constituinte, as pessoas acordaram e procuraram o foro, destravando o represamento de pretensões insatisfeitas. É a demanda reprimida que desaguou nessa multiplicidade de processos.

Sob concepção tal, o número elevado de ações a tramitar pelos juízos e tribunais brasileiros seria uma espécie de termômetro democrático altamente favorável à democracia. A Justiça funciona. Os tribunais estão abertos à população.

Mas outra leitura também é possível. Menos ufanista. Mais realista. Os filósofos gregos já proclamavam: "nada em excesso". O excesso debilita e mata. A Justiça não dá conta desse elevado número de processos. Para vencê-los, a resposta é sempre a mesma: precisamos de mais orçamento, de mais juízes, de mais funcionários, de mais edifícios destinado aos fóruns. A resposta a tais demandas não tem sido outra: o Estado brasileiro tem carências permanentes e intensas. Ele precisa de Justiça, é óbvio. Mas não precisa menos de infraestrutura, saneamento básico, moradia, transporte, saúde, educação e segurança. Onde encontrar dinheiro para atender a todos esses direitos legítimos?

Diante de situação tal, incumbe a cada brasileiro formular a sua receita para enfrentar o problema. Haveria uma "terceira via", que não fosse a ampliação até o infinito ou o congelamento mantenedor da atual situação de déficit no funcionamento do Judiciário?

Essa terceira via está nas alternativas de resolução de conflito diversas do juízo convencional. O direito anglo-saxão é pródigo em fórmulas de harmonização que não precisam do Estado-juiz tradicional. Há muito tempo investem na conciliação, na negociação, na mediação, na transação, no "rent-a-judge" e em inúmeras outras modalidades subtraídas ao dispendioso, lento e complexo padrão judicial.

Essa linha precisa ser mais utilizada, após serena análise de todos aqueles que se compenetram de que o Judiciário não é problema exclusivo dos juízes. Nem dos demais profissionais da área jurídica. O Judiciário é um serviço estatal posto à disposição do povo. É a população a legitimada a discuti-lo, a oferecer propostas de aperfeiçoamento, a zelar pelo seu efetivo bom funcionamento, a exigir dele a eficiência prometida pelo constituinte.

Sem esse debate nacional, as soluções brotadas no natural hermetismo da cultura jurídica nem sempre atenderão ao desejo da sociedade. Esta mesma que sustenta o equipamento judicial, cujo crescimento é contínuo e permanecerá submetido à mesma lógica.

Brasileiros: pensem nisso e contribuam para um debate fundamental ao fortalecimento da democracia.

____________

José Renato Nalini é presidente do TJ/SP

Fonte: Migalhas | 21/01/14

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.